Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas
Curso de Direito
DIREITO DAS SUCESSÕES NA UNIÃO ESTÁVEL
Michelle Cristina do Amaral Freitas
R.A. 449.412/3 – Turma 3209G
Tel. 6256-8204 / 8299-8225
e-mail: [email protected]
São Paulo
2005
Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas
Curso de Direito
DIREITO DAS SUCESSÕES NA UNIÃO ESTÁVEL
Michelle Cristina do Amaral Freitas
R.A. 449.412/3
Prof. Orientador: João Ricardo B. Aguirre
Trabalho de curso apresentado ao Curso
de Direito da UNIFMU como requisito
parcial para a obtenção do grau de
Bacharel em Direito.
São Paulo
2005
Banca Examinadora
Professor Orientador: __________________________
Professor Argüidor:
__________________________
Professor Argüidor:
__________________________
Dedico este trabalho à minha mãe,
mulher
excepcional,
de
valor
incalculável, forte e doce, que sempre
encontra uma forma de ajudar e me
ensinou que posso tudo, desde que me
empenhe em alcançar meus objetivos.
Ao meu pai, homem justo e carinhoso,
pelo apoio e confiança durante toda
minha trajetória acadêmica.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu orientador, o professor João Ricardo Brandão Aguirre
pela paciência e confiança no meu trabalho.
Agradeço também ao Promotor de Justiça, Dr. Eduardo Carvalho de
Vasconcellos e aos amigos Heloísa Helena Priedols e Estevão Tirone de Almeida
Castro, pelo cuidado e atenção que me dedicaram durante a realização deste
trabalho.
Finalmente, agradeço ao meu namorado Luiz Henrique Castilho, pelo
apoio e dedicação.
SINOPSE
O presente trabalho visa explicar o direito das sucessões na união estável,
recentemente regulado pelo Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, de
início dando uma visão geral sobre o direito das sucessões e após sobre a união
estável, a qual foi instituída pela Constituição Federal de 1988 como entidade
familiar, e posteriormente regulada pelas leis 8.971 de 29 de dezembro de 1994 e
9.278 de 10 de maio de 1996, quando finalmente acolhida pelo Código Civil de 2002.
Com relação ao direito das sucessões na união estável, além da explanação das
normas, serão encontradas no decorrer da leitura críticas relativas às regras
estabelecidas ao direito de herança do companheiro na união estável, o qual sofreu
grandes mudanças se comparado às leis anteriores que o regulavam, em alguns
casos piorando sua situação e em outros melhorando se comparado com a atual
condição do cônjuge supérstite.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 7
2. SUCESSÃO EM GERAL....................................................................................... 9
2.1 ORDEM DE SUCESSÃO .......................................................................................11
2.2 HERDEIROS NECESSÁRIOS .................................................................................12
2.3 SUCESSÃO DO CÔNJUGE ...................................................................................14
2.3.1 Meação e Herança ...................................................................................16
2.3.2 Usufruto e Habitação................................................................................17
3. UNIÃO ESTÁVEL................................................................................................ 18
3.1 CONCEITO ........................................................................................................19
3.2 REQUISITOS ......................................................................................................20
3.3 IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS ............................................................................26
3.4 DEVERES DOS COMPANHEIROS ..........................................................................27
3.5 REGIME DE BENS ..............................................................................................27
3.6 CONCUBINATO ..................................................................................................28
4. DIREITO DO COMPANHEIRO À SUCESSÃO HEREDITÁRIA.......................... 29
4.1 DIREITO À SUCESSÃO NAS LEIS DA UNIÃO ESTÁVEL (8.971/94 E 9.278/96)...........30
4.2 DIREITO DE HERANÇA NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ................................................32
4.2.1 Companheiro sobrevivente concorrendo com descendentes...................35
4.2.2 Companheiro sobrevivente concorrendo com ascendentes.....................37
4.2.3 Companheiro sobrevivente concorrendo com colaterais até o 4º grau ....37
4.2.4 Companheiro sobrevivente como herdeiro único .....................................38
4.3 COMPANHEIRO CASADO E SEPARADO DE FATO....................................................39
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 41
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................... 43
1. INTRODUÇÃO
Apesar das recentes mudanças ocorridas com o Código Civil de 2002, o
instituto da união estável, principalmente no que concerne ao direito das sucessões,
é ainda muito tímido e parece sofrer de um certo preconceito do legislador.
A Lei Maior trouxe ao mundo jurídico novas formas de constituição de
família, formas essas que sempre existiram de fato na sociedade, porém vistas às
margens do casamento civil como uma família ilegítima, a qual não merecia a
proteção estatal.
O concubinato, como era denominado até a promulgação da Constituição
Federal de 1988, estava dividido em puro, a atual união estável, e o impuro, hoje
classificado apenas como concubinato pelo Código Civil. Mesmo o puro não era
admitido, independente das partes serem desimpedidas de contrair matrimônio e da
intenção de constituir uma família.
Atualmente houve um avanço com relação ao reconhecimento da união,
que pode ocorrer, inclusive com pessoas separadas judicialmente e de fato. A Carta
Magna conferiu a essa entidade familiar especial proteção do Estado e a definiu
como base da sociedade, por ser mais uma forma de constituição de família.
O mundo está em constante transformação, os costumes da população
mudam, evoluem, assim como as relações afetivas. Tudo está se modernizando.
Não se pode esperar a extinção do casamento civil ou sua substituição pelas uniões
estáveis, uma vez que o casamento dá uma base forte e sólida para a família,
contando com o amparo religioso, ainda muito influente na nossa sociedade.
Essa estrutura não é conseqüência da lei, de normas civis que regulem
uma relação. As regras jurídicas existem para trazer proteção a essas instituições
familiares, dando a elas suporte no momento de eventuais problemas os quais
possam acontecer no decorrer da união.
E um desses momentos é exatamente sua dissolução pela morte de um
dos companheiros, que viviam em união estável, situação que será estudada nos
capítulos a seguir.
Antes de abordar o tema central, será de grande valia a leitura dos dois
capítulos preambulares, os quais visam transmitir os conceitos e definições
necessários para o perfeito entendimento do tema objeto da pesquisa.
Inicialmente serão apresentados ao leitor os principais aspectos da
sucessão em geral, sanando, assim, dúvidas que possam existir no que tange à
sucessão legítima e testamentária, ordem de sucessão, herdeiros necessários e
sucessão do cônjuge supérstite.
O próximo tópico tratará da união estável, definindo-a conforme
preceituam nossa Carta Magna e a Lei Civil, elencando seus requisitos, indicando os
fatos impeditivos de sua constituição e fazendo um breve relato dos deveres
recíprocos, da aplicação do regime legal de bens e, por fim, fazendo a distinção
entre união estável e concubinato.
Vencida a etapa inicial, será discutida a evolução da legislação que visa
garantir o direito do companheiro à sucessão hereditária, inclusive com as inovações
trazidas pelo Código Civil de 2002, bem como será objeto de análise o aspecto da
separação de fato.
Importante dizer que este capítulo demonstrará como se dá a sucessão
do companheiro em todas as suas hipóteses, ou seja, concorrendo com
descendentes, ascendentes, colaterais e como único herdeiro do autor da herança.
Assim, tratar-se-á da sucessão do companheiro sobrevivente na união
estável, demonstrando seus aspectos polêmicos e seus retrocessos na legislação,
buscando esclarecer ao leitor a necessidade de alterações na norma vigente, a fim
de buscar uma maior igualdade entre os modos de constituição de família.
2. SUCESSÃO EM GERAL
A sucessão pressupõe a morte da pessoa natural, que deverá ser
comprovada através de certidão de óbito, passada pelo Oficial de Registro Civil ou
da sentença que fixar a data provável do falecimento no caso de morte presumida
(art. 7º do Código Civil1).
A sucessão na morte presumida por ausência regulada pelos artigos 26 e
seguintes do Código Civil é provisória, podendo ser convertida em definitiva.
Aberta a sucessão, que ocorre no exato momento da morte do autor da
herança, e no lugar de seu último domicílio, transmite-se a posse e a propriedade de
seus bens aos herdeiros necessários ou testamentários, que estejam vivos,
independente de qualquer ato destes, ou seja, mesmo que os herdeiros
desconheçam o falecimento eles adquirem o patrimônio.
Como ensina Caio Mário da Silva Pereira2:
“Na Idade Média, institui-se a praxe de ser devolvida a posse dos bens,
por morte do servo, ao seu senhor, que exigia dos herdeiros dele um
pagamento, para autorizar a sua imissão. No propósito de defendê-lo
dessa imposição, a jurisprudência no velho direito costumeiro francês,
especialmente no Costume de Paris, veio a consagrar a transferência
imediata dos haveres do servo aos seus herdeiros, assentada a fórmula:
Le serf mort saisit le vif, son hoir de plus proche. Daí ter a doutrina fixado
por volta do século XIII, diversamente do sistema romano, o chamado
droit de saisine, que traduz precisamente este imediatismo da
1
“Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência: I – se for extremamente
provável a morte de quem estava em perigo de vida; II – se alguém, desaparecido em campanha ou
feito prisioneiro, não for encontrado até 2 (dois) anos após o término da guerra. Parágrafo único. A
declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas
as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.”
2
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. VI, p. 19.
transmissão dos bens, cuja propriedade e posse passam diretamente da
pessoa do morto aos seus herdeiros: le mort saisit le vif.”
A sucessão pode ser legítima, feita pelas regras legais, ou testamentária,
quando a divisão ou destinação dos bens se dá pela vontade do autor da herança,
conforme previsto no art. 1786 do Código Civil. Caso não haja disposição de última
vontade, ou ainda, o testamento caducar, ou for julgado nulo, a sucessão será
legítima.
O testador pode dispor da metade de seus bens, no caso de haver
herdeiros necessários, descendentes, ascendentes e cônjuge, os quais devem
necessariamente receber parte dos bens, a legítima, aplicando-se a essa parcela da
herança as regras da sucessão legítima.
Como explica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka3:
“Apenas cinqüenta por cento do patrimônio total poderá ser entregue por
disposição testamentária sempre que possuir o testador descendentes,
ascendentes e cônjuge vivo e na constância, por óbvio, do casamento.
Essa parte do patrimônio encontra-se reservada por lei para ser entregue
aos membros da família, como forma de ‘provê-los com o necessário para
sua mantença’”.
Os herdeiros devem estar aptos a receber a herança quando do
falecimento do de cujus, pois passarão a ter a posse e a propriedade dos bens
imediatamente, droit de saisine, sendo regulada a sucessão pela lei vigente na data
da morte do sucedido, ou seja, mesmo que haja lei posterior que modifique a ordem
hereditária os sucessores terão preservado o direito adquirido na época do
falecimento.
3
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Comentários ao Código Civil: parte especial: do
direito das sucessões. vol. 20 (arts. 1.784 a 1.856), p. 51.
No caso de testamento, deverá se distinguir a parte formal da material e a
feitura do testamento do momento da morte do testador. Se a elaboração se deu na
vigência do Código Civil de 1916 e a morte no Código de 2002, a forma válida é a da
lei antiga e a parte material será válida também, salvo as cláusulas que estiverem
em desacordo com o Código novo, devendo estas serem excluídas.
2.1 Ordem de Sucessão
O artigo 1829 do Código Civil4 estabelece a ordem da sucessão legítima,
impondo uma relação preferencial, na qual uma classe exclui a outra, com exceção
do cônjuge supérstite que concorre com os descendentes e ascendentes, mas
apenas tendo direito a totalidade da herança na falta de descendentes e
ascendentes.
A ordem estabelecida pelo Código Civil é decorrente da ordem natural das
afeições familiares. O parentesco pode ser consangüíneo, pessoas que pertencem a
um mesmo tronco ancestral, resultante de laços de sangue; civil, conseqüente de lei,
o parentesco que tem origem na adoção; ou por afinidade, a ligação de uma pessoa
aos parentes de seu cônjuge.
Também faz parte da ordem da vocação hereditária, apesar de constar do
capítulo das disposições gerais5, no artigo 1790 do Código Civil, o companheiro, na
união estável, o qual tem direito à herança, mas não é considerado como herdeiro
necessário.
4
“A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o
cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no
da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão
parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em
concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais”.
5
Vide capítulo 4.2
O Poder Público não está previsto na ordem da vocação hereditária, mas
receberá a herança na falta de parentes sucessíveis, cônjuge ou companheiro, nos
termos do artigo 1844 do Código Civil6.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira, “ocupando o último lugar na ordem
de vocação hereditária, o Estado não é contudo um herdeiro. Adquire os bens por
direito próprio, em virtude de se tornarem vacantes pela falta de sucessores das
outras classes”7
2.2 Herdeiros Necessários
São herdeiros necessários os descendentes, ascendentes e o cônjuge,
nos termos do artigo 1845 do Código Civil, estes têm direito à legítima, qual seja,
“porção de bens que a lei reserva ao herdeiro necessário,”8 a metade do patrimônio
do de cujus, quota fixa e indisponível da herança na existência de tais herdeiros
protegidos pela lei, artigo 1846 do Código Civil.
Tal norma visa a impedir a exclusão destes herdeiros pela simples
vontade do sucedido, deixando esta possibilidade apenas para o ingrato, nas formas
previstas na lei.
Neste sentido observa José Luiz Gavião de Almeida9que:
“Não havendo herdeiros necessários (descendentes, ascendentes ou
cônjuge), ou se em os havendo tiverem eles renunciado, ou forem
considerados indignos ou deserdados, a liberdade de testar passa a ser
6
“Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles
renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas
respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal”.
7
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. VI, p. 88.
8
Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões, p. 108.
9
José Luiz Gavião de Almeida, Código Civil Comentado: direito das sucessões, sucessão em
geral, sucessão legítima. arts. 1784 a 1856, vol. XVIII, p. 249.
absoluta, podendo o sucedido entregar, por testamento, seu patrimônio a
quem entender mereça recolhê-lo. Não havendo disposição de última
vontade, os demais herdeiros legítimos (agora reduzidos aos colaterais)
recolhem o acervo hereditário”.
A legítima não pode ser testada, “conciliando o princípio da liberdade de
testar com o respeito devido aos direitos dos parentes mais chegados”10, no caso de
testamento que ultrapasse a metade, o ato fica sem efeito, valendo apenas nos
limites da parte disponível.
O mesmo vale para doações em vida como forma de adiantamento da
legítima, se o donatário tiver recebido quota superior aos outros herdeiros
necessários a situação será resolvida no inventário, quando os bens serão trazidos a
colação.
Como ensina Washington de Barros Monteiro:11
“Assim se procede por intermédio da colação, para que haja entre os
herdeiros a maior igualdade, de modo que diferença alguma possa existir
entre os seus quinhões. Se o testador quiser premiar um dos
descendentes, ou o cônjuge que não seja casado pelo regime da
comunhão universal, ou deixá-lo em condições mais vantajosas, terá de
recorrer, para distingui-lo, à porção disponível, porque a legítima se
caracteriza pela sua intangibilidade e inviolabilidade”.
Os bens doados serão conferidos em espécie a fim de não prejudicar os
outros herdeiros, mesmo que já não possua mais o bem doado a época da abertura
da sucessão, quando será conferido pelo seu valor ao tempo da doação, para
igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge, nos termos do artigo 2003 do
Código Civil.
10
11
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, vol. VI, p. 25.
Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões, p. 110.
2.3 Sucessão do Cônjuge
O cônjuge sobrevivente terá direito à herança na sua integralidade na
falta de descendentes ou ascendentes do falecido, independentemente do regime de
bens adotado, salvo se na data da abertura da sucessão estivesse separado
judicialmente ou de fato por mais de dois anos, culposamente, nos termos do artigo
1830 do Código Civil12.
Ressalta Sílvio de Salvo Venosa13que:
“Se ao tempo da morte estavam os cônjuges judicialmente separados,
não há que se falar em sucessão do sobrevivente. O fato é objetivo e
comprova-se documentalmente. No entanto, também não haverá direito
sucessório do supérstite se estava o casal separado de fato há mais de
dois anos. Aqui já se abre margem a infindáveis discussões judiciais,
porque pode o de cujus ter falecido em união estável, que pode ser
reconhecida na separação de fato. A questão será então definir quem
será herdeiro; o cônjuge ou o companheiro. Ainda, não bastasse esse
aspecto, pode o cônjuge sobrevivente provar que a separação ocorreu
porque a convivência se tornara impossível sem sua culpa. Neste ponto,
poderão se abrir discussões muito mais profundas que o legislador
poderia ter evitado. Aliás, esse dispositivo, em sua totalidade, será um
pomo de discórdias, e terá muita importância o trabalho jurisprudencial”.
O Código Civil de 2002 deu ao cônjuge status de herdeiro necessário,
tendo sua vocação hereditária assegurada, em concorrência com os descendentes e
ascendentes.
Concorrendo com os descendentes, a sucessão se dará conforme o
regime de bens adotado, recebendo o cônjuge sobrevivente meação, este já se
12
“Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do
outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de 2 (dois) anos, salvo
prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente”.
13
Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: Direito das Sucessões, p. 110.
encontra garantido com metade do patrimônio do falecido, portanto, se casados no
regime da comunhão universal de bens, não concorrerá com os filhos.
Se o regime adotado for o da comunhão parcial de bens, ou da
participação final nos aqüestos, o cônjuge supérstite somente concorrerá com os
descendentes com relação aos bens exclusivos do de cujus, e na separação
obrigatória tem excluído seu direito hereditário pela própria natureza do regime.
O cônjuge, concorrendo com os descendentes receberá quinhão igual ao
dos filhos que será calculado por cabeça, guardado o direito de cada um, sendo os
filhos em comum do autor da herança com o cônjuge sobrevivente, a este é
assegurada a quarta parte da herança, mas havendo filhos que não sejam
descendentes do cônjuge sobrevivente não há previsão de reserva da herança de
forma que a mesma deverá ser dividida em quotas iguais entre os descendentes e o
cônjuge.
Para Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:14
“Ora, a maneira que escolheu o legislador para redigir o artigo 1832 não
deixa qualquer dúvida acerca da intenção de se dar tratamento
preferencial ao cônjuge sobrevivo, quando se trata de concorrência com
descendentes do de cujus que sejam também seus descendentes,
exatamente reservando-lhe esta quarta parte da herança, como quinhão
mínimo a herdar, por concorrência com aqueles. Observe-se que não fez
idêntica referência, o legislador, para a hipótese distinta, vale dizer, de
serem
os
herdeiros
com
quem
concorre
o
cônjuge
sobrevivo,
descendentes exclusivos do falecido. Logo, essa foi a opção do legislador
brasileiro – privilegiar o cônjuge concorrente com a reserva da quarta
parte da herança, apenas no caso de concorrência com herdeiros dos
quais fosse ascendente – e, por essa razão, essa opção passa a valer
como paradigma para a exegese do regramento, pelo futuro doutrinador,
14
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Comentários ao Código Civil: parte especial: do
direito das sucessões. vol. 20 (arts. 1.784 a 1.856), p. 225/226.
bem como pelo futuro aplicador do direito, tudo em prol de uma sadia
consolidação jurisprudencial do porvir”.
No caso de haver filhos tanto em comum do casal, quanto exclusivos do
autor da herança, o legislador não faz previsão, ficando a dúvida se caberia ou não a
reserva da quarta parte dos bens ao cônjuge sobrevivente, como visto acima, o
legislador quis privilegiar o cônjuge quando concorresse com descendentes seus,
portanto, no caso de haver filhos exclusivos do de cujus e filhos em comum, tal
privilégio não deve prosperar, devendo a herança ser dividida em partes iguais entre
todos os descendentes e o cônjuge, “resguardando o direito de igualdade dos filhos
na percepção de seus quinhões hereditários”15.
Concorrendo o cônjuge com ascendentes do autor da herança em
primeiro grau caberá a ele 1/3 (um terço) da herança, havendo um só ascendente ou
sendo este de maior grau, o cônjuge terá direito a metade da herança,
independentemente do regime de bens adotado no casamento.
2.3.1 Meação e Herança
Ao patrimônio do de cujus se dá o nome de herança, tratando-se de uma
universalidade de bens, indivisíveis até o momento da partilha. Chama-se de espólio
a massa patrimonial deixada pelo autor da herança. Não se pode confundir a
herança com a meação cabível ao cônjuge sobrevivente, decorrente do regime de
bens.
O cônjuge terá direito a metade dos bens do de cujus, a meação, se
casado no regime da comunhão universal de bens e caberá ao cônjuge casado no
regime da comunhão parcial e no da participação final nos aqüestos a metade dos
bens adquiridos na constância do casamento.
15
Sebastião Amorim e Euclides Benedito de Oliveira, Inventários e Partilhas: Direito das
Sucessões, teoria e prática, p. 100.
A distinção entre meação e herança se dá, uma vez que a meação préexiste à morte do de cujus, sendo conseqüência do regime de bens do casal e
fazendo parte do Direito de Família, já a herança é o patrimônio do falecido que será
transmitido aos herdeiros legítimos ou testamentários, no momento de sua morte,
sendo regulado pelo Direito das Sucessões.
2.3.2 Usufruto e Habitação
Ao cônjuge casado no regime que não fosse o da comunhão universal de
bens e que tivesse descendentes, era assegurado o direito ao “usufruto vidual”, qual
seja, usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, ou da metade se não
houvesse descendentes, mas sim ascendentes, enquanto durasse sua viuvez.
O Código Civil de 2002 não acolheu o direito ao usufruto do cônjuge, uma
vez que este agora passou a ser considerado herdeiro necessário, e, portanto,
mesmo que o regime de bens adotado no casamento não o beneficie com a
meação, ele terá direito à herança.
Com relação ao direito real de habitação, o Código Civil o manteve, sendo
este assegurado independentemente do regime de bens ou do estado de viuvez,
podendo o cônjuge sobrevivente casar novamente ou estabelecer uma união estável
sem perder seu direito, basta que o imóvel seja destinado à residência da família e o
único desta natureza a inventariar, nos termos do artigo 1831 do Código Civil.16
16
“Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da
participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à
residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar”.
3. UNIÃO ESTÁVEL
A união estável entre um homem e uma mulher é uma família constituída
de fato, sem a formalidade legal necessária para o casamento.
A formação de uma família é inerente à vontade do Estado, pois essa se
forma não apenas pela afetividade, carinho e amor entre duas pessoas, mas
também como conseqüência do instinto de perpetuar e preservar a espécie humana.
O Ordenamento jurídico serve para regular e dar proteção a essas
relações preexistentes às leis. Até 1988 famílias legítimas eram apenas aquelas
instituídas pelo casamento, quando, na verdade, “o importante é proteger todas as
formas de constituição familiar, sem dizer o que é melhor”17.
Com a Constituição Federal de 1988 esse conceito foi alargado, sendo a
família definida como base da sociedade e tendo especial proteção do Estado, três
são as formas de entidade familiar: o casamento, a união estável entre homem e
mulher e a família monoparental, aquela formada por qualquer dos pais e seus
dependentes.
A união estável entre o homem e a mulher foi reconhecida pela Carta
Magna, que inovou, estabelecendo o art. 223 §3º “Para efeito da proteção do Estado
é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar
devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Porém, no nosso entendimento, o artigo deixa claro que a intenção do
legislador não foi a de que a união estável se perpetuasse, mas, sim, fosse ela
temporária e após cumprir certos requisitos converter-se num casamento,
privilegiando a instituição formal, passando a idéia de desigualdade entre o
casamento e a união estável.
17
Álvaro Villaça Azevedo, Estatuto da Família de Fato: de acordo com o novo código civil, Lei nº
10.406, de 10-01-2002, p. 268.
Tal idéia se mostra mais forte se considerada juntamente com as normas
que regulam a união estável, como se a Constituição Federal já pudesse prever a
desigualdade do companheiro com relação ao cônjuge nas normas que viessem a
conceituá-la e conceder-lhe direitos.
Num aspecto ambas as instituições são consideradas iguais, qual seja, a
proteção que lhes é conferida pelo Estado, as considerando como forma de
constituição de família e, portanto base da sociedade, mas no aspecto patrimonial
há uma verdadeira discrepância no tratamento dispensado a cada uma delas e nos
parece que prevendo exatamente essa distinção a Carta Magna estabeleceu que a
conversão da união estável em casamento deveria ser facilitada.
3.1 Conceito
O conceito de união estável foi definido no “caput” do art. 1.723 do Código
Civil.18
Para se configurar a união estável deve haver união entre um homem e
uma mulher, já que a união entre pessoas do mesmo sexo não foi consagrada pela
Constituição Federal e também a convivência pública, contínua e duradoura, sem
estipulação com relação ao tempo, como anteriormente previsto na Lei 8.971/94, e já
inovado pela Lei 9.278/96.
A união estável deve ser exposta, aos olhos de todos, ou seja, os
companheiros são conhecidos como se fossem casados, apresentam-se realmente
como marido e mulher e, além disso, têm uma relação estável, concreta, duradoura,
vivem juntos,
dividem
obrigações,
se
ajudam
e administram
seus
bens
conjuntamente.
18
“É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na
convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”
“Todavia, é no intuito de constituição de família que está o fundamento da
19
união” . A característica mais importante é a vontade dos companheiros de
constituir uma família, é nesse aspecto que se distingue a união estável de um
namoro, ou de um simples companheirismo.
Vale lembrar que nas leis anteriores ao Código Civil a união estável era
conceituada de forma diferente, “a Lei 8.971/94 delimita a situação de
companheiros, para os fins dos direitos decorrentes da união estável, à situação de
convivência entre homem e mulher solteiros, separados judicialmente, divorciados
ou viúvos, por mais de cinco anos, ou com prole dessa união”.20
Com explica Álvaro Villaça Azevedo21, “a Lei 9.278, de 10-5-1996,
reconhece em seu artigo 1º, como familiar, como união estável ou concubinária pura,
propriamente, a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma
mulher, estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
3.2 Requisitos
Os requisitos abaixo elencados servem para caracterizar e configurar a
união estável, sendo que todos eles devem estar presentes para que a mesma seja
tipificada.
Não basta que sejam preenchidos alguns requisitos, pois todos se
completam com a finalidade de privilegiar as uniões que encontrem respaldo no
ordenamento jurídico e que gozem da proteção do Estado, por ser uma entidade
familiar.
19
Álvaro Villaça Azevedo, Comentários ao Código Civil: parte especial: direito de família. vol. 19
(arts. 1.711 a 1.783), p. 256.
20
Euclides Benedito de Oliveira, União Estável: Do concubinato ao casamento, p. 89.
21
Álvaro Villaça Azevedo, Comentários ao Código Civil: parte especial: direito de família. vol. 19
(arts. 1.711 a 1.783), p. 251.
a. Convivência:
Conviver significa “viver em comum com outrem em intimidade, em
familiaridade”22, daí advém o adjetivo “conviventes” utilizado pela Lei 9.278/96. A
convivência é a situação em que os companheiros compartilham suas vidas,
desfrutam de todas as situações da vida conjuntamente.
Vida em comum não é sinônima de coabitação, apesar de ser uma prova
robusta da existência de união estável, não é necessário que os companheiros
dividam um mesmo lar para que haja convivência entre eles, porém, deve existir
uma justificativa para isso, ou seja, mesmo que os companheiros fossem casados,
por exemplo, também não poderiam morar juntos.
Como explica Zeno Veloso:23
“Em regra, a vida em comum, sob o mesmo teto, é uma das mais
marcantes características da união estável, até porque essa entidade
familiar decorre desse fato, da aparência de casamento,e essa aparência
é o elemento objetivo da relação,a mostra, o sinal exterior, a fachada, o
fator de demonstração inequívoca da constituição de uma família”.
b. Ausência de formalismo:
É exatamente neste aspecto que a união estável mais diverge do
casamento, não é necessário nenhuma formalidade para constituí-la, enquanto o
casamento é extremamente burocrático, dependendo de diversos requisitos para se
consumar.
Como observa Euclides Benedito de Oliveira24:
22
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Minidicionário da língua portuguesa, p. 146.
Zeno Veloso, Código Civil Comentado: direito de família, alimentos, bem de família, união
estável tutela e curatela. arts. 1694 a 1783, vol. XVII, São Paulo, Atlas, 2003, p. 115.
23
“Essa aparente vantagem, no entanto, cede passo à dificuldade de prova
que lhe é inerente, por falta de documento constitutivo da união estável.
Assim, havendo litígio entre as partes no momento da dissolução, será
exigido que se demonstre a efetiva convivência entre as partes, com
delimitação temporal que lhe dê as características do ente familiar, a fim
de que sejam reconhecidos os direitos patrimoniais e outros efeitos
jurídicos dela decorrentes”.
Basta a livre vontade dos companheiros em ter uma relação concreta de
convivência e sua permanência para que se inicie a união estável, a qual apenas se
tornará mais formal caso os companheiros decidam convertê-la em casamento e
mesmo assim a exigência de requisitos é ainda menor que os do casamento.
c. Diversidade de sexos:
Para se configurar a união estável, as partes devem ser de sexos
opostos, um casal heterossexual, pois assim foi tipificado na Carta Magna, bem
como no Código Civil.
Apesar da dimensão das relações homossexuais presentes na sociedade
e de sua aceitação cada vez maior, o sistema jurídico não reconhece tal situação
como união estável.
d. Unicidade de vínculo:
Assim como no casamento a união estável não admite que haja mais de
uma relação concomitante, o que caracteriza união desleal, havendo mais de uma
união estável, ou adultério, se houver um casamento anterior, situações que não
constituirão entidade familiar.
24
Euclides Benedito de Oliveira, União Estável: Do concubinato ao casamento, p. 125.
A bigamia ou a poligamia não é admitida pela união estável, se
constituída uma união as demais não podem subsistir. O artigo 1.723 do Código Civil
em seus parágrafos estipula os impedimentos e define tal envolvimento como mero
concubinato.
Nos ensinamentos de Euclides Benedito de Oliveira25, “a relação de
convivência amorosa formada à margem de um casamento ou de uma união estável
caracteriza-se como proibida, porque adulterina, no primeiro caso, e desleal no
segundo”.
Havendo casamento anterior, apenas será reconhecida a união estável
quando o companheiro estiver separado judicialmente ou de fato, até mesmo porque
seria muito difícil numa relação adulterina serem configurados os requisitos
necessários à união estável, principalmente o da publicidade.
Apesar da dificuldade com relação à publicidade, pode existir a união
estável putativa, quando um dos companheiros desconhece o impedimento do outro
e age de boa-fé. Nesse caso os direitos do companheiro inocente serão
assegurados quando presentes todos os requisitos para a configuração da união
estável.
e. Estabilidade: duração:
Não há um prazo fixo que determine a duração da relação amorosa para
ser configurada a união estável, até porque deverá ser analisada a estabilidade no
caso concreto, observando se os requisitos foram preenchidos e se naquele caso foi
realmente constituída uma família, mesmo tendo a união se estendido apenas por
alguns meses.
25
Euclides Benedito de Oliveira, União Estável: Do concubinato ao casamento, p. 127.
A união estável para se diferenciar de um namoro deverá ser sólida,
duradoura, aliás, requisito não existente no casamento, o qual pode durar pouco
tempo, no caso de uma separação judicial, nos termos do art. 1572 “caput” do
Código Civil26, ou ainda, caso um dos cônjuges venha a falecer logo no início do
casamento.
f. Continuidade:
Não é considerada união estável o relacionamento baseado numa
insegurança de idas e vindas, não se admite interrupções, para ser considerado
estável, duradouro e sólido é necessária a convivência, sem ela não há o que se
falar em continuidade da união.
Como explica Álvaro Villaça Azevedo27, “essa convivência como no
casamento, existe com continuidade; os companheiros não só se visitam, mas vivem
juntos, participam um da vida do outro, sem tempo marcado para se separarem.”
g. Publicidade:
Pública é a relação mantida aos olhos da comunidade, os companheiros
são conhecidos no meio social onde vivem e considerados como se casados
fossem, mesmo sabendo-se tratar de união estável.
Tal publicidade pode ser dada de forma documental, como no caso de
testamento, declaração em Juízo, contrato levado a Registro de Títulos e
Documentos, etc.
26
“Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro qualquer
ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum”.
27
Álvaro Villaça Azevedo, Estatuto da Família de Fato: De acordo com o novo Código Civil, Lei
nº 10.406, de 10-01-2002, p. 437.
h. Objetivo de constituição de família:
Todos os requisitos vistos até agora são objetivos, porém, o objetivo de
constituição de família é de ordem subjetiva, intrínseco, depende da vontade dos
companheiros, da intenção deles de conjuntamente formarem uma família.
Essa intenção pode ser exteriorizada pela forma como os companheiros
se apresentam à sociedade, ou seja, tem aparência de casados, já tiveram filhos,
freqüentam eventos
sociais e familiares juntos,
dependem um do outro
economicamente, mantém um relacionamento íntimo, a união se assemelha ao
máximo a um casamento, havendo uma comunhão de vida e de interesses.
Para Euclides Benedito de Oliveira28, comunhão de vida:
“Significa uma estreita convivência com troca de sentimentos e interesses
de vida em conjunto, de cotidiana renovação, em somatória de componentes
materiais e espirituais que se resumem no afeto inerente à entidade familiar. Nesse
contexto enquadram-se a assistência emocional recíproca entre os conviventes, a
colaboração nas empreitadas comuns, o esforço no mútuo sustento, o compartilhar
de mesa e de leito, aqui se chegando a prazerosa entrega sexual em clima de
carinho, atenção e gestos de amor, indispensáveis ao desenvolvimento digno da
personalidade e do caráter das pessoas e à realização do sonho de uma feliz
comunhão de vida”.
i. Inexistência de impedimentos matrimoniais:
A união estável apenas se configurará se os companheiros não estiverem
elencados no rol dos impedidos de casar, conforme determina o §1º do art. 1723 e
para sua conversão em casamento se mostra indispensável à inexistência de tais
impedimentos.
28
Euclides Benedito de Oliveira, União Estável: Do concubinato ao casamento, p. 135.
3.3 Impedimentos Matrimoniais
O Código Civil prevê no §1º do art. 172329 que não se constituirá a união
estável caso ocorram os impedimentos matrimoniais constantes do art. 1521 do
mesmo diploma legal30, com exceção do inciso VI, se a pessoa casada estiver
separada de fato ou judicialmente, situação já reconhecida como união estável.
Sobre a pessoa separada judicialmente, explica Maria Helena Diniz31, “e
pode ser reconhecida a união estável de separado judicialmente, pois a separação
judicial põe termo aos deveres de coabitação e fidelidade recíproca e ao regime de
bens (CC, arts. 1.723, § 3º, e 1.576)”.
E com relação ao separado de fato, conclui Maria Helena Diniz32, “o
Código Civil, art. 1.723, § 1º, admite a união estável de separado de fato para
atender às exigências da vida e às necessidades sociais (RT, 618:171), entendendo
que há convivência more uxorio, baseada na afetividade e que não há deslealdade
para com o seu cônjuge, já que com ele não coabita”.
As causas suspensivas presentes no art. 152333 poderão gerar apenas o
efeito de anulabilidade da união, mas essa não será impedida de ser reconhecida,
29
“A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a
incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”.
30
“Não podem casar: I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II –
os afins em linha reta; III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi
do adotante; IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante; VI – as pessoas casadas; VII – o cônjuge sobrevivente com o
condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”
31
Maria Helena Diniz, Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, p. 340.
32
Maria Helena Diniz, Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, p. 346.
33
“Não devem casar: I – o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer
inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II – a viúva, ou a mulher cujo casamento se
desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução
da sociedade conjugal; III – o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a
partilha dos bens do casal; IV – o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos,
cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou
curatela e não estiverem saldadas as respectivas contas. Parágrafo único. È permitido aos nubentes
solicitar ao juiz que não lhe sejam aplicadas as causas suspensivas previstas nos incisos I, III e IV
deste artigo, provando-se a inexistência de prejuízo, respectivamente, para o herdeiro, para o excônjuge e para a pessoa tutelada ou curatelada; no caso do inciso II, a nubente deverá provar
nascimento de filho, ou inexistência de gravidez, na fluência do prazo”
conforme reza o §2º do art. 172334, havendo a possibilidade, ainda de se requerer
sua dispensa por decisão judicial.
3.4 Deveres dos Companheiros
Os deveres dos companheiros estão previstos no artigo 1724 do Código
Civil, são eles: a lealdade, o respeito e a assistência, a guarda, o sustento e a
educação dos filhos. A lealdade se assemelha ao dever de fidelidade dos cônjuges,
devendo os companheiros respeitarem-se, provendo assistência mútua tanto
material quanto imaterial.
Como ressalta Euclides Benedito de Oliveira35:
“Em confronto com os direitos e deveres dos casados, constantes do art.
1.566, duas observações: para os companheiros se aplica o dever de
lealdade, símile ao dever de fidelidade dos cônjuges; não consta, para os
primeiros, o dever de vida em comum no mesmo domicílio, que é exigido
para os casados”.
3.5 Regime de Bens
Será aplicado aos companheiros o regime da separação parcial de bens,
conforme previsto no art. 1725 do Código Civil, comunicando-se os bens adquiridos
onerosamente na constância da união estável, excluídas as doações, heranças e
legados ou patrimônio adquirido anteriormente a convivência.
34
35
“As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável”.
Euclides Benedito de Oliveira, União Estável: Do concubinato ao casamento, p. 103.
Existe a possibilidade de se celebrar contrato escrito entre os
companheiros, pacto parecido com o antenupcial que pode ser alterado a qualquer
tempo, porém que não exige forma, dispensa sua estipulação por escritura pública,
devendo ser celebrado no início ou durante a convivência.
3.6 Concubinato
O concubinato é a relação não eventual entre homem e mulher impedidos
de casar, segundo o artigo 1727 do Código Civil, porém há um equívoco no texto da
lei, já que os separados judicialmente e de fato foram excluídos do rol de
impedimentos para a configuração da união estável.
Como explica Zeno Veloso:36
“Trata-se, enfim, de uma ligação mais ou menos constante, duradoura,
portanto, que não é episódica, eventual, porém, os figurantes estão
impedidos de casar. Mas é preciso distinguir e separar bem as situações:
a união estável é uma relação afetiva qualificada, espiritualizada, aberta,
franca, exposta, assumida, constitutiva de família; o concubinato, em
regra, é clandestino, velado, desleal, impuro”.
Os concubinos não são recepcionados pela lei, portanto não contam com
a proteção do Estado.
36
Zeno Veloso, Código Civil Comentado: direito de família, alimentos, bem de família, união
estável tutela e curatela. arts. 1694 a 1783, vol. XVII, p. 155.
4. DIREITO DO COMPANHEIRO À SUCESSÃO HEREDITÁRIA
A Constituição Federal em seu artigo 226 conferiu a família, a qual define
como base da sociedade, especial proteção do Estado e reconhece como entidade
familiar a união estável entre o homem e a mulher estendendo a mesma proteção
jurídica.
Segundo Euclides Benedito de Oliveira37, "essa proteção jurídica ao ente
familiar abrange o complexo de direitos de cunho pessoal (respeito e consideração,
mútua assistência, criação e educação dos filhos) e os de natureza patrimonial, pela
prestação de alimentos, comunhão dos bens havidos durante o tempo de
convivência e sua transmissão por sucessão hereditária”.
Porém, a Carta Magna “não atribuiu direito sucessório à companheira ou
companheiro” como observa Sílvio de Salvo Venosa38. O direito à herança entre os
companheiros apenas surgiu com a edição da Lei 8.971/94, anteriormente a ela a
Súmula 380 do STF tornou possível ao companheiro sobrevivente buscar no direito
das obrigações sua parte nos bens adquiridos na constância da união estável,
devendo o companheiro supérstite comprovar sua contribuição.
Vale lembrar que no caso da sociedade de fato admitida pela Súmula 380
do STF não havia distinção nem definição do companheiro que poderia buscar sua
parcela dos bens mesmo no caso de estar vivendo um concubinato impuro ou
adulterino, pois a situação não era regulamentada pelo direito de família.
A única forma de o companheiro ter participação na herança era por
disposição testamentária, com exceção do homem casado que não poderia deixar
bens a sua concubina, conforme vedação do artigo 1719, inciso III do Código Civil
de 1916.
37
38
Euclides Benedito de Oliveira, União Estável: Do concubinato ao casamento, p. 165.
Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: Direito das Sucessões, p. 111.
4.1 Direito à Sucessão nas Leis da União Estável (8.971/94 e
9.278/96)
A Lei 8.971 de 29 de dezembro de 1994 em seu artigo 2º39 cuida do
direito sucessório dos companheiros, prevendo o direito real de usufruto e o direito à
herança ao companheiro supérstite, incluindo o companheiro na ordem de vocação
hereditária em posição superior aos colaterais.
Conforme a Lei em estudo, nos incisos I e II do artigo 2º, o companheiro
ou a companheira teria direito ao usufruto de um quarto dos bens do autor da
herança no caso de haver filhos deste ou em comum, e a metade dos bens se
houvesse apenas ascendentes, em ambos os casos há a extinção do usufruto no
caso de constituição de nova união, não apenas uma nova união estável, mas
também um casamento, pelo usufrutuário.
Com relação ao usufruto sobre bens já recebidos pelo companheiro
sobrevivente como meação, explica Sílvio de Salvo Venosa40 que, “quando houver,
concomitantemente, direito ao usufruto e à meação, não há superposição de
direitos, porque o usufruto incide sobre a herança, e meação não é herança. Esse
usufruto, da quarta parte ou da metade dos bens, incide sobre a totalidade da
herança, ainda que venha a atingir a legítima dos herdeiros necessários”.
Ainda no artigo 2º, inciso III da mesma Lei está a equiparação do
companheiro a situação do cônjuge sobrevivente na ordem de vocação hereditária
conforme o Código Civil de 1916, qual seja, o companheiro terá direito à
integralidade do patrimônio do falecido na falta de descendentes e ascendentes.
39
“As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas
seguintes condições: I – o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova
união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujus, se houver filhos deste ou comuns; II – o(a)
companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade
dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III – na falta de
descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da
herança.”
40
Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: Direito das Sucessões, p. 114.
Segundo Euclides Benedito de Oliveira:41
“Com a edição das leis da união estável, passou a ser admitida a
sucessão causa mortis entre companheiros, similar ao direito consagrado
ao ex-cônjuge pelo Código de 1916, arts. 1.603, inc. III, e 1.611, com
implícita alteração da ordem de vocação hereditária, uma vez que,
existindo companheiro com direito à herança, afasta-se o chamamento
dos colaterais sucessíveis.”
Com a edição da Lei 9.278 de 10 de maio de 1996, a qual apenas
revogou parcialmente a lei de 1994, foi acrescentado ao direito sucessório do
companheiro, no seu parágrafo único do artigo 7º, o direito real de habitação42.
Esse direito se dá com relação ao imóvel destinado a residência da
família, enquanto o companheiro sobrevivente viver ou não estabelecer nova união
ou casamento.
Como conclui Álvaro Villaça Azevedo43:
“Esse direito de habitação é concedido ao concubino sobrevivente,
condicionalmente, sob termo ou condição resolutivos. O direito existirá,
enquanto viver o titular (termo resolutivo, sempre certo; a morte ocorrerá,
mas não se sabe quando) e enquanto não se concubinar ou não se casar
(condição resolutiva, ex lege – o evento é futuro e incerto, pois poderá ou
não ocorrer novo concubinato ou novo casamento)”.
Tal norma se deu em vantagem ao previsto para o cônjuge no Código
Civil de 1916.
41
Euclides Benedito de Oliveira, União Estável: Do concubinato ao casamento, p. 202.
Art. 7º, parágrafo único da Lei 9.278/96. “Dissolvida a união estável por morte de um dos
conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união
ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família.”
43
Álvaro Villaça de Azevedo, Estatuto da Família de Fato: de acordo com o novo código civil, Lei
nº 10.406, de 10-01-2002, p. 360.
42
Como explica Sílvio de Salvo Venosa44:
“Em sede de união estável, o direito de habitação, na lei especial,
apresenta-se de forma mais ampla, pois no casamento, no regime do
Código anterior, está restrito aos enlaces sob o regime da comunhão
universal, afora o fato de tratar-se de imóvel destinado à residência da
família e o único bem dessa natureza a inventariar. Trata-se de restrição
injustificável, que recebeu repulsa da doutrina. Nenhuma restrição é feita,
quanto aos conviventes, sob esse aspecto”.
Vale ressaltar que apenas serão aplicadas as leis àquelas uniões que
subsistam após sua vigência, ou seja, uma união estável constituída antes da lei de
1994, mas que o companheiro faleceu já na sua vigência, terá a sucessão
regulamentada por ela, e caso tenha falecido após a vigência da lei de 1996, ambas
serão utilizadas.
4.2 Direito de Herança no Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 trouxe ao companheiro sobrevivente o direito à
herança, não apenas na falta de descendentes e ascendentes, mas concorrendo
com estes com relação aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união
estável, mas em defasagem as leis complementares anteriores, deixou o
companheiro em situação de desvantagem na ordem de vocação hereditária ao
deixar este abaixo dos parentes colaterais até o quarto grau.
Nos termos do artigo 1790 do Código Civil:
“A companheira ou companheiro participará da sucessão do outro, quanto
aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas
condições seguintes:
44
Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: Direito das Sucessões, p. 116.
I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à
que por lei for atribuída ao filho;
II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a
metade do que couber a cada um daqueles;
III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço
da herança;
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da
herança”.
O artigo acima citado se encontra no capítulo das disposições gerais,
quando na verdade, deveria estar situado na ordem de vocação hereditária. Para
José Luiz Gavião de Almeida45, “o normal era que tratasse da companheira na
sucessão legítima, quando regulasse a ordem da vocação hereditária. Talvez ainda
por preconceito contra a inclusão da companheira entre os herdeiros, preferiu
regular a matéria no capítulo referente às disposições gerais sobre a sucessão”.
No mesmo sentido, ressalta Silvio de Salvo Venosa46:
“A impressão que o dispositivo transmite é de que o legislador teve
rebuços em classificar a companheira ou companheiro como herdeiros, procurando
evitar percalços e críticas sociais, não os colocando definitivamente na disciplina da
ordem de vocação hereditária. Desse modo, afirma eufemisticamente que o consorte
da união estável ‘participará’ da sucessão, como se pudesse haver um meio-termo
entre herdeiro e mero ‘participante’ da herança”.
O artigo aqui estudado não está apenas deslocado, mas também
apresenta falhas na sua substância. Ao mesmo tempo em que deixa o companheiro
numa ordem de vocação pior a antes estabelecida, dá a ele direito superior ao
previsto ao cônjuge sobrevivente com relação aos bens adquiridos na vigência da
união estável.
45
José Luiz Gavião de Almeida, Código Civil Comentado: direito das sucessões, sucessão em geral,
sucessão legítima. arts. 1784 a 1856, vol. XVIII, p. 59.
46
Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil: Direito das Sucessões, p. 119.
Ao cônjuge casado no regime da comunhão parcial de bens, só é
conferida a concorrência com os descendentes sobre os bens particulares do autor
da herança, pois já tem direito à meação dos demais bens.
O companheiro que tiver sua relação regulada pelo regime da comunhão
parcial de bens, o que só pode ser afastado por contrato escrito, terá direito, além da
meação, à parte dos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, a
título de herança, em visível prejuízo aos descendentes ou ascendentes do autor da
herança, principalmente, na hipótese do de cujus ter deixado, apenas, bens
adquiridos na constância da união estável.
Ou seja, se o casal tiver apenas um filho, e todo o patrimônio tiver sido
adquirido na constância do casamento, será conferido ao cônjuge supérstite a
meação e ele não terá direito à herança, ficando ambos com cinqüenta por cento do
patrimônio do falecido.
Tratando-se
de
companheiros,
na
mesma
situação,
caberá
ao
companheiro supérstite, além da meação, quota igual a do descendente na herança,
ficando, portanto, o filho, com vinte e cinco por cento dos bens e o companheiro
sobrevivente com setenta e cinco por cento.
Vale ressaltar, que isso ocorre na hipótese do companheiro sobrevivente
ser também ascendente do filho, pois se este for descendente apenas do de cujus,
caberá ao companheiro, conforme será visto no próximo capítulo, apenas metade da
quota destinada ao descendente.
O direito de usufruto previsto na lei 8.971/94 não se repete no Código
Civil, o que ocorre da mesma forma ao cônjuge, uma vez que ambos concorrem com
os descendentes e ascendentes ao direito de herança, e, portanto desnecessário tal
direito real se já existe a transferência da propriedade.
Com relação ao direito real de habitação previsto na lei 9.278/96, o
Código Civil não o acolheu no que diz respeito a sucessão do companheiro, dando
tal direito apenas ao cônjuge. Não há explicação para essa diferenciação no
tratamento dispensado ao companheiro e ao cônjuge.
Na opinião de Sílvio de Salvo Venosa:
“Somos da opinião de que é perfeitamente defensável a manutenção
desse direito no sistema do Código de 2002. (...) A manutenção do direito
de habitação no imóvel residencial do casal atende às necessidades de
amparo do sobrevivente, como um complemento essencial ao direito
assistencial de alimentos”.
Em nossa opinião, diferentemente do que pensam alguns doutrinadores,
ambas as leis foram totalmente revogadas, inclusive no que tange a sucessão, uma
vez que o Código Civil também regulamentou a sucessão do companheiro.
Assim sendo, dá-se a sucessão do companheiro sobrevivente da seguinte
forma:
4.2.1
Companheiro
sobrevivente
concorrendo
com
descendentes
O Código Civil deu tratamento diverso aos descendentes, quando se trata
de filhos em comum ao companheiro e ao autor da herança e quando se tratar de
filhos exclusivos do de cujus.
Na hipótese do inciso I do artigo 1790 do Código Civil, havendo filhos em
comum, o companheiro receberá quota igual ao dos descendentes. No caso do
inciso II, o companheiro receberá metade da quota destinada a cada um dos filhos
exclusivos do autor da herança.
Porém, se esqueceu o legislador do caso de haver filhos híbridos, ou seja,
filhos em comum e exclusivos ao mesmo tempo, forma que não foi prevista e,
portanto trará ao julgador difícil solução.
Neste sentido, observa Giselda Maria Fernandes Hironaka:47
“Vale dizer, o legislador se olvidou mais uma vez da comum hipótese que
abarca aqueles que, tendo sido casados em primeiras núpcias, ou tendo
mantido uma união estável precedente, tenham se separado, se
divorciado ou assistido à morte do companheiro da primeira fase de suas
vidas, resolvendo, assim, reconstruir sua trajetória afetiva com terceiro,
hipótese esta que se qualifica, ainda, pela especial condição de ter
advindo prole de ambos os relacionamentos vividos”.
A professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka traz quatro
propostas para solucionar a lacuna do legislador, quais sejam:
Tratar todos os filhos como se fossem em comum, aplicando o inciso I do
artigo em estudo, ou seja, cota igual para todos, não fazendo, portanto, distinção
entre os filhos e o companheiro;
Tratar todos os filhos como se fossem exclusivos do autor da herança,
aplicando o inciso II do artigo 1790 do Código Civil, ou seja, o companheiro
receberia metade da quota de cada um dos filhos, privilegiando os filhos em
detrimento ao companheiro;
A junção dos dois incisos, recebendo o companheiro quota e meia, ou
seja, uma quota pelos descendentes em comum e meia pelos exclusivos e
recebendo todos os descendentes quota igual, solução que favorece ao
companheiro;
47
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Comentários ao Código Civil: parte especial: do
direito das sucessões. vol. 20 (arts. 1.784 a 1.856), p. 59.
A última proposta, na qual a herança seria dividida em dois subgrupos,
sendo calculado a parte do companheiro pela soma das quotas obtidas em cada
grupo, os filhos receberiam quotas diferentes, em flagrante inconstitucionalidade,
conforme o artigo 1834 do Código Civil e artigo 227, §6º da Constituição Federal.
Entendemos que a melhor alternativa seria a de atribuir a todos,
descendentes e companheiros quota igual, apesar de parecer a forma mais
simplista, conforme entendimento de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka,
devido a inobservância do legislador a essa situação, não me parece justo e muito
menos que era sua intenção, privilegiar nenhumas das partes.
4.2.2
Companheiro
sobrevivente
concorrendo
com
ascendentes
O companheiro supérstite terá direito a um terço dos bens adquiridos na
constância da união estável, conforme inciso III do artigo 1790 do Código Civil,
nesse caso, diferentemente do cônjuge o companheiro receberá a mesma quota
independentemente de concorrer com ambos os genitores, ou com apenas um
deles, ou ainda com outros ascendentes em grau maior, situação em que o cônjuge
terá direito à metade dos bens, sem distinção do regime de bens adotado no
casamento.
4.2.3 Companheiro sobrevivente concorrendo com colaterais
até o 4º grau
Ainda em desvantagem ao estabelecido ao cônjuge sobrevivente, que se
encontra logo após os ascendentes na ordem de vocação hereditária, o
companheiro, não havendo descendentes nem ascendentes do autor da herança
concorre com os parentes colaterais do de cujus até o 4º grau, por serem herdeiros
legítimos nos termos do artigo 1829, IV e 1839 do Código Civil, sendo-lhe
resguardado um terço dos bens adquiridos onerosamente na vigência da união
estável, cabendo aos colaterais o restante da herança.
Aqui fica evidente o retrocesso da lei quando regula a sucessão do
companheiro, uma vez que, na lei 8.971/94, ele não concorria com os colaterais,
ficando na ordem da vocação hereditária logo após os ascendentes.
O Código Civil deixou o companheiro sobrevivente numa situação
bastante desconfortável, pois não nos parece justo que parentes, os quais por
muitas vezes nem conhecemos devido à distância da relação, herdem os bens em
prejuízo do companheiro supérstite que viveu uma relação de afeto e carinho com o
de cujus.
4.2.4 Companheiro sobrevivente como herdeiro único
Nos termos do inciso IV do artigo 1790 do Código Civil apenas será
conferida ao companheiro a totalidade da herança na falta de parentes sucessíveis.
Para Giselda Maria Fernandes Hironaka48:
“Assim como melhorou a posição do cônjuge sobrevivo, naquilo que
respeita aos problemas de ordem sucessória, nas previsões do novo
Código Civil, ampliando-se os direitos que lhe assistem, era de se esperar
que
o
convivente
supérstite
tivesse
sua
condição
privilegiada,
relativamente àquela condição anteriormente descrita, e tivesse garantida
a igualdade de direitos relativamente ao cônjuge sobrevivente, fazendose, assim, valer o dizer constitucional em sua amplitude. Todavia, não foi
isso o que aconteceu”.
48
Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Comentários ao Código Civil: parte especial: do
direito das sucessões. vol. 20 (arts. 1.784 a 1.856), p. 55.
Outra questão a ser discutida está neste inciso, no qual o legislador diz
que o companheiro ‘terá direito à totalidade da herança’, deixando uma dúvida se
deve aplicar o disposto no caput do artigo, ou seja, a herança relativa aos bens
adquiridos onerosamente na vigência da união estável ou se pretendia a sucessão
da integralidade da herança, inclusive quanto aos bens particulares do de cujus.
Ao estudar o artigo 1790 em consonância com o artigo 1844, ambos do
Código Civil, chega-se à conclusão de que o legislador não pretendia deixar a
herança ao ente público existindo companheiro sobrevivente, pois se lembrou do
mesmo ao redigir a norma “que estatui que a herança apenas deve ser devolvida ao
Município, Distrito Federal ou União, ‘não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro,
nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado à herança’. Diante de tal
exegese é forçoso concluir que na hipótese de não haver descendentes,
ascendentes ou parentes colaterais do falecido, e apenas nesta hipótese, no meu
entendimento, o companheiro sobrevivente terá direito à herança que inclua bens
adquiridos antes do início da relação”.49
4.3 Companheiro Casado e Separado de Fato
Pode ser configurada a união estável entre pessoas separadas
judicialmente ou de fato, impedimento matrimonial afastado pelo Código Civil nos
termos do artigo 1723, §1º, conforme já estudado anteriormente.
O Código Civil no artigo 1830 determina que a herança apenas será
atribuída ao cônjuge sobrevivente se este não estivesse separado judicialmente, ou
de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se
tornara impossível sem culpa do sobrevivente.
49
Fabio Simões Abrão, Considerações sobre o atual Código Civil – Alguns aspectos
patrimoniais e sucessórios na união estável e no regime da separação total de bens, In Revista
do advogado, São Paulo, a.24 n.76 (Jun.2004), p.23.
Ocorrendo, portanto, união estável com companheiro separado de fato e
vindo este a falecer deverá ser levado em conta se já estava separado há mais de
dois anos e se não deu causa a separação, ou seja, sem culpa, situação em que o
cônjuge não teria direito à herança, ficando então para o companheiro.
Ou no caso de estar separado há mais de dois anos, porém tendo culpa
pela separação, o companheiro não será chamado a suceder. Deve-se lembrar que
a discussão da culpa pela separação se dará após o falecimento do autor da
herança e por se tratar de questão de alta indagação não poderá ser discutida nos
autos do inventário, devendo ser levada às vias ordinárias, sendo devidamente
instruída.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, pode-se concluir que o instituto da união
estável ainda sofre discriminações, não apenas da sociedade ou das religiões que
não admitem uma união informal, mas, infelizmente, também do nosso legislador.
Restou evidente, no decorrer do trabalho, que o mesmo não teve intenção
de igualar o tratamento dispensado ao companheiro com o do cônjuge e essa
distinção tem origem na própria Constituição Federal de 1988, quando estabeleceuse que a conversão da união estável em casamento deveria ser facilitada, o que
pressupõe diferenças entre elas, caso contrário não precisaria ser convertida.
O Código Civil de 2002, seguindo a intenção da Carta Magna, deixou o
artigo que cuida da sucessão do companheiro no capítulo das disposições gerais, e
não no da ordem da vocação hereditária, como seria o correto.
O termo utilizado no artigo 1790 do Código Civil foi o de que o
companheiro “participará” da sucessão, como se fosse possível ele não suceder,
mas apenas participar, como um intruso que chegou agora e está tentando ocupar
um lugar.
A união estável preenche todos os requisitos necessários para a formação
de uma família estruturada, que é decorrente da existência de laços de afeto e
carinho, cumplicidade, amor e respeito mútuo, aspectos também existentes numa
família formada pelo casamento civil.
Porém, talvez ainda, devido a não aceitação das religiões, as quais
protegem a instituição formal do casamento sacramentado pela Igreja, e a sua
manutenção, nossa legislação parece ter receio em garantir à união estável normas
igualitárias, justas, assim como demorou em admitir o divórcio.
Não se mostra correto o companheiro sobrevivente concorrer com
parentes colaterais, muito menos, sendo garantido a ele apenas a terça parte do
patrimônio do de cujus, uma vez que estes deveriam estar após o companheiro na
ordem de vocação hereditária, como ocorre com o cônjuge.
No mesmo sentido, o direito de habitação previsto na Lei 9.278/96, que foi
totalmente revogado pelo Código Civil, não é mais um direito garantido ao
companheiro, mas apenas ao cônjuge.
Deve-se analisar os pontos de divergência entre a sucessão do
companheiro e do cônjuge sobrevivente, e conforme foi visto no decorrer do
trabalho, há diversas alterações que devem ser feitas na legislação vigente.
O Código Civil deu tratamento muito diferenciado a essas duas pessoas.
Foram revogados direitos importantes ao companheiro sobrevivente na união
estável, como o de habitação e a ordem na vocação hereditária que foi alterada se
comparada às legislações anteriores.
Houve uma inaceitável discriminação do legislador ao tratar dos
companheiros, principalmente no direito das sucessões. É inadmissível que nos dias
atuais ainda exista esse tipo de preconceito às situações fáticas do relacionamento
estável entre um homem e uma mulher.
Deve-se buscar uma lei que regule os costumes de uma nação de forma
justa, com direitos iguais, sem distinção. Uma família não pode ser vista às margens
da lei, apenas por não serem os companheiros “casados no papel”. É preciso
acreditar que a norma serve para ajudar a regular, encontrar soluções para conflitos
e não para dizer o que é melhor e o que é pior, legítimo ou ilegítimo, principalmente
quando se trata de direito de família.
Espera-se, portanto, que no futuro, a lei diga não apenas cônjuge, mas
também companheiro, um ao lado do outro, e então, ainda será possível acreditar no
princípio da igualdade trazido pela nossa Constituição Federal.
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