U m a new sletter da
N . 3 - M arço 2010
Mito: “Os sapatos de corrida (ténis) mais
modernos previnem as lesões dos atletas”
S
e existe um campo onde a
utilização de uma nova tecnologia
se revela repleta de mitos, esse
campo é sem dúvida o do desporto
(especialmente o da alta competição).
Quem não ouviu já falar de dietas ou
suplementos dietéticos milagrosos, que
produzem performances fabulosas,
indispensáveis á obtenção de resultados
cada vez melhores?
Também os equipamentos desportivos
para todos nós (os “de baixa
competição”…) constituem uma outra
área sujeita a constantes crenças, que
são alimentadas pelos fabricantes
destes equipamentos cujo interesse é
determinado pelo mercado potencial de
utilizadores a nível mundial – de facto,
todos os desportistas (mesmo os de
fim-de-semana…).
O calçado de corrida (“jogging” ou
“footing” em inglês) representa uma
fatia elevadíssima das vendas de
equipamentos desportivos, tendo as
últimas décadas assistido à produção de
modelos cada vez mais sofisticados e
com mais atributos tecnológicos, de
maneira que um par destes ténis pode
custar substancialmente mais do que
um par de sapatos normais…
A justificação por parte dos fabricantes
para este custo reside – entre outros –
na reclamação de uma pretensa
redução das lesões dos atletas que os
utilizam. Embora para todos nós este
conceito possa ser absolutamente lógico
– afinal os ténis são cada vez mais leves
e cómodos – existe publicada evidência
científica recente que é contrária a esta
convicção, de maneira muito clara e
directa.
Num recente artigo (Lieberman DE et
al. Nature 2010;463:531–535)
investigadores americanos, ingleses e
quenianos estudaram cuidadosamente
os padrões de corrida de fundo (através
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de vídeos de atletas nos EUA e no
Quénia), e concluíram que os primeiros
(calçados com ténis de corrida)
assentam primeiro o calcanhar no solo e
depois o resto do pé, enquanto os
segundos (descalços) fazem ao
contrário, assentando primeiro a planta
anterior do pé. Ora esta última técnica,
embora requerendo mais força
muscular da perna e pé, apresenta uma
muito menor taxa de lesões que se
verificam mais frequentemente nos
atletas que correm assentando primeiro
o calcanhar no solo. Eles analisaram
também a estrutura óssea dos pés de
jovens quenianos que chegam a correr
20 km por dia, concluindo estar perante
pés saudáveis e funcionalmente muito
eficazes.
Este é um problema significativo, já que
embora uma parte dos corredores
nunca tenham lesões, há evidência que
numa percentagem importante isso
acontece (19-79% - van Gent RN et al.
Br. J. Sports Med. 2007;41:469–480).
Estes achados obrigam provavelmente a
repensar a utilização dos ténis à venda
nas lojas de desporto. É claro que não
estamos a afirmar que os sapatos de
corrida modernos provoquem lesões,
mas também não parece haver
evidência que as previnam (Jungers WL.
Nature 2010;463:433-4).
Como não recomendamos que se corra
descalço em alcatrão (!), talvez seja
importante pensar em fabricar ténis
diferentes, que tenham em conta estes
achados científicos. De resto, a indústria
de calçado já desenvolve uns modelos
flexíveis que se comportam como se
fossem simples meias e estará aí talvez
o futuro destes equipamentos para
corrida de fundo.
A mensagem prática é a de que é
mais importante a técnica de
corrida do que propriamente o
equipamento com que se corre,
quando pensamos em lesões
desportivas.
Prof. Doutor António Vaz Carneiro
Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência
Faculdade de Medicina de Lisboa
Av. Prof. Egas Moniz
1649-028 LISBOA
Tel.: (351) 217 940 424 / 217 985 135
Fax: (351) 217 940 424
Internet: http://www.cembe.org
e-mail: [email protected]
O Quebra Mitos
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Mito: “Os sapatos de corrida (ténis) mais
modernos previnem as lesões dos atletas”
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Quebra Mitos n.º3