AS CRUZADAS E O RENASCIMENTO
No século XI, grande parte dos domínios árabes, incluindo a Terra Santa — que englobava Jerusalém e outros lugares onde
Jesus viveu e pregou sua doutrina —, caiu em poder dos turcos seldjúcidas, um povo vindo do Oriente, que se convertera ao
Islã. Diferentemente dos árabes, que nunca haviam se oposto às peregrinações dos cristãos à Terra Santa, os turcos as proibiram.
Diante disso, o papa Urbano II, falando aos nobres reunidos em Clermont, na França, em 1095, fez-lhes um apelo pela libertação da Terra Santa. Por trás da exortação estava o interesse da Igreja em aumentar seu prestígio e expandir seu domínio
sobre os territórios controlados pelos muçulmanos.
A adesão dos nobres ao apelo do papa foi quase imediata. Para eles, as expedições à Terra Santa seriam uma forma de conquistar terras, prestígio e riquezas no Oriente. Afinal, muitos estavam empobrecidos por causa do direito de primogenitura.
Assim, no ano seguinte, tiveram início as Cruzadas. Costurando cruzes vermelhas sobre as roupas, nobres, camponeses,
pobres, mendigos e até mesmo crianças partiram da Europa em grandes expedições militares com o objetivo de conquistar
a Terra Santa, tomando-a dos muçulmanos.
A Primeira Cruzada (1096-1099) conseguiu conquistar Jerusalém após três anos de lutas. A vitória permitiu a criação de alguns Estados cristãos na Palestina, nos quais as terras foram distribuídas como na Europa feudal. Pouco tempo depois, entretanto, a Terra Santa foi novamente tomada pelos muçulmanos.
Fizeram-se outras sete Cruzadas, a última das quais em 1270. Todas fracassaram. Apesar disso, como conseqüência delas, o
Mediterrâneo foi reaberto à navegação européia e os contatos culturais e comerciais entre o Ocidente e o Oriente foram restabelecidos.
As Cruzadas contribuíram ainda para aumentar a circulação de pessoas e de riquezas na Europa. Por meio delas, o comércio
se fortaleceu e acabou estimulando o povoamento das cidades.
O RENASCIMENTO COMERCIAL E URBANO
A partir das Cruzadas, a mudança mais visível na Europa ocidental ficou conhecida pelo nome de renascimento comercial e
urbano. Ele significou o desenvolvimento do comércio e das cidades, que tinham tido pouca importância durante os séculos
anteriores. O comércio, ainda incipiente, era praticado nas feiras que se realizavam nas vilas ou perto dos castelos e outros
lugares fortificados. Inicialmente periódicas, as feiras tornaram-se permanentes, propiciando o aparecimento de núcleos
urbanos, os chamados burgos. A partir dos burgos, desenvolveram-se novas cidades, ao mesmo tempo que ganharam vida
as mais antigas, que não haviam desaparecido por completo.
As cidades atraíam cada vez mais artesãos, que nelas se fixavam para viver de seu oficio. Atraíam também servos camponeses que as buscavam para tentar vender os seus excedentes agrícolas ou para viver como trabalhadores livres. Atraíam,
ainda, comerciantes de sal, de ferro e de inúmeras outras mercadorias, provenientes de regiões distantes.
As moedas voltam a circular
As atividades comerciais restabeleceram o uso regular da moeda. Logo, diferentes moedas circulavam nas feiras e nos núcleos urbanos, provenientes de vários feudos e regiões da Europa (os senhores feudais podiam cunhar suas próprias moedas). Essa variedade criou a necessidade do câmbio, isto é, da troca de moedas. Os que se dedicavam a ele eram chamados
de cambistas.
Mais tarde, os cambistas passaram a realizar empréstimos e a fazer outras operações financeiras. Assim surgiram os bancos,
palavra de origem italiana que designava o assento ocupado pelo cambista. Durante muito tempo, os banqueiros mais importantes eram os da península Itálica, pois era ali que, inicialmente, o comércio era mais intenso. Isso porque algumas cidades da península Itálica, como Gênova e Veneza, já mantinham relações comerciais com o Império Bizantino e os árabes
séculos antes das Cruzadas.
Mercadores e camponeses
Embora os contatos dos mercadores com os camponeses tenham sido menores do que com os demais grupos sociais, foram mais importantes do que normalmente se crê. Na Idade Média, cidade e campo não viviam isolados entre si. Nas regiões
fortemente urbanizadas, onde desde cedo os mercadores se tornaram poderosos, sua ação sobre o campo se fez sentir.
No princípio, os comerciantes colaboraram na liberação de camponeses, pois isso era um meio de luta contra os senhores
feudais —ocasião para a compra da terra aos nobres privados da mão-de-obra, ou aos camponeses proprietários. Por meio
da liberação de camponeses e de sua migração para as cidades, também se conseguia mão-de-obra barata para a manufatura e o comércio.
Em certas regiões, os mercadores revolucionaram também as condições de exploração da terra e de vida dos camponeses.
Investiram dinheiro para melhorar as técnicas de agricultura (como em Flandres e no vale do rio Pó), construindo grandes
obras hidráulicas e moinhos. Substituíram também as culturas de subsistência por outros cultivos voltados para a manufatura têxtil (como na Inglaterra e na península Itálica) e ampliaram o plantio de árvores frutíferas e de plantas utilizadas nas
tinturas de tecidos.
A burguesia entra em cena
As cidades que se formaram ao pé das fortificações estavam estreitamente vinculadas aos senhores feudais. Esses nobres,
proprietários das terras onde ficavam os burgos, cobravam pesadas taxas daqueles que os habitavam.
No início, toda a população do burgo chamava-se burguesia; posteriormente esse termo passou a designar apenas comerciantes, banqueiros e alguns artesãos enriquecidos.
Com o aumento do comércio e o fortalecimento da burguesia, alguns desses burgos obtiveram pacificamente autorização
para negociar sem pagar aos senhores nenhuma tributação. Isso era conseguido por meio de um documento conhecido
como Carta de Franquia, que os moradores do burgo compravam ao senhor feudal ou a um eclesiástico quando as terras
onde ficava a cidade pertenciam à Igreja. Em muitos casos, porém, os burgos tiveram de lutar, unindo-se aos reis, a fim de
conseguir dos senhores feudais a licença (franquia) para efetuar suas atividades nas cidades.
Os artesãos se organizam
Nas cidades, a produção artesanal e o comércio tornaram-se tão intensos que aqueles que se dedicavam a essas ocupações
passaram a se organizar em associações com o intuito de regular suas atividades.
As chamadas corporações de ofício dos artesãos controlavam a produção e impediam a concorrência desleal, fixavam preços, salários e padrões de qualidade. Dentre todas essas funções, destacava-se a de reservar o mercado da cidade aos seus
membros, além, é claro, de torná-los mais fortes para negociar com os senhores feudais.
Da mesma forma que as corporações dos artesãos, formaram-se associações de comerciantes ou guildas, como medida
para regular o mercado no interior dos burgos. Garantir a proteção contra os comerciantes de regiões distantes era uma das
principais funções das guildas.
Essas associações de artesãos e comerciantes negociavam também os impostos com os senhores feudais. Quando a organização interna das cidades adquiria completa autonomia em relação aos feudos, elas passavam a cuidar da administração das
cidades livres.
O COMÉRCIO DE LONGA DISTÂNCIA
As Cruzadas deram grande impulso às atividades comerciais no Mediterrâneo. Cidades da península Itálica, como Veneza e
Gênova, passaram praticamente a monopolizar o contato com o Oriente.
Os produtos orientais trazidos pelos comerciantes da península Itálica eram revendidos para outras regiões da Europa. A
península Itálica tornou-se, dessa forma, o principal centro comercial europeu.
Outro importante pólo de atividades comerciais desenvolveu-se simultaneamente no norte da Europa, na região de Flandres
(norte da atual Bélgica). A partir dele, o comércio se propagou para o mar Báltico, chegando até a Rússia. Mais tarde, as
cidades do Sacro Império Romano-Germânico formaram uma liga comercial chamada de Hansa Teutônica, que monopolizou
o comércio nessa vasta região.
Ligando Flandres (norte) à península Itálica (sul), desenvolveu-se uma rota terrestre que atravessava a região franca de
Champanhe. Nesse percurso realizavam-se, durante todo o ano, grandes feiras, que serviam de ponto de encontro aos comerciantes europeus.
Desse modo, entre os séculos XIII e XIV formou-se na Europa uma verdadeira teia de rotas por onde começou a fluir um
próspero e intenso comércio.
PRIMEIROS PASSOS DO CAPITALISMO MERCANTIL
O renascimento comercial e urbano, ocorrido a partir do século XI, introduziu muitas novidades na organização da sociedade feudal. Surgiram diferentes grupos sociais, tais como a burguesia e os trabalhadores assalariados.
Criaram-se novas formas de enriquecimento, por meio do crescimento das atividades bancárias e do comércio de mercadorias. Ganharam importância o comércio em grande escala e a produção para o mercado.
Essas novidades indicavam o lento aparecimento de um novo sistema econômico: o pré-capitalismo. Uma das características
do novo sistema era o fato de sua economia estar baseada na moeda e não na troca de produtos, como ocorria antes. Aos
poucos, ele ganhou espaços cada vez maiores na ordem feudal e começou a entrar em choque com ela. A antiga nobreza,
rica em terras, adaptava-se com dificuldade à nova economia. Enquanto isso, comerciantes e banqueiros enriqueciam e
começavam a disputar poder com os senhores feudais.
A partir do século XV, com o início das Grandes Navegações, o pré-capitalismo se transformaria lentamente em capitalismo
mercantil. Com este, o capital investido no comércio passou a dominar a produção e o trabalho assalariado se expandiu. No
lugar das corporações de ofício, surgiram as manufaturas. Pouco a pouco, a ordem feudal entrou em crise e o capitalismo
mercantil se tornou dominante em toda a Europa ocidental.
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AS CRUZADAS E O RENASCIMENTO No século XI, grande parte