FUNDAÇÃO EDUCACIONAL SERRA DOS ÓRGÃOS CENTRO UNIVERSITÁRIO SERRA DOS ÓRGÃOS Centro de Ciências e Tecnologia Álgebra Linear – 2015-1 Semana 4 1. Sistemas de Equações Lineares e Matrizes (cont.) Conjunto Solução de um Sistema Linear Na semana passada, descrevemos o conjunto solução de um sistema linear Ax = b como a soma de um vetor fixo e uma combinação linear de vetores. No caso em que b = 0, não teremos este vetor fixo, apenas uma combinação linear de vetores. Este caso é tão importante que tem um nome especial: tais sistemas são ditos homogêneos. Sistemas homogêneos sempre têm solução, pois o vetor x = 0 satisfaz o sistema; esta solução é chamada de solução trivial. Para um sistema homogêneo, é importante saber se existe alguma solução não trivial, ou seja, alguma solução x ≠ 0. Pelo que vimos anteriormente, é claro que: A equação homogênea Ax = 0 tem solução não trivial se, e somente se, a forma escalonada de A tiver pelo menos uma coluna sem elemento líder. É claro que isso é equivalente à existência de pelo menos uma variável livre. EXEMPLO 28: Vimos, no 1º Teste, que uma equação química pode ser balanceada através de um sistema linear homogêneo. Por exemplo, a reação química a seguir indica que, quando x1 moléculas de acetileno são queimadas em x2 moléculas de oxigênio, elas produzem x3 moléculas de dióxido de carbono e x4 moléculas de água: x1C2H2 + x2O2 → x3CO2 + x4H2O. Vimos que, para balancear a equação, o número de átomos de cada elemento à esquerda tem que ser igual ao número de átomos à direita. Por exemplo, temos 2x1 átomos de carbono à esquerda e x3 átomos de carbono à direita, logo a 1ª equação do sistema é 2x1 = x3. Procedendo desta forma para cada elemento, obtivemos o sistema homogêneo 2x1 − x 3 = 0, x1 − x 4 = 0, 2x − 2x − x = 0. 3 4 2 Vimos, também que a forma escalonada da matriz de coeficientes é 1 0 0 −1 0 1 0 − 5 , 2 0 0 1 −2 De modo que a última coluna da matriz não tem elemento líder, o que indica a existência de uma variável livre. A solução deste sistema é x1 = x4, x2 = 5x4/2, x3 = 2x4, x4 arbitrário. Em notação vetorial, a solução é x1 x 4 1 2 2 x 5 x 5 5 2 = 2 4 = x 2 = 1 x = t 5 , t arbitrário. 4 x 3 2x 4 2 2 4 4 4 1 2 2 x 4 x 4 UNIFESO Neste exemplo específico, todas as variáveis têm que ser inteiras e maiores do que 0, de modo que x4 tem que ser um inteiro positivo par e a solução geral consiste em todos os múltiplos inteiros do vetor (2, 5, 4, 2). É claro que, se considerássemos apenas o sistema (sem a interpretação), o conjunto solução coincidiria com o espaço gerado pelo vetor (2, 5, 4, 2). ∎ Uma única equação homogênea também pode ser considerada como um “sistema”. EXEMPLO 29: Encontre todas as soluções do “sistema” homogêneo 3x – 5y + 2z = 0. Solução: Aqui podemos escrever x em função das outras variáveis y e z. Esta é a equação de um plano contendo a origem; temos dois graus de liberdade e a solução geral pode ser escrita na forma − 32 53 x 53 y − 32 z y = y = y 1 + z 0 . 1 0 z z Portanto, toda solução da equação dada é uma combinação linear dos vetores u = (5/3, 1, 0) e v = (−2/3, 0, 1), ou seja, o conjunto solução é ℒ({u, v}). Como esses vetores não são múltiplos um do outro, eles geram um plano contendo a origem. ∎ Nos dois exemplos acima, a solução do sistema pode ser escrita como uma combinação linear de vetores. De fato, isso sempre ocorre, ou seja, o conjunto solução de qualquer sistema linear homogêneo é sempre da forma ℒ({v1, …, vr}), onde r é a quantidade de variáveis livres. EXEMPLO 30: Encontre os vetores que geram homogêneo Ax = 0, onde 1 −3 0 1 −2 1 A= 2 −8 −2 2 −1 5 a solução do sistema linear −7 −5 . −18 11 Solução: O 1º passo é escalonar a matriz A: −7 1 −3 0 1 −3 0 −7 1 −2 1 −5 ℓ 2 ← ℓ 2 − ℓ1 0 1 1 2 2 −8 −2 −18 ℓ 3 ← ℓ 3 − 2ℓ1 0 −2 −2 −4 ℓ 3 ← ℓ 3 + 2ℓ 2 −1 5 2 11 ℓ 4 ← ℓ 4 + ℓ1 0 2 2 4 ℓ 4 ← ℓ 4 − 2ℓ 2 1 −3 0 −7 ℓ1 ← ℓ1 + 3ℓ 2 1 0 3 −1 0 1 1 2 0 1 1 2 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Denotando as variáveis por x1, x2, x3, x4, vemos que a solução geral do sistema é x1 = −3x3 + x4, x2 = −x3 – 2x4, x3 e x4 arbitrários. Em forma vetorial, a solução é x1 −3x 3 + x 4 −3 1 x −x − 2x −1 −2 2 3 4 =x u+x v. x= = = x3 + x4 3 4 x3 1 0 x3 x4 0 1 x4 2 Álgebra Linear Semana 2 UNIFESO Logo o espaço solução é ℒ({u, v}), onde u = (−3, −1, 1, 0) e v =(1, −2, 0, 1). ∎ Vimos, na aula passada, exemplos de dois sistemas lineares não homogêneos em que a solução a solução geral é dada por um vetor fixo somado ao espaço gerado por um vetor em um exemplo e por dois vetores no outro exemplo. Isso sempre ocorre em sistemas não homogêneos. TEOREMA: Se o sistema linear não homogêneo associado à equação matricial Ax = b for consistente, então todas as soluções serão da forma x = p + v, onde p é uma solução particular da equação e v é uma solução do sistema homogêneo associado Ax = 0. Demonstração: Como o sistema é consistente, existe alguma solução; seja p uma solução particular. Dada outra solução x qualquer, seja v = x – p; então Av = A(x – p) = Ax – Ap = b – b = 0, logo v é uma solução do sistema homogêneo associado e x = p + v. ∎ Como sabemos que o conjunto solução de um sistema linear é ℒ({v1, …, vr}), a solução geral de um sistema não homogêneo será da forma x = p + t1v1 + … + trvr, com t1, …, tr números reais arbitrários. Quando a solução está escrita nesta forma, dizemos que está em forma vetorial paramétrica. EXEMPLO 31: A matriz de coeficientes eram 1 2 A = 1 1 2 1 e o vetor b do sistema no Exemplo 14 −3 −2 , b = −3 −4 0 . 4 Escrevemos a solução do sistema Ax = b no Exemplo 17 na forma x z + 4 4 1 y = z − 4 = −4 + z 1 . z z 0 1 Neste caso, p = (4, −4, 0), v = (1, 1, 1) e toda solução do sistema é um transladado, por p, de ℒ({v}). homogêneo Ax = 0, pois 1 Av = 1 2 Note que v é, de fato, solução do sistema 2 −3 1 1 + 2 − 3 0 1 −2 1 = 1 + 1 − 2 = 0 . ∎ 1 −3 1 2 + 1 − 3 0 EXEMPLO 32: Verifique se o sistema Ax = b é consistente, onde A é a matriz do Exemplo 30 e b = (−9, −5, −26, 17). Em caso afirmativo, escreva a solução na forma x = p + t1v1 + t2v2. Solução: No Exemplo 30 vimos que a solução do sistema homogêneo associado é ℒ({v1, v2}), onde v1 = (−3, −1, 1, 0) e v2 = (1, −2, 0, 1). Como a forma escalonada reduzida da matriz A tem duas linhas nulas, o sistema Ax = b será consistente se, e somente se, ao efetuarmos as mesmas operações elementares (que usamos na matriz A) no vetor b, as duas últimas linhas forem nulas. O escalonamento de A foi feito em três passos: no 1º, foram efetuadas três operações, ℓ2 ← ℓ2 − ℓ1, ℓ3 ← ℓ3 − 2ℓ1, ℓ4 ← ℓ4 + ℓ1; no 2º, foram efetuadas duas operações, ℓ3 ← ℓ3 + 2ℓ2, ℓ4 ← ℓ4 − 2ℓ2; finalmente, no 3º passo, foi efetuada a operação ℓ1 ← ℓ1 + 3ℓ1. Efetuando essas mesmas operações no vetor b, obtemos Semana 3 Álgebra Linear 3 UNIFESO −9 −9 −9 3 −5 → 4 → 4 → 4 . −26 −8 0 0 17 8 0 0 Isso mostra que o sistema é consistente e, escolhendo a solução que tem as variáveis livres nulas, vemos que p = (3, 4, 0, 0), já que a matriz aumentada do sistema, depois dessas operações, ficou 1 0 3 −1 3 0 1 1 2 4 . 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Portanto, a solução geral do sistema, em termos vetoriais, é 3 −3 1 4 −1 −2 x= + t1 + t2 , 0 1 0 0 0 1 t1 e t2 números reais arbitrários. ∎ No caso de sistemas de 3 variáveis (ou seja, quando a matriz de coeficientes tem3 colunas), se o sistema tiver 2 variáveis livres e for consistente, a solução do sistema homogêneo associado será gerada por dois vetores, v1 e v2, ℒ({v1, v2}) será um plano contendo a origem e a solução geral será um plano paralelo ao plano ℒ({v1, v2}) contendo o ponto final do vetor p com ponto inicial na origem, ou seja, será o plano ℒ({v1, v2}) transladado pelo vetor p. Se o sistema tiver 1 variável livre e for consistente, a solução do sistema homogêneo associado será gerada por um vetor v, ℒ({v}) será uma reta contendo a origem e a solução geral será uma reta paralela à reta ℒ({v}) contendo o ponto final do vetor p com ponto inicial na origem, ou seja, será a reta ℒ({v}) transladada pelo vetor p. Se não houver variável livre e o sistema for consistente, tanto o sistema não homogêneo quanto o homogêneo associado terão uma única solução, logo o conjunto solução do sistema homogêneo associado será gerado pelo vetor nulo 0. É claro que nada do que fizemos será válido se o sistema for inconsistente: neste caso, não existe solução. Independência Linear DEFINIÇÃO: Um conjunto S = {v1, …, vm} de vetores em ℝn será dito linearmente independente, denotado por l.i., se a única solução da equação vetorial c1v1 + c2v2 + … + cmvm = 0 para os escalares c1, c2, …, cm for c1 = c2 = … = cm = 0. Caso contrário, o conjunto será dito linearmente dependente (l.d.). Quando o conjunto S = {v1, …, vm} for l.i. (respectivamente, l.d.), diremos que os vetores v1, …, vm são l.i. (respectivamente, l.d.). EXEMPLO 33: Verifique se os vetores v1 = (0, 5, 2), v2 = (5, 0, −3), v3 = (2, 3, 0) são l.i. ou l.d.; se forem l.d., encontre constantes não nulas c1, c2, c3. 4 Álgebra Linear Semana 2 UNIFESO Solução: A equação vetorial c1v1 + c2v2 + c3v3 = 0 é equivalente ao sistema Ax = 0, onde A é a matriz cujas colunas são os vetores v1, v2 e v3. Pelo que vimos antes, o sistema só terá solução não trivial quando tiver alguma variável livre, ou seja, quando a forma escalonada da matriz A tiver uma coluna sem elemento líder. Como A é uma matriz quadrada, isso só ocorrerá se a forma escalonada de A tiver pelo menos uma linha nula. Como queremos encontrar as soluções do sistema, vamos encontrar a forma escalonada reduzida de A: 0 5 2 5 0 3 ℓ1 ← 15 ℓ1 1 0 53 ↔ ℓ ℓ 2 5 0 3 1 0 5 2 0 5 2 2 −3 0 ℓ 3 ← ℓ 3 − 2ℓ1 2 −3 0 2 −3 0 . 3 3 3 1 0 1 0 1 0 5 5 5 2 2 1 0 5 2 ← 0 1 0 1 ℓ ℓ 5 2 5 5 2 0 −3 − 56 0 −3 − 56 ℓ 3 ← ℓ 3 + 3ℓ 2 0 0 0 Então c3 é arbitrário, c1 = −3c3/5 e c2 = −2c3/5. Escolhendo c3 = −5, obtemos c1 = 3 e c2 = 2, ou seja, 0 5 2 0 3 5 + 2 0 − 5 3 = 0 . 2 −3 0 0 Isso mostra que os vetores são l.d. ∎ Note que a equação matricial Ax = 0 pode ser escrita em forma vetorial como x1a1 + x2a2 + … + xnan = 0, onde a1, a2, …, an são as colunas da matriz A. É claro então que As colunas de uma matriz A serão linearmente independentes se, e somente se, a equação Ax = 0 só tiver a solução trivial. EXEMPLO 34: Verifique se as colunas da matriz A são l.i., onde 3 2 10 A = 2 3 10 . 0 1 −1 Solução: Escalonando A, obtemos: 3 2 10 ℓ1 ← 13 ℓ1 1 23 2 3 2 3 10 0 1 0 1 −1 1 23 10 1 3 0 1 2 0 0 1 −1 ℓ 3 ← ℓ 3 − ℓ 2 0 1 32 10 3 5 10 10 ℓ 2 ← ℓ 2 − 2ℓ1 0 3 3 ℓ 2 ← 53 ℓ 2 0 1 −1 −1 . 2 2 10 10 1 3 3 3 3 1 2 0 1 2 0 −3 ℓ 3 ← − 13 ℓ 3 0 0 1 10 3 Logo, a matriz A não tem colunas sem elemento líder, a equação Ax = 0 só tem a solução trivial e as colunas da matriz A são l.i. ∎ Dados dois vetores v1 e v2, se eles forem l.d., então existirão escalares c1 e c2, um deles diferente de zero, tal que c1v1 + c2v2 = 0. Se c1 ≠ 0, então podemos escrever c v1 = − 2 v 2 , c1 de modo que v1 é um múltiplo de v2. Analogamente, se c2 ≠ 0, Semana 3 Álgebra Linear 5 UNIFESO v1 = − c2 v2 c1 e v2 é um múltiplo de v1. Logo: Um conjunto de dois vetores será linearmente dependente se, e somente se, um deles for múltiplo do outro. No caso de ℝ3, onde temos uma interpretação geométrica, dois vetores serão l.d. se, e somente se, pertencerem à mesma reta contendo a origem. Para um conjunto com mais de dois vetores, temos um resultado semelhante ao acima para dois vetores, exceto que, em vez de múltiplo, um dos vetores será uma combinação linear dos outros. TEOREMA: Seja S um conjunto de m vetores em ℝn com m ≥ 2. Então S será linearmente dependente se, e somente se, um dos vetores em S puder ser escrito como uma combinação linear dos outros vetores em S. A demonstração é semelhante ao caso de dois vetores: algum escalar será diferente de zero, logo podemos dividir a equação por este escalar e escrever o vetor correspondente como combinação linear dos outros. O espaço ℝ3 pode ser gerado pelos vetores i = (1, 0, 0), j = (0, 1, 0) e k = (0, 0, 1), pois (x, y, z) = xi + yj + zk. É claro que esses três vetores são linearmente independentes e que, se acrescentarmos ao conjunto {i, j, k} qualquer outro vetor em ℝ3 teremos um conjunto linearmente dependente. Será que podem existir quatro vetores linearmente independentes em ℝ3? A resposta é não. De fato, temos o seguinte resultado: TEOREMA: Se m > n, então qualquer conjunto de m vetores em ℝn será linearmente dependente. Demonstração: Seja S = {v1, …, vm} um conjunto de m vetores em ℝn e seja A = [v1 v2 … vm]. Então A é uma matriz com n linhas e m colunas, de modo que, ao escalonar a matriz A, como temos mais colunas do que linhas, não será possível colocar um elemento líder em todas as colunas, logo pelo menos uma coluna não terá um elemento líder. Isso significa que temos pelo menos uma variável livre, ou seja, a equação Ax = 0 tem uma solução não trivial e os vetores v1, …, vm são linearmente dependentes. ∎ A última observação importante é: Qualquer conjunto contendo o vetor nulo é um conjunto linearmente dependente. A razão é simples: se S = {v1, v2, …, vm} e se v1 = 0, podemos escolher c1 = 1 e c2 = … = cm = 0 e teremos c1v1 + c2v2 + … + cmvm = 0 com c1 ≠ 0. 6 Álgebra Linear Semana 2