UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – Unb NÚCLEO DE ESTUDOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS – NP3 CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS PESQUISADOR: Sebastião Lopes Araújo “A METODOLOGIA DA CAPACITAÇÃO MASSIVA COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL” Brasília/DF Maio/2002 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA - Unb NÚCLEO DE ESTUDOS DE POLÍTICAS PÚBLICAS – NP3 CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS PESQUISADOR: Sebastião Lopes Araújo “A METODOLOGIA DA CAPACITAÇÃO MASSIVA COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO SOCIAL” Monografia apresentada no Curso de Especialização em Políticas Públicas, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista, sob orientação da Professora Marilde Loiola de Menezes. Brasília Maio/2002 2 BANCA EXAMINADORA: _______________________________________ _ _______________________________________ _ _______________________________________ _ _______________________________________ _ Brasília, de maio de 2002 3 DEDICATÓRIA Este trabalho é resultado da minha experiência na Metodologia da Capacitação Massiva, contando para isso com o privilégio da convivência com o seu criador, Prof. Clodomir Santos de Morais, desde 1998, extensivo à equipe do PRONAGER e aos demais profissionais que a desenvolvem em campo. Assim, dedico-o à todas as pessoas que acreditam na possibilidade de transformação positiva do desigualdade quadro social. de pobreza e E, ainda, às comunidades participantes de Laboratórios Organizacionais e aos sócios das Cooperativas – ART-ILHA e MULTI-TEX pelo compromisso com a autogestão e o desenvolvimento social. 4 SUMÁRIO DEDICATÓRIA .....................................................................................................4 RESUMO ..............................................................................................................7 1 JUSTIFICATIVA ...........................................................................................8 2 CONTEXTUALIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DA METODOLOGIA DA CAPACITAÇÃO MASSIVA ...........................................................................9 2.1 A Origem e Evolução da Metodologia da Capacitação Massiva dos laboratórios organizacionais .................................................................................... 12 a) Origem........................................................................................................................ 12 b) A utilização da metodologia em âmbito nacional e internacional ............. 13 2.2 Os Instrumentos Metodológico-Operacionais .............................................. 15 2.2.1 O conceito de laboratório organizacional .................................................................. 15 2.3 Os Tipos de Laboratórios Organizacionais ................................................... 16 2.4 OS PRÉ-REQUISITOS À REALIZAÇÃO DE LABORATÓRIOS ORGANIZACIONAIS..........................................................................................18 2.5 Princípios e Pressupostos Pedagógicos........................................................ 20 2.6 As Etapas do Processo de Capacitação ......................................................... 22 A síncrese ....................................................................................................................... 22 A análise ......................................................................................................................... 23 A síntese ......................................................................................................................... 24 2.7 Sobre o Diretor de Laboratório Organizacional............................................ 25 5 2.8 Sobre a Estrutura Primária ................................................................................. 26 2.9 A Memória do Laboratório Organização de Terreno ................................... 28 2.10 O Desmame .......................................................................................................... 29 3 ESTUDO DE CASOS ................................................................................29 3.1 A Ilha do Ferro e a Cooperativa dos Artesãos .............................................. 29 3.1.1 Antecedentes........................................................................................................... 29 3.1.2 O município de Pão-de-Açúcar ............................................................................ 30 3.1.2.1 A comunidade de Ilha do Ferro.............................................................................. 34 3.2 A Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX ............................................. 45 (Uma experiência de sucesso) ................................................................................. 45 3.2.1 Antecedentes........................................................................................................... 45 3.2.2 A cooperativa dos trabalhadores MULTI- TEX (situação encontrada) ......................... 48 3.2.3 O desenvolvimento do laboratório organizacional de empresa – LOE ........................ 51 3.2.4 - Resultados alcançados ........................................................................................... 52 3.2.5 A cooperativa dos trabalhadores MULTI-TEX (situação atual) ................................... 54 CONCLUSÃO .................................................................................................55 ANEXOS ..........................................................................................................57 BIBLIOGRAFIA..............................................................................................61 6 RESUMO Este trabalho apresenta a “Metodologia da Capacitação Massiva dos Laboratórios Organizacionais” criada pelo doutor em sociologia - Clodomir Santos de Morais, fundador do instituto de Apoio Técnico aos Países do Terceiro Mundo – IATTERMUND - instituição responsável pela aplicação, desenvolvimento e aperfeiçoamento da referida metodologia no Brasil e exterior, e que mantém um Acordo de Cooperação com o Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda em Áreas de Pobreza– PRONAGER1, que a utiliza como eixo central da sua metodologia de atuação, considerada como instrumento de inclusão social. Assim, aborda a problemática da exclusão social, atualmente o principal desafio dos governantes e da sociedade civil. Em seguida discorre sobre a referida metodologia; a quem se destina; sua origem e evolução em âmbito nacional e internacional, bem como seus princípios e pressupostos teóricos e pedagógicos; tipos de eventos de capacitação massiva; o processo de capacitação desenvolvido no Laboratório Organizacional, e outros aspectos relevantes. 1 O PRONAGER é u Programa do Governo Federal vinculado ao Ministério da Integração Nacional/SDR e resulta de um Acordo de Cooperação Técnica com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação –FAO e o IATTERMUND. 7 Por último, apresenta dois Estudos de Caso, sobre experiências concretas desenvolvidas no âmbito do PRONAGER em parceria com o IATTERMUND e a conclusão indicando que, a partir das experiências realizadas no Brasil e no exterior, a metodologia é uma das alternativas que contribui efetivamente para a inserção social e diminuição dos índices de pobreza e desigualdade social. INTRODUÇÃO Este trabalho tem por finalidade apresentar a Metodologia da Capacitação Massiva dos Laboratórios Organizacionais como um dos instrumentos de inclusão social, contribuindo assim com o debate sobre alternativas para o enfrentamento da problemática da exclusão social que penaliza a cada dia milhares de pessoas que não tem acesso às condições mínimas de dignidade e cidadania. Referida Metodologia, aplicada em mais de 30 países inclusive no Brasil, tem sido reconhecida por organismos governamentais, Agências especializadas das Nações Unidas, como a FAO e a OIT e organizações não governamentais, por considerar a organização o elemento substantivo para a construção das bases e o desencadeamento do processo de desenvolvimento sustentável. Contribuindo efetivamente para formação de capital social e a implantação e o fortalecimento de empreendimentos econômicos e sociais, com base na autogestão, e a conseqüente geração de postos de trabalho. 1 JUSTIFICATIVA O tema reveste-se da maior importância considerando os índices de pobreza e desigualdade social no Brasil e no mundo, cuja reversão constituise o maior desafio dos governantes e da sociedade civil. 8 Principalmente no Brasil, campeão mundial de desigualdade social, resultante não de uma fatalidade histórica, mas produto de uma herança social. São 53.1 milhões de pessoas abaixo da linha de pobreza. Destas, 30 milhões vivem com extrema dificuldade, com renda mensal per capita inferior a 80 reais. Existindo, ainda, 23 milhões que vivem em situação mais precária, uma vez que não dispõem de renda para suprir as necessidades alimentares básicas à própria sobrevivência A situação torna-se mais agravante, considerando a naturalidade com que a sociedade encara essa problemática. O que é compreendido, porém não aceito, uma vez que tal comportamento é produto da cultura que resulta de um acordo social excludente que não reconhece a cidadania para todos, sendo distintos os direitos, as oportunidades, as possibilidades e horizontes para os “incluídos” e para os “excluídos”. Diante do contexto, a aplicação da Metodologia da Capacitação Massiva em conformidade com a sua concepção, fundamentada na psicologia social, possibilita o resgate e a afirmação de valores éticos e morais, contribuindo significativamente para a construção de uma sociedade mais equânime. 2 CONTEXTUALIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DA METODOLOGIA DA CAPACITAÇÃO MASSIVA Os métodos tradicionais de qualificação não atendem as características e/ou necessidades da população vulnerabilizada econômica e socialmente, uma vez que pela seletividade, acabam por reforçar o estigma da exclusão social sobretudo aquelas baseadas no empreendedorismo. 9 A capacitação massiva, é uma metodologia desenhada especialmente para alcançar o excluído social, capacita centenas de pessoas em um só evento – o Laboratório Organizacional de Terreno. Assim, permite, também, a participação de pessoas com baixo nível de escolaridade e de qualificação profissional. Referida metodologia parte do pressuposto de que as pessoas têm potencialidades que podem ser desenvolvidas e que as comunidades pobres dispõem de recursos humanos e materiais não utilizados que podem ser mobilizados para o desenvolvimento de atividades produtivas, aumentando a renda e reduzindo a pobreza. Assim o processo seletivo é natural, todos podem participar dos eventos de capacitação, escolhendo um curso/atividade produtiva que, segundo a sua avaliação venha a contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida. Na maioria das vezes é a primeira vez que essas pessoas decidem algo em suas vidas, aspecto fundamental no processo de construção da autonomia. E já que estamos falando de autonomia individual e coletiva mediante a participação dessas pessoas em empresas autogestionárias o seu dna é transferido no primeiro momento, ou seja na abertura do Laboratório Organizacional. Assim, começa a funcionar a engrenagem da participação social, onde o coletivo começa a ter força, em função da imposição da necessidade da divisão social e técnica do trabalho ditada pelos próprios insumos indivisíveis (os meios de produção, que pertencem ao coletivo e não ao indivíduo). Isso possibilita a superação das dificuldades pelo próprio grupo social, que passa a creditar em si e no grupo, resgatando a auto-estima. Vale ressaltar que essas pessoas quase sempre não tiveram acesso aos meios de produção e as próprias condições inerentes ao desenvolvimento de atividades produtivas em que tiveram inseridas, contribuiu para que tenha um perfil, cujas características apresentamos a seguir: 10 - São pessoas, desempregadas ou subempregadas, de baixo nível de escolaridade e de qualificação profissional; - normalmente tëm uma relação de dependência com o poder público, autoridades e lideranças, achando sempre que esses “sabem o que é melhor para eles”; - por terem uma consciência ingênua, acreditam que a sua condição social é determinada por Deus, ou alguma outra divindade. Apenas identifica o seu problema – pobreza, doenças, falta de alimentação, de moradia. E ficam a espera de que um dia as coisas melhorem. As soluções sempre vindo de fora. - normalmente moram em periferias das cidades, morros e favelas, expulsos do campo ou de áreas urbanas, neste último caso pela própria espoliação imobiliária; - em geral têm alta dependência da assistência social e são alvos fáceis de práticas assistencialistas e paternalistas; - não tem acesso aos mecanismos oficiais de crédito; - a maioria não consegue romper o ciclo vicioso da pobreza, baixando cada vez mais a auto estima, muitos enveredando pelo alcoolismo e outras drogas, contribuindo para o aumento dos índices de violência; - não tem consciência do seu potencial e da sua capacidade de contribuir para a reversão do quadro de pobreza. Esse é o público prioritário da metodologia da capacitação massiva no Brasil e no exterior. E a cada dia constatamos o quanto essa população tem potencialidade e capacidade para superar essas dificuldades a 11 partir da organização, estruturando unidades de produção autogestionárias, e melhorando a sua realidade social e econômica. Desde que sejam implantadas seguindo os princípios da autogestão, cujo conceito é o seguinte2: “A autogestão é um modelo administrativo onde as decisões e o controle da empresa são exercidos pelos trabalhadores Eles decidem sobre tudo: metas de produção, remuneração, políticas de investimento, mercado etc. É a busca de soluções coletivas para os problemas sociais , notadamente do desemprego, por meio do controle das empresas. É a participação direta e inteligente do coletivo nas tomadas de decisões, no poder da empresa” 2.1 A Origem e Evolução da Metodologia da Capacitação Massiva dos Laboratórios Organizacionais a) Origem A conhecida concepção internacionalmente da Metodologia como a da Capacitação metodologia dos Massiva, Laboratórios Organizacionais, teve início em 1954, a partir da realização de um curso sobre legislação agrária objetivando a capacitação de quadros dirigentes das Ligas Camponesas, na cidade de Recife - PE - Nordeste do Brasil. Os organizadores desse evento de capacitação, ao avaliarem 6 (seis) meses depois o nível de aprendizagem dos conteúdos ministrados, constataram que estes não haviam sido apreendidos pelo conjunto dos participantes. Entretanto eram bons dirigentes nas suas organizações de base. Com base nos resultados dessa avaliação, Clodomir Santos de Morais concluiu que a metodologia de funcionamento do curso (organização em comissões: limpeza, alimentação, saúde, infraestrutura, apoio pedagógico, disciplina, cultura e lazer, etc.), determinada pela necessidade do próprio grupo, 2 AUTOGESTÃO – Como sair da crise: ANTEAG – Assoc. Nacional ddos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária – S.Paulo. 12 foi decisiva para os resultados obtidos, ou seja, os participantes ao vivenciarem a divisão social e técnica do trabalho internalizaram alguns princípios básicos de organização. Com a realização das primeiras experiências, ainda no Nordeste do Brasil (1964) inicia-se a formulação do “Método da Capacitação Massiva Laboratório Experimental de Terreno”, o qual foi sistematizado posteriormente pelo autor. b) A utilização da metodologia em âmbito nacional e internacional Apesar da Metodologia da Capacitação Massiva ter sido criado por uma brasileiro, de Santa Maria da Vitória, Estado da Bahia – Prof. Clodomir Santos de Morais, e ter sido desenvolvida em mais de 30 países, somente em 1988 a mesma foi aplicada no Brasil, após o retorno do autor ao Brasil. Como pode ser visto a seguir, o seu desenvolvimento se deu mais na América Central e na América do Sul, inclusive com a contribuição de vários profissionais que atuaram ou ainda atuam com a referida metodologia, inclusive do meio acadêmico. • 1971 - Programa de Reforma Agrária - implantação em 285 Assentamentos rurais – Panamá; • 1973/76 - Programa de Capacitação Camponesa para a Reforma Agrária de Honduras (PROCCARA) - mais de 400 LOTs – 24.000 camponeses e técnicos da região capacitados – (ONU/FAO); Aplicada em Costa Rica, Venezuela, México, Haiti, São Domingos, Colômbia, Nicarágua, Dominica e Belice; • 1977 Programa de Desenvolvimento Rural Integrado do Trópico Úmido – PRODERITH – México (ONU/FAO); 13 • 1978/79 - Instituto de Cooperativas Antônio Sérgio INSCOOP – Portugal. Mais de 3.000 pessoas capacitadas – (ONU- OIT- PNUD); • 1980/83 - Programa de Capacitação para a Organização e o Emprego na Reforma Agrária – COPERA (Nicarágua – Sandinista); • 1984/87 - Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe – (Cáritas Moçambicana e Fundação HIVOS) Zimbabwe – África (Fundação HIVOS); Realização do Laboratório Organizacional de Centro – LOCEN em Palmeiras das Missões/RSBrasil (1987) com o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra-MST; • 1988/89 Programa POLONOROESTE – Mato Grosso e Rondônia- Brasil (ONU/FAO); Criação no Brasil do Instituto de Apoio Técnico aos Países do Terceiro Mundo – IATTERMUND, em Brasília / DF (1988) - instituição responsável pelo desenvolvimento e aperfeiçoamento da Metodologia da Capacitação Massiva no Brasil e no Exterior; • 1992/96 PROGER - Programa de Geração de Emprego e Renda em Áreas de Pobreza- Estados da Paraíba e São Paulo – Brasil (ONU/FAO); Realização de Laboratório Organizacional de Curso - LOC para formação de TDCs – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST – Brasil (ONU/OIT); Realização de Laboratório Organizacional de Curso – LOC para formação de TDEs e APIs - Convênio IATTERMUND com a Secretaria de Planejamento do Estado de Rondônia – Rondônioa – Brasil. Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda em Áreas de Pobreza – PRONAGER – SEPRE-ONU/FAO (antes PROGER) – Brasil; • 1988 Realização do 1º Laboratório Organizacional de Empresa no Brasil em São José dos Campos - SP 14 para reestruturação da Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX (PRONAGER Nacional em parceria com IATTERMUND, PRONAGERSP/BNDES/Pref. Municipal de São José dos Campos/Sindicatos dos Trabalhadores na Indústria de Fiação e Tecelagem de SJCAMPOS e dos Mestres e Contra-Mestres); Definição da Metodologia da Capacitação Massiva como eixo-central da Metodologia de Atuação do PRONAGER; • 2000/03 Continuação da parceria do Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda em Áreas de Pobreza - PRONAGER (MI/SPRI-ONU/FAO), com o IATTERMUND mediante Termo de Cooperação Técnica; Implantação do Sistema de Geração de Emprego e Renda no México (PRONAGEI) - Convênio da Universidade de Chapingo com o IATTERMUND; Sistema de Geração de Emprego e Renda na República da Guatemala (PRONAGEI). Convênio: Ministério da Agricultura, Universidade de Chapingo e IATTERMUND; Realização do 1o Laboratório Organizacional de Terreno na periferia de Londres – Inglaterra, sob a coordenação de ONG vinculada ao IATTERMUND, e que o representa também na África. 2.2 Os Instrumentos Metodológico-Operacionais 2.2.1 O conceito de laboratório organizacional Segundo o próprio criador do Método – Prof. Clodomir Santos de Morais –“É um ensaio prático e ao mesmo tempo real em que se busca introduzir, em um grupo social, a consciência organizativa que necessita para atuar em forma de empresa ou ação organizada”. 15 É um método de capacitação que possibilita a elevação dos níveis de consciência (ingênua e crítica) da coletividade ao nível da consciência organizativa, indispensável à transformação da realidade em que vivem. Para tanto necessita que seja criada, no interior do LOT, uma empresa artificial porém com funcionamento real, a qual constitui-se o objeto de capacitação dos participantes em organização e administração autogestionária. A partir da experimentação do sujeito (os alunos) com o objeto (a estrutura organizacional formada) este indica ao sujeito as necessidades e habilidades necessárias para manejá-lo, e nesse processo o sujeito vai se transformando também pela prática. Através do embate entre eles o conhecimento vai sendo construído e internalizado pelo grupo social. Daí a importância dos pré-requisitos à realização do Laboratório Organizacional, tratados ainda neste trabalho, para que seja desencadeada pelo grupo social a dinâmica própria do método de capacitação, “determinadora da consciência organizativa que se pretende gerar no grupo social”.3 2.3 Os Tipos de Laboratórios Organizacionais - LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE CENTRO – LOCEN, para formação de quadros organizadores de empresas associativas. Este tipo de Laboratório também pode ser utilizado como 1ª etapa de formação de Diretores de Laboratórios Organizacionais de Terreno LOT; - LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE TERRENO – LOT, para acelerar a consciência organizativa de grupos sociais e criar as bases de empresas associativas de produção de bens e serviços; 3 Clodomir Santos de Morais – Plano de Laboratório Organizacional de Capacitação Massiva para a expansão do Emprego. 16 - LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE CURSO – LOC, para acelerar a consciência organizativa de um grupo de pessoas integradas em uma empresa de serviços destinada à autocapacitação. Através Desenvolvimento deste são Econômico formados (TDEs); ou os Técnicos Técnicos em em Desenvolvimento Cooperativo (TDCs), que por sua vez formam os Auxiliares de Projetos de Investimentos (APIs) - base para a formatação e funcionamento do SIPGER. Com esse tipo de Laboratório forma-se, também, os Diretores de Laboratórios Organizacionais de Terrenos (1ª etapa: teórico-prática); - LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE EMPRESA – LOE, para acelerar o nível organizativo de empresas associativas, inclusive aquelas originadas de LOTs, bem como para a implantação de empresas a de autogestão, exemplo da Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX cuja experiência está relatada no último capítulo deste documento, e a conseqüente elevação da capacidade para a prática de autogestão e fortalecimento econômico de empreendimentos econômicos e sociais. Para tanto, torna-se imprescindível que o Diretor do Laboratório Organizacional, profissional responsável pelo planejamento e desenvolvimento desse tipo de evento de capacitação, formado pelo IATTERMUND, compreenda e internalize a diferença entre as didáticas do ensino e da capacitação. Na primeira o professor (sujeito) transfere o conhecimento ao aluno (objeto) na intenção de transformá-lo, havendo uma “artificialização na geração da necessidade do conhecimento”4, uma vez que esta não parte de uma realidade concreta. Na da capacitação é o inverso, o professor atua como meio, elaborando e repassando as entregas teóricas em atendimento à demanda do 4 CORREIA, Jacinta Castelo Branco. Comunicação e Capacitação. Edição IATTERMUND - Brasília-DF: 1994. 17 aluno, que por sua vez as requer em função da necessidade ditada pelo objeto, ou seja, a empresa com o domínio dos meios de produção e da divisão social e técnica do trabalho. 2.4 Os Pré-requisitos à realização de Laboratórios Organizacionais5 1º) No mínimo 40 pessoas: Justifica-se pela própria concepção do método que ao ser massivo, possibilita a incorporação de centenas de trabalhadores desempregados ou subempregados nos eventos de capacitação, favorecendo portanto a ampliação das oportunidades de inserção da grande massa de excluídos sociais. A capacitação em gestão empresarial autogestionária exige o exercício da divisão social e técnica do trabalho (processo produtivo socialmente dividido), possibilitando a construção da cooperação e da solidariedade e a conseqüente transformação de comportamentos ideológicos que dificultem o avanço das forças produtivas. 2o) Os meios de produção em mãos dos integrantes da empresa, ou seja, os insumos indivisíveis em poder do grupo social Todos os recursos (humanos, financeiros e materiais) que constituem os insumos indivisíveis, devem está à disposição dos participantes do Laboratório Organizacional6. Assim, não pertencem ao indivíduo e sim ao coletivo. Estes por si só impõem a necessidade de organização, e o exercício da divisão do trabalho, sendo a “mola mestra” do processo de capacitação em organização empresarial autogestionária, pois “é a partir da relação com o objeto que o homem se capacita”3, e quanto 5 MORAIS, Clodomir Santos de – Elementos Sobre a Teoria da Organização – Edição IATTERMUND1988. 6 3 Os insumos indivisíveis básicos referentes aos cursos/atividades produtivas devem estar a disposição dos participantes desde a abertura do LOT. MORAIS, Clodomir Santos de - O Reencontrado Elo Perdido das Reformas Agrárias - Edição IATTERMUND - 1997 18 mais indivisíveis forem os insumos maior a capacitação. Ressalte-se que quando as quantidades são inferiores às necessidades da empresa, este problema estimula a criatividade e capacidade de resolução do grupo social. É importante incorporar ao inventário dos insumos indivisíveis aqueles pertencentes a própria comunidade e ou cedidos por instituições parceiras. Aliás essa prática, além de estimular a participação, diminui os custos operacionais do LOT. Outro aspecto fundamental é – “não criar escala de valores na população pobre uma vez que esta mesmos logo após quase sempre não pode ter acesso aos a finalização do LOT”7, dificultando a continuidade dos embriões de empreendimentos econômicos. Dessa forma na estruturação do próprio método, “os insumos indivisíveis são utilizados com a intenção expressa e preconcebida de introduzir mudanças na atividade e conseqüentemente na psicologia social dos que participam do Laboratório Organizacional”4. 3º) O Pleno direito de Organizar-se Esse requisito garante ao conjunto dos participantes a plena liberdade de organização, respeitando o marco legal vigente. Pois organização, não se ensina, se vivencia e se constrói a partir das necessidades sentidas pelo grupo, e o seu nível de desenvolvimento é diretamente proporcional ao nível de consciência social e produtiva dos mesmos. É na prática da autogestão (a partir deste ponto zero) que a participação social começa a ser efetivada, e que a organização empresarial vai se consolidando e se otimizando. Daí a denominação dos eventos de capacitação Massiva: Laboratórios Organizacionais. 7 4 Idem LABRA, Ivan. Por uma Psicologia Social Científica - Edição IATTERMUND - 1994 19 É de fundamental importância a observância aos requisitos acima mencionados, sob pena de comprometer todo o processo de capacitação, e fragilizar o próprio método. 2.5 Princípios e Pressupostos Pedagógicos A Capacitação Massiva, “fundamenta-se, principalmente, na psicologia social, tendo a atividade objetivada8 (fig. 1) como desencadeadora do processo de aprendizagem e de construção do conhecimento”. Como Método de Capacitação a ação pedagógica se desenvolve com base na relação dialética – PRÁTICA-TEORIA-PRÁTICA, possibilitando aos participantes a apreensão do conhecimento e a transformação positiva da realidade em que vivem, a partir da inserção dessas pessoas em experiências concretas de geração de trabalho e renda, mediante a realização de Laboratórios Organizacionais. A ATIVIDADE OBJETIVADA OBJETO SUJEITO 8 Ver Leontiev (Prática-Teoria- Prática) 20 fig. 1 – O Processo de construção do conhecimento no LOT Nesse sentido, a Metodologia da Capacitação Massiva tem como princípios pedagógicos (ver a seguir) essenciais ao seu desenvolvimento, e que portanto, devem ser internalizados e observados rigorosamente pelo Diretor do Laboratório Organizacional e sua Estrutura Primária (equipe técnica de apoio) para que sejam alcançados os seus objetivos: a) O objeto capacita – Primeiro tem que se criar o Objeto de forma real, no caso a empresa dos alunos. No embate Sujeito x Objeto, o primeiro vai percebendo o Objeto através da análise, e este o guia para que vá se aperfeiçoando nas suas intervenções sobre o objeto, uma vez que o mesmo dita a necessidade das entregas teóricas. Assim, a prática é enriquecida pela teoria e vice-versa, contribuindo de forma efetiva para a construção do conhecimento. b) As diferenças e contradições equilibram e impulsionam a capacitação – a heterogeneidade dos comportamentos ideológicos - visão de mundo e expectativas diferenciadas, interesses pessoais diversos, capacidades de fazer a leitura da realidade também diferenciadas e espírito emulador de alguns, criam as contradições e os conflitos, fenômenos esses que o Diretor e a Estrutura Primária deve explorar como instrumentos de capacitação. O que justifica a importância do Diretor e da Estrutura Primária serem rigorosos na leitura da composição social do grupo para que as ações de capacitação sejam potencializadas. Algumas vezes o Diretor do Laboratório 21 Organizacional frustra a capacitação por ter medo de conflitos e, assim, utiliza mecanismos para que os mesmos não venham à tona, utilizando técnicas do pequeno grupo que em nada contribuem para a transformação psico-social dos participantes do evento de capacitação. 2.6 As Etapas do Processo de Capacitação No processo de capacitação desenvolvido no Laboratório Organizacional, as etapas abaixo mencionadas vão se superando tais como a SÍNCRESE – caracterizada, inicialmente, por uma anomia, pela desorganização total e incerteza na própria capacidade de organizar-se, ante a surpresa de encarar uma responsabilidade e sentir-se desafiados a levar a empresa adiante, onde as decisões serão tomadas por eles mesmos, chegando a propor soluções ou ações sem análises críticas; a ANÁLISE - onde manejam elementos de administração e exercitam a análise sobre o objeto, no caso a Empresa Associativa Autogestionária; e a SÍNTESE- na qual conseguem o melhor nível organizativo, pois aliam a teoria à prática (fig.2). Ou seja, o processo pedagógico vai se qualificando através de ciclos recorrentes, tendo como características de cada etapa as apresentadas a seguir: A síncrese • Expectativas diferenciadas quanto a realidade que se apresenta; • tendência de formação de grupos e subgrupos em torno de lideranças – políticas, religiosas e comunitárias, que as vezes tentam reproduzir a cultura do clientelismo, paternalismo e assistencialismo; • exacerbada manifestação de vícios ideológicos oriundos das formas artesanais de trabalho;] • visão individualista e imediatista dos participantes quanto aos seus interesses pessoais; 22 • identificação de alguns problemas decorrentes dos comportamentos ideológicos dos participantes; • utilização incipiente da crítica; • mecanismos de controle verticais; • tendência a decidirem por modelo de gestão vertical reproduzindo experiências anteriores; • estrutura organizacional inadequada; • inexistência de instrumentos de planejamento, gestão e controle; • persistência da ação de grupos e subgrupos que se consideram mais capazes, reproduzindo uma relação de dominação perante o conjunto dos participantes; • começa a perceber algumas categoria teóricas não relacionandoas com a prática de gestão e funcionamento da empresa; • a auto-estima começa a despontar em um número significativo de participantes do Laboratório Organizacional. A duração desta etapa depende da composição social do grupo, sua experiência acumulada e do seu contexto social, econômico, político e cultural, podendo durar um, dois ou três dias. Podem-se repetir certas características de anomia durante todo o processo de desenvolvimento do Laboratório Organizacional, as quais serão superadas de acordo com o grau de organização que o grupo social tenha atingido. A análise • Inicia-se a análise sobre a ação desenvolvida pela empresa (decodificação dos elementos teóricos a partir da prática); • conseguem manejar algumas categorias teóricas presentes na Teoria da Organização (divisão do trabalho, valor do tempo, da disciplina, plano de trabalho e IBC); 23 • começa a despontar o conhecimento lógico e a racionalidade quanto a alguns processos, porém ainda de forma fragmentada, faltando Memória do a internalização da visão sistêmica da empresa; • a estrutura organizativa e os planos de trabalho são mais adequados à necessidade da empresa; • o uso da crítica é mais constante; • maior eficiência e racionalidade na utilização de recursos; • os subgrupos com interesses particulares começam a se fragilizar pela compreensão maior, pelo conjunto dos participantes, do conteúdo da Teoria da Organização; • a auto-estima já é visível através da postura e comportamento dos participantes frente aos desafios que se apresentam. A síntese • Maior segurança na gestão da “empresa”, fundamentada na autoestima resgatada/conquistada e na apreensão de categorias teóricas, a partir da própria vivência; • visão de conjunto/sistema – interdependência dos diversos setores da empresa, fortalecida pela prática permanente da divisão social e divisão técnica do trabalho; • participação mais organizada nas reuniões e assembléias; • utilização dos princípios organizativos (análise, planejamento, distribuição e controle); • maior tranqüilidade no uso e aceitação da crítica, como algo inerente ao crescimento individual e grupal; • a estrutura organizativa e os planos de trabalho estão mais adequados às necessidades da empresa, o que demonstra uma maior eficiência na gestão da empresa; 24 • desmistificação da figura do Diretor e da Estrutura Primária pela segurança conquistada e capacidade de resolutividade do próprio grupo. Vencer o estado de anomia é o ponto de partida para o início da construção de uma nova forma de convivência social e produtiva embasada na participação plena, através da autogestão. Caso o Laboratorista ou a Estrutura Primária indique ou tome alguma decisão pelo grupo nesse momento, a autonomia que se busca com o método já está “abortada”. 2.7 Sobre o Diretor de Laboratório Organizacional O Diretor do Laboratório precisa ter uma visão precisa sobre a realidade em que vai atuar, no que se refere aos seus aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais e ambientais, bem como sobre a composição social do grupo participante, para que possa agir como FACILITADOR do processo de capacitação. O PROCESSO DE CAPACITAÇÃO DESENVOLVIDO NO LOT A VIGILÂNCIA - A CRÍTICA - A REUNIÃO SÍNCRESE SUJEITO ANÁLISE SÍNTESE (PRÁTICA-TEORIA- PRÁTICA) OBJETO 25 A VI - A REUNIÃO A VIGILÂNCIA - A CRÍTICA - A REUNIÃO A VIGILÂNCIA - A CRÍTICA - A REUNIÃO A VIGILÂNCIA - A CRÍTICA - A REUNIÃO (ADMINISTRAÇÃO AUTOGESTIONÁRIA) É fundamental que este conheça e se guie pelos princípios que norteiam o método e sobretudo tenha internalizado o sentido pedagógico dos procedimentos para garantir os resultados esperados. Tenha domínio dos conteúdos teóricos da Teoria da Organização e segurança no seu repasse, e consciência da sua importância como instrumento de aceleração do processo de organização, uma vez que constitui-se para os participantes uma referência visão histórica e dinâmica dos fatos sociais - uma relação de causas e efeitos que possibilita uma reflexão pelo grupo sobre a realidade atual, e de como pretendem se organizar para transformar essa mesma realidade. A Teoria da Organização deve ser sempre ministrada pelo Diretor do Laboratório. Essa ação é um dos procedimentos metodológicos importantes e contribuirá para que o Diretor tenha a autoridade necessária e legítima, construída durante o período em que estiver no Laboratório, a partir da relação e postura frente ao grupo social. Exercendo o seu papel - como sujeito heterônomo - essencial no processo de construção da autonomia desejada. (Fig.3) 2.8 Sobre a Estrutura Primária É constituída por um grupo de técnicos, de preferência polifacéticos, que possam atender as demandas imediatas da populaçãoobjetivo, pois todos os seus integrantes deverão ser instrutores durante o LOT. Participam desse grupo técnicos da instituição promotora e/ou parceiras responsáveis pelo acompanhamento às empresas surgidas do LOT e pessoas 26 indicadas por entidades da sociedade civil que atendam aos critérios de seleção abaixo especificados. A Estrutura Primária não pode esquecer que é referência e exemplo (espelho) para os participantes do LOT. Portanto a postura profissional – ética, moral, organizacional e disciplinar são qualidades indispensáveis. Assim como a empresa dos alunos, a Estrutura Primária terá que assumir durante todo o processo de desenvolvimento do Laboratório uma “atitude de análise frente a tudo o que está sucedendo-se, por meio de um elemento que deve ser descoberto e utilizado sistematicamente pelo grupo, ou seja, a crítica”. (Teoria da Organização – Clodomir Santos de Morais).9 EMPRESA O AMBIENTE EXTERNO O AMBIENTE EXTERNO DIRETOR DOS ALUNOS ESTRUTURA PRIMÁRIA INSTRUTORES Fig. 3 – O fluxo das ações de capacitação desenvolvido no Laboratório Organizacional. 9 MORAIS, Clodomir Santos de – Elementos Sobre a Teoria da Organização – Edição IATTERMUND – 1998. 27 2.9 A Memória do Laboratório Organização de Terreno Ao final do Laboratório Organizacional, o documento denominadde Memória do Laboratório Organizacional de Terreno deverá está elaborada, e toda a experiência realizada sistematizada. Segundo o Prof. Clodomir Santos de Morais, constitui-se um documento de fundamental importância para a análise e compreensão das conseqüências (a posteriori) da aplicação da metodologia, porque o registro do dia a dia e de tudo que ocorre dentro de Laboratório é a fonte mais fidedigna de fé, que expressa os êxitos e as falhas do evento de capacitação. Principalmente para a constatação das falhas que possam ter havido no desenvolvime3nto do Laboratório Organizacional e suas consequências, como por exemplo - o não surgimento de empresas, a desintegração pré-matura do(s) núcleo(s) organizado(s) e o irreversível processo de entropia dos mesmos são mais facilmente explicados à luz desta “caixapreta”. É elaborada sob a coordenação da Comissão de Memória da Estrutura Primária, da qual todos os membros tem oportunidade de participar, uma vez que há rodízio semanal. A referida Comissão é apoiada pelos participantes dos cursos de datilografia, informática, e jornalismo que compõem a Comissão de Memória e Divulgação da Empresa dos Alunos. Assim sendo constitui-se um dos principais produtos da EP e a sua elaboração possibilita o exercício da divisão técnica do trabalho constituindo-se um desafio organizacional complexo. A sua distribuição na solenidade de encerramento para todos os participantes do LOT é um dos indicadores positivos de avaliação da equipe técnica responsável pelo evento de capacitação (Diretor e membros da Estrutura Primária). 28 Como obra coletiva e impressa possibilita a inserção da massa organizada na história, como os principais atores sociais – deselitiza a criação da história - todos são sujeitos da história; 2.10 O Desmame O Diretor do Laboratório deverá deixar o Laboratório, no máximo, após a realização da 3ª Assembléia Geral da Empresa dos Alunos, retornando para a solenidade de encerramento do evento de capacitação. Esse é um procedimento metodológico que deve ser observado por todos os Diretores de Laboratórios Organizacionais. Faz-se necessário para que a Estrutura Primária possa avançar no processo de construção da sua autonomia. A permanência do Diretor frustra o processo de capacitação de todos os participantes (EP e Empresa dos Alunos) e pode ser um indicador da insegurança do mesmo quanto à sua capacidade de capacitador ou quanto à capacidade de autogestão do grupo social. 3 ESTUDO DE CASOS 3.1 A Ilha do Ferro e a Cooperativa dos Artesãos (Um caso de Arte e Desenvolvimento Local) 3.1.1 Antecedentes O Projeto desenvolvido no Município de Pão-de-Açúcar, Estado de Alagoas, em 1998, originou-se da articulação da Presidência do Conselho do Comunidade Solidária com a SUDENE e com o Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda em Áreas de Pobreza - PRONAGER, em maio de 1998, buscando potencializar recursos e esforços do poder público e da sociedade civil na área da seca, aliando ações emergenciais do Programa de Combate aos 29 Efeitos da Estiagem no Nordeste do Brasil, com ações efetivas de geração de trabalho e renda na perspectiva de transformação positiva da realidade sócioeconômica, política, cultural e ambiental de comunidades empobrecidas, com resultados sustentáveis. Na elaboração da matriz de integração institucional, foi definido o papel de cada instituição envolvida conforme especificação a seguir: Programa Comunidade Solidária - utilizando seu poder de articulação e mobilização da sociedade e dos poderes públicos; da então SUDENE – disponibilizando recursos financeiros das ações emergenciais de combate aos efeitos da seca, notadamente no que se refere à infraestrutura das atividades produtivas estruturantes; e do PRONAGER – com a coordenação técnica e metodológica, incluindo as ações de capacitação dos trabalhadores em empresas associativas autogestionárias de produção de bens e serviços e de outros tipos e da Prefeitura Municipal – com o apoio logístico ao desenvolvimento das atividades. Assim, o trabalho desenvolvido na Ilha do Ferro, povoado do município de Pão-de-Açúcar - AL, ora apresentado, constitui-se em uma das 10 experiências realizadas no Nordeste, podendo vir a ser uma das referências para a atuação do Governo e da sociedade civil no processo de convivência com a seca e melhoria das condições de vida da população nordestina. 10 3.1.2 O município de Pão-de-Açúcar Pão-de-Açúcar, município do sertão alagoano e semi-árido nordestino, situa-se a 240km de Maceió – capital do Estado, faz parte da bacia 10 Diagnóstico elaborado durante a etapa de planejamento da operação e prospecção dos Laboratórios Organizacionais. 30 do Rio São Francisco à oeste do Estado, tem como limites ao norte – os municípios de São José da Tapera, Palestina e Jacaré dos Homens; a oeste o de Piranhas; a leste o de Belo Monte e ao sul o rio São Francisco, o qual margeia cerca de 45% do município. Tem uma população de 23.386 habitantes, distribuídos em 67 comunidades, sendo 10.110 residentes na zona urbana e 13.276 na zona rural, com 11.532 homens e 11.854 mulheres. As belezas naturais e as potencialidades turísticas são grandes e inexploradas economicamente. Além do rio São Francisco, com suas praias e ilhas, possui um monumento de cimento armado – O Cristo Redentor, com 12.8m de altura, e 40 toneladas, construído por João Lisboa (artista local) – erguido no morro que deu origem ao nome do município. Conta ainda com uma escola de música e uma banda musical com tradição de mais de 50 anos. A musicalidade do povo de Pão-de-Açúcar é uma das suas características culturais. Destacam-se, ainda, os sítios arqueológicos e fósseis de paquidermes antidiluvianos. A culinária típica da região baseia-se no pescado, camarão pitu, carne de sol, galinha de capoeira, feijoada, buchada de caprinos. Entre os doces destacam-se o de cabeça de frade, de leite, de mamão, de banana, de goiaba, e a cocada. E ainda, iguarias como broa de goma, mungunzá, arroz doce, bolo de milho, cuscuz, pamonha, macaxeira e umbuzada. O artesanato é rica herança dos índios urumarys, acrescida da cultura européia trazida pelos colonizadores e mais tarde por imigrantes espanhóis. O maior centro de produção artesanal é o da Ilha do Ferro, situada às margens do São Francisco, cujas tipologias são a renda, o bordado e os 31 trabalhos em madeira. Tendo destaque também em outras comunidades os artigos de couro, de fibras vegetais e instrumentos de pesca. A economia do município está baseada principalmente na agropecuária, no comércio e em algumas poucas atividades semi-industriais. A agricultura de subsistência produz o feijão, o milho e a mandioca, predominando os pequenos produtores familiares, parceiros e assalariados. Na pecuária destacam-se os rebanhos bovinos, caprinos, ovinos, suínos e aves, sendo mais numerosos os dois primeiros. Destaca-se o extrativismo mineral ( pedra utilizada na fabricação de paralelepípedos) e o animal – pesca de peixe e camarão. O setor informal da economia é composto por vendedores, inclusive os ambulantes, costureiras, artesãos e prestadores de serviços domésticos. A renda gerada no município é do montante de R$ 5.066.800,00, sendo 91.14% oriundos de Transferências Correntes, e somente 8.86% advindas de tributos. Não dispõe de nenhuma agência bancária. Em função disso, a população ao se deslocar para outros centros urbanos para receber seus vencimentos, aposentadorias e pensões, gasta a maioria dos recursos fora do município. Com relação ao setor saúde, é referência regional pela qualidade da oferta dos serviços, estando o SUS em fase de implantação. O índice de mortalidade infantil é inferior ao da região Nordeste, com 30/1000 nascidos vivos. Com uma população em idade escolar de 5.206 pessoas, entre 07 a 14 anos, tem matriculados no ensino fundamental 5.500 alunos, absorvendo crianças de outros municípios, e 400 alunos no 2o Grau. Cerca de 250 pessoas têm curso superior nas áreas de enfermagem, contabilidade, pedagogia e informática. O índice de analfabetismo é significativo – 11.076 32 pessoas com mais de 5 anos de idade, o que corresponde a 51.05%11 da população total. Está em desenvolvimento o Programa Alfabetização Solidária, com um total de 556 pessoas matriculadas, sendo 181 da sede do município e 375 da zona rural. Para a oferta de ações na área da educação, conta com 55 escolas - 07 estaduais, 46 municipais e 02 particulares, sendo 46 na zona rural e 09 na sede do município. Quanto às organizações sociais, o município conta com 30 Associações Comunitárias, inclusive com 01 Federação de Associações, Sindicato de Trabalhadores Rurais, Sindicato dos Trabalhadores da Educação, Sindicato dos Proprietários Rurais, 01 Colônia de Pescadores, 01 Núcleo de Desenvolvimento Comunitário, Maçonaria, Igreja Católica e Protestante, Associação Amigos do Velho Chico (ONG que luta pela preservação do rio São Francisco) e com ações da Visão Mundial. Quanto à infraestrutura: a) meios de comunicação – dispõe de telefonia fixa e celular, 02 emissoras de rádio e serviço de postagem de cartas e encomendas; b) Meios de transporte – rodoviário (alternativo e ônibus) e fluvial (lanchas, barcos, canoas e balsas); c) Abastecimento d’água: dispõe de adutora que abastece a sede municipal e 08 comunidades rurais, além de outros 10 municípios vizinhos; d) Energia elétrica – mais de 80% das comunidades dispõem de energia elétrica e 10% das comunidades rurais utilizam a energia solar. O número de consumidores de energia é de 3.468 domicílios. Apesar de estar situado às margens do rio São Francisco, constata-se que os efeitos da estiagem são muito sentidos na região. Somente neste município estavam inscritas nas frentes de serviços 1.300 pessoas, o que indicava 11 a necessidade imediata de ações para o desenvolvimento de Dados da Prefeitura Municipal de Pão-de-Açúcar – 1998 33 atividades de geração de trabalho e renda, articuladas com as ações emergenciais em execução. 3.1.2.1 A comunidade de Ilha do Ferro 4.1.3.1 Realidade encontrada (anterior à realização do Laboratório organizacional) A Ilha do Ferro, comunidade onde foi realizado um Laboratório Organizacional de Terreno, situa-se a 18 Km da sede do município, e nela reside 143 famílias, que sobrevivem da agricultura de subsistência, pecuária, pesca, artesanato, fabricação de telhas e tijolos e do comércio. A comunidade ficou conhecida como Ilha do Ferro, em função de em 1917, um navio moxotó ter afundado perto de uma Ilha do rio São Francisco, que fica localizada em frente a este povoado, e sua carcaça de ferro está até hoje soterrada no mesmo lugar. O acesso por terra é precário e quase toda a população utiliza o transporte fluvial. Dispõe de 01 grupo escolar, 04 escolas municipais – cada uma com uma sala de aula - Capela, e de uma Associação Comunitária. Na época não dispunha de coleta sistemática de lixo, existindo muito papel e plásticos espalhados por toda a área urbana. Rebanhos bovinos ao serem recolhidos aos currais, trafegavam pela rua principal do povoado, com calçamento, deixando um lastro de dejetos. Nas margens do rio São Francisco existia um cercado com porcos, contribuindo para a poluição ambiental, e para as precárias condições de higiene local, uma vez que muitas mulheres lavavam os utensílios domésticos e roupas próximas do local onde estava o “chiqueiro de porcos”, além de ser um dos pontos utilizados pela população para o banho diário. Na chegada à Ilha, em um dos caminhos utilizados pela população, nos deparamos com dejetos humanos, indicador das precárias condições de saneamento básico. 34 As casas, na sua maioria, eram de alvenaria e muitas sem acabamento. Os banheiros eram construídos nos quintais. A comunidade dispõe de energia elétrica , porém não de serviço de telefonia. As mulheres produziam o bordado, denominado “boa noite” e alguns homens confeccionavam pequenas peças de madeira – esculturas de pássaros da fauna local e miniaturas de embarcações. Quando realizamos a 1ª reunião com as artesãs na comunidade, apenas 12 compareceram, bastante desestimuladas com a atividade artesanal, em função de: a) Outras ações já terem sido desenvolvidas pelos governos federal e municipal no sentido de revitalização da atividade, e segundo as mulheres não ter se revertido na melhoria da qualidade de suas vidas . “Traziam os panos, as linhas, e depois levavam as peças já feitas. Quando vendiam é que a gente recebia o nosso ganho. E às vezes demorava muito para o dinheiro chegar”. b) Como a produção não era valorizada, não se esforçavam para confeccionar o bordado, fazendo-o da forma mais simples possível, caracterizando-o como de baixa qualidade. Aliando-se a isso, ainda, a utilização de um tecido conhecido como “voal” bastante fino e de poliéster, tudo isso concorrendo para a não agregação de valor ao produto. Um lençinho era vendido por R$ 1,00 (um real). Chegavam a explicitar “ com isso não vamos conseguir melhorar a nossa vida. Não queremos que nossas filhas tenham esse tipo de trabalho. O que ganhamos com isso até agora foi gastar a nossa vista (olhos), já tem gente aqui quase cega. E continuamos todas pobres”. A auto-estima dessas mulheres era muito baixa. 35 c) A existência de atravessadores da própria comunidade e de outras localidades que se apropriavam da maior parte dos lucros. Os homens, quase na sua totalidade, desenvolviam a agricultura de subsistência e a pesca. A agricultura em pequenos lotes de terra ( em torno de ½ ha ), normalmente nas margens do rio e de forma individual. Reclamavam das condições de trabalho, bastante precárias em termos de resultados. Diziam que “ antes da construção da barragem de Xingó, que represou as águas do rio São Francisco, nas épocas de cheias, as águas enchiam as nossas terras, formando verdadeiras lagoas, e a gente plantava o arroz. Era tempos bons. Isso tudo acabou. Até a pesca foi muito prejudicada”. Queriam que fossem desenvolvidos projetos agrícolas, com recursos do governo, sem terem uma visão clara quanto aos resultados a alcançar, em termos de viabilidade econômica e financeira, e portanto auto-sustentáveis, reproduzindo as práticas existentes. Um aspecto, muito positivo é que, segundo os moradores, não existia consumo de drogas e nem gravidez precoce. Os jovens ajudavam as famílias nas atividades anteriormente citadas. Diante das condições objetivas, em época de seca, uma das alternativas era a participação nas frentes de serviços do governo federal. Na época estavam cadastradas nesse programa 65 homens. O cadastro sócio-econômico das 109 pessoas (moradores da Ilha do Ferro) participantes do Laboratório Organizacional de Terreno realizado pelo PRONAGER revelou que 54% eram homens. No que se refere a faixa etária, a maior concentração era de 22 a 40 anos. Quanto a renda familiar, 88% das famílias ganhavam até um salário mínimo, e somente 2% ganham mais de 2 salários mínimos. Quanto ao tamanho das famílias, 70% era composta por 05 membros. 36 3.1.3.2 O desenvolvimento do projeto A operação no município de Pão-de-Açúcar foi a 1ª realizada do Brasil considerando o método da capacitação massiva como eixo central de metodologia de atuação do PRONAGER. Por se tratar de uma experiência piloto, todas as etapas previstas foram executadas, conforme detalhamento a seguir: a) Articulação com o poder público local, para efetivação da parceria e planejamento de uma reunião ampliada, realizada no município com a participação de representantes do poder público e da sociedade civil organizada; b) realização da reunião acima mencionada, com representantes do PRONAGER Nacional, PRONAGER-Alagoas (Módulo Estadual vinculado à SUDENE), Prefeito e Secretários Municipais, Sindicatos, Comissão Municipal de Combate aos Efeitos da Seca, Câmara de Vereadores, Universidade Federal de Alagoas, Associações e lideranças comunitárias e técnicos do município, objetivando: Apresentar o Programa, seus objetivos, população-objetivo, metodologia, parcerias firmadas, contrapartida municipal, e a importância do desenvolvimento local integrado, como estratégia de combate à pobreza e para a geração de trabalho e renda e melhoria da qualidade de vida de populações em situação de vulnerabilidade social; Identificar, a partir da leitura dos moradores, as potencialidades sócio-econômicas e vocações produtivas do município, áreas prioritárias de atuação do Programa12, populaçãoobjetivo, e que atividades econômicas deveriam ser apoiadas pelo Programa; 12 Inicialmente, a comunidade de Ilha do Ferro não chegou a ser citada pelos participantes da reunião ampliada realizada na sede do município. Porém como tínhamos conhecimento da sua tradição artesanal, inclusive com possibilidades de extinção, na reunião anteriormente realizada com a Universidade Federal de Alagoas – UFAL, instituição convidada para ser parceira do projeto, indagamos sobre a mesma e como resultado da discussão, os participantes decidiram incluí-la entre as 07 localidades a ser visitadas. 37 c) apresentar as condições objetivas para a implementação do Programa no município - Formação de Grupo de Trabalho composto por representantes do poder público e da sociedade civil, para: visita às áreas priorizadas, elaboração de diagnósticos participativos de cada uma delas, de ficha técnica por atividade produtiva, buscando-se identificar as potencialidades nas diversas áreas, suas limitações e como a população pretendia superar essas dificuldades. d) com base nos estudos e pesquisas acima citados, realizados no prazo de 12 dias, foram definidas as comunidades nas quais seriam realizados os Laboratórios Organizacionais de Terreno e aprofundado o conhecimento da realidade específica de cada uma delas, com vistas à integração das mesmas numa perspectiva de desenvolvimento do município e da região. e) Realização de 02 Laboratórios Organizacionais de Terreno, 01 na Comunidade de Ilha do Ferro (cuja experiência será apresentada neste documento) e outro na Comunidade de Machado, com atividades produtivas previamente definidas conjuntamente com a população, cuja essência enquanto método de capacitação massiva, foi descrita no capítulo anterior. Para a conclusão do Plano Técnico do Laboratório Organizacional de Terreno (LOT) de Ilha do Ferro, realizamos uma reunião na comunidade, com ampla mobilização dos moradores, para apresentação e discussão das atividades produtivas que poderiam vir a ser desenvolvidas no interior do LOT, o qual duraria 45 dias, as quais seriam: a) Produção artesanal, nas tipologias de bordado e madeira, considerando a potencialidade local e possibilidade de agregação de valor à essa produção em função da tradição cultural e de serem únicos no Brasil. 38 Para isso deixou-se claro que não haveria interferência na tradição local quanto aos desenhos criados pelas próprias artesãs. O que seria realizado, caso concordassem, seria uma ação de resgate da produção, com assessoria de consultores especializados, enfocando efetivamente a produção de mercadoria mediante coleções que serão lançadas no mercado13, trabalhando-se desde a concepção dos produtos, organização do trabalho até a forma de apresentação aos consumidores, inclusive a embalagem que seria confeccionada na própria comunidade; b) Construção civil e Melhorias Urbanas na Ilha do Ferro cujos participantes seriam os inscritos nas frentes de serviço do Programa de Combate aos Efeitos da Seca, conforme acordo com o Programa Comunidade Solidária e a então SUDENE, contribuindo para a melhoria da condições locais, e recebimento de turistas e compradores diversos. Isso possibilitou aos moradores desencadearem um processo de construção de uma visão de futuro, percebendo a Ilha na sua totalidade, inclusive definindo as obras que seriam realizadas, em função das prioridades estabelecidas pelo conjunto dos participantes, através do voto em plenária c) Elaboração de 01 plano de capacitação continuada – etapa Pós-LOT – com vistas ao fortalecimento dos empreendimentos econômicos surgidos do LOT. Vale ressaltar, que todas as ações desenvolvidas na Ilha do Ferro, foi fruto de discussão com a comunidade, com o cuidado de auscultá-la para a identificação de seus anseios e aspirações, numa relação de transparência e construção de conhecimento, aliando a vontade e determinação da equipe técnica em contribuir para a reversão positiva da realidade encontrada. 13 A partir de sondagem de mercado, realizada pelos consultores. 39 Essa postura franca e participativa, não colonialista sabendo reconhecer que todos somos detentores de um saber e que os moradores da Ilha do Ferro seriam os verdadeiros sujeitos da ação, fez com que, direta ou indiretamente, todas as famílias do povoado se envolvessem com o Laboratório Organizacional, “tomando-o nas mãos” e assumindo de forma autogestionária todo o processo de desenvolvimento local construído com eles. 3.1.3.3 Os resultados alcançados As ações desenvolvidas pelo Programa Nacional de Geração de Trabalho e Renda em áreas de Pobreza – PRONAGER, em parceria com o Instituto de Apoio Técnico aos Países do Terceiro Mundo - IATTERMUND - cuja metodologia constitui o eixo central da Metodologia da Atuação do PRONAGER, e demais instituições parceiras, aliadas a efetiva participação da comunidade, possibilitaram a consecução dos objetivos previstos, cujos resultados apresentamos a seguir, ressaltando que as informações aqui contidas são fruto das observações sistematizadas durante todo o processo e atualizadas conforme dados fornecidos pela Cooperativa ART-ILHA: a) Ao final do Laboratório Organizacional de Terreno de Ilha do Ferro, o qual durou 45 dias, de trabalho intensivo e ininterrupto: - Capacitação de 50 artesãos ( 44 bordadeiras e 06 escultores em madeira) no aprimoramento e desenvolvimento das atividades produtivas, organização dos processo de trabalho, custos, comercialização e administração associativa autogestionária. Somente durante o LOT, foram confeccionadas 129 peças de bordado, além das peças em madeira; - criação da Cooperativa de Artesãos da Ilha do Ferro – ART-ILHA (nome escolhido pelas suas 31 sócias, e o desenvolvimento de coleções de cama, mesa e banho com bordados – conjuntos de 40 tolhas de jantar, toalhas de chá, jogos de lençóis para adultos e recém-nascidos, tolhas de bandejas, guardanapos e toalhas de lavabo, sendo todas as peças produzidas de acordo com as medidas- padrão internacionais. E ainda, a confecção de etiquetas (em português e inglês) e de embalagens rústicas e artesanais de papel, utilizando como fecho o palito de coqueiro abundante na região, bem como a elaboração de Fichas Técnicas por Produto, contendo a fotografia do mesmo, e informações específicas, tais como: dimensão, matérias-primas utilizadas, cores, peso, e capacidade de produção mensal e preço de venda. - integração de ações de políticas públicas locais, na área da saúde, com assistência médica/social, mediante a realização de consultas médico-oftalmológicas para 30 artesãs e aquisição de óculos, tendo sido priorizadas pelo grupo as sócias com maiores problemas de visão; - educação ambiental, no que se refere à preservação e conservação do meio-ambiente e realização das atividades: Limpeza pública e coleta seletiva de lixo, limpeza do ancoradouro, limpeza das margens do rio com a retirada de chiqueiro de porcos existente; - melhorias urbanas, com a construção do parque de lazer integrado às margens do rio São Francisco (área de esporte e lazer, praça com arborização e sede da Cooperativa ART-ILHA, considerado ponto de encontro e mirante da Ilha do Ferro), pintura em fachadas de algumas casas, além da limpeza de outros pontos de acesso à comunidade; 41 - limpeza e terraplanagem do terreno no qual será construída uma Fábrica de Cerâmica (Olaria Comunitária), cujos recursos já estão assegurados junto à Fundação Banco do Brasil. - planejamento e realização da solenidade de encerramento do Laboratório Organizacional, pela própria empresa, com a exposição fotográfica da Ilha do Ferro (antes e ao final do evento de capacitação) e exposição para venda de todos os produtos confeccionados, tendo sido vendido, somente nessa ocasião, 40% dos produtos. - memória do laboratório organizacional elaborada, na qual consta de forma sistematizada, todo o processo de planejamento e desenvolvimento da ação - equipe técnica responsável, diagnóstico participativo do Município de Pão-de-Açúcar e da Ilha do Ferro, relação de participantes, planos de cursos institucional, matriz realizados, de integração crônicas diárias (relatórios diários sobre o desenvolvimento e avaliação da ação de forma crítica para os ajustes imediatos, tendo como foco principal a avaliação do processo de construção e apropriação do conhecimento referente à autonomia local e auto-gestão dos empreendimentos econômicos, tendo como indicador o desenvolvimento da própria empresa), planos de trabalhos e informe e balanços críticos elaborados pela “Empresa dos Alunos” discutidos e aprovados em Assembléias Gerais semanais, inventário físico-financeiro da empresa, e Plano de Trabalho da empresa, para a etapa denominada Pós-LOT. b) Na etapa Pós-Laboratório Organizacional (Pós-LOT) - Realização de 01 oficina de gestão, após 12 meses de realização do Laboratório Organizacional, na qual participaram as 31 sócias 42 da empresa, onde foi discutida a situação atual da ART-ILHA, seus avanços e limitações, e construída a proposta de reestruturação da empresa; - elaboração do ”Projeto Fortalecimento da Cooperativa ART-ILHA,“ conjuntamente com todas as sócias, o qual foi financiado com recursos do Programa Comunidade Solidária, constando de melhoria das instalações físicas, aquisição de móveis, matériasprimas e material de divulgação; - participação da ART-ILHA em feiras do Setor na Argentina e no Brasil em São Paulo, Rio de Janeiro e Alagoas (Maceió e Arapiraca); - Assistência técnica, quanto aos aspectos de custos e formação de preços, inclusive com a realização de um curso pelo SEBRAE – AL. - Implantação de 01 Projeto de Agricultura Orgânica, financiado pela Visão Mundial, que vislumbrou na organização da comunidade o principal pré-requisito para o desenvolvimento da atividade produtiva. 4.1.3.4 Situação atual A Comunidade de Ilha do Ferro, hoje, é motivo de orgulho para os moradores do município de Pão-de-Açúcar, pois a ART-ILHA tornou-se o principal ícone do Município. Já foi motivo de diversas matérias veiculadas em jornais, revistas de circulação nacional, bem como em material de divulgação do Programa Comunidade Solidária, como experiência exitosa. Em função disso, constantemente recebe visitas de pessoas do próprio município, de outros Estados e do exterior. Algumas pessoas da sede do município chegam a falar: “Pão-de-Açúcar hoje é conhecida no Brasil e exterior graças à Ilha do Ferro “. 43 A Cooperativa ART-ILHA conta atualmente com 42 sócias, o que representa uma ampliação no seu quadro de sócias da ordem de 35.4%. Dispõe de 01 sede com salão de reuniões e produção, cantina, 02 banheiros, almoxarifado e de móveis e equipamentos básicos. Somente no final de 2001 é que adquiriu 01 telefone/fax, pois na Ilha do Ferro não existia nem telefonia celular rural. O que tem contribuído para uma melhor e mais ágil a comunicação com o mercado. A empresa está com a sua capacidade de produção, quase que esgotada. Produz no momento 209 peças/mês, principalmente sob encomenda, as quais são vendidas para Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Pernambuco, Fortaleza, Alagoas, Itália (Milão) e Estados Unidos (Nova York), tendo recebido a poucos dias uma proposta dos Estados Unidos referente a uma compra mensal no valor de 4.000 a 5.000 dólares. Existe a perspectiva de que outras sócias sejam recrutadas para que possam dar atendimento às encomendas. Além dos produtos de cama, mesa e banho, a Cooperativa introduziu um novo produto – cortes de tecidos bordados para confecção de vestuário feminino: vestidos, calças, ou saias, cuja procura vem aumentando progressivamente. A retirada referente à mão-de-obra é feita logo após a venda do produto e a Cooperativa está sempre em dia com a sua folha de pagamento da retirada, segundo as artesãs: “A Cooperativa é importante para nós, porque antigamente a gente vendia 01 pano por R$1,00 (se refere a um lençinho) e hoje com a Cooperativa somente a mão-de-obra de 01 pano custa R$ 12,00. Melhorou muito para nós”. Quanto ao Projeto de agricultura Orgânica, atualmente são 13ha, trabalhados da seguinte forma: No coletivo (semeadura e comercialização) e por 44 unidade familiar (tratos culturais e colheita). A comunidade entende que o Laboratório Organizacional foi o ponto de partida para a mudança qualitativa e comportamental dos agricultores. Segundo o Programa Comunidade Solidária, instituição parceira do projeto - “...além da recuperação e valorização do artesanato, percebe-se que as ações na Ilha do Ferro transformaram a relação dos moradores com o meio ambiente, desenvolveram a auto-estima da comunidade e construíram as bases para a auto-sustentabilidade econômica da população”. (Revista Artesanato e Geração de Renda – Comunidade Solidária, SEBRAE e SUDENE – Brasília, Ano 2000). E, ainda, o Conselho do Comunidade Solidária ” a geração de renda associada ao revigoramento das tradições populares brasileiras tem grande potencial para mobilizar a sociedade , o comércio, a indústria e a mídia para, em seus distintos “fazeres”, incorporarem o tema Brasil e colaborarem com essa proposta de valorização da expressão cultural para o desenvolvimento econômico e social do país”. (Ruth Cardoso – Presidente do Conselho do Comunidade Solidária). 3.2 A Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX (Uma experiência de sucesso) 3.2.1 Antecedentes A idéia do “Projeto de Revitalização da Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX” surgiu a partir de uma apresentação no “Programa Comunidade Solidária” sobre a Metodologia da Capacitação Massiva, realizada pelo PROGER (SEPRE/MPO), hoje Programa Nacional de Geração de Trabalho e Renda em Áreas de Pobreza – PRONAGER14, quando o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES conheceu as ações desenvolvidas pelo PRONAGER para a organização de comunidades, 14 Programa executado pelo governo brasileiro em Acordo de Cooperação Técnica com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação - FAO, em parceria com o IATTERMUND. 45 objetivando dotá-las de condições para a implantação de empresas associativas autogestionárias. Assim, o BNDES através da Coordenação da Área de Autogestão, iniciou as negociações com o PRONAGER com vistas à realização de 01 Laboratório Organizacional de Empresa – LOE na MULTI-TEX, evento de capacitação integrante da Metodologia da Capacitação Massiva dos Laboratórios Organizacionais, do IATTERMUND, em atendimento à demanda da Secretaria de Desenvolvimento Econômico – SDE da Prefeitura Municipal de São José dos Campos junto ao BNDES, quanto ao apoio creditício à Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX. A parceria então delineada, se adequava perfeitamente às preocupações do BNDES, que entendia ser necessária uma capacitação prévia em gestão empresarial associativa, em face da experiência profissional dos sócios da Cooperativa ser na área operacional, estabelecendo-se então as condições necessárias para a realização do referido Laboratório Organizacional, condição imprescindível à viabilização do financiamento pelo BNDES. Para realização do LOE, diversas instituições foram articuladas, resultando em um plano de ação e a efetivação de parcerias, tais como: - PRONAGER-Nacional: levantamento de informações sobre a empresa, possibilidades e limitações e realização do Estudo de Viabilidade Econômica e Financeira da Empresa, tendo como base a pesquisa de mercado, bem como disponibilização de 02 consultores, do IATTERMUND, assegurando o pagamento de honorários e diárias; - Governo do Estado de São Paulo, através da Módulo Estadual do PRONAGER -São Paulo, vinculado à Secretaria do Emprego e Relações do Trabalho – SERT: cessão de insumos básicos 46 (matérias-primas) e disponibilização de 01 técnico para integrar a equipe de consultores, com ônus para o próprio Estado; - BNDES: assegurar o financiamento do Projeto da MULTI-TEX, ao final da capacitação, mediante a realização do Laboratório Organizacional. - Prefeitura Municipal de São José dos Campos: apoio logístico para o desenvolvimento das atividades. Esperava-se que com o desenvolvimento do LOE, fossem alcançados os seguintes resultados: • Resgate da auto-estima dos trabalhadores; • aceleração no nível de consciência organizativa dos participantes, pressuposto para a qualidade das tomadas de decisões e gestão da empresa, durante o processo de capacitação; • capacitação em autogestão empresarial, abordando a organização dos processos de trabalho desde o planejamento estratégico, produção, comercialização, custos e formação de preços, dentre outros conteúdos; • máquinas e equipamentos testados e em fase de pré-operação; • reestruturação organizacional da Cooperativa (Análise e ajustes do Estatuto, Regimento interno, elaboração de organograma, tributação, definição de equipes de trabalho por setor, fluxos de matérias-primas e mercadorias, planos de trabalho e de retirada mensal); • planejamento das ações de monitoramento e acompanhamento à Cooperativa numa perspectiva de capacitação continuada. 47 3.2.2 A cooperativa dos trabalhadores MULTI- TEX (situação encontrada) A Cooperativa dos trabalhadores MULTI – TEX tem como atividade produtiva a prestação de serviços industriais (tinturaria industrial) ao setor têxtil. Foi criada, em Julho de 1996 com 32 sócios, mediante o apoio da Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária – ANTEAG. Eram trabalhadores desempregados em função da falência da empresa em que trabalhavam – PRÓCION – cuja atividade era prestação de serviços industriais também ao setor têxtil. Essas 32 pessoas, buscando solucionar as questões trabalhistas, articularam com os Sindicatos dos Trabalhadores da Indústria Têxtil e o dos Mestres e Contra-Mestres do Município de São José dos Campos, que encamparam a luta pela posse de equipamentos e cessão, através de comodato, de instalações físicas (01 galpão) como pagamento das dívidas trabalhistas. Assim, poderiam dispor de um quite industrial de uma das suas unidades operacionais que possibilitasse a geração de seus postos de trabalho. Paralisada até fevereiro de 1998, um ano e meio depois da sua constituição, principalmente por falta de capital de giro, e com os seus sócios em péssimas condições de vida, demandaram junto a Prefeitura Municipal de São José dos Campos – SP o acesso ao crédito através do BNDES, o qual exigiu, como condição para a aprovação e liberação dos recursos financeiros constante do seu Plano de Negócio, uma capacitação específica em Autogestão Empresarial a ser realizada pelo PRONAGER Nacional. Quanto ao perfil sócio-econômico dos trabalhadores, os dados coletados revelaram o seguinte: 48 Variáveis Valor absoluto Percentual Gênero: - Masculino 30 93.7 - Feminino 02 6.3 - Até 25 anos 03 9.4 - de 26 a 35 anos 10 31.3 - de 36 a 45 anos 11 34.4 - acima de 45 anos 08 25 - Casado 24 73.9 - Solteiro 5 16.1 - outros 3 10 3 8.6 Idade: Estado Civil: Escolaridade: - Sem escolaridade o - 1 Grau incompleto 26 82 - 1o Grau completo 1 4 - 2o Grau incompleto - - - 2o Grau completo 2 4.5 Quantidade de Filhos: - Não tem 5 17.4 - de 01 a 02 14 43.5 - 03 ou mais 13 39.1 Trabalho atual: - Tem15 10 30.5 - não tem 22 69.5 15 Esses sócios buscaram trabalho fora da Cooperativa, uma vez que a mesma não havia entrado em operação. 49 Renda Familiar: - Não tem 10 30.5 - até R$ 200,00 3 8.7 - de 1 4.3 18 56 R$ 201,00 a R$ 350,00 - > que R$ 351,00 Como pode ser visto, a faixa etária predominante situava-se acima de 36 anos, o equivalente a (59.5%), e destes 8 estão com mais de 45 anos. 22 estão desempregados, o correspondente a 69.5% e 10 sócios não dispõe de nenhuma renda familiar (30.5%) e o que torna a situação bastante precária. 30 tem até o 1o grau, o equivalente a 94.6%. Considerando a realidade brasileira no que se refere às exigências do mercado de trabalho, quanto ao perfil requerido ao trabalhador, sobretudo em tempos de globalização, os dados acima demonstram a fragilidade desses trabalhadores, frente a oferta de trabalho existente no Brasil. A determinação dos mesmos em juntar forças no sentido de criarem a sua própria empresa, é por demais importante, e com certeza poderá servir de efeito demonstração para outros trabalhadores brasileiros que se encontrem em situação similar. O contexto no qual foi criada a Cooperativa MULTI-TEX não possibilitou que houvesse uma discussão mais aprofundada sobre o que é uma Cooperativa e seu funcionamento, pois apenas 02 sócios diziam saber o que é uma Cooperativa e outros 02 o que é o seu Estatuto Social. Em autogestão ninguém ainda tinha ouvido falar. Tinha sido criada uma cooperativa nos moldes tradicionais, contrariando os princípios de uma empresa que se propõe a ser autogestionária. 50 Essa é a realidade do Cooperativismo brasileiro. Normalmente existe um pequeno número de associados que consideram-se “iluminados”, trazendo para si a responsabilidade pela gestão da empresa, fortalecendo uma estrutura de poder verticalizada, onde “uns mandam outros obedecem”, ou seja, uns pensam, outros executam. Inibindo a participação e impossibilitando o conhecimento do empreendimento enquanto sistema, e a apropriação da mesma pelo conjunto dos participantes, para que pudesse existir o sentimento de pertinência à empresa. Isso reflete o modelo de qualificação profissional até então implantado no país, que tinha na sua essência o adestramento de trabalhadores, dissociando o pensar do fazer, não atentando para a importância da construção da autonomia individual e coletiva. Assim, os seus sócios, pela experiência profissional, estavam preparados como operários e para atuarem na área operacional, mas não para a gestão da empresa associativa, respeitando os princípios da autogestão. 3.2.3 O desenvolvimento do laboratório organizacional de empresa – LOE Diante do contexto anteriormente mencionado, o LOE seria a oportunidade ímpar para a transformação do comportamento ideológico dos participantes, desde que respeitados os pré-requisitos16 à realização do Laboratório Organizacional, necessários ao desencadeamento da autogestão. Desde o início deixou-se claro que o papel dos consultores seria o de ”facilitador” desse processo e que a responsabilidade do sucesso ou não da Cooperativa MULTI-TEX seria exclusivamente do seu conjunto de associados. Pois, após o término do Laboratório Organizacional, a empresa deveria estar reestruturada e preparada, de acordo com as expectativas e capacidade de todos, quanto aos processos de gestão e operacional, para o 16 Ver sobre a Metodologia da Capacitação Massiva. 51 enfrentamento do mercado com competência e competitividade, e para garantir postos de trabalho para todos os seus sócios. Assim, de acordo com a Metodologia da Capacitação Massiva, todos os insumos indivisíveis foram colocados à disposição dos participantes, para vivenciarem uma experiência concreta de autogestão, administrando todos os meios de produção, repensando e construindo a empresa que todos queriam. Pois organização não se ensina, se constrói a partir de uma vivência concreta, enfrentando os conflitos inerentes ao processo, numa relação dialética entre sujeito e objeto fundamentada na prática-teoria-prática, possibilitando a construção e apropriação do conhecimento pelos participantes quanto à organização e funcionamento da empresa. Nesse sentido, as entregas teóricas foram realizadas sempre após a prática e em atendimento a uma necessidade gerada pelo objeto, ou seja a empresa, de acordo com a didática da capacitação utilizada no Laboratório Organizacional. Nesse sentido, o processo de capacitação constituiu-se num esforço conjunto – cooperados e consultores, na construção do novo modelo de gestão embasado na participação coletiva, onde as decisões foram tomadas a partir das discussões em grupo e aprovação em plenária. 3.2.4 - Resultados alcançados a) Ao final do LOE: - Capacitação em auto-gestão empresarial, ênfase nas áreas mencionadas, nos resultados a serem alcançados; - empresa reestruturada e com a capacidade de funcionamento. Somente na fase pré-operacional foram processados e vendidos 800 Kg de produto, estimando-se para o mês seguinte (março1998), a marca de 5 toneladas; 52 - implantados os controles financeiros básicos, os controles operacionais e ordens de produção; - realizada uma Assembléia Geral Extraordinária para aprovação dos ajustes no Estatuto Social da Empresa; - articulação com o mercado pela própria empresa, durante o desenvolvimento do Laboratório Organizacional; - auto-estima dos trabalhadores resgatada e determinação em lutar pelo fortalecimento da empresa e melhoria permanente dos seus processos operacionais e de gestão; - planejamento das ações de monitoramento e acompanhamento da empresa, durante os 09 meses seguintes, com avaliações e entregas teóricas específicas. Vale ressaltar que somente após 06 meses da realização do LOE, o BNDES liberou a 1a parcela do financiamento no valor de R$ 68.000,00. Durante esse período, os trabalhadores unidos decidiram investir na formação do capital de giro da empresa, a partir dos resultados financeiros oriundos das operações iniciadas no Laboratório Organizacional. Assim, no 1o mês subseqüente ao evento de capacitação, decidiram por uma retirada no valor de R$ 50,00. Isso demonstrou o espírito associativo, e o compromisso e a determinação em lutar pela empresa e por melhores condições de vida. E ao final deste período a MULTI-TEX já estava inserida no mercado. Foram tingidos nesse período 109 ton. de tecidos, com um faturamento bruto de R$ 138.313,00. E cada sócio já contava com uma retirada mensal no valor de R$ 250,00. 53 3.2.5 A cooperativa dos trabalhadores MULTI-TEX (situação atual) Decorridos 4 anos, a MULTI-TEX atualmente conta com 29 trabalhadores, sendo 26 sócios e 03 prestadores de serviços. Do Plano de Negócio, aprovado pelo BNDES, no valor de R$ 228.700,00 (março/1998), somente foram repassados à empresa, por decisão dos cooperados, o montante de R$ 93.000,00, em duas parcelas, a 1a no valor de R$ 68.000,00 e a 2a no valor de 25.000,00. A MULTI-TEX conta com um patrimônio imobilizado no valor de R$ 350.000,00. Já adquiriu com recursos próprios, 01 caminhão, 01 camioneta Fiorino, 02 máquinas “Calandras” e 01 Jet HT para o tingimento de poliéster e tecidos finos. A produção média mensal é de 70 toneladas, o equivalente a 87.5 da sua capacidade total de produção. O faturamento médio mensal é da ordem de R$ 95.000,00, e estão se preparando para adquirir a sua própria sede. A menor retirada mensal é no valor de R$ 450,00. No momento, pretendem diversificar a produção, passando também a tecer a malha que é tingida para os clientes, mesmo continuando como principal ramo de atividade econômica a tinturaria. Conscientes da importância da preservação e conservação do meio ambiente, considerando os poluentes que utilizam na produção, ampliaram o tanque receptor da água usada no processamento, para que a mesma receba o tratamento adequado. Para realização desse serviço a MULTI-TEX conta em seus quadros com 01 engenheiro químico contratado. 54 No que se refere à prevenção de acidentes, conta com uma Comissão (CIPA), em atendimento à exigência da própria legislação industrial e todos os trabalhadores executam suas atividades utilizando os instrumentos necessários à prevenção de acidentes. CONCLUSÃO Os resultados constatados ao final dos Laboratórios Organizacionais de Ilha do Ferro, e da Cooperativa dos Trabalhadores MULTITEX, e que estão sendo otimizados a cada dia, mostram que a organização fundamentada na autogestão é o principal “insumo” para o desenvolvimento econômico e social de qualquer grupo social e/ ou comunidade, desde que gestada de forma participativa e com base nos princípios da autogestão. Tendo como principais protagonistas e sujeitos da ação os participantes, compreendendo desde a concepção até a sua implementação. Quando a população participante é tratada como objeto da ação, tende a não identificar-se com a proposta, reduzindo sua sustentação política e aumentando o risco de que não sejam sustentáveis, contribuindo para a perpetuação do estigma de exclusão social. Assim, a Metodologia da Capacitação Massiva, de acordo com seus princípios e pressupostos metodológicos e suas características, integra na prática a economia local com a sociologia e a psicologia social formando 55 capacidades. básico Gera capacidade de auto-organização solidária, componente do capital social, considerado pelo Banco Mundial como elemento estratégico para o desenvolvimento - ponto de partida para o desenvolvimento e fortalecimento da coesão em nível local, que resultem em proveito da coletividade. Entendendo-se que capital social se forma na prática social cotidiana. Isso é o diferencial e explica o porquê das grandes disparidades entre países e regiões quanto ao desempenho institucional e quanto ao nível de desenvolvimento de suas forças produtivas. Como também o porquê de projetos sociais terem resultados positivos em determinadas comunidades e em outras não. Pois o maior investimento tem que ser feito no homem, para que tenha a capacidade de pensar, planejar (visão de futuro) e definir de forma autônoma, solidária e com responsabilidade social, o que e como fazer. Isso foi o que foi possibilitado aos moradores da Ilha do Ferro e aos trabalhadores da MULTITEX. Infelizmente, ainda não foi realizada uma pesquisa qualitativa com cada grupo social participante desses Laboratórios Organizacionais. Seu resultado certamente confirmariam a situação atual de cada uma das empresas aqui apresentadas e possibilitaria que outros aspectos que julgo importante fossem abordados, neste trabalho. Mesmo assim, espero ter dado uma contribuição ao debate sobre alternativas de enfrentamento do processo de exclusão social, bem como fomentar que outros pesquisadores possam também contribuir com relação ao tema e às experiências apresentadas. 56 ANEXOS 57 FOTOS da ILHA DO FERRO/Município de Pão-de-Açúcar-Alagoas Antes, durante e depois da realização do Laboratório Organizacional de Terreno 58 59 FOTOS DO LABORATÓRIO ORGANIZACIONAL DE EMPRESA Empresa dos Trabalhadores MULTI-TEX São José do Campos – São Paulo 60 BIBLIOGRAFIA ARAUJO, Sebastião Lopes. Considerações sobre o Método da Capacitação Massiva. Brasília: Dezembro/1999 Artesanato e Geração de Renda – Revista publicada pelo Comunidade Solidária – Brasília:2000. AUTOGESTÃO: Como sair da Crise – Publicação da ANTEAG – São Paulo 1998. BANDEIRA, Pedro S. Construção das Políticas de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, in Reflexões sobre Políticas de Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional. Publicação do Ministério da Integração Nacional – Brasília: Setembro/2000 61 CORREIA, Jacinta Castelo Branco. Comunicação e Capacitação –– Edições IATTERMUND. Brasília: 1995 Documento – Memória do Laboratório Organizacional de Terreno de Ilha do Ferro, Município de Pão-de-Açúcar – AL, 1998. Documento de Memória do Laboratório Organizacional de Empresa, realizado da Cooperativa dos Trabalhadores MULTI-TEX, SJCMAPOS/SP, 1998. Informe Técnico das ações desenvolvidas no Município de São José dos Campos/SP, 1998. LABRA, Ivan. Por uma Psicologia Social Científica. Edições IATTERMUND. Brasília: 1994 MAKARENKO, Anton. La Colectividad y la educación de la personalidad. Moscu: Editorial Progreso, 1977 MORAIS, Clodomir Santos de. Reencontrado Elo Perdido das Reformas Agrárias . Edições IATTERMUND. Brasília: 1997 MORAIS, Clodomir Santos de. Elementos sobre a Teoria da Organização. Edições IATTERMUND. Brasília: 1988 MORAIS, Clodomir Santos de. Plano do “Laboratório Experimental” ou Organizacional de Capacitação Massiva para Expansão do Emprego e Incremento da Renda Familiar. Avulso, 1970. ( IATTERMUND). NACIF, Vera. Considerações sobre o a Estratégia de Atuação do PRONAGER – Ênfase na etapa de conhecimento da realidade – Brasília: 2001. Relatório sobre as ações desenvolvidas no Município de Pão-de-Açúcar-AL, elaborado pelo equipe técnica do PRONAGER, Brasília: 1998 SECA – Capacitação e Geração de Renda, Programa Federal de Combate aos Efeitos da Seca – Publicação do Comunidade Solidária – Brasília: 2000, Artigo: Às margens do “Velho Chico” – a força do povo na construção de 62 seu futuro: Uma experiência de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável – Vera Nacif. SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS REGIONAIS. Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda em Áreas de Pobreza – PRONAGER – PROJETO UTF/BRA/040/BRA .Documento de Projeto. Brasília: 1998. SENA (Regional Bolivar Sucre). 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