IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DO ART. 431-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – VALIDADE DA PROVA PERICIAL Lorena Miranda Santos1 SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O art. 431-A do CPC e sua relação com os princípios constitucionais do processo: contraditório, ampla defesa e devido processo legal. 3. Breve análise do sistema de nulidades processuais do Código de Processo Civil Brasileiro e sua aplicabilidade ao art. 431-A do CPC. 4. Síntese da importância prática do art. 431-A do Código de Processo Civil. 5. Modos de efetivação do comando inserto no art. 431-A do CPC. 6. Conclusões. 7. Bibliografia 1. INTRODUÇÃO Em seu estágio originário, o direito processual civil era considerado, tão somente, como mero apêndice do direito material, a este se integrando de forma absoluta, despido, pois, de qualquer autonomia que o caracterizasse, de per si, como ramo da ciência jurídica. Dada a confusão então existente entre direito material e direito processual, o processo era visto como mera sucessão de atos e formalidades tendentes à proteção do direito substancial. Era, em outras palavras, o próprio direito material lutando pela manutenção de sua integridade. Tal fase foi denominada de imanentista. Posteriormente, os estudiosos do processo, buscando estabelecer os conceitos fundamentais à estruturação da ciência processual como ramo autônomo, envidaram esforços no sentido de distinguir e afastar direito material e direito processual, dando origem à fase a que se convencionou chamar de científica, cujo maior expoente foi, sem sombra de dúvidas, Oskar von Büllow, responsável, em grande parte, pelo reconhecimento da autonomia da ciência processual. Naturalmente, o empenho aplicado na separação, a todo custo, entre direito material e processo ocasionou, a seu turno, grande prejuízo à efetividade da prestação jurisdicional (estritamente ligada à tutela do direito substancial), que se viu menosprezada em detrimento da necessidade de “isolamento” do direito processual, desprendendo-o de suas origens (nas quais figurava, repita-se, como mero apêndice do direito material). 1 Advogada em Salvador/Ba, Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Faculdade Jorge Amado. E-mail: [email protected] 1 Sob a influência da teoria científica do direito processual foram promulgados os diplomas processuais pátrios de 1939 (Decreto-Lei nº 1608/39) e de 1973 (Lei nº 5869/73). Constatou-se, entretanto, com o passar do tempo, que o direito processual, malgrado reconhecida a sua autonomia, fixados os seus princípios e normas próprias e delineada a sua distinção relativamente ao direito material, não estava cumprindo adequadamente o seu mister, consistente, a um só tempo, na tutela dos direitos subjetivos e na atuação do direito objetivo2. Com efeito, a necessidade de distanciamento entre direito material e direito processual, se positiva, sob o ponto de vista do reconhecimento do direito processual como ramo jurídico autônomo, foi extremamente prejudicial, consoante já se disse, à efetividade da tutela jurisdicional, além de comprometer, por conseguinte, a celeridade e a segurança que devem nortear a prestação jurisdicional. Surge, nesse diapasão, uma terceira fase na evolução histórica do direito processual, denominada de fase instrumentalista, em virtude da qual passou-se a enxergar a necessidade de reaproximação entre o direito processual e o direito material, reconhecendo àquele a função de instrumento para a realização da justiça (fato que, ao revés de retirar-lhe importância, muito o dignifica). Desse modo, cumprindo-lhe veicular não apenas uma prestação jurisdicional justa, como, sobretudo, efetiva e célere (mormente porque a justiça tardia nada mais é, em verdade, que uma injustiça), sem que fosse afastada a necessidade de atendimento à segurança jurídica, passou o direito processual a cuidar, mais de perto, do problema atinente à efetividade da tutela jurisdicional, que consiste, em breves linhas, na necessidade de “proporcionar a quem tenha razão, até onde seja praticamente possível, ‘tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem direito de conseguir.’”3 Referido cenário teórico reverberou no campo prático, sobretudo no do direito processual civil brasileiro, a cujo estudo nos detemos nesse momento, dando início a 2 Filio-me, no particular, à corrente mista, que salienta serem duas as finalidades precípuas do direito processual civil: atuação do direito objetivo e tutela dos direitos subjetivos. Para a corrente objetivista, a finalidade circunscrever-se-ia à atuação do direito objetivo, enquanto que, para a subjetivista, limitar-se-ia à tutela dos direitos subjetivos. Sobre o assunto: Ovídio Batista da Silva e Fábio Gomes, “Teoria Geral do Processo Civil’, 3ª ed., 2002, pp.42/43. 3 José Carlos Barbosa Moreira, “Tutela sancionatória e tutela preventiva”. In “Temas de Direito Processual”, 2ª série, p.21. 2 uma série de reformas que vêm sendo implementadas no Código de Processo Civil vigente, com vista a adequá-lo a essa nova realidade, primando-se pela efetividade da tutela jurisdicional4. Por outro lado, não se há de negar que os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal são ferramentas indispensáveis à plena realização da justiça, haja vista que a efetividade sem justiça é conceito esvaziado em sua essência e em sua finalidade primordial. E, para a consecução da justiça, deverá ser dada a ambas as partes igualdade de condições de demonstrar que direito deve ser amparado, que pretensão deve ser acolhida, enfim. Visando ampliar o espectro de incidência desses princípios (ampla defesa, contraditório e devido processo legal), a Lei nº 10.358/2001 acresceu, ao Código de Processo Civil pátrio, especificamente na Seção VII (Da Prova Pericial) do Capítulo VI (Das Provas) do Título VIII (Do procedimento Ordinário) do Livro I (Do Processo de Conhecimento), o art. 431-A, cuja redação é a seguinte: “As partes terão ciência da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova”. Sendo a prova o instrumento basilar de formação do convencimento do magistrado, o qual, a partir dela, avaliará que versão trazida aos autos pelas partes melhor se coaduna à realidade nele demonstrada e comprovada, proclamando, assim, a sua decisão acerca da lide posta à sua apreciação, deve-se assegurar, da maneira mais completa e isonômica possível, a participação dos litigantes na formação do conjunto probatório dos autos, o que somente ocorrerá se puderem eles acompanhar a sua produção e, uma vez colhida a prova, for-lhes dada a oportunidade de manifestação acerca do resultado por meio dela obtido. Desse modo, a análise que será feita acerca do art. 431-A do CPC tem por escopo a identificação de suas implicações práticas no que tange ao curso do processo e à validade da prova pericial nele produzida. Seguindo tal escopo, demonstraremos, 4 Relevantes alterações foram introduzidas, com efeito, pelas Leis nº 10.352/2001, 10.358/2001 e 10.444/2002, objetivando garantir maior efetividade à tutela jurisdicional. Todavia, em razão dos estritos limites deste trabalho, não será possível pormenorizá-las, cabendo, apenas a título exemplificativo, a enumeração de duas dessas mudanças: a) art. 273, §7º, do CPC, ao cuidar da fungibilidade formal entre providências antecipatórias e cautelares; e, b) art. 520 do CPC, ao ampliar as hipóteses em que a apelação será recebida somente no seu efeito devolutivo. 3 inicialmente, o papel do art. 431-A do CPC como veículo de concretização dos princípios constitucionais do processo, quais sejam, os do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal. Posteriormente, faremos uma abordagem sumária acerca do sistema de nulidades processuais adotado pelo Código de Processo Civil brasileiro, destacando a sua aplicabilidade à prova pericial em decorrência do quanto preconizado pelo art. 431-A do CPC. Num terceiro momento, será ressaltada a importância prática do artigo em comento, para, então, relatar os modos pelos quais o comando normativo nele inserto poderá ser efetivado. 2. O ART. 431-A DO CPC E SUA RELAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO: CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL Consoante já salientado alhures, o art. 431-A do CPC tem por função precípua dar maior aplicabilidade prática aos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, os quais se encontram previstos no art. 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal do Brasil e cujo desatendimento maculará o processo de nulidade absoluta. O princípio do devido processo legal, considerado pela doutrina como princípio-mãe, do qual derivariam, dentre outros, os princípios da isonomia, da ampla defesa e do contraditório5, pode ser conceituado como sendo “o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição. Compreende-se modernamente, na cláusula do devido processo legal, o direito do procedimento adequado: não só deve o procedimento ser conduzido sob o pálio do contraditório(...), como também há de ser aderente à realidade social e consentâneo com a relação de direito material controvertida.”6 5 sobre o tema, vide Alexandre Freitas Câmara, “Lições de direito processual civil”, 8ªed, p.31. Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, “Teoria Geral do Processo”, 14ª ed., p.82. 6 4 Diante de tal conceito, mostra-se evidente o papel exercido pelo art. 431-A do CPC na realização do princípio do devido processo legal, dado que garante o exercício, pelas partes, de uma faculdade processual. Explica-se: às partes é facultada, além da apresentação de quesitos, a indicação de assistentes técnicos, por força do quanto enunciado pelo art. 421, § 1º, I, do CPC. Todavia, de nada adiantaria a indicação de assistente técnico se este não fosse avisado, com certa margem de antecedência, da data em que seriam iniciados os trabalhos periciais. O direito da parte de designar um profissional para acompanhar a perícia e sobre ela emitir o seu próprio laudo esvaziar-se-ia, uma vez que, não estando presente no momento da produção da prova (exame médico, vistoria, etc), ao assistente técnico restaria apenas o papel de mero intérprete do laudo pericial produzido pelo perito do Juízo. Assim, o direito ao procedimento adequado impõe a necessidade de acompanhamento, pelos assistentes técnicos e, quiçá, pelas próprias partes, da realização da perícia no exato momento em que esta é produzida, sob pena de afronta ao princípio do devido processo legal. Outrossim, diretamente vinculado ao princípio do devido processo legal, vislumbra-se o princípio do contraditório, cujo conceito relaciona-se, de forma direta e inseparável, com a noção de dialeticidade no processo, evidenciando o direito das partes de colaborarem na sua condução e no seu regular desenvolvimento. Tratando do tema em sua obra “Da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro”, Delosmar Mendonça Júnior7 afirma: “Realmente, concordando com a doutrina que acentua no contraditório o aspecto ‘técnica procedimental’, é preciso apontar que tal técnica é instituída em função de garantir a defesa dos direitos das partes perante o órgão estatal. A adoção do contraditório, no ordenamento jurídico, além de ressaltar a importância desta defesa, decorrente do devido processo legal, este por sua vez consectário do Estado Democrático de Direito, 7 pp. 37/38. 5 efetuando função ordenadora ou sistematizante, atua também com função normogenética, inspirando normas procedimentais incentivadoras da dialeticidade.” Com efeito, a norma constante do art. 431-A do CPC incentiva, indubitavelmente, a dialeticidade no que tange à prova pericial, uma vez que aquela será tanto mais presente quanto maior for a participação dos litigantes na fase de produção da aludida prova, possibilitando-lhes uma intervenção mais efetiva dos seus assistentes técnicos na colheita da prova e na análise acerca da correção do perito do juízo no uso das técnicas tendentes à realização da multicitada prova pericial (ex.: o perito do juízo pode fazer uso de técnica ultrapassada ou cujos resultados não se mostrem tão precisos quanto desejável). Por fim, o princípio da ampla defesa também encontra acolhida no art. 431-A do CPC, haja vista que a ciência às partes da data e local em que serão iniciados os trabalhos periciais visa a que os litigantes possam melhor conhecer os fatos periciados, garantindo-lhes uma mais adequada e eficiente defesa dos seus interesses em juízo. De resto, sendo o contraditório um instrumento de consecução da ampla defesa, estando os citados princípios intrinsecamente ligados entre si por forte vínculo de conexidade, torna-se evidente a influência do supracitado artigo também no que tange ao princípio da ampla defesa. Destarte, demonstrado, em breves linhas, o papel do art. 431-A do CPC como veículo de concretização dos princípios constitucionais do processo, cumpre fazer uma análise do sistema de nulidades dos atos processuais adotado no Código de Processo Civil brasileiro, destacando, de forma especial, a sua aplicabilidade à prova pericial em razão do quanto preconizado pelo artigo supramencionado. 3. BREVE ANÁLISE DO SISTEMA DE NULIDADES PROCESSUAIS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL BRASILEIRO E SUA APLICABILIDADE AO ART. 431-A DO CPC O sistema de nulidades processuais adotado pelo Código de Processo Civil pátrio encontra assento nos seus arts. 243 a 250, podendo, ainda, ser citado o art. 154 do CPC que, apesar de não inserido no Capítulo pertinente às nulidades, a ele se refere. 6 É cediço que os atos processuais, assim como os atos jurídicos em geral, exteriorizam-se segundo uma dada forma, ainda que não determinada pela lei. No campo processual, prepondera o princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual estas se constituem em meio para o atendimento de uma finalidade e não em um fim em si mesmas. Por tal razão, o sistema de nulidades processuais do CPC brasileiro adotou o entendimento em conformidade com o qual, de regra, somente haverá nulidade quando a não observância da forma resultar em desatendimento à finalidade legal ou ocasionar prejuízo. Deve-se, portanto, atentar para esses dois aspectos antes de se declarar a validade/invalidade de um ato processual: a) atendimento à finalidade legal, e; b) ocorrência de prejuízo. Via de regra, os atos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente o exigir (art. 154 do CPC). Pode-se, assim, separar os atos processuais em dois grupos: aqueles cuja forma é expressa e previamente prescrita em lei e aqueles outros para os quais a lei não previu qualquer exigência de forma preestabelecida. No tocante ao primeiro grupo (atos com forma exigida por lei), poderá a lei prescrever determinada forma sob pena de nulidade, hipótese em que o juiz estará autorizado a decretá-la até mesmo de ofício, não podendo, todavia, ser argüida pela parte que lhe deu causa (art. 243 do CPC). Se, entretanto, a lei exigir determinada forma mas não cominar pena de nulidade ao seu desatendimento, será considerado válido o ato se, a um só tempo, alcançou a sua finalidade e não ocasionou prejuízo às partes (arts. 154, 244, 249, § 1º e parágrafo único do art. 250, todos do CPC). Não é por outro motivo que, podendo o juiz decidir o mérito a favor daquele a quem aproveite a declaração de nulidade, deverá ele simplesmente desconsiderá-la (art. 249, § 2º, do CPC). Idêntica regra é aplicável às hipóteses em que nenhuma forma foi prescrita em lei: de nada adianta a prática de um ato se ele não alcança a sua finalidade ou o faz causando prejuízo a uma das partes ou a ambas. De resto, mister se faz salientar que o sistema de nulidades processuais assenta-se, ainda, nos princípios da causalidade dos atos processuais (o ato viciado maculará todos os atos subseqüentes que dele dependam - art. 248, primeira parte, do CPC) e da economia processual, o qual se desdobra em outros dois princípios, quais sejam: princípio do aproveitamento dos atos processuais (regra – art. 250 do CPC) e princípio da renovação dos atos processuais (exceção). 7 Feita uma análise, ainda que superficial, do sistema de nulidades vigente em nosso Código de Processo Civil, resta avaliar a sua aplicabilidade ao art. 431-A do CPC, dispositivo que, sem sombra de dúvida, veicula ato processual, passível, portanto, de controle de validade pelo ordenamento jurídico-processual. Segundo se observa da redação do art. 431-A do CPC, “as partes terão ciência da data e local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova pericial”. (destacou-se) Deve-se perquirir, inicialmente, que sentido deve ser atribuído ao vocábulo ciência: se correspondente a qualquer forma de dar conhecimento a alguém sobre algo ou se o aludido termo deve ser entendido em seu sentido mais estrito, significando a necessidade de intimação da parte, nos moldes previstos nos arts. 234 e seguintes do CPC. Tal distinção revela-se importante porque, a partir dela, classificar-se-á o ato praticado em decorrência do comando inserto no art. 431-A do CPC como ato com forma prescrita ou não prescrita em lei. Ademais, tratando-se de intimação e sendo esta nula quando não observadas as prescrições legais (art. 247 do CPC), poderá o magistrado, de ofício, declarar a invalidade de toda a prova pericial produzida, se desrespeitado o artigo em debate (art. 431-A do CPC). Entendemos que o ato descrito no art. 431-A do CPC (ciência das partes acerca do início dos trabalhos periciais) deve ser praticado sob a forma de intimação, seguindo-se pois, todas as exigências normativas pertinentes à figura legal mencionada (ex.: da publicação da intimação no Diário Oficial, quando cabível, deverão constar os nomes das partes e de seus advogados – art. 236, § 1º, do CPC), sob pena de ser a intimação reputada nula de pleno direito, por força do art. 247 do CPC. Logo, o ato previsto no art. 431-A do CPC enquadra-se naqueles em que a lei prescreve determinada forma, imputando ao ato a pena de nulidade para o caso de descumprimento, vício que pode ser, inclusive, decretado de ofício pelo juiz, não necessitando de provocação da parte interessada. Tratando-se de norma cogente (“as partes terão ciência...”), o seu não cumprimento importará na nulidade do ato praticado de forma contrária à lei, bem assim na 8 dos atos subseqüentes que dele dependam, a exemplo da prova pericial produzida. A respeito, oportuna se revela a transcrição de trecho da obra de José Rogério Cruz e Tucci8: “Veja-se que a regra sob análise é cogente, na medida em que confere direito aos litigantes, de terem oportuno conhecimento da data e do local (e por que não do horário?) da perícia... Eventual inobservância do preceito viciará a prova técnica, tornando-a ineficaz, e, por via de conseqüência, inquinará de nulidade o processo, nos termos do art. 247 do CPC.” Sem embargo do quanto afirmado anteriormente, não se decretará a nulidade do ato praticado em cumprimento ao art. 431-A do CPC se, apesar de não observada a forma prescrita em lei (intimação), for atingida a finalidade legal (ciência das partes acerca do início dos trabalhos periciais) e não acarretar o ato praticado qualquer prejuízo aos litigantes. De igual modo, também deverá ser aproveitada a prova pericial se, apesar de não intimado o litigante na forma prescrita em lei, o resultado da perícia produzida autorizar a que o juiz julgue o mérito a seu favor (art. 244, § 2º, do CPC). 4. SÍNTESE DA IMPORTÂNCIA PRÁTICA DO ART. 431-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Diante do quanto foi exposto nos itens antecedentes, pode-se vislumbrar a enorme importância prática representada pela inserção do art. 431-A do CPC, implementada pela Lei nº 10.358/2001. Segundo nos informa Carreira Alvim9, a Lei nº 10.358/2001 veio repristinar, em parte, a antiga redação dada ao art. 427 do CPC, reformado pela Lei nº 8.455/92, que dispunha que o juiz fixaria por despacho o dia, hora e lugar em que teria início a perícia e o prazo para entrega do laudo. Salienta que a ressalva “em parte” decorre do fato de não ter sido prevista a famigerada audiência de início de perícia, outrora existente e que somente contribuía para atrasar a realização das diligências periciais (ex.: juiz não comparecia à audiência, partes ou o perito não eram intimados, etc.). 8 9 “Lineamentos da nova reforma do CPC”, 2ª ed., p.74. In “Código de Processo Civil reformado”, 5ª ed., pp.77/80. 9 Divisa-se, assim, no CPC vigente, três etapas pertinentes à cientificação das partes acerca do início da prova pericial: até 1992, havia a audiência de instauração de perícia, garantindo à parte o conhecimento do local, dia e horário em que os trabalhos periciais seriam iniciados, mas prejudicando, por outro lado, a celeridade processual; após a Lei nº 8.455/92, a ciência das partes dependeria do bom-senso do perito, a quem ficou delegada a incumbência de informar aos litigantes quando e onde começaria o seu trabalho (não havia norma expressa a esse respeito), fato que comprometia sobremodo a segurança jurídica. Com a mudança introduzida pela Lei nº 10.358/2001, ao inserir o art. 431-A no Código de Processo Civil pátrio, prestigia-se, a um só tempo, os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, de um lado, e os princípios da celeridade (pela não previsão da audiência de instauração da perícia) e da segurança jurídica de outro, todos colaborando na busca da efetividade da tutela jurisdicional e, em última análise, na consecução da justiça. Ademais, o art. 431-A do CPC é pressuposto de validade da prova pericial a ser produzida, de vez que, inexistindo a intimação das partes nele prevista ou sendo aquela irremediavelmente nula, inválida será também toda a perícia realizada, seja por restarem violados os incisos LIV e LV do art. 5º da CF/88, seja, ainda, por força do princípio da causalidade dos atos processuais, regido pelo art. 248, primeira parte, do CPC. Em síntese, pode-se afirmar que a importância prática do art. 431-A do CPC reside nos seguintes elementos: a) o dispositivo em tela incentiva a dialeticidade no processo civil, garantindo, ainda, o pleno exercício, pelas partes, de suas faculdades e direitos processuais (por exemplo, não basta a mera indicação de assistentes técnicos; é necessário que estes possam participar ativamente da produção da prova pericial, acompanhando-a de perto) – confere aplicabilidade prática, pois, aos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal; b) sua observância condiciona a validade da prova pericial. 5. MODOS DE EFETIVAÇÃO DO COMANDO INSERTO NO ART. 431-A DO CPC 10 Conforme dito anteriormente, a ciência de que cuida o art. 431-A deve ser implementada através de intimação, seguindo-se as normas pertinentes, estatuídas nos arts. 234 e seguintes do CPC. Foi afirmado, ainda, que a observância à forma prevista em lei é requisito de validade do ato, em virtude do quanto preconizado pelo art 247 do CPC. Todavia, uma indagação merece ser feita: é possível dar cumprimento ao comando inserto no art. 431A do CPC por outros meios que não a intimação ordenada pelo juiz? A pergunta reveste-se de importância quando se observa que, ao proferir o despacho nomeando perito e determinando a intimação das partes para apresentação de quesitos e indicação de assistentes técnicos, não é possível ao magistrado determinar, de logo, a data em que deverão ser iniciados os trabalhos periciais, sobretudo porque tal fixação depende, por exemplo, da disponibilidade de tempo do perito, o qual sequer tem conhecimento, nessa fase, do mister que lhe foi designado. Pode-se argumentar, a esse respeito, que a questão estaria sanada se o juiz, ao proferir despacho designando o perito do juízo, entrasse previamente em contato com este para que ele informasse a data em que pretenderia iniciar os trabalhos. Em sendo tal solução possível, nada impede que seja adotada, desde que se respeite o lapso de tempo razoavelmente necessário à publicação da intimação das partes e o prazo para que apresentem quesitos e indiquem assistentes técnicos. Entretanto, a questão torna-se mais tortuosa quando, por exemplo, se tratar de ação cautelar de produção antecipada de prova pericial, em que o despacho que nomear o perito determinará não a intimação (por Diário Oficial, via de regra), mas sim a citação da parte ré, providência que demanda um tempo maior e, por vezes, incalculável (ex.: expedição do mandado de citação, entrega do mandado ao oficial, cumprimento da diligência pelo oficial, juntada do mandado cumprido aos autos, respeito ao prazo para formulação de quesitos e indicação de assistente técnico, etc.). Em tal hipótese, há de se convir que a solução antes cogitada dificilmente será eficaz. Por outro lado, também se reconhece que em diversos casos o cumprimento do art. 431-A do CPC importará em grave prejuízo à celeridade processual, de vez que o juiz, uma vez informado, pelo perito, da data e local onde a perícia ocorrerá, terá de 11 proferir despacho, dele intimando, com uma certa antecedência, as partes, sob pena de restar inválida, como antes se disse, toda a prova pericial colhida. Tomando em conta tais circunstâncias e ante a sistemática adotada pelo nosso CPC no que tange às nulidades processuais, exigindo a convergência de dois requisitos para a validade do ato processual praticado em desacordo com a forma legalmente prescrita (atendimento à finalidade legal e inexistência de prejuízo), chega-se à conclusão de que, afora a intimação, outros meios devem ser reputados válidos para fins de se considerar atendida a exigência constante do art. 431-A do CPC, mormente em razão do princípio da instrumentalidade das formas. São exemplos: e-mail encaminhado às partes, desde que comprovado o seu recebimento (por meio de resposta confirmatória), o mesmo valendo para fax, carta com aviso de recebimento encaminhada pelo próprio perito, telefone, telegrama, etc. A adoção das aludidas providências, que poderão ser concretizadas, repita-se, pelo próprio perito, contribuirá no atendimento à celeridade processual, sem olvidar os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, bem assim o da segurança jurídica. E, atendendo-se à finalidade visada pela lei, sem que haja prejuízo a qualquer das partes, o ato deverá ser reputado válido, sobretudo em razão do princípio da instrumentalidade das formas. A respeito, cumpre transcrever lição de Fredie Didier Júnior10: “Agora, pois, cabe ao juiz intimar as partes do dia de início das diligências, determinado por ele ou designado pelo perito, para que possam enviar os seus assistentes, que fiscalizarão a realização da perícia. Cabe salientar, como bem apontou Salomão Viana11, que o próprio perito poderá providenciar a comunicação às partes, por qualquer meio idôneo, da data do início dos trabalhos; aliás, como já poderia fazer por força do art. 429 do CPC.” 10 Flávio Cheim Jorge, Fredie Didier Júnior e Marcelo Abelha Rodrigues, “A nova reforma processual”, 2ª ed., pp. 57/58. 11 Juiz Federal titular da 4ª Vara da Seção Judiciária do Estado da Bahia. 12 Corrobora com tal entendimento, ainda, J. E. Carreira Alvim12, verbis: “Recomenda-se que os peritos, uma vez designados dia e local da prova, tomem a iniciativa de fazer a comunicação às partes e seus advogados, por qualquer meio de comunicação, desde que possa ser comprovado (telefone, carta missiva, fax, telegrama, internet), comunicando-o ao juiz por ofício, não devendo aguardar que essa providência seja tomada pelo juiz, com o que só haverá atraso no cumprimento da diligência.” Poderá o perito informar o juízo acerca do cumprimento da diligência determinada no art. 431-A do CPC no corpo do próprio laudo pericial, não sendo necessário, a nosso ver, o encaminhamento de ofício para tal mister, guardado o devido respeito ao entendimento acima transcrito. Frise-se, por fim, que o comparecimento espontâneo da parte (e/ou de seu assistente técnico) suprirá eventual vício existente no cumprimento da exigência preconizada no art. 431-A do CPC, conclusão a que se chega em decorrência não apenas da aplicação analógica do art. 214, § 1º, do CPC (referente à citação), como, também, em virtude do postulado segundo o qual não haverá nulidade sem prejuízo. Destaque-se, por fim, que a intimação deverá ser feita na pessoa dos advogados das partes, os quais se encarregarão de informar os respectivos assistentes técnicos, dando-lhes, assim, oportunidade de acompanhamento da perícia a ser realizada. 6. CONCLUSÕES Diante dos argumentos acima explicitados, podem ser extraídas as seguintes conclusões: 1. As reformas que vêm sendo implementadas no CPC pátrio são reflexo da fase instrumentalista do processo civil, que denota uma reaproximação entre direito processual e direito material, além de uma maior preocupação com a efetividade da tutela jurisdicional; 12 “Código de Processo Civil reformado”, 5ª ed., pp. 79/80. 13 2. O art. 431-A do CPC, acrescido ao citado diploma legal por força da Lei nº 10.358/2001, teve por escopo primordial garantir a aplicabilidade prática dos princípios constitucionais do processo: devido processo legal, contraditório e ampla defesa, possibilitando uma participação mais efetiva dos litigantes na fase de produção da prova pericial, garantindo, com isso, o pleno exercício de suas faculdades e direitos processuais no campo probatório; 3. A norma inserta no art. 431-A do CPC é pressuposto de validade da prova pericial; 4. A ciência às partes do início da prova pericial deve ser dada por meio de intimação. Desobedecendo-se a forma prescrita em lei, o ato será, a priori, nulo (art. 247 do CPC); 5. Tendo, todavia, sido adotado, no âmbito do processo civil pátrio, o princípio da instrumentalidade das formas, o ato de ciência será válido se, apesar de descumprida a forma, atender à finalidade legal e não ocasionar prejuízo; 6. Visando, pois, garantir a celeridade e a efetividade processuais, pode o próprio perito suprir a ausência de intimação informando às partes, por qualquer meio hábil (telefone, fax, carta, e-mail, etc.), acerca do local, da data e da hora de realização da perícia, hipótese em que se considerará cumprida a exigência constante do art. 431-A do CPC; 7. Por fim, comparecendo a parte espontaneamente ao local da perícia, restará suprida a ausência de intimação. 7. BIBLIOGRAFIA ALVIM, J.E. Carreira. Código de Processo Civil reformado. 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2003. 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