A TRILHA DOS BANCÁRIOS Autor: Hugo Mello da Silveira DS Florianópolis SUMÁRIO Nos anos oitenta, os bancos brasileiros protagonizaram um processo de informatização acelerado. Essa mudança acarretou uma rápida transformação na atividade exercida pelos bancários, abrindo horizontes para novas especializações e reduzindo drasticamente o quadro de funcionários, mexeu profundamente com a vida dos trabalhadores, e obviamente seus sindicatos se posicionaram para fazer frente à nova realidade. A estratégia sindical adotada foi a da resistência às mudanças e do confronto, principalmente através da greve. Vinte anos depois, sabe-se que o novo modelo de banco veio para ficar e muitos bancários que não se prepararam para ele sofreram as conseqüências. É um caso real e recente, em que os auditores-fiscais e o Unafisco devem avaliar atentamente para promover uma correção de rumo na política sindical. INTRODUÇÃO As mudanças no mundo do trabalho se tornam cada vez mais velozes. No caso dos bancários, nos anos oitenta, verificou-se uma profunda modificação na instituição banco, com avanços excepcionais para os correntistas. Mas para os trabalhadores as mudanças não foram nada boas. A informática eliminou postos de trabalho e criou outros, em número muito menor, com o requisito de maior especialização. Demissões em massa, funções extintas e necessidade de conhecimento técnico para o exercício de novas funções atingiram em cheio os bancários. Nessa época, os seus sindicatos apresentaram uma postura muito combativa, resistindo cada avanço. Batalhas foram ganhas, mas, vinte anos depois, verificou-se que a guerra foi perdida. É claro que é mais fácil avaliar e criticar as situações depois que elas acontecem. Prever e acertar o que vai acontecer é mais difícil. Mas a experiência do passado é fundamental para melhorar a qualidade das previsões. Hoje, a RFB vive um processo de informatização que tem certas semelhanças com o que aconteceu com os bancos. À luz do acontecido com os bancários, é possível inferir que a política de atuação do Unafisco merece correções. A postura combativa e de freqüentes greves praticada pelo Unafisco não deu um resultado adequado no caso dos bancários, quando sofriam processo semelhante. A finalidade desse trabalho é avaliar a postura atual, já ultrapassada, e propor uma correção de rumo na política sindical, visando um alvo no longo prazo ao invés do imediatismo. DESENVOLVIMENTO Por mais que sejam lucrativos, os bancos brasileiros são submetidos a uma intensa competitividade. Nos anos oitenta, as novas tecnologias na área da informática fizeram com que os bancos alterassem rapidamente seus processos internos, sob pena de perder clientes. A quantidade de papel-moeda manuseada pelos bancos é pequena, quando comparada ao total de recursos envolvidos. Na prática, os bancos são grandes armazéns de informação, cujo papel é dizer quanto cada correntista tem e como movimentou. Daí a explicação, o porque da tecnologia da informação avançar tão rapidamente dentro dos processos internos dos bancos, tendo em vista a necessidade de competir. Antes dos anos oitenta, uma das principais qualidades de um funcionário de um banco era uma boa datilografia, e muitos candidatos eram reprovados na seleção por falta dela. Ser ágil para abrir uma conta corrente ou enviar um memorando era fundamental. Havia ainda uma grande necessidade caixas. Somente pessoas podiam contar o dinheiro, e fazer a autenticação em pagamentos e recebimentos. Hoje é engraçado lembrar que havia perícias para revelar se uma determinada autenticação era verdadeira. Houve uma grande mudança no perfil dos trabalhadores. Os postos de caixa se reduziram, abriram-se novas vagas para especialistas em tecnologia da informação e os gerentes assumiram funções de vendedores de produtos e serviços, como aplicações, seguros, empréstimos, etc. E por que a nova realidade veio para ficar? Simplesmente porque a sociedade aderiu, gostou e prestigiou as mudanças. Sacar dinheiro sem longas filas, usar o banco em qualquer horário através da internet, evitar idas ao banco em face do trânsito em cidades grandes, a redução do uso de papel-moeda e de cheques, a facilidade de uso do cartão de débito e de crédito, facilidade na contratação de empréstimos, esses são exemplos que outrora não passavam de sonho de consumo dos correntistas. Infelizmente, os sindicatos da época, ao invés de conscientizar os bancários das mudanças que se avizinhavam, optaram pela tática eleitoreira de oferecer ganhos salariais através do confronto e da greve. Fazer greve é mais confortável do que fazer cursos e aprender novas funções, além de produzir resultados imediatos. Optaram por discursar que os bancos eram lucrativos, e deviam repartir melhor os lucros com os trabalhadores. Não reconheceram que a competitividade exigia novos processos, treinamentos, e que os trabalhadores necessitavam um novo posicionamento. O resultado no longo prazo foi dramático. No início as greves eram por melhores salários. Depois, as greves eram pela estabilidade, contra as demissões. Por fim, as greves se acabaram. Houve uma redução drástica nos postos de trabalho, a segurança e a limpeza foram terceirizadas e o perfil do bancário mudou completamente. Boa parte deles ganha um salário baixo, e um número pequeno de funcionários altamente qualificados ganha bem. Aconteceu isso porque os patrões eram perversos, e queriam aumentar o lucro? Aumentar o lucro todo o mundo quer, mas aconteceu porque a sociedade aderiu ao novo modelo de banco. A TRILHA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL A semelhança com os fatos passados é que a RFB tem a mesmíssima matéria prima dos bancos, ou seja, a informação. E a diferença é que a RFB não está sujeita à competição. Talvez essa seja uma das razões porque a informática na RFB avança de modo mais atrasado, quando comparado aos bancos. A necessidade de mudança legislativa certamente também contribui para esse atraso. Mas, mesmo demorando vinte anos a mais, a revolução tecnológica na RFB veio para ficar. Começou pela disponibilização de toda a legislação e jurisprudência em meio digital. Na área aduaneira, o SISCOMEX, a seleção parametrizada e o credenciamento de contribuintes com cruzamento de dados do imposto de renda foram fundamentais para suportar o volume do comércio exterior do Brasil de hoje. Na área dos tributos internos, o início se deu com as declarações em meio digital. A seleção de contribuintes com o auxílio de datawarehouse e a auditoria contábil digital trouxeram grandes avanços. Mas isso é apenas a ponta do iceberg, o melhor ainda está por vir. O atendimento ao contribuinte, que demanda grande quantidade de mãode-obra, está sendo paulatinamente substituído por serviços disponibilizados na internet, com a certificação digital e procuração eletrônica. A introdução do e-processo é iminente. A escrituração digital (SPED), a nota fiscal eletrônica e outros avanços já são uma realidade. E o que ainda pode mudar? A imaginação é o limite. O processo de fiscalização, hoje artesanal, podendo levar vários meses, poderá ser substituído por processos em lote. As intimações e o auto de infração poderão ser cientificados ao contribuinte por correio eletrônico, com certificação digital. Os dados de terceiros, como fornecedores e bancos, poderão ser acessados de modo imediato e sem sair do escritório. As retenções de tributos poderão se dar de forma automática. A nota fiscal eletrônica poderá ser liberada como válida pelo sistema somente com a efetivação da retenção dos tributos, confirmada pelo banco. O bloqueio imediato de bens e da conta corrente, que já é uma realidade no Poder Judiciário, poderá ser introduzido na RFB mediante alteração constitucional, ou de forma precária mediante alteração legislativa. O escritório em casa (home office) já é uma realidade, com o acesso aos sistemas pela web. A partir do ano 2000 houve uma formidável redução no custo do armazenamento digital de informações. O investimento em equipamentos é irrisório quando comparado com vinte anos atrás. O último laço que prendia a RFB ao passado se arrebentou. Queira ou não os governos, queira ou não os auditores-fiscais, é inexorável a implementação da nova realidade, porque a sociedade quer, da mesma maneira que aconteceu com a automatização dos bancos. Hoje, é possível dotar a RFB de armas poderosas que podem fazer um bombardeio cirúrgico em cima da sonegação e dos crimes tributários. Grande será a mudança no perfil profissional do auditor-fiscal, que outrora datilografava o auto de infração, agora terá que ser um especialista em auditoria contábil, direito tributário, processo administrativo fiscal, um profundo conhecedor da legislação e, agregando-se a tudo isso, será um especialista em sistemas de informação e banco de dados. Os auditores-fiscais não podem continuar sendo meros coadjuvantes nos sistemas de informação da RFB. Poucos têm conhecimento de segurança da informação no uso de suas estações de trabalho. Funcionários não estáveis têm senha de administrador dos computadores, podendo acessar todas as informações gravadas. Os programas de segurança instalados nas estações de trabalho são insuficientes, e sequer se cogita a instalação de um firewall. Nas vezes em que os dados da RFB foram roubados, e vendidos na famosa rua Santa Ifigênia, em São Paulo, as investigações apontaram para atos de funcionários não estáveis. O Catálogo de Sistemas e Perfis deveria ser um Catálogo de Sistemas, pois todos os auditores-fiscais deveriam ter senha irrestrita para o modo consulta. Mas a política sindical tem que mudar. Há dois anos atrás, todos assistiram o Unafisco, através de seus boletins, criticar veementemente a certificação digital. Argumentavam que os auditores-fiscais poderiam ter seus dados roubados por terceiros. Mas, passados dois anos, ninguém teve dados roubados, prova cabal de que o Unafisco estava errado. Pelo contrário, o Unafisco deveria ter se antecipado à Administração, e exigido a certificação digital, que aumenta a segurança dos sistemas e permite as intimações por correio eletrônico. Ao invés de centrar o alvo na remuneração e em trabalhos de curto prazo, como as greves quase que anuais, o Unafisco deve reivindicar para os auditores-fiscais os postos-chave da organização, que é o controle e manuseio da informação, e incentivar o preparo técnico para essas funções, exigindo da Administração os treinamentos necessários. A remuneração justa e duradoura virá no longo prazo, como conseqüência. A autoridade do auditor-fiscal não é decorrente da Constituição ou do Código Tributário. Ambos podem ser mudados a qualquer tempo. A única coisa que pode sustentar a autoridade no longo prazo é a competência técnica e a eficiência do trabalho fiscal. Como exemplo, vê-se o Poder Judiciário com sua imagem comprometida perante a sociedade, pela longa demora na prestação jurisdicional. Ao incitar as greves, o Unafisco se vê obrigado a fazer discursos que tratam a situação do auditor-fiscal como precária, o que prejudica a auto-estima. Como conseqüência, a motivação é prejudicada, o que dificulta a conscientização, realização de treinamentos e a aceitação de funções mais importantes. Em resumo, se os auditores-fiscais pretendem ser a tropa de elite do Poder Executivo, devem se preparar tecnicamente para isso, e o Unafisco tem um importante papel na motivação e no diálogo com a Administração para a promoção dos treinamentos necessários. O tempo é o senhor da razão, e vinte anos depois ficou confirmado que o exemplo dos sindicatos dos bancários e suas greves não foi um bom exemplo. CONCLUSÃO Na questão da política sindical, o Unafisco deverá promover a conscientização dos auditores-fiscais sobre mudanças procedimentais que são iminentes, a necessidade de treinamento e readequação do perfil profissional. O futuro já chegou, e quem não estiver preparado vai ficar fora do processo. A redução do quadro funcional é inevitável. O Unafisco deve sair da trilha dos bancários, e utilizar menos o confronto e as greves, para reivindicar que as funções mais importantes estejam nas mãos dos auditores-fiscais, e esses estejam aptos tecnicamente para assumilas, incentivando os treinamentos.