Artigo original Caracterização dos usuários com esquizofrenia e outros transtornos psicóticos dos Centros de Atenção Psicossocial Characterization of the users with schizophrenia in Psychosocial Care Centers Mônica Silva Silveira1, Marlizete Maldonado Vargas2, Francisco Prado Reis3, Patricia da Silva4 Resumo A rede de Saúde Mental de base comunitária no Brasil ampliou a oferta de serviços substitutivos para a população com doença mental grave. O objetivo deste estudo foi caracterizar o perfil do usuário com transtornos psicóticos nos Centros de Atenção Psicossocial do Estado de Sergipe (CAPS-SE). Foi conduzido um estudo descritivo, com análise quantitativa dos dados sociodemográficos e número de internação. Foram estudados 1.444 prontuários com diagnóstico de transtorno psicótico e encontraram-se 75,3% deles com diagnóstico de esquizofrenia e 24,7% com outros transtornos psicóticos. Os usuários com menos de 24 anos representavam 33% dos usuários, enquanto 54% estavam igualmente distribuídos nas faixas etárias de 25-35 e 35-46 anos. Dos sujeitos com diagnóstico de esquizofrenia, 79,9% eram do gênero masculino e 68%, feminino, mostrando relação significativa entre gênero e diagnóstico. A maioria absoluta dos sujeitos não tem profissão. Quanto ao número de internações, a diferença entre sujeitos diagnosticados como esquizofrênicos para os portadores de outros diagnósticos aponta predominância significativa do primeiro grupo na faixa com mais de seis internações. Concluise que entre os usuários dos CAPS é predominante o gênero masculino, com comprometimento importante também na dimensão profissional. Palavras-chave: Esquizofrenia, transtorno psicótico, hospitalização, CAPS Abstract Community based network of Mental Health in Brazil increased the supply of substitute services for the population with grave mental disorders. The objective of this study was to characterize the profile of the user with psychotic disorders in Psychosocial Care Centers (PCC) in the state of Sergipe, Brazil. A descriptive study was carried out by means of a quantitative analysis of the sociodemographic and number of committal data. In this study, 1,444 patients’ records with psychotic disorder diagnosis were analysed. It was revealed that 75.3% were diagnosed with schizophrenia and whereas 24.7% with other psychotic disorders. Users with less than 24 years represented 33% of the subjects, while 54% were equally distributed in the age groups 25-35 and 35-46 years. It was shown that among the users diagnosed with schizophrenia, 79.9% belonged to the male gender and 68.7% to the feminine gender. The absolute majority of the subjects have no occupation. Concerning the number of hospitalizations, the difference between subjects diagnosed with schizophrenia for patients with other diagnoses indicates significant predominance more than first group in the range of six admissions. It was concluded that among the users of the PPC with schizophrenia the male gender is prevalent, which also signals impairment towards the professional dimension. Keywords: Schizophrenia, psychotic disorder, hospitalization, PCC 1 2 3 4 Professora de Psicologia; Psicóloga da Secretaria de Saúde do Município de Nossa Senhora do Socorro (SE). Psicóloga do Serviço Social do Transporte/ Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SEST/SENAT) de Aracaju (SE); Mestre em Saúde e Ambiente pela Universidade Tiradentes (UNIT). End.: Rua Dom Pedro I, 118 – Conjunto Sesc Centenário – Ponto Novo – Aracaju (SE) – CEP: 49097-200 – E-mail: [email protected], [email protected] Professora do Curso de Psicologia e Mestrado em Saúde e Ambiente da Universidade Tiradentes. Psicóloga; Doutora em Psicologia Professor titular; coordenador do Curso de Medicina e membro permanente do Curso Mestrado em Saúde e Ambiente da Universidade Tiradentes Mestre em Psicologia Social (UFPB); Doutoranda em Psicologia Social (UFBA). Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (1): 27-32 27 Mônica Silva Silveira, Marlizete Maldonado Vargas, Francisco Prado Reis, Patricia da Silva Introdução Os transtornos mentais causam considerável impacto na vida de uma pessoa em termos de morbidade, prejuízos funcionais e baixa qualidade de vida. A Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio do estudo Global Burden of Disease realizado em 54 países na década de 1990, estimou o impacto das 130 condições médicas mais prevalentes no mundo em termos de morbidade e mortalidade. Os resultados concluíram que 30,8% dos afastamentos do trabalho por motivo de doenças são decorrentes de transtornos mentais (OMS, 2001). A esquizofrenia, considerada uma das mais graves doenças psiquiátricas, afeta desfavoravelmente a vida dos pacientes em vários domínios (Salokangas et al., 2001). Sua incidência universal varia, mas, em geral, afeta entre 0,5 e 1,5% da população adulta. A incidência é comparável em todas as sociedades, estando na faixa de 0,5 a 5% em cada 10.000 pessoas por ano (Abreu & Gil, 2003). Estudos têm apontado que seus efeitos podem variar de acordo com o sexo, mostrando maior comprometimento nos homens quando comparados às mulheres (Cardoso, 2005; Thomas et al., 2010). A incidência e a prevalência de esquizofrenia mostram variação proeminente entre determinadas regiões. Os homens são mais suscetíveis de desenvolver a esquizofrenia do que as mulheres. O status de migrante, comunidade rural ou urbana, de nascimento ou residência e avançada idade paterna, infecção pré-natal e nutrição estão associados aos fatores de risco acrescidos no desenvolvimento da esquizofrenia (Mcgrath & Susser, 2009). O diagnóstico dos transtornos mentais pode se fundamentar em diversas teorias, algumas enfocam os mecanismos psicológicos, ambientais ou biológicos. Os parâmetros de classificação nosológica usualmente utilizados são a Classificação Internacional de Doenças CID-10, elaborada pela OMS (1993), e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais (DSM-IV, 2002). Segundo o DSM-IV (2002), a esquizofrenia é uma perturbação com duração mínima de 6 meses e inclui no mínimo 1 mês de sintomas da fase ativa, ou seja, 2 ou mais dos seguintes: delírio, alucinação, discurso desorganizado, comportamento amplamente desorganizado ou catatônico, sintomas negativos. Segundo o CID-10 (1993), os transtornos psicóticos se agrupam entre esquizofrenia (F20), transtornos esquizotípicos (F21), transtornos delirantes persistentes (F22), transtornos psicóticos agudos e transitórios (F23), transtornos delirantes induzidos (F24), transtornos esquizoafetivos (F25) e outros transtornos psicóticos não orgânicos (F28) e psicose não orgânica não especificada (F29). Os subtipos da esquizofrenia são definidos pela sintomatologia mais frequente no momento 28 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (1): 27-32 da avaliação e são classificados em: paranoide (F20.0), hebefrênica (F20.1), catatônica (F20.2), indiferenciada ou residual (F20.3) e simples (F20.6). Em levantamento realizado por Medeiros (2005) em todos os municípios da Paraíba atendidos no Programa de Saúde Mental em 2004, o diagnóstico prevalente encontrado foi do grupo F20-F29, com 24,4% de casos, transtornos episódicos e paroxísticos com 22%; em terceiro lugar, ficou o grupo F40F49, que engloba os transtornos neuróticos relacionados ao estresse e, por último, transtornos somatoformes, com 19,4% casos. A amostra não apresenta diferença com relação ao sexo, mais na faixa etária existe a predominância de 20 a 39 anos. Há consenso, segundo Silva (2006), em se atribuir a desorganização da personalidade verificada na esquizofrenia à interação de variáveis culturais, psicológicas e biológicas, entre as quais se destacam as de natureza genética. Estudos com famílias, gêmeos e adotados têm indicado a existência de um componente genético para esquizofrenia. Foi estimado que o componente genético representaria cerca de 70 a 80% da suscetibilidade total para desenvolver a doença. Por ser um transtorno psicótico prevalente e muito complexo, a esquizofrenia é, muito provavelmente, um transtorno etiologicamente heterogêneo, isto é, devem existir, por exemplo, casos de esquizofrenia da forma genética e da forma ambiental (Vallada-Filho & Samaia, 2002). Os principais fatores de risco dos transtornos mentais graves são: a história familiar (1º grau) de psicose; personalidade vulnerável (esquizotípica e esquizoide); funcionamento pré-morbido alterado; antecedentes de traumatismo craniano (TC) e quoeficiente de inteligência baixo (QI) (Edwards & Mc Gorry, 2002). O relatório da OMS, que prevê para 2020 um aumento de 3% em relação a 2000 nos transtornos mentais e comportamentais que causam incapacidade grave nos portadores, aponta, como fatores de predisposição, a pobreza, o gênero, a idade, os conflitos e catástrofes, as graves doenças físicas e o ambiente familiar e social. Os transtornos mentais já representam quatro das dez principais causas de incapacitação em todo o mundo e esse crescente ônus vem a representar um custo enorme em termos de sofrimento humano, incapacidade e prejuízos econômicos (OMS, 2001). No ano de 1989 foi dada entrada no Congresso Nacional o projeto lei n.º 10.216/2001 do Deputado Paulo Delgado, que propôs a regulamentação dos direitos da pessoa com transtornos mentais e a extinção progressiva dos manicômios no país (Brasil, 2005). Somente no ano de 2001, após tramitação no Congresso Nacional, é que a promulgação da referida lei foi redirecionada à assistência em Saúde Mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em serviços de base comunitária. Caracterização dos usuários com esquizofrenia e outros transtornos psicóticos dos Centros de Atenção Psicossocial Desde então, foram criados, para os portadores de sofrimento psíquico, os Núcleos de Apoio Psicossociais (NAPS), que, após alguns anos, ampliaram as atividades oferecidas, passando a se denominar Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Hospitais-dia (Brasil, 2004). Os CAPS são distribuídos de acordo com características discriminadas no atendimento a pacientes com transtornos graves e persistentes. Têm-se três modalidades de serviços estabelecidos: CAPS I – Serviço de Atenção Psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios com população entre 20.00 e 70.000 habitantes; CAPS II – Serviço de Atenção Psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios com população entre 70.000 e 200.00 habitantes; CAPS III – Serviço de Atenção Psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios com população acima de 200.000 habitantes. Também é disponibilizado os CAPSi, para o atendimento de crianças e adolescentes, e o CAPS/AD, que é o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Outras Drogas (Brasil, 2005). A função desse serviço é prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando, assim, internação em hospitais psiquiátricos e promovendo a inserção social das pessoas com transtorno mental de forma gradual e planejada (Brasil, 2009). No Estado de Sergipe, após implantação dos CAPS, foi criado dispositivo para regular o controle à internação, por meio dos quais se destaca a obrigatoriedade do usuário, antes da admissão em clínicas psiquiátricas conveniadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ser consultado pela urgência psiquiátrica, à qual caberá deixá-lo por um período determinado para observação e estabilidade do quadro de crise ou transferi-lo para as clínicas psiquiátricas. Há dois CAPS 24 horas na capital do Estado que atendem usuários em crise, evitando assim a internação em hospitais (Brasil, 2007). Este artigo teve o objetivo de descrever e analisar o perfil psicossocial dos usuários com o diagnóstico psiquiátrico de transtorno mental grave da esquizofrenia dos CAPS do Estado de Sergipe. transtorno psicótico F20-F29 (CID-10) em um total de 1.814. Foram considerados para o estudo 1.444 prontuários, segundo os seguintes critérios de inclusão: ter todos os dados solicitados pelo formulário de entrevista inicial a fim de se obterem todas as informações necessárias; frequência regular nos CAPS do Estado de Sergipe, ou seja, que estivessem comparecendo regularmente para o tratamento sem apresentar faltas durante os meses de novembro e dezembro de 2008, que antecederam o período de coleta de dados no mês de janeiro de 2009. Critérios de exclusão: formulário do primeiro atendimento incompleto ou usuário com mais de dois meses ausente do serviço. Método Trata-se de um estudo documental, transversal e descritivo, tendo como objeto o diagnóstico e as identificações dos usuários dos Serviços de Referência em Saúde Mental (CAPS) do Estado de Sergipe. Considerações éticas A pesquisa foi submetida à aprovação pela Coordenação de Saúde Mental do Estado de Sergipe e Coordenadores dos CAPS, ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Tiradentes (UNIT) com aprovação (parecer n.o 081108), de acordo com os Requisitos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares, de modo a utilizar os materiais e dados coletados com a garantia de total privacidade da identidade dos casos levantados nos prontuários. Sujeitos Foram examinados nesta pesquisa todos os prontuários de usuários dos CAPS de Sergipe com diagnóstico psiquiátrico de Locais Todos os CAPS do Estado de Sergipe – dos CAPS I (20.00 e 70.000 habitantes), II (70.000 e 200.00 habitantes) e III (acima de 200.000 habitantes), inaugurados entre os anos de 1999 e 2007 estão distribuídos em 19 municípios: Aquidabã, Aracaju, Barra dos Coqueiros, Canindé do São Francisco, Estância, Itabaiana, Itabaianinha, Itaporanga, Japoatã, Lagarto, Maruim, Nossa Senhora da Glória, Nossa Senhora do Socorro, Poço Verde, Propriá, São Cristóvão, Salgado, Simão Dias, Tobias Barreto. Procedimentos A coleta de dados foi realizada por meio do formulário padronizado pelos Serviços de Saúde Mental, o qual é preenchido no decorrer dos primeiros atendimentos, constando os dados sociodemográficos (gênero, idade, escolaridade, profissão, estado civil, renda pessoal, coabitação, data de admissão no serviço e número de internação e tipo de transtorno psicótico F20-F29 segundo CID-10). Para análise dos dados, os dados sistematizados alimentaram um banco construído através do software Statistical Package of Social Science (SPSS) 16.0, que serviu de base para a geração de tabelas com testes da estatística descritiva, como distribuição de frequências absolutas e relativas, percentual simples e análises bivariadas e teste qui-quadrado de Pearson ao nível de significância estatística < 0,05%. Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (1): 27-32 29 Mônica Silva Silveira, Marlizete Maldonado Vargas, Francisco Prado Reis, Patricia da Silva Resultados O número total de usuários com diagnóstico de transtorno psicótico nos CAPS de Sergipe foi de 1.444, sendo 1.088 (75,3) com esquizofrenia e 356 (24,7) com outros tipos de transtornos psicóticos (Tabela 1). Ao relacionar a idade com o tipo de transtorno, observouse que, entre os usuários de 17 e 24 anos, 11,6% tinham o diagnóstico de esquizofrenia. De 25 e 35 anos, 34,2% eram esquizofrênicos e na faixa etária de 36 a 46 anos, o percentual foi de 28,6%. Dos usuários com mais de 46 anos, 25,6% tinham diagnóstico esquizofrenia. Entretanto esses dados não demonstram nível de significância estatística (Tabela 2). Segundo os resultados da Tabela 3, ao analisar a frequência relativa da esquizofrenia de acordo com o gênero dos usuários, 79,9% dos usuários do gênero masculino e 68,7% do gênero feminino foram diagnosticados como esquizofrênicos, sendo que a prevalência no grupo masculino foi fortemente significativa. Ao cruzar os dados do tipo de diagnóstico de transtorno psicótico com o exercício de uma profissão (Tabela 4), Tabela 1 - Distribuição dos usuários com diagnóstico de transtornos psicóticos nos Centros de Atenção Psicossocial do Estado de Sergipe, 2008 Diagnóstico Esquizofrenia* Outros Transtornos** Total n 1088 356 1444 % 75,3 24,7 100 * Esquizofrenia (F20) ** Outros Transtornos: Esquizotípico (F21), Transtornos psicóticos agudos e transitórios (F-23), Psicose não-orgânica não especificada (F-29) observou-se que, dos usuários com esquizofrenia, 75,4% não tinham profissão; 16,7% tinham profissão e 7,8% não constava nenhum tipo de profissão no prontuário. Já os usuários com outros transtornos psicóticos, 75,8% não tinham profissão; 17,1% possuem profissão e 7% não consta nenhum tipo de profissão no prontuário. Ao relacionar o diagnóstico de transtornos psicóticos com o número de internações, os resultados mostram que a maioria dos usuários com diagnóstico de esquizofrenia já estiveram internados, havendo um discreto predomínio de três a cinco internações. O teste do qui-quadrado de Pearson aponta a significância estatística desses resultados (Tabela 5). Discussão Constata-se a predominância do diagnóstico de esquizofrenia entre os usuários dos CAPS sergipanos. Não se encontraram estudos semelhantes, mas pode-se apontar o de Medeiros (2005), que fez um levantamento nos serviços de Saúde Mental no Estado da Paraíba e encontrou a prevalência nos diagnósticos do grupo das esquizofrenias e psicoses (24,45%). Também, Coutinho et al. (2002), em pesquisa realizada com 3.223 pacientes internados em 20 hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro, encontraram a esquizofrenia como diagnóstico mais frequente (42,1%). Em relação à faixa etária, a de 20 a 39 anos, foi predominante no levantamento de Medeiros (2005) e uma faixa etária bem mais ampla no estudo de Rabelo et al. (2005): de 22 a 50 anos. Tabela 2 - Distribuição dos usuários com diagnóstico de transtornos psicóticos por faixa etária nos Centros de Atenção Psicossocial do Estado de Sergipe, 2008 Faixa etária <24 25-35 36-46 >46 Esquizofrenia* n 338 286 299 165 % 11,6 34,2 28,6 25,6 Outros transtornos psicóticos** n % 138 14,9 104 32,6 94 29,5 20 23,3 Total n 476 242 393 185 % 33,0 27,0 27,2 12,8 χ² = 6,412 (b); qui-quadrado de Pearson (p=0,347) * Esquizofrenia (F20) ** Outros Transtornos: esquizotípico (F21), Transtornos psicóticos agudos e transitórios (F-23), Psicose não-orgânica não especificada (F-29) Tabela 3 - Distribuição dos usuários com diagnóstico de transtornos psicóticos por sexo nos Centros de Atenção Psicossocial do Estado de Sergipe, 2008 Sexo Masculino Feminino Total Esquizofrenia* n % 686 79,9 402 68,7 1088 75,3 Outros transtornos psicóticos** n % 173 20,1 183 31,3 356 24,7 Total n 859 585 1444 χ² = 23,259(b); p < 0,000 * Esquizofrenia (F20) ** Outros Transtornos: Esquizotípico (F21), Transtornos psicóticos agudos e transitórios (F-23), Psicose não-orgânica não especificada (F-29) 30 Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (1): 27-32 % 100 100 100 Caracterização dos usuários com esquizofrenia e outros transtornos psicóticos dos Centros de Atenção Psicossocial Tabela 4 - Distribuição dos usuários com diagnóstico de transtornos psicóticos por profissão nos Centros de Atenção Psicossocial do Estado de Sergipe, 2008 Diagnóstico Esquizofrenia* Outros Transtornos** Total Sem profissão n % 820 75,4 Com profissão n % 182 16,7 Sem informação n % 85 7,8 n 1087 Total % 100 270 75,8 61 17,1 25 7 356 100 1090 75,5 2443 16,8 110 7,6 1444 100 χ² = 6,412(a); p = 0,88 * Esquizofrenia (F20) ** Outros Transtornos: Esquizotípico (F21), Transtornos psicóticos agudos e transitórios (F-23), Psicose não-orgânica não especificada (F-29) Tabela 5 - Distribuição dos usuários com diagnóstico de transtornos psicóticos por número de internações nos Centros de Atenção Psicossocial do Estado de Sergipe, 2008 Número de internações Nenhuma 1a2 3a5 Mais de 6 Esquizofrenia* n 338 286 299 165 % 31,1 26,3 27,5 15,2 Outros transtornos Psicóticos** n % 138 38,8 104 29,2 94 26,4 20 5,6 Total n 476 242 393 185 % 33,0 27,0 27,2 12,8 χ² = 24,871(a); p<0,0001 * Esquizofrenia (F20) ** Outros Transtornos: Esquizotípico (F21), Transtornos psicóticos agudos e transitórios (F-23), Psicose não-orgânica não especificada (F-29) Em relação ao gênero dos usuários de serviços psiquiátricos ambulatoriais ou de internação, em todos os estudos levantados encontrou-se que a predominância é masculina (Coutinho et al., 2002; Medeiros, 2005; Rabelo et al., 2005), sendo que, em alguns estudos, como o de Miranda et al. (2008), a diferença relacionada ao gênero é altamente significativa. O gênero é um importante fator preditivo no curso e evolução da esquizofrenia. O autor apontou que as mulheres têm um prognóstico melhor que os homens em relação ao número de reinternações psiquiátricas. Os homens apresentam também frequência maior de transtornos da personalidade pré-mórbida, maior probabilidade de permanecerem solteiros e idade de início da doença mais precoce (Chaves, 2000). Estudos consideram que o estrógeno desempenhe papel de proteção das mulheres para esquizofrenia, fazendo com que as mesmas tenham idade de início mais tardia e requeiram doses menores de neurolépticos. Também, os sintomas positivos (alucinações, delírios e perturbações do pensamento) e sintomas negativos (pobreza na fala e pensamento) ocorrem de formas menos grave que nos homens. Episódios psicóticos agudos ocorrem em períodos do ciclo com baixos níveis de estradiol (Usall, 2003; Huber et al., 2001). Os transtornos mentais já representam, há décadas, quatro das dez principais causas de incapacitação em todo o mundo e esse crescente ônus vem a representar um custo enorme em termos de sofrimento humano, incapacidade e prejuízos econômicos (OMS, 2001). Observa-se que ainda é muito alto o número de internações dos usuários dos CAPS diagnosticados como portadores de es- quizofrenia. Silva et al. (1999), no estudo sobre perfil demográfico e socioeconômico de internos em hospitais psiquiátricos, afirmaram que a evolução da doença e das internações comprometem definitivamente a situação econômica desses pacientes. No período entre a primeira internação psiquiátrica e aquela por ocasião do censo, observou-se redução de 50% do número sujeitos com alguma ocupação provedora de renda. Segundo Rabelo et al. (2005), há altos percentuais de portadores de doenças psiquiátricas que não possuem documentos de identificação civil, aliados aos diversos indicadores de risco ou exclusão social encontrados na população de seus estudos. A previsão da OMS de aumento de 3% nos transtornos mentais e comportamentais que causam incapacidade grave nos portadores para 2020 está ancorada em fatores de predisposição que compreendem a precariedade econômica, a pobreza, o sexo, a idade, os conflitos e catástrofes, graves doenças físicas e o ambiente familiar e social das populações (OMS, 2001). Observa-se que, no Brasil, a reestruturação da oferta de serviços de saúde mental decorrente da reforma psiquiátrica vem oportunizando a substituição na oferta de clínicas psiquiátricas por serviços extra-hospitalares. Nesse caso, o CAPS tem sido referência de base para a população com transtorno mental grave, reduzindo o número de leitos hospitalares e o número de internações (Brasil, 2009). Ainda é necessário se atentar para a necessidade de redimensionamento das atividades de planejamento na oferta de serviços que direcione propostas terapêuticas compatíveis com as comorbidades dessa população. Cad. Saúde Colet., 2011, Rio de Janeiro, 19 (1): 27-32 31 Mônica Silva Silveira, Marlizete Maldonado Vargas, Francisco Prado Reis, Patricia da Silva Conclusão O perfil psicossocial dos usuários dos CAPS do Estado de Sergipe apresentou características sociodemográficas que corroboram outros estudos científicos, como o acometimento da doença nos primeiros anos da vida adulta e o comprometimento na preparação e no acesso ao mercado de trabalho. Observouse que o diagnóstico da esquizofrenia foi prevalente em todos os CAPS investigados; que os usuários são, na sua maioria, do gênero masculino, fato corroborado pela literatura. Quando se relacionaram os transtornos psicóticos com o número de internações, os resultados mostraram que, de um modo geral, houve um número maior de internações em virtude de outros transtornos psicóticos do que por esquizofrenia. Entretanto, na faixa de mais de seis internações, os usuários com diagnóstico de esquizofrenia tiveram ocorrência bem mais elevada que os portadores de outros transtornos. A doença afeta o indivíduo na sua fase mais produtiva, sendo que vários aspectos da sua vida são atingidos, provocando o comprometimento do funcionamento social e ocupacional dos portadores e, consequentemente, de seu ambiente familiar que, por sua vez, pode representar um maior risco de comorbidades. A articulação entre as instâncias do SUS e o processo de gestão das políticas Nacional e Estadual com o Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar-Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), prioridade nas políticas de desinstitucionalização, muitas vezes não são acompanhadas de uma atenção integral ao usuário de Saúde Mental. Os usuários desse sistema devem ser atendidos nas suas necessidades de reintegração social, partindo da reconstrução de vínculos, por meio dos quais se observa uma grande dependência dos pontos de vista pessoal e social, principalmente dos homens que são acometidos precocemente com transtornos psicóticos. Referências Abreu, P.; Gil, A. Esquizofrenia. In: Cataldo-Neto, A.; Gauer, C. H. G. J.; Furtado, N. R. (Orgs). Psiquiatria para estudantes de medicina. Porto Alegre: Edipucrs, 2003. cap 60. p. 369-385. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Saúde mental no SUS: Os Centros de Atenção Psicossocial. 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