Revista OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 128-206, 2008. ISSN: 1982-3878
João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB – http://www.okara.ufpb.br
EQUIPE EDITORIAL Comissão Editorial Responsável
María Franco Garcia Universidade Federal da Paraíba Aldo Gonçalves de Oliveira Universidade Estadual da Paraíba Richarde Marques da Silva Universidade Federal de Pernambuco Conselho Científico Isorlanda Caracristi Universidade Estadual Vale do Acaraú Richarde Marques Silva Universidade Federal de Pernambuco Rosemberg Ferracini Universida de São Paulo Ivaine Tonini Universidade Federal do Rio Grande do Sul Marcelo Cervo Chelotti Universidade Federal de Uberlândia Rafael Camara Artigas Universidad de Sevilla Oscar Sobarzo Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rosangela Doin Almeida Unesp ‐ Rio Claro Josias de Castro Galvão Universidade Federal de Campina Grande Alexandrina Luz Conceição Universidade Federal de Sergipe Antonio Thomaz Júnior UNESP/Presidente Prudente Araci Farias Silva Universidade Federal da Paraíba Ariane Norma de Menezes Sá Universidade Federal da Paraíba Bartolomeu Israel Souza Universidade Federal da Paraíba Carlos Augusto de Amorim Cardoso Universidade Federal da Paraíba Claudio Castilho Moura Universidade Federal da Paraíba Denise de Souza Elias Universidade Estadual do Ceará Doralice Sátyro Maia Universidade Federal da Paraíba Eduardo Rodrigues Viana de Lima Universidade Federal da Paraíba Emilia Moreira Universidade Federal da Paraíba François Laurent Universidade Maine Genylton Odilon Rêgo da Rocha Universidade Federal do Pará José Antonio Pacheco Almeida Universidade Federal de Sergipe Marcos Ferreira IG‐UNICAMP Marco Antonio Mitidiero Junior Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia Magno Erasto Araújo Universidade Federal da Paraíba Marcelo dos Santos Chaves Universidade Federal do Rio Grande do Norte Maria Adailza Martins de Albuquerque Universidade Federal da Paraíba Maria Geralda de Almeida Universidade Federal de Goiás Maria Franco Universidade Federal da Paraíba Maria de Fátima Ferreira Rodrigues Universidade Federal da Paraíba Pedro Costa Guedes Vianna Universidade Federal da Paraíba Ruy Moreira Universidade Federal Fluminense Roberto Sassi Universidade Federal da Paraíba Serioja Rodrigues Cordeiro Mariano Universidade Federal da Paraíba Sílvia Regina Pereira UNIOESTE/Francisco Beltrão Sílvio Simione da Silva Universidade Federal do Acre Xosé Santos Solla Universidad de Santiago de Compostela Revista OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 128-206, 2008. ISSN: 1982-3878
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Ficha Catalográfica Revista OKARA/Programa de Pós‐Graduação em Geografia. João Pessoa. v.2, n.2 (2008) ‐ João Pessoa: PPGG, 2008. Semestral ISSN 1982‐3878 1. Geografia. 2. Território. I. Programa de Pós‐Graduação em Geografia. III. Título. CDD ‐ 333.705 CDU ‐ (03)556.18 Revista OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 128-206, 2008. ISSN: 1982-3878
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ÍNDICE CAPA II Simpósio de Geografia Física do Nordeste EDITORIAL Marcelo dos Santos Chaves 128
ARTIGOS MEIO AMBIENTE E PLANEJAMENTO: A RELAÇÃO CIDADE‐NATUREZA NOS PLANOS URBANÍSTICOS DA CIDADE DE NATAL NO SÉCULO XX Adriana Azevedo Borba, Marcelo Santos Chaves 130
EVOLUÇÃO DE PROCESSO EROSIVO NO MUNICÍPIO DE JOÃO DIAS/RN NO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2008 Agassiel de Medeiros Alves 142
ANÁLISE MORFODINÂMICA DA PONTA DO CABO BRANCO – JOÃO PESSOA (PB) Flávia Marcella Monteiro de Carvalho Pedrosa 154
ABORDAGEM TEÓRICO‐CONCEITUAL SOBRE RISCOS E PERIGOS E SUA MANIFESTAÇÃO NO SEMIÁRIDO 164
BRASILEIRO ATRAVÉS DA DESERTIFICAÇÃO Josandra Araújo Barreto de Melo, Eduardo Rodrigues Viana de Lima, Ronildo Alcântara Pereira VALES FLUVIAIS DO NE: CONSIDERAÇÕES GEOMORFOLÓGICAS 177
Rubson Pinheiro Maia, Francisco Hilário Bezerra, Vanda Claudino Sales VULNERABILIDADES, SEMI‐ARIDEZ E DESERTIFICAÇÃO: CENÁRIOS DE RISCOS NO CARIRI PARAIBANO Ridelson Farias de Sousa, Maria de Fátima Fernandes, Marx Prestes Barbosa 190
DISSERTAÇÕES DEFENDIDAS A CIDADE NO DESPERTAR DA ERA HIGIÊNICA: A CIDADE DA PARAHYBA E O MOVIMENTO HIGIENISTA (1854 ‐ 1912) Nirvana Lígia Albino Rafael de Sá 203
EDITORIAL
Marcelo dos Santos Chaves Universidade Federal do Rio grande do Norte Caros Leitores, Neste número da Revista OKARA: Geografia em Debate, abrimos um novo caminho, uma nova perspectiva. Estamos, nesta edição, contemplando os seis (06) melhores artigos completos apresentados e avaliados no II Simpósio de Geografia Física do Nordeste (IISGFNE), que foi realizado nas dependências da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com os apoios do Departamento de Geociências (DGEOC), Programa de Pós‐Graduação em Geografia (PPGG) e do Centro de Ciências Exatas e da Natureza (CCEN), na cidade de João Pessoa/PB, entre os dias 20 a 23 de Novembro de 2008. Com grande sucesso e muito trabalho de todos os professores e alunos deste departamento, buscamos ser o mais éticos possível, contemplando, os melhores trabalhos e de relevância geográfica regional. Com isso, a OKARA, no bojo da sua existência, serve como uma praça da aldeia indígena, da geografia, visto que esses artigos completos e seus autores, ora contemplados no IISGFNE, terão uma oportunidade ímpar em mostrar as tantas variações de temas que englobam a geografia, destacando, sobretudo, o viés da geografia física e suas aplicabilidades. Para o enriquecimento dessa publicação, e para seus autores, todos os artigos completos são inéditos, sendo contemplados trabalhos de alunos, professores e pesquisadores das seguintes instituições de ensino: Universidade Federal da Paraíba (UFPB, João Pessoa/PB), Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN, Natal/RN), Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN, Mossoró/RN e Pau dos Ferros/RN), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE, Recife/PE), Universidade Federal do Piauí (UFPI, Teresina/PI) e o Centro Federal de Educação Tecnológica da Paraíba (CEFET‐PB, João Pessoa/PB). Contribuem com essa publicação os seguintes pesquisadores: Adriana Carla de Azevedo Borba, com o tema: Meio Ambiente e Planejamento – a relação cidade‐
natureza nos planos urbanísticos na cidade de Natal nos século XX; Agassiel de Medeiros Alves, com o tema: Evolução de Processo Erosivo no Município de João Dias/RN, no primeiro semestre de 2008; Flávia Marcella Monteiro de Carvalho Pedrosa, com o tema: Análise Morfodinâmica da Ponta do Cabo Branco – João Pessoa/PB; Josandra Araújo Barreto de Melo, com o tema: Abordagem Teórico‐
Conceitual Acerca dos Riscos e Perigos e sua Manifestação no Semi‐Árido Brasileiro Através da Desertificação; Rubson Pinheiro Maia, Francisco Hilário Bezerra e Vanda Claudino Sales, com o tema Vales fluviais no NE: considerações geomorfológicas, e Ridelson Farias de Sousa, Maria de Fátima Fernandes e Marx Prestes Barbosa, com o tema: Vulnerabilidades, Semi‐Aridez e Desertificação: Cenários de Riscos no Cariri Paraibano. Convidamos a todos a “saborearem” esses textos geográficos, onde serão enfatizados temas da geografia física e suas aplicabilidades. Afinal, somos todos, antes de tudo, geógrafos. Boa leitura. Revista OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 128-206, 2008. ISSN: 1982-3878
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MEIO AMBIENTE E PLANEJAMENTO: a relação
cidade-natureza nos planos urbanísticos da
cidade de Natal no Século XX
Adriana Carla de Azevedo Borba Universidade Federal do Rio Grande do Norte Marcelo dos Santos Chaves Universidade Federal do Rio Grande do Norte Resumo Trata do estudo acerca da relação cidade ‐ natureza nos Planos Urbanísticos da cidade de Natal no século XX, no qual se buscou identificar e analisar os principais documentos que inserem as ideias ambientais dentro dos planos urbanísticos citadinos; contextualizar política e economicamente o cenário em que acontecem as modificações em cada plano estudado; e caracterizar os planos urbanísticos e diretores de Natal, elaborando categorias de análise de tais instrumentos. Procura‐se com este estudo contribuir no processo maior de resgate da história de Natal: dada à carência dos registros históricos, espera‐se com este trabalho, estimular também outros nichos de pesquisa que auxiliem numa maior compreensão acerca dos processos de transformação da cidade. Além disto, propõe‐se a servir como um instrumento para orientar a elaboração de futuros planos urbanísticos da cidade, especificamente no que se refere às questões ambientais. O estudo pautou‐se em pesquisa documental (sobretudo os planos urbanísticos e diretores objetos de estudo) e bibliográfica (periódicos da internet e livros). Verificaram‐se quatro tipologias de planos: os que possuem mais destaque na saúde e estética (1901, 1929, 1935); técnica e ciência (1968); zoneamento e controle (1974 e 1984) e meio ambiente (1994 e 1999). Os indícios encontrados apontam para a inserção de idéias ambientais por exigência governamental, notadamente no plano de 1994, e em geral com pouca ou nenhuma participação popular – e sem que a mesma apreendesse seus significados e implicações. Palavras‐chave: planejamento urbano, urbanização, urbanismo, meio ambiente. Abstract This research studies the relation between city and nature in the urbanity’s plans from Natal‐RN, Brazil, during the 20th century. Investigates and analyses the main documents that bring environmental ideas inside from the urbanity’s plans of OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008 131 Meio ambiente e planejamento: a relação cidade-natureza nos planos urbanísticos da cidade de natal no
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Natal; gives the historical and economical situation from the city in each period studied; features the urbanity’s plans, using categories of analyses to comprehension of this instruments. Try to contribute in the bigger process of historical rescue of Natal, and stimulates new studies. It was used documental research, and bibliographic material. It was identified four kinds of plans: the ones that focus in health and aesthetic (1901, 1929 and 1935) technology and science (1968), zoning and control (1974, 1984) and environment. The hints founded shows that environmental ideas were put inside of the plans by government demands, especially in 1994’s plan, almost always without popular contribution – and without this population get understands its meanings and implications. Key words: urban planning, urbanity, urbanism, environment. INTRODUÇÃO Pode ‐ se observar que a trajetória do pensamento ambiental, ao longo do tempo, foi se transformando e assumindo nuances diversas até chegar aos dias de hoje. Ora inserida dentro de sua realidade, ora indo a oposição aos pensamentos e costumes de sua época, tais idéias e projetos ambientais deixaram marcas nos instrumentos que utilizamos atualmente, contribuindo para o surgimento e consolidação do arcabouço teórico acerca de meio ambiente disponível nestes instrumentos. Dois pontos são significativos para compreensão da ação do homem sobre o meio ambiente. Um destes pontos diz respeito à relação homem‐natureza no sentido mais filosófico. Nessa perspectiva observamos a relação humana, de início, como fazendo parte da natureza; na seqüência o homem é visto como subordinado à mesma, depois em oposição, em posição de domínio, como agente depredador e, finalmente, a busca pela reconciliação com o meio ambiente. Dentro desta relação homem ‐ natureza, sob o ponto de vista filosófico, pode‐se identificar também a relação homem‐natureza do ponto de vista prático. Neste sentido, alguns aspectos devem ser mencionados como potencializadores da ação humana sobre o meio ambiente, sendo os mais significativos o desenvolvimento de novas tecnologias; a criação de cidades e o avanço da concentração humana; a pressão para o aumento da produção de alimentos; o aumento da produção e concentração de veículos automotivos. Todos estes aspectos, enfatizados e acelerados ainda pelo tipo de sociedade capitalista em que vivemos, trazem como conseqüências imediatas o aumento da degradação ambiental, tornando insuportável a vida nas grandes cidades e ameaçando, inclusive, a existência da vida no planeta. Em resposta a esta situação, surgem os movimentos ambientalistas e ecológicos que aos poucos conquistam a incorporação de suas teses ao urbanismo e ao planejamento urbano. Com a implementação dessas idéias busca‐se equacionar os diversos conflitos de interesses que são encontrados no tecido urbano. O resgate histórico da idéias acerca de natureza e meio ambiente desenvolvidas OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
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pelos diversos intelectuais mencionados ao longo desta dissertação auxiliaram na compreensão e na identificação das várias fontes que contribuíram para a concepção dos planos urbanísticos e diretores de Natal e sinalizaram para a pluralidade de contribuições incorporadas a estes documentos. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Com relação às fases da investigação, este trabalho esteve condicionado à transposição de cinco (05) fases, nas quais foram levantados desde os referenciais teóricos que nortearam metodologicamente a investigação, passando pelo procedimento de coleta de dados e investigação de documentos e material bibliográfico, pela análise do material estudado até a qualificação do trabalho final e sua redação definitiva. O ponto de partida, a FASE 01 deste estudo, foi o acesso aos principais documentos que inserem a discussão do meio ambiente junto aos planos urbanísticos — inicialmente no âmbito internacional, em seguida, na esfera nacional (particularmente no eixo Rio – São Paulo); identificadas assim, as origens mais remotas da discussão ambiental, sua existência oficial e as principais correntes e desdobramentos; a partir destes documentos e leis, nos quais as questões ambientais foram contempladas, detectaram‐se os enfoques, as correntes ambientalistas que nortearam estes planos. Esta fase buscou reconhecer através de informações bibliográficas e documentais as principais correntes em defesa do meio ambiente. Na FASE 02, foi feita uma análise sistemática dos planos urbanísticos de Natal, buscando detectar aspectos de semelhança e de diferença entre os planos, a partir do qual foram elaborados quadros de análise de cada documento, tornando‐os passíveis de apreensão. A FASE 03 caracterizou‐se pelo levantamento de informações históricas que trouxessem o panorama social, político e econômico de Natal à tona, dentro dos quais os planos de Natal foram produzidos, no intuito de verificar pontos de atrito, de conflito entre a percepção do meio ambiente local e intervenções urbanas. Compreendeu o acesso às informações contidas nos arquivos antigos de periódicos, e material de referência documental e bibliográfica. Posteriormente iniciou‐se a FASE 04, consistiu em confrontar a análise feita de cada plano com os diversos enfoques encontrados tanto na esfera internacional como na nacional, bem como com a realidade da cidade em cada recorte temporal estudado; as diversas idéias sobre meio ambiente foram comparadas com as idéias ambientalistas contidas nos planos específicos da cidade de Natal, RN, dentro do período de 1901 a 1994, em busca de pontos em comum e pontos divergentes. Tendo identificado as características de cada plano urbanístico de Natal ao longo do século XX, deu‐se início à FASE 05, na qual foi possível traçar um diagnóstico do OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
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processo evolutivo do pensamento, do ideário por trás destes planos, até que ponto eles seguem moldes externos e até que ponto são observadas as especificidades da cidade, se existem e quais são os pontos de conflito que os planos urbanísticos pretendem sanar, dentre outros aspectos que se mostraram relevantes no decorrer das análises. Nesta fase, delineou‐se o corpo final do trabalho. Com relação às técnicas de pesquisa utilizadas nesta investigação, foi utilizada a Técnica de Documentação Indireta (Pesquisa Documental e Pesquisa Bibliográfica). A pesquisa bibliográfica perpassou pelo desenvolvimento de todo o processo desta pesquisa, tanto na parte do levantamento de referencial teórico, como na coleta de dados para a elaboração dos textos que contextualizaram a cidade de Natal. Foi utilizada a Pesquisa Documental, assim como a bibliográfica, também permeou toda a elaboração da pesquisa; neste caso, numa primeira instância, tendo sido utilizados os planos de urbanização e diretores como documentos primordiais de análise. As principais fontes para localização destes documentos foram os arquivos municipais, as bases da pesquisa do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFRN, as bibliotecas públicas da cidade bem como arquivos e bibliotecas particulares. O CASO DE NATAL Analisando os planos urbanísticos de Natal no século XX e traçando um paralelo com seus respectivos recortes temporais, os diversos contextos históricos nacionais, estaduais e municipais, as influências teóricas e a ação do corpo técnico de intelectuais e a opinião pública, verifica‐se a importância destes documentos como relevante instrumento de resgate histórico no qual situações complexas são retratadas e podem estudados dentro de uma visão dialética, permitir a compreensão do avanço da idéias ambientais que estudados isoladamente não dão conta da dimensão das mudanças que se processaram no decorrer do século. De uma perspectiva meramente estética e de auto‐segregação da elite (plano de 1901), no qual o meio ambiente deveria ser modificado ou esquecido, os planos urbanísticos passam por um momento focado em embelezamento e higienismo (plano de 1929, que faz referência às idéias de Howard e Sitte), e o meio ambiente era visto como um cenário a ser ajardinado e controlado. Na seqüência, com o plano de 1935, o enfoque ambiental se concentra nas ações sanitaristas (em especial nas questões de abastecimento de água e saneamento básico) e se inicia um período de coleta e sistematização de dados ambientais, para a realização de futuros planos urbanísticos, dada a percepção das fragilidades ecológicas de Natal. Uma ruptura maior é identificada no plano de 1968, tanto do ponto de vista metodológico no trato das questões ambientais (com a adoção do chamado OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
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“plano de desenvolvimento” contendo um banco de dados bastante completo sobre a condição ambiental e infra‐estrutura de Natal) como do ponto de vista ideológico (ao se filiar aos postulados da Carta de Atenas, embora reinterpretando‐os – como no caso do zoneamento por predominância de atividades – o plano de 1968 passa a encarar o meio ambiente como peça‐chave não só para o bem estar da população, mas como importante instrumento de desenvolvimento sócio‐econômico relacionado ao turismo). É também neste momento que a iniciativa privada e os organismos financiadores internacionais começam a ser mencionados como parceiros para implementação de intervenções urbanas. Apesar do plano de 1974 também se basear nos preceitos da Carta de Atenas, o meio ambiente neste plano não é visto como uma peça‐chave dentro do urbanismo. Por outro lado, é nesse plano que as primeiras prescrições urbanísticas a respeito das zonas especiais que contém áreas verdes são estabelecidas. Essas prescrições urbanísticas dizem respeito aos recuos, taxa de impermeabilização e porcentagem de adensamento populacional. Os aspectos ambientais mais focalizados no plano de 1974 relacionam‐se às questões relativas ao solo (erosão do solo, áreas alagadiças, declividades dentre outros aspectos) e as questões relacionadas ao abastecimento de água (modificações nas condições físicas, químicas e biológica dos mananciais freáticos, aterro de lagoas, mudança de curso de rios, dentre outros). Já no plano de 1984 (o último plano diretor de Natal a adotar as idéias contidas na Carta de Atenas), ao passo que as prescrições urbanísticas sofrem uma perda (os recuos permanecem os mesmos de 1974, porém as taxas de impermeabilização aumentam assim como as densidades básicas residenciais, o que resulta em sobrecarga da infra‐estrutura pelo adensamento populacional, ao mesmo tempo em que ocorre o aumento da impermeabilização dificultando o reabastecimento dos lençóis freáticos). Sob o ponto de vista ambiental são identificados alguns ganhos, tais como a incorporação do termo “equilíbrio ecológico” como algo que não deve ser prejudicado no processo de ordenação urbana assim como o destaque dado ao clima, à preservação das dunas migrantes (relacionados à recarga dos lençóis freáticos) e a clara intenção em aumentar o índice de área verde por habitante. Esse processo culmina com plano diretor de 1994 que significou um marco do ponto de vista ambiental para a cidade de Natal. Com este plano, foram incorporados uma série de instrumentos de gestão urbana (tais como a transferência de potencial construtivo e o consórcio imobiliário, instrumentos identificados no trabalho de Pierre Patte, Kevin Lynch e de Peter Hall), foram estabelecidas articulações com outras legislações (como a Lei Orgânica do Município de Natal de 1992). O meio ambiente é encarado como um dos pilares centrais do plano, quando se busca, dentro dos seus objetivos, garantir as funções sociais da cidade, através do uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
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O emprego de novas terminologias tais como “subzona de preservação” e “subzona de conservação” dentro da zona de proteção ambiental deixava claro que o corpo técnico que elaborou o plano de 1994 estava a par dos atuais debates sobre o meio ambiente e aplicava esses novos conceitos dentro do instrumento legislativo. Apesar do último plano diretor do século XX (o de 1994) ter significado um considerável saldo negativo nas prescrições urbanísticas do plano (com a redução das áreas de recuo, aumento das taxas impermeabilização e do adensamento residencial básico que correspondem à sobrecarga da infra‐
estrutura urbana, assim como a redução das áreas permeáveis para reabastecimento de lençol freático, por outro lado, este plano estimula a legitimação de edificações de interesse social assim como adota uma forma mais democrática de planejamento urbano, além de considerar novos aspectos no trato das questões ambientais da cidade). A produção de tabelas‐sínteses que se encontram no item 2. “Voltando a pensar no contexto macro: As relações”, contendo as categorias de análises utilizadas para possibilitar comparações entre os documentos, possibilitaram uma visualização mais direta das informações contidas tanto no plano urbanístico estudado como no contexto histórico no qual ele se insere. Considerando as demais possibilidades de análise permitidas pela visualização nas tabelas síntese de um conjunto de informações distintas – mas que dispostas lado a lado dão margem para uma maior compreensão daquele momento histórico, é significativo retomar o ano de 1901, e perceber que no período de elaboração deste plano, vários aspectos contribuíram para a sua elaboração. Existia, em 1901, uma elite intelectualizada, interessada na expansão e modernização da cidade, bem como na criação de um espaço de auto segregação, e no âmbito nacional, um grande movimento em prol na modernização das cidades brasileiras, com a adoção de discursos de embelezamento e higiene – aspectos estes contemplados no plano urbanístico de Natal de 1901. É assim que se observa no caso de plano de 1929, por exemplo, ao passo em que o mundo enfrentava uma crise econômica que se refletia aos poucos na economia interna brasileira, já o Rio Grande do Norte realizava uma série de melhorias urbanas especialmente na capital como resultado do saldo positivo da produção algodoeira do estado que culminaram com o período denominado “ Belle Epoque Natalense ”, no qual uma série de intervenções urbanas de cunho estético e higienista foram implementadas na cidade culminando com a elaboração do plano de 1929 idealizado por Palumbo e contratado pelo então prefeito de Natal, o engenheiro Omar O’ Grady. No caso do plano de 1935, apesar das pressões sociais, políticas e econômicas que aconteciam na esfera nacional, a atuação da Aliança Nacional Libertadora em oposição ao governo militar ditatorial e o arrefecimento da economia algodoeira, que produzia déficits econômicos no estado, ocorreu um investimento sistemático em saneamento básico e abastecimento de água, por meio do plano de 1935, idealizado pelo escritório Saturnino de Brito. Em 1968, enquanto em OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
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Natal era adotado um plano com certos aspectos democráticos, preconizando inclusive uma gestão com parceria entre os poderes públicos e privados, já na esfera nacional o quadro sócio político e econômico apontava para fortes índices de inflação, corrupção nas altas esferas governamentais, culminando com a imposição do Ato institucional 5, que decretada o regime ditatorial do governo militar brasileiro O primeiro plano diretor de Natal, idealizado pelo corpo técnico local, no ano de 1974, baseava‐se nos postulados da Carta de Atenas e apresentava‐se de forma muito sintética, tomando também como base teórica o plano de 1968, produzido pelo escritório Serete S.A, pelo qual o arquiteto Jorge Wilheim fora contratado para realizar a parte urbanística. Encontrava‐se inserido no contexto histórico nacional bastante complexo: vivia‐se nesse período o chamado “milagre brasileiro”, com altos índices de crescimento tanto da indústria brasileira como do PIB (produto interno bruto), e foram implementadas uma série de ações com repercussões no meio ambiente e nos sistemas ecológicos, tais como a fundação do INCRA, o aumento do domínio das costas marítimas, construção de hidrelétricas, rodovia, pontes dentre outros. Contudo, todos os avanços ambientais conquistados nesse período aconteciam em uma sociedade dominada pelo terror de moldes fascista, adotado pelo governo militar da época, como forma de repressão aos que não comungavam com as idéias governamentais. O ano de 1984, no contexto histórico brasileiro, representa um momento de transição entre o governo de ditadura militar e o regime de abertura à democracia. Já o seu rebatimento local, no plano diretor de Natal apresenta uma tendência mais restritiva do planejamento urbano, visto que este plano é um dos mais controladores e rígidos dentre os que foram desenvolvidos na capital potiguar, no decorrer do século XX. E finalmente, encontramos no plano de 1994, uma situação política no Brasil de consolidação da democracia. Esta abertura democrática também está presente no plano diretor de Natal, na medida em que ele se sedimenta em dois pilares fundamentais, que seriam a construção de uma cidade socialmente justa e ecologicamente equilibrada. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma, ao longo do período estudado, a visão de meio ambiente parte de uma idéia simplista e fragmentada (de ordem meramente estética e higienista) para tornar‐se ponto central da estrutura da cidade, numa realidade social, econômica e política mais complexa (sistema capitalista, potencializador de degradações ambientais; desigualdades sociais; instabilidade econômica; fragilidades ecológicas; conflitos de interesses na produção imobiliária da cidade). Uma das questões levantadas nesta pesquisa, perguntava quais os motivos que levaram OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
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Natal a continuar desenvolvendo tantos problemas ambientais, sanitários e ecológicos, não obstante todo o vanguardismo dos planos urbanísticos elaborados para a cidade. Na realidade, o que se verifica é que a grande maioria destes planos não foi implementada, ou o foi apenas fragmentariamente – a exceção única do plano de Polidrelli, em 1901, que foi integralmente concretizado. O plano de Polidrelli, inclusive, foi o único a ser mantido em sua completude, e mencionado em todos os demais planos que o sucederam. Outra situação levantada foi a possibilidade desses planos urbanísticos trazerem contradições que, por um lado, apregoassem a preservação do meio ambiente e por outro permitisse sua destruição. Quando da análise dos planos urbanísticos, não se verificou este tipo de contradição; o que se observou foi que esses planos eram reflexos de ideologias externas, que em conjunto com a realidade histórica de cada momento específico, assim como com a ação dos governos respectivos, produziram os diversos planos urbanísticos estudados no recorte histórico proposto nesta dissertação. Ou seja, os possíveis atentados ao meio ambiente ocorreram à revelia dos planos. Muito embora a forma como o meio ambiente era encarado ao longo desses recortes históricos produzissem, do ponto de vista teórico, diálogos diferenciados na relação entre meio ambiente e cidade, não se verificou dentro desses planos, contradições que pudessem vir a destruir o meio ambiente. O que se detectou foi que, mesmo quando os planos urbanísticos apresentavam diferentes enfoques entre si, quase invariavalmente o plano urbanístico anterior servia como subsídio para a produção do plano urbanístico seguinte. Uma situação recorrente, sobretudo nos planos de 1974, 1984 e 1994, era a falta de informações complementares, que davam margem a interpretações equivocadas dos agentes produtores do espaço urbano, o que por sua vez, estimulavam a destruição de áreas de preservação ou de conservação ambientais, tendo em vista falta de detalhamento e de especificação existente nos planos. Um exemplo de especificação incompleta, que se verificou no plano de 1974, e que no plano de 1994 foi sanado, foi quando da determinação dos acidentes geológicos pertinentes da cobertura de legislação ambiental especial, que, entretanto, não era nomeado ou identificado em mapa. O caso mais recorrente de destruição foi às dunas móveis nas cercanias da cidade (sistematicamente utilizados na construção civil ou terraplanados para a implantação de loteamentos) e algumas lagoas ou riachos perenes, que vieram a sofrer aterros. O outro questionamento proposto busca compreender em que momento da história as autoridades deixaram de planejar o futuro para se tornarem reparadores de problemas urbanísticos provenientes da degradação do meio ambiente, começando, inclusive, a alterar certas condições climáticas da cidade. Constata‐se através do estudo dos planos urbanísticos e de seus contextos históricos que os governantes tinham uma atuação de planejamento urbano OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
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futuro mais concentrada nas primeiras três décadas do século XX. Depois desse período, a ação governamental tem se caracterizado muito mais por reparações de situações existentes, do que de antevisão de problemas futuros. Especificamente no caso de Natal, aconteceram dois momentos de explosão demográfica que exacerbam os problemas urbanísticos da cidade. São eles: o período da Segunda Guerra Mundial (entre 1942 e 1945), quando a cidade recebe um contingente populacional muito maior do que a capacidade da infra‐estrutura local permitia, não só pela chegada dos norte‐americanos, como também das populações oriundas do interior do Rio Grande do Norte e dos demais estados adjacentes, que viram nesta presença externa, novas oportunidades de emprego e de negócios. E outro momento histórico, por volta da década de 1970, quando em resultado de migrações internas, a cidade se consolida e cresce muito rapidamente, culminando com a construção de diversos conjuntos habitacionais em toda a cidade, especialmente nas áreas periféricas. No tocante à participação popular, verifica‐se que esta foi praticamente inexistente ao longo do processo de elaboração dos planos urbanísticos de Natal no século XX. Resultado da ação direta de uma elite intelectualizada, em parceria com um corpo técnico especializado, os planos urbanísticos de Natal eram instrumentos da classe dominante, sem maiores repercussões das camadas populares mais pobres. O principal resultado disso é o crescimento de uma “cidade ilegal”, que crescia e se consolidava a revelia dos planos urbanísticos de Natal. A exceção a essa situação pode ser vista no plano de 1994, que se propõe a fornecer condições para a realização de uma gestão participativa (em conseqüência do movimento nacional de reforma urbana, ocorrido nas décadas de 1980 e 1990 no Brasil). É somente a partir da década de 1990 que os diversos agentes produtores do espaço urbano reúnem‐se em prol da concretização de um instrumento de gestão que procura equacionar as diferentes pressões sociais dentro da construção do tecido urbano. No que se trata dos referenciais teóricos identificados nos planos urbanísticos e diretores de Natal, foram verificadas semelhanças entre alguns aspectos dos planos (a saber, características dos planos de implantação de cidade; orientação dos ventos; a conservação de bairros “dignos”; zoneamento; meio ambiente com papel de destaque no urbanismo; verticalização; espaços verdes para recreação; coexistência de usos diversos; cidade do empreendedorismo), com as idéias de alguns pensadores e estudiosos do espaço urbano, especificamente nos trabalhos de Vitrúvio, Pierre Patte, Camilo Sitte, Le Corbusier, Ebenezer Howard, Kevin Lynch, e Peter Hall. Assim, constata‐se que relação cidade‐natureza existente nos planos de Natal de fato apresenta reflexos ou similaridades com pensamentos e movimentos externos internacionais. Tais idéias foram inseridas nos planos da cidade OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
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impulsionados, sobretudo, por uma elite local intelectualizada e esta inserção ocorreu de forma paulatina e progressiva ao longo dos tempos. Após períodos de intenso crescimento populacional, especificamente quando da ocupação militar norte‐americana de Natal, por volta de 1942‐1945, (acordada com o governo brasileiro, no decorrer da Segunda Guerra Mundial) que se acentua nas décadas de 70 e 80 com os processos migratórios ou outros, os planos passam a apontar para problema ambientais crônicos em conseqüência destes acréscimos populacionais tanto intensos como duradouros, não acompanhados da respectiva implementação de infra ‐ estrutura correspondente. REFERÊNCIAS CASCUDO, Luís da Câmara. História da cidade do Natal. Natal: Manibu/Fundação José Augusto, 1980. CHILDE, Gordon. O que aconteceu na história. Rio de Janeiro: Zahar, 1960. CLEVELAND, Cutler J.; RUTH, Mathias. Capital humano, capital natural e limites biofísicos no processo econômico. In: CAVALCANTI , Clóvis (org.) . Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 3. ed. São Paulo: Cortez: Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2001. DANTAS, Ana Caroline de Carvalho Lopes. Sanitarismo e planejamento urbano: a trajetória das propostas urbanísticas para Natal entre 1935 e 1969. Dissertação (mestrado). Natal [RN], 2003. DAVAL, Roger. História das idéias na França. Trad. Maria Lúcia Montes. São Paulo: Difusão européia do livro, 1964. DECLARAÇÃO SOBRE O MEIO AMBIENTE (ONU) Estocolmo, 1972. Disponível http://www.defensoresdanatureza.com.br/defensores/estatuto/estatonu.html. Acesso em 28 de outubro de 1999. DELFANTE, Charles. A Grande História da cidade – da Mesopotâmia aos Estados Unidos. Lisboa: Instituto Piaget, 1987. DORST, Jean. Antes que a Natureza Morra: por uma ecologia política. Trad. Rita Buongermino. São Paulo: Edgard Blücher, 1973. ECONOMIA do meio ambiente: teoria, políticas e a gestão de espaços regionais. In: ROMEIRO , Ademar Ribeiro; REYDON, Bastiaan Philip; LEONARDI, Maria Lucia Azevedo ( Org.) . Campinas, SP: UNICAMP.IE, 1996. ESCRITÓRIO Saturnino de Brito. Saneamento de Natal, 1935 (datilografado). OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
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Recebido em: 09/01/2008
Aprovado em: 20/12/2008
OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 130-141, 2008
Revista OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 128-206, 2008. ISSN: 1982-3878
João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB – http://www.okara.ufpb.br
EVOLUÇÃO DE PROCESSO EROSIVO NO
MUNICÍPIO DE JOÃO DIAS/RN NO PRIMEIRO
SEMESTRE DE 2008
Agassiel de Medeiros Alves Universidade Estadual do Rio Grande do Norte Resumo O presente trabalho resulta da análise dos dados obtidos através do monitoramento de processo erosivo, identificado como voçoroca, localizado no Município de João Dias/RN, à margem direita da RN‐077, situado na Serra de João Dias, na perspectiva de reconhecer o quadro que propiciou sua gênese, evolução e dinâmica, possuindo uma extensão de aproximadamente 266 metros de comprimento e em alguns setores profundidade superior a 4 metros. As técnicas utilizadas para análise do citado processo erosivo são as sugeridas por Guerra (1996), para a dinâmica dos processos erosivos com estacas e pinos de erosão, levando‐se em consideração também a análise da vertente, adotadas por Casseti (1991) e Tricart (1976), baseada na observação das formas de ocupação e utilização do solo. O monitoramento ocorrerá em 24 meses devido à necessidade de se observar a dinâmica do processo erosivo no mínimo durante 2 períodos chuvosos e 2 períodos secos, e sua intercalação. Foram realizadas medições para verificar a largura e profundidade do processo. Implantou‐se 68 estacas para monitoramento ao redor da voçoroca e 12 pinos de erosão em seu talvegue, para acompanhamento da sedimentação. Até o momento foram verificadas alterações nos flancos em 28 estacas de monitoramento e deslizamentos de pequena monta. A partir dos dados obtidos até o momento, pode‐se afirmar que a voçoroca encontra‐se em processo de expansão e o carreamento do seu material tem proporcionado o assoreamento do açude que abastece a cidade, bem como ameaçado significativamente a principal via de acesso da cidade de João Dias, a RN‐077. Palavras‐Chave: processo erosivo, voçoroca, monitoramento, João Dias. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 142-153, 2008 143 Evolução de processo erosivo no município de João Dias/RN no primeiro semestre de 2008
Abstract The present work results of the analysis of the data obtained through the monitoring of erosive process, identified as gully, located in the Municipal district of João Dias/RN, to the right margin of RN‐077, located in João Dias's mountain range, in the perspective of recognizing the picture that propitiated her genesis, evolution and dynamics, possessing an extension of approximately 266 meters in length and in some sections superior depth of 4 meters. The techniques used for analysis of the mentioned erosive process are them suggested by Guerra (1996) for the dynamics of the erosive processes with stakes and erosion pins, being taken into account also the analysis of the slope, adopted by Casseti (1991) and Tricart (1976), based on the observation in the occupation ways and use of the soil. The monitoring will happen in 24 months due to the need of observing the dynamics of the erosive process at least during 02 rainy periods and 02 dry periods, and her collation. Measurements were accomplished to verify the width, depth of the process. It was implanted 68 stakes around for monitoring of the gully and 12 erosion pins in his talveg, for attendance of the sedimentation. Until the moment alterations were verified in the flanks in 28 monitoring stakes and sliding of small sets up. Starting from the data obtained until the moment, it can be affirmed that the gully is in expansion process and to carry of his material has been providing the sedimentation of the dam that supplies the city, as well as threatened the main access road of João Dias's city, RN‐077 significantly. Key words: erosive process, gully, monitoring, João Dias city. INTRODUÇÃO Os processos erosivos têm se tornado cada vez mais presentes na paisagem da região semi‐árida do estado do Rio Grande do Norte. Dotada de grande variabilidade de tipos e profundidade de solos, sendo em sua maioria solos rasos e jovens, tais processos resultam das características edafoclimáticas e fitogeográficas da região, que possui grandes áreas ocupadas por caatingas arbóreo‐arbustivas e arbustivas. Processos erosivos como ravinamentos, erosão laminar e até voçorocas podem ser encontrados com certa freqüência, principalmente em vertentes que sofreram ocupação desordenada ou sustentam atividades, em certos casos, inadequadas à sua natureza, como desmatamento, pecuária e agricultura. As serras da região oeste do estado, em geral, apresentam grandes afloramentos cristalinos de origem pré‐cambriana, constituídos principalmente de granitos e gnaisses, alguns recobertos de camadas de solo mais espessas que as encontradas nas áreas mais baixas, com exceção das faixas aluviais que margeiam os principais canais de drenagem. Estes solos mais profundos devem‐se basicamente a dois fatores: a presença de relevos residuais que teriam mantido os solos formados OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 142-153, 2008
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durante um período maior e as condições climatológicas que propiciam diferenciações na pluviosidade, temperatura e umidade, fatores que atuam tanto no processo de pedogenização, quanto na formação de uma vegetação diferenciada, fato este que também acaba por propiciar uma formação e preservação maior dos solos. Em análise mais específica à serra de João Dias, no município de mesmo nome, verificou‐se a presença de um grande processo erosivo, caracterizado pela erosão do lençol de escoamento superficial, localizado à margem direita da RN‐077 (Figuras 01 e 02) e a poucos metros de uma área urbanizada no bairro “Alto dos Paulos”. Figura 1. Trabalho de medição do monitoramento da voçoroca. Fonte: Acervo do Geossol. A feição erosiva citada caracteriza‐se como uma voçoroca de aproximadamente 266 metros de comprimento, chegando a atingir profundidades superiores a 4 metros em alguns pontos e mais de 10 metros de largura. Seu material inconsolidado é carreado pelas enxurradas que a percorrem, proporcionando a exposição do manto de intemperização e da rocha‐matriz. A voçoroca encontra‐se em alguns trechos com uma proximidade inferior a 03 metros da rodovia RN‐077, o que significa um risco significativo ao tráfego de OKARA: Geografia em debate, v.2 n2, p. 142-153, 2008
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pessoas e cargas que por ali transitam, representando também risco aos moradores que habitam as proximidades. Figura 2. Colocação de estacas para o monitoramento da voçoroca. Fonte: Acervo do Geossol. É possível observar que houve um grande transporte de solo e material geológico intemperizado pela ação hídrica no local, sendo verificável um leque de sedimentos carreados na extremidade norte da voçoroca, seguindo justamente em direção ao açude João Dias, um dos principais mananciais do município. Verifica‐se também, à primeira vista, que este não é um processo recente, pois apresenta uma vegetação bastante desenvolvida, chegando a ter árvores adultas em seu interior. MÉTODOS E TÉCNICAS EMPREGADOS Dentre as técnicas de monitoramento empregadas, estão sendo utilizadas as sugeridas por Guerra (1996), que levam em consideração a expansão lateral do processo erosivo através do monitoramento por estacas, além de pinos de erosão em seu interior. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 142-153, 2008
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“As voçorocas são formas resultantes de processos erosivos acelerados que evoluem no tempo e no espaço. Dessa maneira, para se conhecer como e para onde estão evoluindo, é necessário fazer o seu monitoramento. Existem diversas formas de avaliar a sua evolução. Nesse artigo é proposta uma maneira de se monitorar as voçorocas, colocando‐se estacas no solo, ao redor das voçorocas [...]” (Guerra, 2005, 9. 34) Serão feitas ainda, no decorrer deste trabalho, análises de solo pouco deformadas a fim de, através de sua identificação e reconhecimento de suas características, melhor compreender sua interação com o processo de erosão ali instalado. Serão feitos ainda testes com infiltrômetro para avaliar a capacidade de infiltração do solo, e a partir daí entender a relação dos elementos paralelo e perpendicular no que se refere à dinâmica hídrica. Devido à extensão do processo em monitoramento, foram utilizadas 65 estacas de madeira com 50 cm de comprimento, separadas por uma distância de 10 entre si. Em locais em que se verificou haver a necessidade de um monitoramento mais detalhado, foram colocadas estacas extras entre duas estacas ordinárias, estando assim aquelas, separando‐as em dois espaços de cinco metros. Esta medida torna‐
se necessária pelas peculiaridades do entrecortado das bordas, onde há reentrâncias ou outras áreas em que haja maior suscetibilidade ao desabamento das bordas. O levantamento de dados pluviométricos do município está em curso; obteve‐se até o momento os dados referentes ao período de fevereiro a agosto de 2008, os quais servirão para a análise comparativa dos dados de expansão erosiva com os relativos à precipitação verificada no município, vista a relação direta entre ambos os elementos. Pretende‐se trabalhar com as médias mensais, baseadas em dados diários de pluviosidade de acordo com as datas de visita de acompanhamento. Foram obtidas imagens orbitais dos satélites da série Landsat 1 (1973) sensor TM, Landsat 5 (1984) sensor ETM e CBERS‐2B (2008) sensor HRC, todas disponibilizadas pela DGI ‐ Divisão de Geração de Imagens do INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, para verificar a evolução do processo erosivo estudado. Com a utilização do aparelho receptor GPS Garmin E‐Trex (margem de erro de 5 m), foi feito um croqui do processo erosivo, bem como das estacas colocadas em seus respectivos pontos para monitoramento. Metodologicamente, abordaremos o problema a partir da perspectiva da evolução dinâmica da vertente, baseada na análise de Casseti (1991), OKARA: Geografia em debate, v.2 n2, p. 142-153, 2008
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considerando o meio e apropriação do relevo. Complementando, utilizaremos a abordagem geossistêmica proposta por Tricart (1976), que delimita os ambientes em estado de biostasia, intergrade e resistasia. Esta análise hipotético‐dedutiva tem como linha central de interpretação, a ação antrópica sobre a vertente da Serra de João Dias, através da qual desencadeou o desequilíbrio geomorfológico resultante da erosão. DISCUSSÃO DOS DADOS Diante das informações coletadas através das estacas de monitoramento, das 68 estacas implantadas, 28 apresentaram variações no avanço da borda da voçoroca, o que implica dizer que aproximadamente 35% dos pontos observados sofreu modificações (Tabela 1). É importante ressaltar que das duas visitas para coletas de dados aqui em análise, a primeira, realizada no dia 23/04/08, foi a que apresentou maior índice de alterações registradas, chegando inclusive o aumento da erosão a “derrubar” duas estacas que estavam situadas a 1,5 metros de distância, sendo as mesmas reimplantadas com a mesma distância posteriormente. Acredita‐se que este fato se deva ao período em análise (fevereiro a abril) apresentar índices pluviométricos bastante elevados na região, conforme demonstram os dados coletados pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte ‐ EMPARN que apresentam os maiores índices pluviométicos registrados nos meses de março (559,9 mm), abril (225,1 mm) e maio (174,1 mm), cujo regime de “inverno”, é representado pelas chuvas de verão. Em análise comparativa sobre os dados, demonstrada no Gráfico 1, é possível observar a relação direta que há entre a pluviosidade e a erosão linear média do processo erosivo, calculada com base no somatório das variações monitoradas divididas pelo número de pontos monitorados. No que se refere aos dados referentes aos pinos de erosão instalados no talvegue da voçoroca, houve problemas que impossibilitaram o seu monitoramento: o descarte de grandes quantidade de lixo no local, que tornou impossível o acesso aos mesmos; e um movimento de sedimentos muito maior que o esperado e que soterrou alguns e carregou outros. Estes pinos foram feitos de metal, com 30 cm de comprimento, sendo 20 cm enterrados no talvegue e 10 ficando expostos para fora do solo. Pretende‐se refazer a colocação de outros pinos em período de menor pluviosidade para o monitoramento do acréscimo/decréscimo do sedimento no local. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 142-153, 2008
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Tabela 1. Dados referentes ao avanço monitorado pelas estacas na voçoroca. Distância da Margem (cm) Avanço (cm) Avanço (cm) Estaca 22/02/08 23/04/08 27/06/08 E01 150 95 0 E02 150 150 0 E03 150 15 0 E04 150 150 0 E09 150 70 0 E15 150 0 10 E16 150 55 0 E18 250 100 0 E20 150 75 0 E21 150 0 15 E25 150 15 0 E30 150 20 0 E32 150 0 30 E34 150 0 10 EE67* 150 0 15 E36 150 0 12 E39 150 30 0 E40 150 150 30 E42 150 60 0 E49 150 15 0 E53 150 12 0 E54 150 94 0 E55 150 0 10 E56 450 20 120 E58 500 0 10 E59 150 0 10 E60 150 15 0 E62 150 0 12 Fonte: Dados coletados em trabalho de campo. Informações apenas das estacas em que foram identificadas alterações. Obs.: Foram desconsideradas as leituras que tiveram um avanço inferior a 10 cm. * EE67 – Estaca extra colocada após a primeira leitura (23/04) por observação da necessidade de um monitoramento mais detalhado da área entre as estacas 35 e 37. OKARA: Geografia em debate, v.2 n2, p. 142-153, 2008
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ir
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Feve
Pluviosidade
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Erosão linear média
o
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to
Ago s
Gráfico 1. Relação entre a pluviosidade e erosão linear média do processo erosivo. Fonte: Dados pluviométricos da EMPARN. Dados coletados em trabalho de campo. No que tange à interpretação das imagens orbitais em composição, é possível verificar que na composição de imagens TM, de 1973, com resolução espacial de 30 metros, não é possível verificar sinais de processos erosivos significativos no local. Na composição de imagens ETM, de 1984, é possível verificar uma grande área do solo exposta no local. A cena monocromática HRC de julho/2008, mostra com mais detalhes o processo, podendo ser melhor observada a situação da voçoroca (Figura 3). 350 m
Figura 3. Localização da voçoroca baseada na imagem HCR. Fonte: Imagem de satélite CBERS 2B ‐ DGI/INPE. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 142-153, 2008
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Baseando‐se nestes dados, é possível inferir que este pode ser considerado um ambiente em resistasia (CASSETI, 1991), pois verifica‐se uma predominância do elemento paralelo (escoamento superficial) em detrimento do perpendicular (infiltração), conforme corroboram as observações feitas em campo. A ocupação da vertente em estudo foi realizada de forma desordenada, incluindo alterações bruscas com a retirada da cobertura vegetal, como também da realização de um “corte” para construção de uma rodovia, que modificou significativamente a relação entre escoamento superficial e infiltração. Observa‐
se que a vertente original apresentava perfil convexo, passando após o corte para um perfil côncavo e irregular junto à crista da vertente. Este caso é consideravelmente comum, conforme afirma Casseti: “É natural que a apropriação do relevo pelo homem, como recurso ou suporte, implique transformações substanciais, tanto na “anulação” dos processos morfodinâmicos, a exemplo da impermeabilização de superfícies, como na aceleração destes, considerando o próprio desmatamento, produzindo modificações em curto espaço de tempo.” (CASSETI, 2008) O que diferencia este de tantos outros casos semelhantes é a conjunção de fenômenos relacionados à uma área urbana próxima à cabeceira da voçoroca, que acabou por impedir a infiltração da água da chuva, como também propiciar um aumento considerável na concentração e velocidade de deslocamento deste fluxo de água diretamente para dentro do processo erosivo; o alto grau de inclinação da vertente, que apresenta declives acentuados; os índices pluviométricos diferenciados da região de serra, embora localize‐se em área de clima semi‐árido; presença de solos consideravelmente profundos para a região, que foram em alguns pontos completamente levados pelo fluxo superficial, deixando expostos o regolito e a rocha‐matriz. Considerando‐se ainda que o solo do local é predominantemente argiloso, possuindo uma taxa de perda de solo aproximada de 10,21 ton/ha/ano, calculada sobre uma base de 800 mm de chuva/ano , podemos afirmar que esta camada pedológica está sofrendo grandes perdas por carreamento, possuindo índices de perda inferiores apenas aos dos solos arenosos. Dentre alguns dos principais problemas diagnosticados pela equipe de trabalho, está o do vandalismo. Algumas estacas chegaram a ser arrancadas e jogadas fora, fato este que pode haver prejudicado o acompanhamento de 03 pontos. A falta de consciência do poder público e da população que utilizam o local como OKARA: Geografia em debate, v.2 n2, p. 142-153, 2008
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depósito de lixo, é outra barreira a ser transposta, visto que os experimentos feitos na parte interna da voçoroca acabam ficando comprometidos. RESULTADOS OBTIDOS Podemos, a partir dos dados coletados até o momento, analisar que as conseqüências do processo erosivo do tipo voçoroca, localizado na Serra de João Dias, são bastante graves, no sentido de que o carreamento de material propiciado pelo processo em pauta, causa consideráveis desequilíbrios para a dinâmica natural da vertente norte da serra de João Dias; visto que o desenvolvimento do processo erosivo tem acelerado o processo de movimento de massas de solo e rocha pela vertente, causado impactos diretos à vegetação local e propiciando um quadro de impactos indiretos ao homem através da diminuição da capacidade de armazenamento do açude localizado a norte da citada voçoroca. Através da observação das informações coletadas pôde‐se constatar que a relação entre os índices pluviométricos e a erosão linear média é de 0,065 cm/mm de chuva nos meses secos, enquanto nos meses chuvosos esta relação chega a atingir 0,130 cm cm/mm de chuva, o que representa uma duplicação da velocidade de avanço que ainda não pode ser inteiramente compreendida devido aos demais experimentos que ainda serão realizados durante o período restante do monitoramento. Segundo o Instituto de Pesquisas Tecnológicas, as voçorocas podem ser classificadas em dois grandes grupos em relação à sua gênese: a) causadas por alterações hidrológicas das bacias (associadas a desmatamentos); b) associadas a concentração de águas superficiais (CASSETI, 2008). No caso da voçoroca em estudo, podemos observar que há elementos integrados de ambos os grupos, uma vez que houve uma alteração da vertente com o “corte” para construção da rodovia, e sua conseqüente reconfiguração hidrogeológica e o lançamento de águas pluviais não infiltradas pela área urbana situada à cabeceira do processo erosivo. Há risco também para as residências que se encontram a poucos metros da cabeceira do processo erosivo, algumas a menos de 10 metros. Outro ponto bastante preocupante se refere ao impacto que pode ser causado à RN‐077, que passa próximo à voçoroca, estando em alguns pontos a menos de 03 metros de distância, visto que no período de monitoramento de apenas 04 meses foram verificados avanços de até 1,5 metros. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 142-153, 2008
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Considerando a classificação utilizada por Tricart, 1976, podemos afirmar que esta área, conforme demonstram os dados pluviométricos e coletados no monitoramento com estacas, apresenta características bastante significativas de um meio fortemente instável, pois apresenta uma morfogênese predominante, erosão, cobertura vegetal pouco expressiva, clima irregular (semi‐árido) e acentuada degradação antrópica, sendo por isso necessário um conhecimento mais aprofundado sobre a mesma e um plano de recuperação de área degradada para o processo erosivo instalado. REFERÊNCIAS ANDRADE, A. G; PORTOCARRERO, H. Abordagem geoecológica para planejamento e monitoramento de projeto de recuperação de áreas degradadas: aeroporto internacional do Rio de Janeiro ‐ Galeão/Antonio Carlos Jobim. Disponível em: <www.cemac‐
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Recebido em: 21/07/2008
Aprovado em: 21/12/2008
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ANÁLISE MORFODINÂMICA DA PONTA DO
CABO BRANCO – JOÃO PESSOA (PB)
Flávia Marcella Monteiro de Carvalho Pedrosa Universidade Federal da Paraíba Resumo O estudo da dinâmica costeira tem se tornado cada vez mais importante para possibilitar a compreensão da geomorfologia costeira. Este trabalho traz o estudo e análise de dados morfodinâmicos coletados durante uma pesquisa PIBIC, entre 2007 e 2008. O local escolhido para a pesquisa foi a Ponta do Cabo Branco, tanto por possuir uma acentuada dinâmica costeira, quanto por ser um ponto turístico muito forte por causa da Falésia do Cabo Branco (que faz parte da Ponta do Cabo Branco). Os trabalhos de campo da pesquisa foram realizados mensalmente, entre setembro de 2007 e agosto de 2008, sempre em dia de lua cheia de sizígia. A metodologia de campo foi a realização de perfis de praia (perfis topográficos) com o uso de nível, tripé, mira graduada, trena de 30 metros e piquetes. Os dados recolhidos na planilha de nivelamento topográfico foram trabalhados a partir do Excel, e geraram gráficos de perfis praiais. Esses perfis permitem a visualização da diferença morfodinâmica entre um mês e outro. A partir da análise comparativa dos perfis, verifica‐se que há uma tendência erosiva entre setembro e fevereiro, e uma tendência progradacional entre maio e agosto. Isto pode ser considerada uma tendência ao equilíbrio, já que a praia passa por processos erosivos em uma época do ano, e processos progradacionais em outra época. Apesar de possuir esta tendência, a Ponta do Cabo Branco apresenta indícios de processos erosivos mais significativos, já que os processos deposicionais não dão conta de repor os sedimentos retirados pela erosão. Para poder afirmar qual o processo é dominante, se faz necessário um estudo contínuo da área; o monitoramento costeiro deve ser realizado por no mínimo um ano, mas quanto mais tempo de estudo mais certeza se pode ter acerca dos processos atuantes. Palavras‐Chave: geomorfologia, monitoramento, costeira, morfodinâmica. Abstract The study of the coastal dynamic has become more and more important to understand and comprehend the coastal geomorphology. This paper brings the study and the analysis of morphodynamic data collected during a PIBIC research, between 2007 and 2008. The place chosen for the research was the Ponta do Cabo Branco, justified for its strong coastal dynamic, and for been an important OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
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touristic point because of the cliff of Cabo Branco (witch is part of the Ponta do Cabo Branco). The field works were made monthly, between September of 2007 and august of 2008, always on syzygy full moon days. The field methodology was to create beach profiles (topographic profiles) with the use of level, tripod, ruler, 30 meters tape measure and cuttings. The data collected on the topographic sheet were analyzed with Excel, and generated beach profiles. Those profiles allow the visualization of the morphodynamic difference between two months. With the comparative analysis of those profiles, it’s possible to see that there is an erosive tendency between September and February; and there is a deposition tendency between May and August. This can be considered a tendency to balance, since the beach has erosive processes during a time of the year, and deposition processes in another time. Although there is this tendency, the Ponta do Cabo Branco presents signs of most significant erosive processes, since the deposition processes can’t reset the sediments that the erosion takes away. There should be and continuous study of the area to be able to tell what is the dominant process. The coastal monitoring should be done by at least one year, but the more time the studies are made, the more sure can be about the active processes. Key words: geomorphology, monitoring, coastal, morphodynamic. INTRODUÇÃO A cidade de João Pessoa possui aproximadamente 24 km de litoral. Algumas dessas praias (Bessa, Manaíra e Tambaú, por exemplo) possuem uma dinâmica costeira acentuada, que leva a modificações constantes da topografia praial. Por isso, se faz necessário um estudo de geomorfologia costeira para poder compreender os processos atuantes na praias de João Pessoa. O presente trabalho vem fazer uma análise dos dados coletados em campo durante uma pesquisa PIBIC, com vigência 2007/2008. A pesquisa foi realizada na Ponta do Cabo Branco – João Pessoa (PB), durante doze meses. Este foi o local escolhido para estudos de dinâmica costeira por ser um ponto turístico importante para a cidade, bem como por apresentar uma forte tendência erosiva a partir dos processos costeiros atuantes na base da falésia do Cabo Branco. Os trabalhos de campo foram realizados mensalmente, em época de lua cheia de sizígia, e consistiram em coleta de dados hidrodinâmicos, sedimentológicos e morfodinâmicos. Os dados hidrodinâmicos serão apresentados neste trabalho. Localização A área de estudo, a Ponta do Cabo Branco, se localiza no litoral de João Pessoa (PB), na porção sul da Praia do Cabo Branco (Figura 1a e 1b), entre as praias de Tambaú e Seixas (mais conhecida como ponto mais oriental das Américas) OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
PEDROSA, F. M. M. de C.
Figura 1. (A) Localização das praias urbanas de João Pessoa (B) e aproximação do ponto de estudo. Fonte: Google Earth em 25 de setembro de 2008. O ponto de coleta de dados morfodinâmicos está indicado na foto 01 B, e foi escolhido por causa de uma árvore localizada no topo da falésia, que já foi referência para outros estudos. É uma área com dinâmica costeira acentuada; porém, a falésia apresenta menor erosão neste ponto por causa da presença de pedaços de rocha (resquícios de terraços de abrasão), que protegem a falésia da ação direta das ondas. METODOLOGIA A geomorfologia costeira possui conceitos próprios da área, para designar as feições praiais. Existe uma discordância na literatura nacional quanto aos termos traduzidos do inglês, mas alguns conceitos são os mais utilizados, a seguir: Pós‐praia: “o limite entre a pós‐praia e as dunas arenosas situa‐se na parte inferior das dunas. Rumo ao mar, a pós‐praia estende‐se até a linha do nível de maré alta média.” (SUGUIO, 1980, p. 372) Estirâncio: ”faixa situada entre o nível de maré alta média e o nível de maré baixa média.”. (SUGUIO, op. Cit.) Antepraia: “se estende do nível de maré baixa média à média das máximas bases de ondas.” (SUGUIO, op. Cit.). Neste trabalho a antepraia será considerada do limite da maré baixa média até 25m mar adentro, já que este foi o limite dos perfis praiais. Para visualizar essa divisão, pode ser utilizada a Figura 2. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
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Figura 2. Gráfico de nomenclatura das feições praiais. Fonte: PEDROSA (2008). Segundo MUEHE (2002, p. 292), “o perfil transversal de uma praia varia com o ganho ou perda de areia de acordo com a energia das ondas, ou seja, de acordo com as alternâncias entre tempo bom (engordamento) e tempestade (erosão).”; o perfil praial é uma das maneiras de se estudar e caracterizar uma praia quanto à sua perda ou ao seu ganho de sedimentos. Levando em conta a consideração acima, os estudos da dinâmica costeira se utilizaram deste recurso: os dados da morfodinâmica foram coletados a partir do perfil praial, realizando um levantamento topográfico da praia. Para tal estudo (Figura 3) foi utilizada uma metodologia a partir de Chaves (2005) e foram
utilizados os seguintes equipamentos: nível topográfico, tripé, mira topográfica de 4 metros, piquetes, trena de 30 metros. A leitura do nível gerava dados de levantamento topográfico, que foram inseridos em uma planilha de levantamento topográfico. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
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PEDROSA, F. M. M. de C.
Figura 3. Levantamento topográfico na Ponta do Cabo Branco. Foto: Adson Ícaro, 18 de julho de 2008. Cada trabalho de campo resultou em um perfil praial. A comparação desses perfis permite uma melhor compreensão dos processos costeiros existentes no ponto de estudo, para assim verificarmos quais os processos são mais fortes (erosão ou progradação). RESULTADOS E DISCUSSÕES A Tabela 1 apresenta os dados coletados em campo. Esses dados foram coletados a partir de uma planilha de dados morfodinâmica, através da metodologia apresentada anteriormente. Os dados inseridos na tabela foram transformados em um gráfico de dispersão (Figura 4) que possibilita uma visualização do comportamento do perfil praial durante os meses de estudos, compreendidos entre setembro de 2007 e agosto de 2008. Os dados da tabela 01 foram inseridos no Excel, gerando um gráfico comparativo entre os meses destacados (os trabalhos de campo foram realizados mensalmente, mas para facilitar a comparação e a visualização, apenas alguns meses foram utilizados). OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
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Gráfico 1. Perfis de praia na Ponta do Cabo Branco entre setembro/07 e agosto/08. Analisando o gráfico 01, podemos perceber uma grande perda de sedimentos comparando o mês de setembro com o mês de dezembro. Entre dezembro e fevereiro, houve uma perda de sedimentos no alto e médio estirâncio, e o baixo estirâncio e a antepraia apresentaram uma pequena deposição. Entre fevereiro e maio houve um aumento na quantidade de sedimentos, principalmente no baixo estirâncio e na antepraia. Já entre maio e agosto, o maior acréscimo de sedimentos foi no alto e médio estirâncio; a antepraia e o baixo estirâncio apresentaram uma perda de sedimentos, apesar de o perfil praial estar com maior largura. Ainda assim, comparando os meses de setembro de 2007 e agosto de 2008, percebe‐se uma tendência erosiva. Apesar de o alto estirâncio apresentar uma quantidade maior de sedimentos no mês de agosto, as outras compartimentações praiais mostram uma diminuição de sedimentos. Ou seja, a praia apresenta uma tendência ao equilíbrio durante este período estudado, mas a quantidade de sedimentos depositados (principalmente a partir do mês de maio) não foi suficiente para repor os sedimentos que foram retirados durante o processo de erosão. A mesma análise pode ser feita através da observação visual, com a utilização de fotografias (Figura 5). OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
PEDROSA, F. M. M. de C.
Figura 4. (A) setembro/07, (B) fevereiro/08 e (C) julho/08. Fotos: Flávia Marcella M C Pedrosa. A Figura 4 A mostra um estirâncio sem a menor presença de arenitos de praia. A figura B indica uma forte presença de processos erosivos, já que os arenitos de praia se tornam bastante evidentes (partes de terraços de abrasão). Na figura C, percebemos uma diminuição na quantidade de arenitos aparentes, o que aponta para processos deposicionais. Analisando as fotos em conjunto, percebemos uma tendência ao equilíbrio, ou seja, uma tendência da praia permanecer no mesmo estado, apesar de passar por processos erosivos e deposicionais. Mas a figura C nos mostra que essa tendência, pelo menos nos meses de estudo, não conseguiu se completar (a quantidade de sedimentos retirados não foi a mesma quantidade de sedimentos depositados). CONSIDERAÇÕES FINAIS Com os estudos realizados, pode‐se perceber que, no período da pesquisa, a Ponta do Cabo Branco apresenta fortes indícios erosivos. Apesar de os perfis apontarem para uma tendência cíclica (quando os processos de erosão são neutralizados por processos de deposição), os processos erosivos se mostram um pouco mais expressivos. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
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Os registros fotográficos também apresentam essa mesma tendência. Se fala em tendência porque, para poder afirmar qual é o processo dominante, é necessário um estudo mais longo (de pelo menos 2 anos), já que a morfologia praial é muito suscetível às mudanças climáticas (uma tempestade, por exemplo, pode gerar uma grande ressaca que aumenta a força dos processos erosivos). Para poder afirmar quais os processos erosivos são mais atuantes no local, se faz necessária uma continuação do monitoramento costeiro. Por ser um local de grande importância turística, o monitoramento costeiro auxilia no sentido de indicar (ou não) a necessidade de intervenções humanas para coibir os processos costeiros. Há uma clara evidência de processos erosivos, principalmente nos meses de outubro, novembro, dezembro, janeiro e fevereiro. Um estudo contínuo poderá confirmar essa tendência de erosão na primavera e no verão e de deposição no outono e no inverno (os meses com maior precipitação em João Pessoa. são maio, junho, julho e agosto). REFERÊNCIAS CHAVES, Marcelo dos Santos. Dinâmica costeira dos campos petrolíferos Macau/Serra, litoral setentrional do Estado do Rio Grande do Norte. Nº 10/PPGG. Tese de Doutorado, Natal, 2005. CHRISTOFOLETTI, Antonio. Geomorfologia. 2. ed. São Paulo: Blücher, 1980. MUEHE, Dieter. In: CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira (orgs.). Geomorfologia: Exercícios, técnicas e aplicações. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2002. __________. In: CUNHA, Sandra Baptista da; GUERRA, Antonio José Teixeira (orgs.). Geomorfologia do Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. __________. In: GUERRA, Antônio José Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da (orgs.). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. NEVES, Silvana Moreira. Erosão Costeira no estudo da Paraíba. Tese de Doutorado. Salvador, 2003. NEVES, Silvana Moreira, et al. Paraíba. In: Muehe, Dieter (org.), Erosão e progradação do litoral brasileiro. MMA, Brasília, 2006. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
PEDROSA, F. M. M. de C.
PEDROSA, Flávia Marcella Monteiro de Carvalho. Estudo da dinâmica costeira na Ponta do Cabo Branco – João Pessoa/PB. Monografia para conclusão de curso, DGEOC/UFPB. 2008 REIS, Christiane Maria Moura. O litoral de João Pessoa (PB), frente ao problema da erosão costeira. Tese de Doutorado, Recife, 2008. SOUZA, Celia Regina de Gouveia et al (ed.). Quaternário do Brasil. Ribeirão Preto: Holos, 2005. SUGUIO, Kenitiro. Rochas Sedimentares. São Paulo, Edgard Blücher Ltda. 1980. Contato com os autores: [email protected]
Recebido em: 09/05/2008
Aprovado em: 20/12/2008
OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
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Revista OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 128-206, 2008. ISSN: 1982-3878
João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB – http://www.okara.ufpb.br
Tabela 1. Dados de levantamento topográfico. Set/07 Dez/07 Distância Cota Distância Cota 0 3,59 0 3,3 3 3,65 1,2 3,17 4,12 3,53 1,95 3,05 5,24 3,31 3,05 2,88 6,92 3,1 3,85 2,63 10,44 2,69 5,15 2,34 2,37 9,3 2,06 13,42 17,67 2,02 14,8 1,57 26,92 1,48 20,95 1,09 37,02 1,1 29,8 0,6 46,17 0,65 38,45 0,37 71,17 0,39 39,45 0,23 64,45 0,02 Fev/08 Distância Cota 0 2,91 2 2,63 5,75 1 16,8 15 21,85 0,93 24,25 0,87 32,3 0,64 36,1 0,5 42,9 0,23 74 0,2 45 0,12 Mai/08 Distância 0 1,8 6,1 12,0 18,2 31,9 40,5 65,5 Cota 3,08 2,84 2,47 1,95 1,28 0,97 0,7 0,42 Ago/08 Distância Cota 0 3,29 1,07 3,36 3,74 3,26 6,8 3,08 10,17 2,89 15,57 2,54 25,87 1,65 41,87 0,51 51,37 0,35 71,57 0,3 96,57 ‐0,07 OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 154-163, 2008
Revista OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 128-206, 2008. ISSN: 1982-3878
João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB – http://www.okara.ufpb.br
ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEITUAL SOBRE
RISCOS E PERIGOS E SUA MANIFESTAÇÃO NO
SEMIÁRIDO BRASILEIRO ATRAVÉS DA
DESERTIFICAÇÃO
Josandra Araújo Barreto de Melo Universidade Estadual da Paraíba Eduardo Rodrigues Viana de Lima Universidade Federal da Paraíba Ronildo Alcântara Pereira Universidade Federal de Campina Grande Resumo As categorias riscos e perigos sempre foram amplamente estudadas em várias áreas do conhecimento, a exemplo da Geografia, que já tem tradição nesses estudos, desde o século XX e o resgate de tais categorias representa importância singular, pois possibilita manter o princípio de uma Geografia global, através da articulação entre as dimensões do meio físico e humano, princípio norteador do Paradigma da Geografia Socioambiental. Por outro lado, existe na literatura uma confusão conceitual acerca do significado das mencionadas categorias. Tal confusão, possivelmente, é oriunda da tradução para a língua latina do termo original Natural hazards, que tem origem anglo‐saxônica. Este fato provocou ora a utilização dos termos riscos e perigos como sendo equivalentes, ora a inversão dos seus significados. A partir dessa constatação, no presente ensaio teórico, buscou‐se referencial para desfazer esses conflitos e poder relacionar aquelas categorias com o estudo da desertificação, desastre que assola o Semiárido brasileiro, tendo como causas condicionantes naturais e/ou sociais. Constitui, portanto, um recorte temático que possibilita analisar as relações sociedade‐
natureza de forma integrada. A partir do estudo efetivado, objetivou‐se, além de uma distinção e discussão de significados e o estabelecimento de correlações, chamar atenção para a necessidade de implementação de ações urgentes para a contenção das fronteiras do perigo da desertificação, pois, caso contrário, as conseqüências serão desastrosas, não apenas para as regiões afetadas diretamente, mas também para as demais áreas que terão que receber o contingente de emigrantes desprovidos dos meios de subsistência. Palavras‐Chave: riscos e perigos, desertificação, Geografia Socioambiental, ordenamento territorial. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 164-176, 2008 165 Abordagem teórico-conceitual sobre riscos e perigos e sua manifestação no semiárido brasileiro
através da desertificação
Abstract The categories natural risks and hazards always had been widely studied in some areas of the knowledge, such as, for example, the Geography, that already has tradition in these studies, since century XX and the return of such categories represents singular importance, because it makes possible to keep the principle of a global Geography, by means of the articulation between the dimensions of the physical and human environment, guiding principle of the Paradigm of socio‐
environmental Geography. On the other hand, it exists in literature a conceptual confusion concerning the meaning of the mentioned categories. Possibly, such confusion derives of the translation for the Latin language about the original term Natural hazards, that has anglian‐saxonic origin. This fact provoked sometimes the equivalent use of the terms risks and dangers, sometimes the inversion of its meanings. From this fact, in the present theoretical essay, one searched theoretical bedding to undo these conflicts and to be able to relate those categories with the study of the desertification, disaster that devastates the Brazilian Semi‐arid, having as natural and/or social conditioners causes. It constitutes, therefore, one thematic cutting that it makes possible to analyze the relations society‐nature in integrated way. From the accomplished study, it was aimed at, beyond a distinction and the discussion about meanings and the establishment of correlations, to awake to the necessity about the implementation of urgent actions for the containment of the danger’s borders of the desertification, because, in case that contrary, the consequences will be disastrous, not only for the affected regions directly, but also for the remaining areas that will have that to receive the contingent from emigrants unprovided of the ways of subsistence. Key words: risks and hazards, desertification, Socio‐environmental Geography, territorial order. INTRODUÇÃO As categorias riscos e perigos sempre foram amplamente estudadas em várias áreas do conhecimento, a exemplo da Geografia, que já tem tradição no estudo dos riscos e perigos naturais, utilizando tal conceito e incorporando‐o à possibilidade de elaboração de políticas públicas de ordenamento do território, desde o pós‐segunda guerra (GARCIA‐TORNEL, 1984, p. 1). Também merece destaque as contribuições atuais da Demografia e Sociologia, que têm aplicado o conceito de risco como sendo inerente à sociedade contemporânea, no seu atual estágio de modernidade, representado pelo capitalismo com todas as suas conseqüências sobre a sociedade e o ambiente. OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
MELO, J. A. B. de; LIMA, E. R. V. de; PEREIRA,R. A.
No âmbito da Geografia, o resgate de tais categorias representa importância singular, haja vista o estudo possibilitar manter o princípio de uma Geografia global, através da articulação entre as dimensões do meio físico e humano, princípio norteador do Paradigma da Geografia Socioambiental, construído pela Geografia ao longo do século XX, tendo em vista a problemática ambiental não poder ser abordada segundo perspectivas que dissociam sociedade e natureza, resultando na busca e na formulação de novas bases teórico‐metodológicas, por parte da Geografia, para a abordagem do meio ambiente (MENDONÇA, 2001, p. 113), capaz de mostrar a complexidade das interações sociedade‐natureza. Há de se mencionar que a Geografia, desde sua consolidação enquanto ciência, no século XIX, tem no ambientalismo uma de suas principais vertentes, entretanto, a concepção de ambiente mudou bastante no século XX, levando esta ciência a rever e atualizar seus conceitos, buscando a superação da visão exclusivamente naturalista do meio e inserindo a dimensão social sobre o mesmo. Por outro lado, existe na literatura uma confusão conceitual acerca do significado dessas categorias. Tal confusão, possivelmente, é oriunda da tradução para a língua latina do termo original Natural hazards, de origem anglo‐saxônica, provocando ora a utilização dos mesmos como sendo equivalentes ora a inversão dos seus significados. A partir dessa constatação, buscou‐se referencial teórico para desfazer esses conflitos e poder ralacionar tais categorias ao estudo da desertificação, desastre que assola várias partes do Planeta, bem como do Nordeste brasileiro, tendo como causas condicionantes naturais e/ou sociais constituindo, portanto, um recorte temático que possibilita analisar as relações sociedade‐natureza. Do ponto de vista dos condicionantes naturais, o Semi‐árido brasileiro é caracterizado por baixas precipitações pluviométricas, mal distribuídas no tempo e no espaço, e elevados níveis de evaporação, o que gera um déficit hídrico e elevação do índice de aridez; como conseqüência, as tipologias de solos são pouco desenvolvidas, haja vista o baixo nível de intemperismo químico das rochas. Essas limitações hídricas impõem a necessidade de um adequado manejo do solo, a manutenção de sua cobertura vegetal para evitar a erosão e a adoção de práticas conservacionistas, que possibilitem a manutenção do equilíbrio. Entretanto, nessa porção do Brasil se instalou, desde o período colonial, uma formação socioeconômica que não levou/leva em consideração as peculiaridades ambientais como limitantes ao uso desordenado dos recursos naturais locais, tendo em vista que o papel desempenhado pela região na divisão internacional do trabalho, naquele momento, foi de fornecedora de carne para abastecimento da região canavieira; paralelamente a essa função, a região também desenvolveu uma agricultura de subsistência, voltada para a produção de gêneros de primeira necessidade, sem nenhuma preocupação de cunho técnico, função que desempenha até os dias atuais. OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
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através da desertificação
Além de ampliar a vulnerabilidade ambiental local, esse modelo expropriador também ampliou a vulnerabilidade socioeconômica da população, na medida em que a mesma, desprovida de meios de subsistência, passou a desenvolver uma dependência em relação aos recursos naturais, sendo a extração da madeira para venda de estacas, lenha e carvão vegetal, muitas vezes, a única fonte de renda para muitas famílias, principalmente, no período de estio, o que acarreta perda de diversidade vegetal, redução da fertilidade e ampliação da exposição do solo aos agentes erosivos, dentre outras conseqüências que favorecem a desertificação. Diante do exposto, o presente ensaio teórico, pautado nos princípios da Geografia Socioambiental objetiva discutir, a partir da literatura pertinente, alguns aspectos teórico‐conceituais acerca das categorias riscos e perigos, bem como relacioná‐las ao desastre da desertificação que, como já apresentado, é um motivo de preocupação para a região semi‐árida, requerendo a elaboração/implementação de políticas públicas que reduzam os riscos. Aspectos teórico‐conceituais acerca dos riscos e perigos: termos similares? Calvo García‐Tornel (1984) faz um resgate histórico da evolução dos estudos sobre riscos, relacionando o início do desenvolvimento conceitual dessa categoria aos riscos oferecidos pelo meio natural. Estes estudos são datados de mais de meio século, sempre aplicados aos diversos aspectos do ordenamento territorial. Segundo o referido autor, os riscos surgem como um produto da relação natural entre a sociedade e a natureza, cujas estratégias de adaptação, muitas vezes, se mostram inadequadas ou insuficientes ante um determinado acontecimento ou conjunto deles, que podem ocasionar efeitos prejudiciais a um grupo. Marandola Jr. & Hogan (2004a) afirmam que o desenvolvimento dos estudos sobre riscos antecede o auge da crise ambiental planetária, tendo a motivação inicial ocorrido a partir da necessidade de solucionar o problema das inundações que afligiam tanto áreas urbanas quanto rurais nos Estados Unidos, em 1927, implicando em perdas humanas e materiais. Esse esforço gerou a elaboração de 308 informes, apresentados ao Congresso americano em 1933, contendo uma análise detalhada dos custos e benefícios e dos projetos de construção propostos. Entretanto, tais informes careciam de uma visão menos técnica e, a partir de então, foi empreendido um esforço para incorporar uma visão integrada do problema, a partir de uma melhor compreensão da relação sociedade‐natureza no processo de ocupação humana no espaço para, assim, aprimorar a gestão do território. A partir desse contexto, foi desenvolvida uma linha investigativa denominada Natural Hazards, a partir das contribuições dos precursores geógrafos norte‐americanos Ian Burton, Robert W. Kates e Gilbert E. White, cujas contribuições subsidiam as análises que vem sendo empreendidas sobre o tema desde então. OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
MELO, J. A. B. de; LIMA, E. R. V. de; PEREIRA,R. A.
Segundo Mattedi & Butzke (2001), naquele primeiro momento de estudo, ainda existiam dificuldades de caracterizar as dimensões física e humana de um evento, privilegiando‐se os aspectos físicos dos eventos e relegando o status de vítimas desafortunadas, com pouca capacidade de reação, às populações atingidas pelos perigos naturais. Por outro lado, devido a problemas derivados da tradução do termo Natural Hazards, verifica‐se na literatura de língua latina, que aborda as categorias de análise risco e perigo, a ocorrência de uma confusão conceitual em relação aos significados, ora caracterizando‐os como sinônimos ora invertendo seus significados. No entanto, Anéas de Castro (2000) e Cutter (1996) fornecem elementos que possibilitam a compreensão dos termos e suas diferenças, que vai representar o marco teórico adotado na presente abordagem. Também corroboram com o pensamento das referidas autoras Hogan & Marandola Jr. (2006 e 2007), Marandola Jr. & Hogan (2004a, 2004b e 2005), cujas idéias serão fundamentais para referenciar a presente abordagem. Segundo Anéas de Castro (2000), o conceito de risco inclui a probabilidade de ocorrência de um fenômeno natural ou antrópico e a valoração por parte do ser humano no que se refere aos seus efeitos nocivos (vulnerabilidade), havendo tanto valoração quantitativa quanto qualitativa, estando a incerteza sempre presente, enquanto que o perigo é a ocorrência ou ameaça de ocorrência de um acontecimento natural ou antrópico, ou seja, refere‐se ao fenômeno concreto ou em potencial. Nessa mesma linha de pensamento, Castro et. al. (2005) entendem ser o risco uma categoria de análise associada à priori às noções de incerteza, exposição ao perigo, perdas e prejuízos materiais, econômicos e humanos em função de processos de ordem natural (tais como os processos endógenos e exógenos da Terra) e/ou daqueles associados ao trabalho e as relações humanas, ou seja, o risco refere‐se, portanto à probabilidade de ocorrência de processos no tempo e no espaço, não constantes e não determinados, e à maneira como estes processos afetam a vida humana. Sendo o risco uma categoria multidisciplinar, que é abordada de acordo com os objetos de várias áreas do conhecimento, podem ser distintas três abordagens: a primeira está relacionada com as geociências, com enfoque em processos catastróficos, de origem hidrogeológica; uma segunda que trata dos chamados riscos tecnológicos e sociais, compreendidos a partir das macrotransformações sociais; e, por último, a abordagem financeira e os riscos derivados, ou seja, abordando os riscos a partir de uma visão economicista. Quanto ao perigo, pode ser compreendido como um evento capaz de causar perdas graves onde se produza, ou seja, é a ocorrência ou o risco de ocorrência de um evento danoso. Além dos perigos naturais, Castro (op. cit.) ressalta a ocorrência, cada vez mais presente na sociedade, dos perigos antrópicos ou sociais, que têm atingido um grande número de pessoas, sobretudo no atual OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
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momento histórico. Além disso, a idéia de perigo ambiental inclui perigos naturais agravados pela ação do ser humano, perigos antrópicos agravados pela natureza, perigos antrópicos que afetam a natureza, dentre outros. Outra contribuição nesse sentido é dada por Jones (1993) ao fazer uma avaliação sobre os perigos, no início da década de 1990, e apontar a existência de três categorias de perigos: perigos ambientais, perigos tecnológicos e perigos sociais, os quais, por sua vez, geram outras tipologias, denominadas de perigos quasi‐
naturais (provocados pelos elementos sociais ou tecnológicos) e híbridos (resultantes da interação de fenômenos sociais e tecnológicos), os quais possuem origem mais complexa. Essas novas abordagens são oriundas da ação dos perigos sociais e tecnológicos atuando sobre o meio natural. De qualquer forma, a riqueza dessa linha de investigação é sua preocupação simultânea e integrada com os fatores de origem natural e social abrindo, assim, diferentes horizontes para a preocupação corrente com a relação sociedade‐natureza e a qualidade de vida, tanto na cidade quanto no campo. Anéas de Castro (2000) apresenta uma definição mais ampla para os perigos ambientais, como sendo “uma ameaça potencial que enfrenta a sociedade com a natureza por eventos que se originam em, ou são transmitidos pelo ambiente natural ou artificial”. A partir dessa definição, vê‐se que a desertificação pode ser incluída nessa categoria de perigos, por representar um deteriorante ambiental, de longo prazo. Resumidamente, a partir dessas contribuições, entende‐se que o risco é a probabilidade da realização de um perigo e o perigo é, tanto o fenômeno potencial (quando da existência do risco), quanto o fenômeno em si. Significa dizer que não há perigo sem risco, nem risco sem perigo (MARANDOLA JR. & HOGAN, 2004b, p. 103). Entretanto, segundo os referidos autores, para que um fenômeno natural venha a ser considerado um perigo, além de romper o equilíbrio natural do sistema, tem que afetar uma determinada população, ou seja, precisa ocorrer na interface sociedade‐natureza, não sendo um perigo natural por si só, mas só a medida que afeta a sociedade. E só recebem a denominação de perigos naturais pelo fato de terem origem nos elementos geofísicos. Por sua vez, os danos às populações são causados pela forma de ocupação do território e pela não consideração dos impactos que tal uso ou o próprio local pedem gerar a si mesmos. De qualquer forma, o que fica evidente é que a problemática dos riscos e perigos tem efetiva ligação com a forma como as sociedades ocupam o território, ou, em outras palavras, como as populações se distribuem pelo espaço e os padrões de ocupação. Além disso, tais categorias não podem ser vistas como equivalentes, mas complementares, pois, assim, abrem‐se maiores possibilidades para o avanço do conhecimento, bem como para o benefício da espécie humana. Também é possível verificar que a evolução dos estudos dos riscos e perigos tem seguido uma evolução clássica em que, a princípio, podia‐se tratar de um só risco OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
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ou perigo num determinado espaço, mas que a partir dos condicionantes antrópicos, vê‐se a junção de vários perigos numa área, como conseqüência da relação sociedade‐natureza (MARANDOLA JR. & HOGAN, 2004b, p. 103), não sendo mais possível distinguir os riscos/perigos naturais, tecnológicos e sociais, devido a complexidade existente (CASTRO et. al. 2005, p. 20). Desertificação: perigo natural, social ou ambiental? O ser humano, ao longo de sua existência, sempre manteve uma relação de dependência em relação à natureza, muito embora a cultura ocidental tente comprovar o oposto. Essa relação ocorreu de forma diferenciada, segundo os vários momentos históricos e os diversos modos de produção vigentes na sociedade. Dessa forma, a relação sociedade/natureza vem sofrendo mudanças ao longo do tempo, impregnando diferentes marcas na paisagem, com efeitos diversos. Dentre essas, pode‐se destacar o perigo da desertificação. Na literatura, o termo desertificação ficou conhecido em 1949, através da obra publicada pelo silvicultor francês André Aubreville, intitulada “Climats, Forêsts et Desertification de l’Afrique Tropicale”. Originalmente, o termo foi utilizado para caracterizar a ocorrência de savanas como sucessão das florestas tropicais e subtropicais. Aubreville apud Conti (2002) denominou tal processo por “savanização”. Entretanto, até a década de 1970, tal perigo não causou grandes preocupações, permanecendo como um fato isolado no âmbito de alguns países africanos. Porém, com a seca ocorrida no Sahel (1968‐1973), que provocou a morte de mais de 500 mil pessoas, a percepção do perigo atingiu uma escala mais abrangente, com o despertar de uma consciência acerca de suas conseqüências. Na verdade, houve um choque internacional provocado pelas imagens da seca e pelos problemas que os refugiados estavam a provocar nos países europeus, seus antigos colonizadores. Em virtude disso, em 1977, a The Sciences Associations organizou um seminário sobre desertificação que antecedeu a Conferência das Nações Unidas, realizada em Nairobi (Quênia), no mesmo ano. Nessa ocasião, foi discutida a situação da desertificação no mundo e elaborado o Primeiro Plano de Ação Mundial de Luta contra a Desertificação, entretanto os resultados da implementação desse Plano ficaram muito distantes do necessário. A falta de conhecimento sobre o fenômeno e a busca de compreensão sobre sua gênese e dinâmica fez com que o tema desertificação passasse a ser considerado matéria de estudo em diversas áreas, tendo em vista que tratava‐se de um fato novo que envolvia uma complexa rede de elementos de ordem natural e social, intrinsecamente relacionados, o que permitiu, de certo modo, uma abordagem interdisciplinar acerca do assunto, requerendo um maior esforço para a elaboração de estudos de natureza multidisciplinar. OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
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Apesar do avanço dos estudos sobre o mencionado perigo, já na década de 1970, foram diagnosticados, ao longo das reuniões, muitos problemas que partiam da falta de uma definição, quer com relação ao próprio termo, ou relativamente ao que venha a ser o processo. Vê‐se, entretanto, que esse problema persiste até hoje, pois há contradições em relação às causas, pois, muitas vezes, estas são confundidas com as conseqüências. Acredita‐se que essa diversidade de opiniões decorre da busca de uma definição que enquadre todo e qualquer processo de desertificação numa única perspectiva. Mesmo que se chegue a um consenso quanto às causas do perigo da desertificação, não se pode deixar de considerar as características naturais, bem como a dinâmica de ocupação de cada território, visto que esses pré‐requisitos são condicionantes da vulnerabilidade socioeconômica e ambiental de cada área. Sobre as causas da desertificação, Cunha & Guerra (2000) chamam atenção para o papel exercido pelos condicionantes naturais que, juntamente com o manejo inadequado do solo, são capazes de acelerar tal processo, dentre tais condicionantes, os autores exemplificam chuvas fortes e concentradas num curto espaço de tempo, encostas íngremes e desprovidas de vegetação, contato solo‐
rocha abrupto, descontinuidades litológicas e pedológicas, elevados teores de silte e areia fina, baixos teores de matéria orgânica, dentre outras. Também para Auoad (1986), a desertificação é a crescente perda de capacidade do solo em estocar águas pluviais, ao fim da qual se torna estéril. Estas definições atribuem às características do meio as causas da desertificação. Entretanto, vê‐se que, embora o semi‐árido apresente várias características dentre as apontadas, a ação antrópica potencializa a formação de outras, a exemplo do desmatamento em encostas íngremes ou o manejo inadequado do solo, provocando a queda nos teores de matéria orgânica e, conseqüentemente, a ampliação da vulnerabilidade ambiental local. Diferentemente da posição anterior, existem as abordagens que atribuem as causas da desertificação aos processos eminentemente antrópicos, a exemplo de Duque (1973) que usou o termo “saarização”, referindo‐se aos processos de degradação dos solos no Nordeste, e sua conseqüente perda da capacidade produtiva. O autor relacionou as condições ambientais inóspitas de uma região à responsabilidade histórica dos modelos econômicos implantados nessas regiões e à conseqüente miséria e fome aí registradas. Usou também a expressão deserto econômico para relacionar a miséria e a fome como conseqüência da degradação dos solos e da perda de sua capacidade produtiva na região Nordeste. Nessa mesma linha conceitual, também se pode enquadrar a abordagem de Boaventura (1986) que afirma que a desertificação é o fenômeno que conduz determinadas áreas a transformar‐se em desertos, ou a eles se assemelharem. Origina‐se da pressão intensa de atividades humanas sobre os ecossistemas frágeis, isto é, com fraca capacidade de regeneração. Nessa abordagem, as atividades antrópicas prevalecem sobre as condições físicas do ambiente. OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
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Por fim, como forma de mediação entre esses dois extremos, existem as posições, sem dúvida, hoje prevalecentes, de que o perigo da desertificação é resultante de causas naturais em conjunto com a ação antrópica, o que produz os perigos ambientais (JONES, 1993, p. 27). A título de exemplo, serão citados os trabalhos de três pesquisadores de renome que abordam essas questões, a saber: J. Vasconcelos Sobrinho, J. Bueno Conti, Edmon Nimer, bem como o conceito de desertificação adotado pela Organização das Nações Unidas. Vasconcelos Sobrinho (1978), buscando identificar os processos de desertificação no Polígono das Secas do Nordeste brasileiro, concluiu que duas condições devem ser consideradas: os núcleos de desertificação e as áreas de desertificação: Nos primeiros, o processo já alcançou o estágio de desaparecimento da cobertura vegetal e decapitação dos horizontes superficiais do solo e a erosão é já intensamente eólica. Suas áreas são relativamente reduzidas, e suas causas devem‐se, sobretudo, à ação do homem. [...] Nos segundos, o processo é difuso, alcançando áreas extensas por vezes de dezenas de hectares. Nelas a erosão é ainda quase só hídrica. Resultam, ao que parece, exclusivamente, ou principalmente, de condições ecológicas criadas pela composição química e estrutura física dos solos (VASCONCELOS SOBRINHO, 1978, p. 22). Conti (2002) aborda o processo de desertificação como sendo a perda progressiva da produtividade dos ecossistemas, afetando parcelas muito expressivas dos domínios subúmidos e semi‐áridos em todas as regiões quentes do mundo. O mencionado autor afirma que é nessas áreas (ecologicamente transicionais), que a pressão sobre a biomassa se faz sentir com muita força, através da retirada da vegetação arbustiva, do superpastoreio e das atividades mineradoras não controladas, desencadeando stress ambiental, cujo resultado “é a salinização e esterilização dos solos, erosão acelerada e, finalmente, desertificação” (CONTI, 2002, p. 26). Dessa visão, compreende‐se que o autor dá especial relevância a ação antrópica, negativamente potencializada pela pobreza (ibidem, p. 27). Em obra anterior, Conti (1998) considera a existência de dois tipos de desertificação: a climática ou natural e a ecológica ou antrópica, onde a primeira ocorre pela redução progressiva das chuvas decorrente de causas naturais, tais como alterações na atividade solar, mudanças na temperatura da superfície do mar, etc., enquanto a segunda modalidade acontece quando o ecossistema perde sua capacidade de regeneração, após ter diminuído seu potencial para produção por causa da ação antrópica na exploração dos recursos naturais. OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
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Nimer (1988) entende a desertificação como um ressecamento crescente do meio natural, que pode decorrer da mudança do clima regional e/ou do uso inadequado dos solos pelo homem, ou de ambos, simultaneamente. Esta definição insere a idéia da ação conjunta dos elementos, mas não descarta a possibilidade do fenômeno iniciar a partir do clima ou do homem individualmente. De acordo com a Organização das Nações Unidas (UNEP, 1991), entende‐se por desertificação “a degradação das terras nas zonas áridas, semi‐áridas e subúmidas secas, resultante de vários fatores, incluindo as variações climáticas e as atividades humanas”. As variações climáticas, estabelecidas através dos níveis de aridez do clima, é que possibilitam o enquadramento das regiões como propensas ou não ao perigo em pauta que, por sua vez, é potencializado pela ação humana. Assim, segundo o conceito proposto pela ONU, as áreas vulneráveis a processos de desertificação coincidem com aquelas situadas em regiões onde a relação entre precipitação e evapotranspiração (P/ETP) está compreendida entre 0,05 e 0,65, e que são denominadas como terras secas. Na aplicação desse índice, pressupõe‐se que a desertificação é uma forma de degradação dos ecossistemas em função de um aumento da aridez do ambiente, potencializada pela ação antrópica. Como produto da ação antrópica em áreas de clima susceptível tem‐se a deterioração de pastagens; erosão dos solos; encharcamento e salinização de terras irrigadas; diminuição na disponibilidade e na qualidade das águas subterrâneas e de superfície; deterioração de terras sob cultivo; e destruição da vegetação e da fauna, aparecendo como conseqüências da desertificação os impactos sociais, econômicos e ambientais. A partir desses pressupostos, a desertificação pode ser entendida como um perigo ambiental para o semi‐árido, já estando concretizado em algumas áreas, denominadas de núcleos de desertificação, como Gilbués/PI, Cabrobó/PE, Irauçuba/CE e Seridó/RN‐PB. J. Vasconcelos Sobrinho denominou de núcleo de desertificação a ocorrência – isolada ou agregada – de manchas de solo onde o horizonte superficial encontra‐se muito erodido e, em muitos casos, aflorando à rocha (CONHECENDO O PAN‐BRASIL, 2006, p. 20). Tais núcleos foram considerados os mais atingidos, a partir dos estudos desenvolvidos no Brasil, desde 1977, objetivando identificar as áreas mais afetadas pelo fenômeno. É sabido que as terras desertificadas já somam 16% do território nacional, correspondendo a uma área de 1.338.076 km2, afetando uma população de 31.663.671 habitantes, que corresponde a 19% da população brasileira, segundo os dados do censo 2000 (http://desertificacao.cnrh‐srh.gov.br). Desse total, 181.000 km2 já se encontram em processo grave e muito grave de desertificação, concentrados no semi‐árido, que têm 55,25% do seu território atingido em diferentes graus de degradação ambiental. A Paraíba é o Estado com maior grau de desertificação, segundo dados da Organização Não‐Governamental Internacional Greenpeace. O relatório OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
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"Mudanças de clima, mudanças de vida", publicado em agosto de 2006, indica que 29% do território paraibano está intensamente comprometido, afetando diretamente mais de 653 mil pessoas, através da fome e sede que assola as pessoas e seus rebanhos, ocasionando o êxodo do lugar de vivência. Segundo dados do mencionado relatório, as conseqüências serão mais agravadas ainda pelo aquecimento global, tendo em vista que as previsões apontam para o crescimento das áreas desérticas, em função da maior ocorrência de secas e do próprio aumento da temperatura do Planeta, transformando as zonas semi‐áridas em áridas. Além disso, estudos efetuados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE, mencionados no citado relatório, apontam que uma elevação da temperatura do Planeta entre 2% e 5% representa para o Semi‐árido a probabilidade da Caatinga dá lugar a uma vegetação típica de zonas áridas, com predominância de cactáceas. Nessa porção do território nacional, os índices pluviométricos, que hoje são em torno de 400 mm a 800 mm de chuvas anuais, despencarão para níveis jamais vistos, sendo ainda agravados pelo elevado nível de evaporação da água ampliando, portanto, os contornos territoriais da desertificação e dos seus efeitos gerando, como conseqüência, a necessidade de contenção das massas de excluídos que, na falta de alternativas de convivência com o mencionado desastre, migrarão para as cidades litorâneas, com conseqüente desagregação familiar e também abandono dos cultivos e modos de vida construídos, além de agravar os problemas urbanos intensamente debatidos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da aplicação ao estudo da desertificação no Semi‐árido brasileiro, das categorias risco e perigo, buscou‐se, além de uma distinção e discussão de significados, chamar atenção para a necessidade de implementação de ações urgentes para a contenção das fronteiras do perigo da desertificação, pois caso contrário, as conseqüências serão desastrosas, não apenas para as regiões afetadas diretamente, mas também para as demais áreas que terão que receber o contingente de migrantes desprovidos dos meios de subsistência. Diante disso, sugere‐se a elaboração/implementação de planos de ordenamento territorial para as áreas do Semi‐árido, quer através da delimitação de unidades políticas ou de unidades funcionais, como é o caso das bacias hidrográficas, tendo em vista que tais planos são elaborados a partir de conhecimento técnico e do potencial humano, contemplando as dimensões socioeconômicas, ambientais e jurídico‐institucionais das áreas afetadas. Ademais, necessário se faz a implementação de ações de educação ambiental e estudos de percepção do risco, de forma individual e coletiva, com as populações das áreas atingidas, para que seja possível a implementação do mencionado planejamento. OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
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Recebido em: 20/05/2008
Aprovado em: 10/11/2008
OKARA: Geografia em debate, v.2 n.2, p. 164-176, 2008
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Revista OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 128-206, 2008. ISSN: 1982-3878
João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB – http://www.okara.ufpb.br
VALES FLUVIAIS DO NE: CONSIDERAÇÕES
GEOMORFOLÓGICAS
Rubson Pinheiro Maia Universidade Federal do Rio Grande do Norte Francisco Hilário Bezerra Universidade Federal do Rio Grande do Norte Vanda Claudino Sales Universidade Federal do Ceará Resumo O presente trabalho propõe uma análise dedutiva à cerca da evolução morfotectônica do NE a partir do trabalho realizado pelos ambientes fluviais, revisitando sua literatura clássica e expondo dados morfotectônicos de pesquisas recentes. Com efeito, pode‐se afirmar que a dissecação e/ou aluvionamento promovido nos ambientes fluviais em escala regional ocorre sobre forte
controle estrutural. Reativações cenozóicas são aqui interpretadas como responsáveis pelas deformações neógenas amplamente distribuídas na área em questão. Estas são também responsáveis pelo condicionamento morfoevolutivo, haja vista que desencadeiam processos de terraceamento, dissecação e agradação e constituem atualmente importante mecanismo de interpretação Morfotectônica. Palavras‐chave: Geomorfologia, Nordeste, neotectônica, vales fluviais. Abstract This paper proposes a deductive analysis of the morphotectonic evolution of northeastern Brazil. This analysis faces the need to update the interpretations on the relief evolution, which should take into account fluvial process, and to revisit the classical literature, and contrast their interpretations with more recent morphotectonic research. Indeed, it can be said that the dissection and/or deposition that occurred in the alluvial systems at the regional scale exhibit strong structural control. Cenozoic fault reactivations are interpreted here as responsible for Neogene deformations widely distributed in the study area. These fault reactivations also control the morphology and trigger processes of dissection and deposition and are important mechanisms that should be considered in morphotectonic interpretations. Key words: Geomorphology, Northeast, neotectonics, river valleys. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
MAIA, R. P.; BEZERRA, F. H.; SALES, V. C.
INTRODUÇÃO Presente ainda de maneira incipiente na abordagem geomorfológica, a Neotectônica tem se mostrado um poderoso mecanismo de análise morfogenética e morfoevolutiva. Embora sejam comuns, nos trabalhos gestados na Geomorfologia as relações entre tectonismo e relevo, estas relações tornam‐se extremamente tímidas ou ausentes quando a escala de tempo analisada é atual, sobretudo quaternária. De acordo com Schum (1986), até a década de 80, apesar do significado prático dos efeitos tectônicos nos ambientes fluviais, apenas um pequeno número de pesquisas consideravam tais efeitos. As variações da morfologia dos canais fluviais eram interpretadas, por exemplo, como decorrentes das variações na descarga sólida e do tipo de carga transportada, dificultando assim a detecção dos efeitos da atividade tectônica. No Brasil, a partir da dácada de 1970, vários pesquisadores ligados à Geotectônica e, principalmente, a Morfotectônica, começaram a voltar seus interesses para as atividades tectônicas ocorridas desde o final do Terciário até o Quaternário, evidenciadas pela morfologia do relevo atual e pelas estruturas geológicas observadas. Outro fator que começou a chamar a atenção das Geociências no Brasil foram os sismos, ocorridos com maior freqüência na Região Nordeste, na década de 1980. Fenômenos dessa natureza têm sido relatados desde o século passado, mas o pensamento de que o território brasileiro é tectonicamente estável fez com que a comunidade científica, de modo geral, não relacionasse esses sismos à tectônica global. O crescente interesse pela temática fez com que esse pensamento fosse modificado, e para aqueles que hoje estudam os processos geomorfológicos ocorridos a partir do Terciário Superior, fica evidente que o tectonismo atual é um dos principais mecanismos controladores desses processos, (Lima, 2000). Atualmente, inúmeros são os estudos geomorfológicos que atribuem uma parte cada vez maior da explicação das formas de relevo da superfície da terra e da morfogênese ao fator tectônico (Saadi, 1998). Assim, tem‐se tornado cada vez mais evidente que, além do quadro paleoclimático e da configuração do embasamento, a tectônica constitui‐se de grande importância na definição dos modelos evolutivos da paisagem geomorfológica, sobretudo fluviais. No Nordeste Brasileiro, evidências de atividade tectônica de ocorrência pós‐ pliocênica foram constatadas por Bezerra e Vita‐Finzi (2000), a partir de sua expressão em diversos indicadores, dentre os quais destacam‐se o controle estrutural da drenagem, as estruturas de liquefação nos sedimentos fluviais e as deformações e falhas em sedimentos neógenos. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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179 Vales fluviais do NE: considerações geomorfológicas
Nessa linha de abordagem, o presente trabalho propõe uma análise acerca do significado geomorfológico da Neotectônica no Nordeste Brasileiro, com ênfase nos grandes sistemas fluviais. A partir da interpretação morfotectônica serão enfocados seus condicionantes evolutivos e suas possíveis correlações com a atividade sísmica quaternária. Contextualização Histórica dos estudos sobre Tectônica e Relevo Embora a preocupação referente ao entendimento da dinâmica da superfície terrestre remonta os primórdios da civilização, foi no século XIX que ocorreu o impulsionamento da Geomorfologia como ciência fora dos países europeus (Azevedo, 1952) a partir dos trabalhos de Davis (1899). Este apresentou um modelo teórico, onde todo o relevo teria começo, meio e fim, considerando em sua proposta os efeitos da erosão fluvial, a qual chamou de erosão normal. Em tal concepção, a erosão normal constituía o principal processo responsável pela elaboração do peneplano, isto é, superfície aplainada por processos erosivos. Mudanças climáticas ou movimentação epirogênica constituíam para Davis (1899) apenas acidentes em relação ao seu ciclo geomórfico ideal. Ainda segundo Davis (1899), a superfície sólida da terra seria trabalhada a partir de um soerguimento, que criariam relevos vigorosos, sendo a água corrente, considerada como formador de um grupo normal de processos destrutivos, que atuariam por downwearing. Nessa concepção, o vento dos desertos áridos e o gelo dos desertos frios seriam considerados como modificações climáticas da norma e deveriam ser colocadas a parte para discussão. Porém, foi a impossibilidade da aplicação de um único método para explicar o relevo terrestre, como propunha o ciclo do relevo de Davis, que levou Penk (1953) a relacionar litologia, solos, hidrografia e clima na elaboração do relevo, sendo o primeiro a propor as correlações entre zonalidade climática e evolução das formas de relevo. Desde então Penk, (1953), tornou‐se pioneiro no estabelecimento da relação entre processos exógenos e endógenos como condição do entendimento do relevo que constitui, necessariamente, o produto desta relação que chamou de “feição atual da morfologia” (Ross, 2000). Ainda na primeira metade do século XX, King desenvolveu um modelo aplicado à evolução dos relevos submetidos à semi‐aridez, denominado de pediplanação, que reúne influências duais dos modelos de Davis e de Penk (Ross, 2000). De acordo com a teoria da pediplanação de King (1954; 1960), o relevo das regiões semiáridas evoluiria a partir de backwearing engendrando erosão lateral das estruturas elevadas, onde a ação preferencial do trabalho erosivo hídrico, juntamente com a ação da gravidade, promoveria o recuo das vertentes. Nesse OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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contexto, a erosão diferencial imprimiria um desgaste desigual, com as vertentes recuando e o topo permanecendo conservado, resultando em perda de volume sem perda de altimetria (Figura 1). Este modelo é completamente diferente do modelo de Davis, onde o desgaste homogêneo (Downwearing) promoveria o aplainamento por completo até o final do ciclo. Figura 1. Dissecação linear e backwearing em área sedimentar segundo modelo de King (1954). O modelo proposto por King (1954; 1960) baseou‐se na premissa do relevo possuir caráter cíclico, porém não analogamente ao ciclo de erosão de Davis, sendo os processos de pediplanação muitas vezes interrompidos por fases de soerguimento. O modelo baseou‐se na idéia de aplainamento e elaboração de superfícies jovens como resultado de flexura continental no NE do Brasil (Saadi e Torquato, 1994). Tectônica, clima e evolução geomorfológica no Nordeste do Brasil No Brasil, Ab’Saber (1956) e Bigarella (1964) foram as principais referências da aplicação do modelo proposto por King, através do estudo das variações climáticas do Quaternário. De acordo com estes pesquisadores, fases pedogenéticas de clima quente e úmido alternaram‐se com fases morfogenéticas em clima quente e seco com chuvas violentas e esporádicas, onde vigoraram os processos de pediplanação. A aplicação à referida teoria possibilitou o desenvolvimento de uma Geomorfologia do Quaternário, com cientistas de diferentes áreas do conhecimento abordando a temática, sem, no entanto, existir uma definição precisa do tratamento metodológico. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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Para o Nordeste, tal modelo baseado na ocorrência de epirogenias pós‐cretáceas, acompanhadas por fases de dissecação e pediplanação conduzidas por climas secos foram amplamente difundidos por Ab’Saber (1956) e Bigarella (1964), Andrade e Lins (1965), Mabessone e Castro (1975), entre outros. Estes autores reconheceram a existência de quatro superfícies escalonadas (Figura 02), resultantes de quatro fases de aplainamento decorrentes de processos erosivos, dados a partir do soerguimento de um núcleo continental. Dessa forma, as seqüências sedimentares do Mesozóico e do Cenozóico seriam o resultado de erosão decorrente do soerguimento e, consequentemente, rebaixamento do nível de base regional. Figura 2. Superfícies escalonadas do NE brasileiro. Fonte: Peulvast e Claudino Sales (2004). De acordo com Saadi e Torquato (1994), a evolução morfoestrutural do Nordeste do Brasil baseia‐se na ocorrência de importantes arqueamentos crustais. As divergências estão entre os que propõem uma intumescência na escala do núcleo Nordestino e aqueles que propõem a ocorrência de vários pontos ou eixos de elevação crustal, espacialmente relacionados com as principais direções tectônicas regionais. Nesse sentido, a partir de um soerguimento de origem poligênica, desencadeados os processos de erosão, vales seriam seccionando através da erosão linear. Tal processo originaria vertentes que, submetidas à aridez, recuariam lateralmente, mantendo sua altimetria, interpretada como paleosuperfície. O papel da tectônica seria evidenciado no sentido de promover as variações dos níveis de base induzindo à dissecação. Com o advento e consolidação da Morfotectônica, uma Geomorfologia Estrutural passou a delinear‐se e ganhar significado nos trabalhos de Saadi (1998), Peulvast e Claudino Sales (2000, 2003) e, em última análise, no universo da tectônica atual e a sua relação com o relevo (Bezerra, et al. 2004). OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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De acordo com Bezerra et al. (2008), os estudos acerca de evolução geomorfológica do NE têm se baseado no modelo de pediplanação, com a morfologia como resposta a um soerguimento uniforme e concomitante desenvolvimento de superfícies de erosão. Tal concepção não é confirmada se os critérios de análise além de topográficos não forem também morfoestratigráficos e morfotectônicos. E evidencia‐se cada vez mais, a partir de indicadores morfotectônicos, que a evolução geomorfológica do NE realizou‐se de maneira bem mais complexa do que propõem o modelo de Pediplanação, pois este modelo é bastante limitado em relação às recentes concepções referentes ao tectonismo intraplaca. Isto ocorre porque o modelo de Pediplanação não incorpora mecanismos de rifteamento e história evolutiva de bacias, limitação esta derivada da idéia de estabilidade do território Brasileiro. O modelo tampouco incorpora dados de reativação pós‐rifte, resumindo‐se a um modelo simplista de soerguimento e aplainamento que descreve a morfologia margem passiva equatorial leste da América do Sul e oeste da África, como sucessivas superfícies escalonadas, desenvolvidas a partir de um soerguimento e posterior erosão. Os trabalhos de Peulvast e Claudino‐Sales (2003, 2004), abordando a evolução morfotectônica do Nordeste Brasileiro, questionaram o modelo de sucessivos soerguimentos pós‐cretáceos como os responsáveis pelo desenvolvimento, até o Plio‐ Pleistoceno, de superfícies de aplainamento sucessivamente embutidas. Eles incorporaram na descrição do relevo os processos estruturais referentes à tectônica de placas, em particular os eventos de natureza estrutural, dados a partir de rifteamento e posterior divisão de Gondwana no Cretáceo médio e atividade tectônica associada. Estes autores apresentaram ainda uma proposta de evolução do relevo do Nordeste, que se caracteriza por exibir platôs com origem poligênica. Nesse contexto, a flexura continental e subsidência térmica contribuiriam decisivamente para o processo de inversão de relevo no Cenozóico e os depósitos correlatos ocorreriam em conexão com o nível de base geral. Para Peulvast e Claudino‐Sales (2003, 2004), o relevo da Província Borboremai caracteriza‐se pela ocorrência de altas terras dispostas em torno de uma depressão central, a “depressão do Jaguaribe”, correspondendo parcialmente à zona de rifte Jurássico‐Cretáceo aulacógeno Cariri‐Potiguar, com morfologia caracterizada por segmentos de escarpa marginal, que equivalem às extremidades das ombreiras dos riftes abortados. As zonas de cisalhamento brasilianas controlam as principais feições de erosão diferencial, como escarpas e vales de linha de falha. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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Parece claro que o reaquecimento do interesse pelo papel da tectônica na Geomorfologia é uma conseqüência direta da assimilação dos conceitos de tectônica global, que não permitem mais conceber a existência de porções da litosfera dotadas de absoluta estabilidade crustal (Saadi, 1998, Claudino Sales 2002). Diante desse quadro, estudos recentes têm comprovado que a atividade sísmica intraplaca subsidia a assertiva referente à atividade tectônica quaternária no Nordeste (Bezerra et al., 2008). Suas relações com o relevo, paulatinamente estão sendo evidenciadas, de modo que algumas destas serão tratadas a seguir, partindo de um contexto que leva em conta as condições de consolidação da plataforma brasileira, sua individualização cretácea, a Neotectônica, e as repercussões destes fatores nos ambientes fluviais. Tectônica e Ambientes Fluviais no Nordeste do Brasil É sabido que a geometria dos canais fluviais é resultado da complexa interação entre tipo de carga transportada, regime de fluxo, topografia, substrato e atividade tectônica associada. Tal atividade é aqui considerada como neotectônica, haja vista seus efeitos serem sentidos nos ambientes quaternários. Segundo Saadi e Torquato (1994), o quadro neotectônico da plataforma Brasileira apresenta deformações cenozóicas em toda sua amplitude. Essas deformações, diretamente associadas a linhas de fraqueza pré‐existentes, apresentam‐se largamente na altura da região Nordeste do Brasil, região essa caracterizada por um elevado número de falhas ativas e sismicidade. O Nordeste é uma das regiões do Brasil mais afetadas por neotectônica, onde destacam‐se os efeitos de soerguimentos periódicos, flexura marginal e falhamentos transcorrentes controlando notável sismicidade (Saadi et al., 2005). Nesse contexto, uma análise dos campos de paleotensões e de sua possível influência na organização da rede de drenagem se faz de suma importância na atualização dos conhecimentos referentes à evolução geomorfológica do Nordeste, haja vista representarem as correntes fluviais os principais mecanismos dinamizadores da paisagem através da dissecação e aluvionamento. Para tanto, nossa análise parte da estreita relação entre a geometria dos canais fluviais com sentido de fluxo e a configuração do embasamento pré‐Cambriano e as bacias sedimentares cretáceas, particularmente em setores dos estados do Ceará e Rio Grande do Norte, na área de ocorrência do rifte aulacógeno Potiguar, De maneira empírica, evidencia‐ se a coerência entre sentido de escoamento OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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preferencial dos principais rios no Nordeste setentrional e a direção dos trends estruturais na região da Bacia Potiguar. A área em análise é caracterizada pela exposição das camadas sedimentares superiores, pós‐rifte, da bacia Potiguar, representadas pelas formações Açu (arenito basal) e Jandaíra (calcáreo, no topo). Essas litologias sustentam a ‘Chapada do Apodi”, cujo topo é mantido pelo calcáreo Jandaíra, tendo a depressão periférica, tanto nos limites do estado do Ceará quanto do Rio Grande do Norte, modelada no arenito Açu. Essas camadas mergulham suavemente em direção ao Oceano Atlântico, a norte, emprestando um caráter cuestiforme discreto à essa forma de relevo. Em direção à zona costeira, as camadas sedimentares cretáceas são recobertas pela “Formação Barreiras”, que representa um depósito sedimentar friável de idade tercioquaternária, de origem dominantemente continental. A bacia Potiguar/chapada cuestiforme do Apodi apresenta‐se largamente dissecada por três rios principais – os rios Açu e Mossoró, situados no território do Rio Grande do Norte, e o Rio Jaguaribe, no estado do Ceará (Figura 3). Estes rios, mormente nos baixos cursos, instalaram‐se em grabens gerados pela reativação de zonas de cisalhamento transcorrentes (Saadi, 1994). Assim sendo, drenam seus deflúvios sobre forte controle estrutural. A dissecação nas porções litorâneas ocorre sobre os sedimentos da Formação Barreiras, a qual se apresenta dissecada de maneira diferenciada de acordo com a área analisada. Figura 3. Bloco diagrama NE‐NE (escala vertical ampliada 5× para vizualização). OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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Anomalias de drenagem (Canais retilíneos sobre sedimentação neógena, paralelos aos planos de falhas NE‐SW) associadas a mudanças na morfologia do canal e controle tectônico foram identificadas no Vale do Rio Jaguaribe por Maia (1993), Maia (2005) e Gomes Neto (2007). Aqui, consideramos que dissecação e agradação podem ser evidências de atividade tectônica, principalmente quando acompanhadas de mudança na morfologia do canal (SCHUM et al., 2000) Com efeito, pode‐se afirmar que na área analisada, os rios drenam seus deflúvios submetidos a um controle estrutural de drenagem em nível regional. Observa‐se na Figura 4, onde as zonas de cizalhamento (que representam os locais de reativação de falhas) são dispostas no sentido NE‐SW, os rios seguem preferencialmente esta direção. Onde estas zonas estão dispostas no sentido NE‐
SW, a drenagem tende a seguir o mesmo sentido, perpendicularizadas em relação a atual linha de costa e paralelizadas aos planos de falhas. Figura 4. Modelo de elevação digital e Falhas no Nordeste do Brasil (Setas em vermelho representam a direção preferencial da drenagem e traços em preto representam as principais zonas de cizalhamento do Nordeste. Linha pontilhada representa o contorno do Graben da Bacia Potiguar). Altos níveis de terraços são comumente encontrados nos vales principais. A origem destes terraços pode estar relacionada a dissecações induzidas OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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possivelmente por componentes normais associados ao movimento transcorrente das falhas nas quais os vales estão instalados, que rebaixam os níveis de base erosivos e promovem agudas incisões em paleodepósitos fluviais. Tal constatação está de acordo com os dados referentes aos efeitos da eustasia global holocênica na região. Conforme Bezerra et al. (2003), a transgressão máxima teria elevado em 3 m o nível do mar em relação ao atual. A concepção de movimentação normal associada às trancorrências foi corroborada por Barreto et al. (2002), ao constatar terraços marinhos pleistocênicos com idade de 120 ka e soerguidos entre 10 e 12 m na porção NE do litoral Potiguar. Nessa perspectiva, Furrier et al. (2006) descreveu os tabuleiros litorâneos da parte central do Estado da Paraíba como um teclado de piano, ao identificar agudas diferenças na altura dos tabuleiros (partes mais baixas: 47 a 49 m na margem sul do rio Paraíba e 85 a 153 m entre os rios Camaratuba e Mamanguape), com vales encaixados apresentando um desnível em relação ao talvegue de mais de 100 m. Para estes mesmos autores, as reativações pós‐cretáceas geraram soerguimentos distintos e basculamentos de superfícies geomorfológicas, onde os inúmeros falhamentos dinamizaram entalhes e orientaram a dissecação. De fato, observou‐se que do Paleógeno ao Quaternário, os jazimentos referentes à Formação Barreiras indicam relações com vários pulsos de soerguimentos das superfícies culminantes que limitam sua extensão no interior (Saadi et al., 2005). Bezerra et al. (2001) e Nogueira et al. (2006) corroboraram com essa proposição ao evidenciarem que os processos de falhamento têm afetado depósitos cenozóicos, ao constatarem diferentes espessuras desta unidade, sugerindo falhamentos sin‐sedimentares, induzindo ocasionalmente liquefação. Ainda quanto à ocorrência de atividade tectônica recente (pós‐Pliocênica), Bezerra et al. (2008) identificaram espasmódicos processos de coluviação associados à reativação de falhas e subsidência de grabens. Tal reativação teria ocorrido conforme dados de luminescência em dois períodos na área do graben Cariatá entre os estados do Rio Grande do Norte e Paraíba, a saber: 224‐128 ka e 45‐28 ka. Outros indicadores estão amplamente distribuídos na forma de estruturas de liquefação e falhas e deformações em sedimentos Neógenos (Lima, 2006). Portanto, pode‐se afirmar que o conhecimento a cerca da evolução geomorfológica do Nordeste carece de uma atualização no que concerne à interpretação de meso e macro‐ escala. Na região em destaque, interpretada classicamente como vastos glacis pré‐ litorâneos, a compartimentação do relevo OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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parece estar relacionada com semi‐grabens cenozóicos cujo preenchimento sedimentar está diretamente relacionado à denudação dos horst adjacentes. Como exemplo de deformações neógenas associadas à sísmicidade, Bezerra et al. (2005) identificaram numerosas estruturas de fluidificação induzidas por liquefação em sedimentos quaternários associados a depósitos fluviais de canais entrelaçados no Rio Grande do Norte e Ceará (Figura 5). Figura 5. Indicadores de Neotectônica nos vales do Rio Jaguaribe‐CE e Açu‐RN. Portanto, o crescente número de evidências a cerca da atividade tectônica quaternária no Nordeste requerem a construção de um entendimento relativo os seus efeitos no desenvolvimento do relevo, como condicionantes morfogenéticos e morfoevolutivos. As reativações e suas repercussões nos depósitos neógenos sugerem a necessidade de uma atualização nas interpretações clássicas e respectivo delineamento de uma geomorfologia do quaternário, fortemente balizada na quantificação de processos, na interpretação individualizada e na definição de processos geomorfotectônicos atuantes. Importante é ressaltar que a interpretação clássica a cerca da evolução geomorfológica do Nordeste apresenta‐se em nível bastante qualitativo e que trabalhos de quantificação, mensuração e determinação de valores relativos ao desencadeamento de processos de cunho geomófico, constituem indubitavelmente uma condição sine qua non no que concerne à construção de OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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um entendimento relativo a gênese do relevo nordestino a partir de seus agentes modeladores. REFERÊNCIAS AB’SABER, A. N.; BIGARELLA, J. J. Considerações sobre a geomorfogênese da serra do mar no Paraná. Boletim Paranaense de Geografia, Curitiba, 1961. AB’SABER, A. Depressões periféricas e depressões semi‐áridas do Nordeste do Brasil. Bol. Paul. Geografia, 22, 3‐18 1956. ALMEIDA, F. F. M. Diferenciação Tectônica da Plataforma Brasileira. In: Anais do Congresso Brasileiro de Geologia, SBG, Salvador, 1969. ANDRADE G.O.; LINS R.C. 1965. Introdução à morfoclimatologia do Nordeste do Brasil (2a ed., revisada). Inst. de Ciências da Terra, Universidade do Recife, 3/4:17‐ 28. AZEVEDO, A. A. Geografia Física – 32° edição. Companhia Ed. Nacional. SP, 1952. BARRETO, A. M. F. ; SUGUIO, K. ; BEZERRA, F. H. R. ; TATUMI, S. H. ; YEE, M. ; GIANNINI, P. C. Geologia e Geomorfologia do Quaternário Costeiro do Estado do Rio Grande do Norte. Geologia USP. Série Científica, São Paulo, v. 4, n. 2, p. 1‐12, 2004. BARRETO, A. M. F.; BEZERRA, F. H. R.; SUGUIO, K.; TATUMI, S. H.; YEE, M.; PAIVA, R.; MUNITA, C. S. Late Pleistocene marine terrace deposits in northeastern Brazil: sea‐level changes and tectonic implications. Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, Holanda, v. 179, p. 57‐69, 2002. BEZERRA, F. H; VITA‐FINZI, C. How active is a passive margin? Paleoseismicity in Northeastern Brasil. Geology. V. 28 n°7 Julho 2000. BEZERRA, F.H; BARRETO, M.A; SUGUIO, K Holocene sea‐level history on the Rio Grande do Norte State coast, Brazil Marine Geology, Volume 196, Issues 1‐2, 15 2003. BEZERRA, F. H. R. ; NEVES, B. B. B. ; CORREA, A. C. B. ; BARRETO, A. M. F.; SUGUIO, K. . Late Pleistocene tectonic‐geomorphological development within a passive margin ‐ the Cariatá trough, northeastern Brazil. Geomorphology (Amstrerdam), v. 01, p. 555‐582, 2008. BIGARELLA, J. J; ANDRADE, G.O; Considerações sobre a estratigrafia dos sedimentos cenozóicos em Pernambuco (grupo Barreiras). Univ. Rec. Inst. Ciên. Terra, Arquivos 2, 2‐14, 1964. BIGARELLA, J. J. Estrutura e Origem das Paisagens Tropicais. Vol.1. Florianópolis: Ed. UFSC, 1994. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
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Recebido em: 09/07/2009
Aprovado em: 17/12/2008
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A província Borborema compreende uma extensa região geológica no Nordeste do Brasil de idade Pré‐ Cambriana (Pré‐Cambriano Superior), caracterizada pela atuação de um intenso magmatismo granítico e de extensas zonas de cisalhamento transcorrentes, resultado da atuação do ciclo brasiliano. O Ciclo Brasiliano é proposto como de natureza Wilsoniana, incluindo processos que intervíram na quebra e dispersão de Rodínia e na posterior aglutinação de Panótia (Neves e Neto, 2002). OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 177-189, 2008
Revista OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 128-206, 2008. ISSN: 1982-3878
João Pessoa, PB, DGEOC/CCEN/UFPB – http://www.okara.ufpb.br
VULNERABILIDADES,
SEMI-ARIDEZ
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DESERTIFICAÇÃO: cenários de riscos no Cariri
Paraibano
Ridelson Farias de Sousa Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba Maria de Fátima Fernandes Universidade Federal de Campina Grande Marx Prestes Barbosa Universidade Federal de Campina Grande Resumo O presente trabalho teve como objetivo estudar as causas e conseqüências do processo de desertificação em municípios do Cariri paraibano, levando em consideração o índice de aridez e as vulnerabilidades socioeconômicas e ambientais. Para isso tomou‐se como base os municípios de Cabaceiras e São João do Cariri, com áreas respectivas de 405,40 km² e 697,60 km², ambos inseridos na Microrregião Homogênea dos Cariris Velhos, semiárido paraibano. A pesquisa baseou‐se na utilização de dados bibliográficos, produtos de sensores orbitais (TM/LANDSAT‐5), cartas planialtimétricas da SUDENE, dados das séries pluviométricas da SUDENE e da AESA, dados de evapotranspiração potencial da EMBRAPA, trabalhos de campo e na aplicação de questionários às famílias rurais. Os resultados mostraram que os municípios têm altos índices de vulnerabilidades social, econômica, tecnológica e à seca, revelando que as áreas possuem uma vulnerabilidade global muito alta. Além do mais, os baixos e irregulares regimes pluviométricos e a elevada evaporação (alta aridez), associados ao mau uso das terras comprometem a sustentabilidade do bioma caatinga e inviabilizam a exploração agropecuária. A desertificação (degradação das terras) severa proveniente de atividades humanas – retirada da cobertura vegetal e queimadas, para implantação de agricultura de subsistência e formação de pastagens para a prática pecuarista ‐ está relacionada com as vulnerabilidades, sendo os principais impactos a perda da fertilidade dos solos por toda extensão territorial. Essas práticas são responsáveis pelo aparecimento das erosões, que desencadeiam o processo de desertificação em estágio severo, os assoreamentos dos recursos hídricos, além do êxodo rural. Palavras‐chave: degradação das terras, recursos hídricos, sensores orbitais. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
191 Vulnerabilidades, semi-aridez e desertificação: cenários de riscos no Cariri Paraibano
Abstract The present work had as objective to study the causes and consequences of the process of desertification in municipalitys of the paraibano Cariri, taking in consideration the socioeconômicas and ambient index of dryness and vulnerabilities. For this one was overcome as base the municipality of Cabaceiras and São João do Cariri, with 697.60 405.40 km², respective areas, inserted in the Microrregião Homogênea dos Cariris Velhos, semi‐arid region of the State of Paraíba. The research was based on the use of bibliographical data, products of orbital sensors (TM/LANDSAT‐5), planialtimétricas letters of the SUDENE, given of the pluviométricas series of the SUDENE and the AESA, given of potential evapotranspiração of the EMBRAPA, works of field and in the application of questionnaires to the agricultural families. The results had shown that the cities have high indices of vulnerabilities social, economic, technological and to it dries, disclosing that the areas possess very high a global vulnerability. In addition, the pluviométricos basses and volunteers regimes and the raised evaporation (high dryness), associates to the bad use of lands compromise the support of the ecosystem caatinga and make impracticable the farming exploration. The desertification (degradation of lands) severe proceeding from activities human beings ‐ removed of the vegetal covering and forest fires, for implantation of agriculture of subsistence and formation of pastures for the practical pecuarista ‐ is related with the vulnerabilities, having been the main impacts the loss of the fertility of ground for all territorial extension. These practical are responsible for the appearance of the erosions, that unchain the process of desertification in severe period of training, the assoreamentos of the water resources, beyond the agricultural exodus. Key words: degradation of the lands, water resources, orbital sensors. INTRODUÇÃO A exploração das terras pelo homem de forma exaustiva e inadequada compromete suas características e condições atuais e intensifica a preocupação com relação à existência e disponibilidade de seus recursos no futuro. Neste sentido, a elaboração e o desenvolvimento de estudos para resolver tal problema e a busca constante de soluções preventivas e definitivas, que possibilitem a exploração sustentável das potencialidades do meio ambiente, são fundamentais para evitar e garantir a sua utilização racional e, conseqüentemente, a vida das gerações futuras. Dentre esses estudos, o processo de desertificação das terras e as vulnerabilidades das famílias se relacionam comprometendo todo o ecossistema e a qualidade de vida das pessoas. Isso, geralmente, ocorre porque nas áreas onde os recursos naturais estão mais escassos (áreas desertificadas), as OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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vulnerabilidades sociais, econômicas e ambientais são mais críticas, sendo agravadas pela ocorrência de secas e ausência de políticas de convivência com a semi‐aridez local. Segundo Confalonieri (2001), “vulnerabilidade é a exposição de indivíduos ou grupos ao estresse (mudanças inesperadas e rupturas nos sistemas de vida) resultante de mudanças sócio‐ambientais.” A vulnerabilidade é algo inerente a uma população determinada e varia de acordo com suas possibilidades culturais, sociais e econômicas. Assim, aqueles que possuem menos recursos serão os que mais dificilmente se adaptarão e, portanto, são também os mais vulneráveis, pois a capacidade de adaptação é dada pela “riqueza, tecnologia, educação, informação, habilidades, infra‐estrutura, acesso a recursos e capacidade de gestão”. Algumas vulnerabilidades ocorrem devido a pouca capacidade de resistência às secas, que se manifestam como crises econômico‐sociais, essas vêm se agravando ao longo do tempo, em grande medida devido ao ritmo e à forma de ocupação demográfica e produtiva do vasto interior semiárido da região paraibana, causadora de sérias sobrecargas ao seu frágil meio ambiente e à base de recursos naturais relativamente pobre. Estudos realizados por Alencar (2004) nos municípios de Amparo e Ouro Velho, localizados no Cariri paraibano, indicaram que a região é muito vulnerável e precisa urgentemente de políticas públicas que minimizem, de forma eficiente, as carências e privações das famílias, isto é, políticas que gerem renda e melhorem a qualidade de vida das famílias do semiárido. A semi‐aridez nordestina é resultante de fenômenos puramente naturais, mas está se intensificando por causas antrópicas. Essa semi‐aridez é agravada com a ocorrência de periódicas secas, que resultam da baixa pluviosidade na época normalmente chuvosa. Esse problema desencadeia uma exploração mais intensa nos recursos naturais, principalmente pelas famílias rurais com menos poder aquisitivo e, portanto mais vulneráveis. De acordo com Sousa (2007), a desertificação é tida por muitos estudiosos e ambientalistas como um dos mais graves problemas ambientais da atualidade, visto que não se trata apenas de um problema ambiental, mas de uma problemática de caráter e efeitos interdisciplinares, abrangendo diversas esferas da sociedade, tais como as de ordem política, econômica, social e cultural. Esse processo é responsável pela perda de mais de 6 milhões de hectares de terras produtivas anualmente, afetando, de forma assustadora, 1/3 da superfície terrestre e assolando, direta ou indiretamente, mais de 900 milhões de pessoas no mundo inteiro, segundo os dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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As áreas em processo de desertificação somam hoje, no Brasil, 1,3 milhões de quilômetros quadrados, representando 15,7% do território nacional, onde vivem cerca de 32 milhões de habitantes, mais de 18% da população (MARIZ, 2006). Na Paraíba, o processo de desertificação já se mostra bastante acentuado nas áreas de caatinga, principalmente onde os índices pluviométricos são inferiores a 500 mm/ano, a exemplo da Microrregião do Cariri. Diante do exposto, o trabalho teve como objetivo estudar as causas e conseqüências do processo de desertificação em municípios do Cariri paraibano, levando em consideração o índice de aridez e as vulnerabilidades socioeconômicas e ambientais. MATERIAL E MÉTODOS Os municípios de Cabaceiras e São João do Cariri, com áreas de 405,40 km² e 697,60 km², respectivamente, estão localizados na microrregião Cariris Velhos, Estado da Paraíba. As coordenadas geográficas: 7o21’32,68” e 7o36’04,86”de Latitude Sul e 36o11’36,54” e 36o26’17,48” de longitude Oeste delimitam o primeiro município e as coordenadas 7o17’36,19” e 7o40’51,38”de Latitude Sul e 36o19’24,80” e 36o36’55,96” de longitude Oeste, o segundo (Figura 1). A altitude média dos municípios em estudo é de aproximadamente 500 metros. MAPA DO BRASIL Figura 1. Localização da área estudada no Estado da Paraíba. Fonte: Adaptado de Sousa (2007) O clima é quente e seco com distribuição irregular das chuvas em curtos períodos e estação seca prolongada, caracterizando‐se por apresentar temperaturas médias anuais em torno de 24,5 ºC e uma média pluviométrica de 400 mm/ano. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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A vegetação predominante é do tipo caatinga hiperxerófila. De acordo com o reconhecimento de campo realizado na área, as espécies mais encontradas são: jurema (Mimosa tenuiflora Willd. Poiret.), marmeleiro (Croton sonderianus Muell. Arg.), pereiro (Aspidosperma pyrifolium Mart.), mandacaru (Cereus jamacaru P. DC.), xique‐xique (Pilosocereus gounellei Weber Byl. Et Rowl.). De acordo com BRASIL (1972), EMBRAPA (1999) e trabalho de campo, os solos encontrados na área foram: LUVISSOLO CRÔMICO Órtico vértico, NEOSSOLOS LITÓLICOS Eutróficos, AFLORAMENTOS DE ROCHAS em associações principalmente com solos LITÓLICOS Eutróficos, além das inclusões, em pequenas parcelas, de PLANOSSOLO Nátrico sálico, de NEOSSOLO FLÚVICO Eutrófico e de VERTISSOLO Cromado. A área é cortada por vários rios e riachos, todos de caráter intermitente, sendo o principal, o rio Taperoá, o qual faz parte da bacia do Médio Paraíba que converge suas águas para o açude Epitácio Pessoa. Para as vulnerabilidades, foi aplicado em 2005, aos produtores rurais, um questionário de diagnóstico socioeconômico e ambiental. Neste questionário foram analisadas as vulnerabilidades: a) social, com as variáveis: demográfica, habitação, consumo de alimentos, participação em organização associativas e salubridade rural; b) econômica, com as variáveis: produção vegetal, animais de trabalho, animais de produção, crédito e rendimento; c) tecnológica, com as variáveis: tecnologia, máquinas e verticalização; d) às secas, com as variáveis: recursos hídricos, produção, manejo da caatinga, espécies nativas, armazenamento, redução do rebanho, previsões de chuvas, ocupação nas estiagens, educação, administração rural, histórico das secas e migração. Na determinação dos índices de vulnerabilidades, foi utilizado o Software SISCAV – Sistema de Cálculo de Vulnerabilidade – desenvolvido com apoio do convênio UFCG/ATECEL/IAI‐LARED e CNPq em cooperação com o Departamento de Sistemas e Computação (DSC). Os valores encontrados podem variar de zero (vulnerabilidade nula) até 100% (vulnerabilidade máxima) e são classificados, de acordo com Barbosa (1997), em quatro classes de vulnerabilidades: Baixa (0‐15%), Moderada (16%‐30%), Alta (31%‐45%) e Muito alta (>45%). O índice de aridez foi calculado utilizando‐se dados pluviométricos da SUDENE e da AESA (período de 1935‐2005) e dados de evapotranspiração potencial da EMBRAPA (período de 1911‐1990), na metodologia desenvolvida por Thornthwaite. A qual define o índice de aridez como a Razão entre a Precipitação e a Evapotranspiração Potencial, sendo os valores entre 0,03 e 0,20 representativos das regiões áridas; aqueles entre 0,21 e 0,50 das semi‐áridas e os valores entre 0,51 e 0,65 das sub‐úmidas secas. Estes valores, os utilizados para as OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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áreas de aplicação da Convenção de Combate a Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas. Para a identificação dos níveis de degradação das terras (desertificação) foi utilizado a metodologia desenvolvida por Sousa (2007), a qual baseou‐se na utilização de dados bibliográficos, produtos de sensores orbitais (TM/LANDSAT‐5), cartas planialtimétricas da SUDENE, além de trabalhos de campo para fazer uma descrição detalhada da paisagem. Utilizando‐se os recursos de processamento digital e os algoritmos de classificação de imagens do software SPRING para quantificar as classes de degradação das terras, sendo definido seis níveis de degradação das terras. A referida metodologia convencionou que: o nível de degradação muito baixo estava associado às áreas de vegetação densa com solos isentos de erosões e de muito baixo ou nenhum uso agrícola e pecuário; no nível baixo ocorre vegetação densa aberta, porém sem erosões no solo e com pouco uso agropecuário; no nível moderado se verifica vegetação semi‐densa do tipo capoeirão e alguma cobertura por detritos orgânicos, com erosões pontuais laminar e solar e uso agropecuário médio; o nível grave se encontra com vegetação rala e solo exposto, com erosões do tipo laminar e por sulcos, com forte pecuarização extensiva; e, finalmente no nível muito grave há muito solo exposto com erosões do tipo laminar, solar, por sulcos e voçorocas e ainda são utilizados indiscriminadamente pela pecuária extensiva. RESULTADOS E DISCUSSÃO As informações contidas nos questionários de diagnóstico socioeconômico e ambiental, para os municípios estudados, foram processadas pelo software SISCAV, sendo os resultados mostrados na Tabela 1. Observa‐se que os municípios possuem vulnerabilidades (social, econômica, tecnológica e às secas) muito alta (> 45%), índices considerados não aceitáveis. Tabela 1. Vulnerabilidades social, econômica, tecnológica e as secas para os municípios de Cabaceiras e São João do Cariri. VULNERABILIDADES Município Social Econômica Tecnológica Secas Cabaceiras 40% 82% 76% 71% São João do Cariri 42% 74% 81% 75% Os resultados da pesquisa (questionários socioeconômicos e ambientais) mostraram que os pequenos proprietários e os moradores sem terra têm uma vulnerabilidade muito alta, indicando o seu alto estado de pobreza e sua insegurança frente aos problemas sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais. Os latifundiários, por sua vez, possuem vulnerabilidades mais baixas, OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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pois desfrutam de uma melhor estrutura para enfrentar os problemas das longas estiagens, como também maior segurança econômica e política. As altas limitações econômicas das famílias estão associadas à carência e à falta de renda, uma vez que, de acordo com as respostas dadas pelos produtores rurais, as rendas das propriedades são muito baixas. Em geral, as condições sociais são mitigadas pela presença de fonte de renda extra, como as aposentadorias e os programas do governo federal, principalmente o Programa Bolsa Família, do Governo Federal. O levantamento mostrou, ainda, que a maioria das famílias não tem acesso ao crédito bancário, não recebem assistência técnica dos órgãos competentes e não utilizam práticas de conservação nos solos, comprometendo assim o uso das terras, o que acelera o processo de desertificação na região pela degradação das terras. A alta vulnerabilidade às secas ocorre devido à incapacidade das famílias armazenarem água e alimentos para enfrentar os períodos de estiagem, que por falta de uma infra‐estrutura adequada provocam, na maioria das vezes, grandes calamidades (danos à agropecuária local e graves problemas socioeconômicos e ambientais). Outrossim, a lenha utilizada para consumo e que abastece as atividades industriais (panificação, cerâmica etc.) vem destruindo o bioma Caatinga e aumentando a susceptibilidade dos solos à erosão, pois na região do semiárido a lenha representa a principal fonte de energia. Os resultados das pesquisas indicaram que 90,48% e 93,75% das famílias entrevistadas nos municípios de Cabaceiras e São João do Cariri, respectivamente, fazem uso da lenha para cozinhar. Essa utilização compromete expressivamente a sustentação da Caatinga. O alto preço do gás também é responsável pela elevada utilização da lenha para cozinhar, pois as baixas rendas da população não são suficientes para substituir pelo gás. Os baixos regimes pluviométricos comprometem a sustentabilidade da agricultura de sequeiro e a exploração dos rebanhos, reduzindo a qualidade de vida da população, pois ao longo dos anos não se construiu uma infraestrutura para a convivência com o semiárido e nem foram criadas políticas públicas para o desenvolvimento sustentável com a diminuição dos riscos e a consequente redução das vulnerabilidades. Os índices de aridez para os municípios de Cabaceiras e São João do Cariri foram, respectivamente, 0,28 e 0,34. Esses índices demonstram que mesmo os valores estando dentro da faixa em que a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação ‐ UNCCD (1994) considera semiárido, alguns municípios OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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apresentam uma aridez mais elevada (próximo aos índices das regiões totalmente áridas ‐ 0,03 a 0,20), a exemplo de Cabaceiras. A associação de práticas nocivas ao meio ambiente somado ao índice de aridez extremamente desfavorável compromete a recuperação da vegetação e desencadeia todo tipo de erosão no solo comprometendo assim toda a população rural. Neste sentido, o uso inadequado dos recursos naturais contribui para a degradação do bioma caatinga, sendo freqüente o aparecimento de áreas desertificadas, e consequente deterioração da qualidade de vida da população. Isso intensifica o problema nas áreas vulneráveis e de risco à desertificação, onde as atividades agropecuárias, a exemplo das queimadas para formação de pastagens, plantio de culturas de autoconsumo em encostas de serras e a pecuária bovina extensiva, fortemente influenciada pelo sistema de desenvolvimento imposto desde a época da colonização, comprometeram negativamente a sustentabilidade dos recursos naturais. Foi identificado que nos municípios, toda cobertura vegetal vem sendo explorada de forma predatória, dando suporte aos rebanhos bovino e caprino, o que tem conduzido algumas áreas, principalmente aquelas mais exploradas, a um processo de desertificação bastante acentuado (Figura 2). Figura 2. Mapa dos níveis de degradação das terras dos municípios de São João do Cariri e Cabaceiras. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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A ocorrência desse processo se registra em função do uso de práticas inadequadas na mineração e na agropecuária, sem um devido manejo racional da caatinga, mas, sim, com uma forte agressão ao bioma, caracterizada pelo desmatamento ilimitado e irracional, provocando impactos cuja reversão, se não impossível, é bastante onerosa. De acordo com a Figura 2, os municípios apresentaram‐se bastante desmatados, com extensões preocupantes de manchas de solo exposto que se mostraram presentes em toda área. Além do mais, esses solos continuam sendo usados pela pecuária extensiva, principalmente a caprino e ovinocultura, atividades de maior potencial para os municípios, por oferecer maior adaptabilidade às condições climáticas mais áridas. Contudo, devem‐se adotar cuidados, pois em especial a caprinocultura se alimenta de quase tudo que a caatinga oferece, até mesmo a folhagem seca que poderia ser incorporada ao solo como matéria orgânica e proporcionar uma recuperação da vegetação a longo prazo. Atualmente, na região em estudo, o gado bovino tem dificuldades de encontrar alimentos e, no período de estiagem (Figura 3A), quase sempre os prejuízos econômicos se repetem, com a morte desses animais pela falta de pastagem e de água (Figura 3B); além do mais, a fraca infraestrutura hídrica (açudagem) compromete o desenvolvimento dos rebanhos mesmo em anos de regimes pluviométricos regulares. B A Figura 3. Falta de alimentação (A) e morte do rebanho bovino (B), no período de estiagem no núcleo de desertificação, município de Cabaceiras. Os prejuízos ambientais estão quase sempre relacionados ao uso indevido do solo pelas diversas atividades degradantes. Assim, a retirada da cobertura vegetal para implantação de agricultura de autoconsumo ou para pecuarização extensiva sem práticas de conservação ambiental compromete, a médio e longo prazo, as propriedades físicas, químicas e biológicas dos solos, inviabilizando essas áreas a uma exploração sustentável no futuro e transformando‐as em áreas desertificadas (Figura 4A). Essa problemática também tem como conseqüência o assoreamento dos corpos d’água (Figura 4B). OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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A B Figura 4. Impacto ambiental – (A) área desertificada no município de Cabaceiras e (B) rio assoreado no município de São João do Cariri. A madeira retirada para cercas na forma de morões, estacas e varas foi uma das atividades que mais se praticou ao longo da colonização da região, haja vista a pecuária extensiva depender dos cercados e curais que utilizaram como matéria prima, a vegetação da caatinga; no entanto, hoje é a comercialização de lenha, que mais compromete o bioma, pois durante trabalhos de campo se identificou que este recurso vem sendo extraído em larga escala, sendo encontrados amontoados em toda parte (Figura 5‐A), expondo a superfície do solo e aumentando o processo da desertificação no cariri paraibano (Figura 5‐B). Além de utilizado no consumo próprio, principalmente para cozinhar; no período junino, é também a principal matéria prima de um dos símbolos mais festejados do interior do Nordeste: as fogueiras (de São João e de São Pedro). B A Figura 5. Impacto ambiental – (A) retirada de lenha no município de Cabaceiras e (B)área desertificada no município de São João do Cariri. Diante de um ecossistema com baixo potencial produtivo e da falta de políticas públicas, crescem as limitações sociais (aumento da pobreza e da miséria social) e as famílias são obrigadas a migrarem para os centros urbanos. Durante os trabalhos de campo foram identificadas diversas casas abandonadas, as quais testemunham o êxodo rural (Figuras 6A e 6B). OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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A B Figura 6. Impacto social – (A) casas abandonadas no município de Cabaceiras e (B) de São João do Cariri, testemunho do êxodo rural. A limitação da infraestrutura hídrica também intensifica o problema das populações mais pobres, que no período crítico percorre vários quilômetros até as águas. O sofrimento persiste por vários meses e só acaba com as novas cheias de inverno, porém o problema é cíclico e se repete “todos os anos”. CONSIDERAÇÕE SFINAIS As famílias rurais dos municípios em estudo estão altamente vulneráveis, com índices acima de 45%, o que mostra o alto grau de insegurança, um dos grandes obstáculos ao desenvolvimento sustentável. A limitação da infraestrutura hídrica potencializa a vulnerabilidade às secas, principalmente das populações mais pobres. Os altos índices de vulnerabilidade encontrados são função unicamente das fortes limitações socioeconômicas e ambientais, as quais são comprometidas pela ausência de políticas públicas que amenizem as carências da população, sendo intensificados com a confirmação das chamadas secas (risco da escassez de chuva). Vale salientar que o risco de ocorrer seca na região semi‐árida é alto, sendo necessário mitigar as vulnerabilidades. Assim o risco é potencialmente aumentado nos municípios, porém ele é mais devastador quanto maior for a vulnerabilidade. Visto que, os níveis de vulnerabilidades da sociedade rural estão diretamente relacionados com o estado de conservação dos recursos naturais disponíveis. O problema da desertificação é agravado e se intensifica à medida que o homem retira a cobertura vegetal e não usa técnicas conservacionistas de manejo das terras, o que diminui os níveis de fertilidade solos, sendo um fator determinante para o êxodo rural. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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A principal causa da desertificação são os desmatamentos (retirada da vegetação nativa para a venda de lenhas às olarias e panificadoras e para formação de pastagens), junto com a própria fragilidade natural do ecossistema local. Já as principais conseqüências desse processo são as perdas do potencial produtivo dos solos e o êxodo rural. Agradecimentos Ao Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Tecnológica – (CNPq) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal em Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro concedido durante o trabalho. REFERÊNCIAS ALENCAR, M. L. S. de. El Niño de 1997/1998: Sistemas Hídricos, degradação ambiental e vulnerabilidades socioeconômica no Cariri Paraibano. 2004. 170p. il. Dissertação (Mestrado em engenharia agrícola). Departamento de Engenharia Agrícola. Universidade Federal de Campina Grande. Campina Grande, 2004. BARBOSA, M. P. Vulnerabilidade de risco a desastre. Campina Grande: Departamento de Engenharia Agrícola/UFPB. 1997. 87p. (Apostila). BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA; Levantamento Exploratório‐
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MA, 15 ‐ Pedologia, 8). Rio de Janeiro. 1972. 683p. CONFALONIERI, U. E. C. Global environmental change and health in Brazil: review of the present situation and proposal for indicators for monitoring these effects in: Hogan, H.J and M.T. Tolmasquim. Human Dimensions of Global Environmental Change – Brazilian Perspectives. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Ciências, 2001. EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos (Rio de Janeiro, RJ). Sistema brasileiro de classificação de solos. Brasília: Embrapa Produção de Informação; Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 1999. xxvi, 412p. :il. CDD 631.44. MARIZ, R. 2006. A ameaça do deserto. Correio Brasiliense, 22/08/06, pág. 10. Disponível em: <http://desertificacao.cnrh‐srh.gov.br/>. Acesso em 25/10/2006. SOUSA, R. F. de. Terras agrícolas e o processo de desertificação em municípios do semiárido paraibano. 2007. 180p.: il. Tese (Doutorado Engenharia Agrícola) – Universidade Federal de Campina Grande, Centro de Tecnologia e Recursos Naturais. Campina Grande, 2007. OKARA: Geografia em debate, v.2, n.2, p. 190-202, 2008
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Recebido em: 14/06/2007
Aprovado em: 20/12/2008
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