EDUCAÇÃO FINANCEIRA COMO EVITAR QUE O DINHEIRO ESTRAGUE A VIDA DOS SEUS FILHOS? 52 REVISTA RI Setembro 2013 “Você não precisa se preocupar com nada. O dinheiro resolverá qualquer problema”. Essa é a mensagem que muitos jovens ricos de Nova Deli costumam receber de seus pais, desde a infância. A triste realidade de garotas e rapazes que dirigem Lamborghinis, Jaguars e Porsches, usam roupas e acessórios Prada e Gucci e bebem drinques que custam centenas de dólares foi apresentada em uma recente e polêmica reportagem do Wall Street Journal online. por JURANDIR SELL MACEDO A correspondente indiana Vibha Kumar relatou a vida de suas amigas ricas que hoje têm uma desmotivação tão grande quanto a fortuna de seus pais. “Ela [a amiga] me contou que está extremamente depressiva e sente que a vida não vale a pena. Ela não é a única jovem rica de Nova Deli a se sentir assim,” revela a jornalista. Em seguida descreve o caso de outra amiga que, aos 13 anos, pediu aos pais um laptop de ponta e o ganhou imediatamente. “Mas você não vai ganhar mais nada esse ano depois disso... E da viagem de férias ao Cairo,” alertaram os pais. O psiquiatra Sanjay Chugh, que atende esses jovens, diz que os sintomas que eles apresentam incluem necessidade constante de gratificação instantânea, sentimento de vazio interior, falta de propósito e uso excessivo de álcool e drogas. Mas por que isso acontece? E mais: será que existe uma forma de evitar que filhos que crescem em um ambiente confortável sintam-se desmotivados e sem desafios? CRIAR FILHOS RICOS E BATALHADORES Escutei certo dia de um cliente: “infelizmente nunca consegui segurar um cavalo encilhado para meus filhos montarem. Eles tiveram que aprender desde muito cedo a pular nas crinas de cavalos xucros”. Na tradição dos pampas, cavalo encilhado significa aquela oportunidade imperdível. Os gaúchos costumam dizer que, se um cavalo encilhado passa na nossa frente, devemos montar o quanto antes, pois isso raramente acontece. Muitas pessoas só conseguem vencer na vida segurando as oportunidades com garra e determi- nação. Mais tarde, quando têm filhos e netos, sofrem por poder colocar as oportunidades na frente deles e ver que, mesmo assim, eles não as aproveitam. Não poder ajudar um filho quando ele precisa causa grande sofrimento para um pai ou uma mãe. O dinheiro pode mesmo ajudar muito na criação dos filhos. Podemos usá-lo para pagar boas escolas, cursos de idioma e esportes, viagens e programas culturais, bons planos de saúde e permitir que eles se dediquem aos estudos sem precisar trabalhar. Podemos até conseguir para eles bons empregos ou investir em uma primeira iniciativa empresarial. Por outro lado, as facilidades que o dinheiro traz podem tirar dos filhos a garra que eles precisam ter para enfrentar os desafios do mundo. Em minha experiência como planejador financeiro descobri que criar filhos com muito dinheiro pode ser tão ou mais difícil do que criar filhos na dificuldade. Para famílias acostumadas a viver com pouco muitas vezes é normal os pais dizerem que não podem comprar tudo que os filhos querem. Mas as famílias endinheiradas devem fazer um esforço adicional. Os pais precisam mostrar aos filhos que podem dar, mas que não querem dar. Somente recebendo “nãos” desde a mais tenra idade essas crianças poderão desenvolver a garra necessária para encontrar caminhos alternativos e conquistar o que quiserem de verdade. Setembro 2013 REVISTA RI 53 EDUCAÇÃO FINANCEIRA O que Bill Gates, Ted Turner, Michael Bloomberg, Willian Barron Hilton e Warren Buffett têm em comum? Uma fortuna bilionária, claro. Mas, além disso: nenhum deles pretende deixar herança para os filhos e netos. Todos dizem que pretendem doar a maior parte do patrimônio a instituições filantrópicas e saber que “o cheque do coveiro pode voltar”, como afirma Bloomberg. Ganhar um apartamento enorme e um carro de luxo ao começar a vida adulta pode parecer um sonho. Mas com esses presentes vêm junto obrigações, como despesas com condomínio, IPTU, IPVA e outros gastos que o salário de um recém-formado dificilmente comporta. É o primeiro passo para prolongar indefinidamente a dependência financeira. Filhos que vão embolsar grandes heranças precisam ter noção de que estão recebendo junto um legado, que precisa ser cuidado. O dinheiro traz benefícios, mas vem acompanhado de enormes responsabilidades. Famílias que têm sucesso por muitas gerações se dedicam com afinco à formação dos herdeiros, oferecendo boas noções de educação financeira. HERANÇA: SEMENTE OU ERVA DANINHA? O que Bill Gates, Ted Turner, Michael Bloomberg, William Barron Hilton e Warren Buffett têm em comum? Uma fortuna bilionária, claro. Mas, além disso: nenhum deles pretende deixar herança para os filhos e netos. Todos dizem que pretendem doar a maior parte do patrimônio a instituições filantrópicas e saber que “o cheque do coveiro pode voltar”, como afirma Bloomberg. Se os bilionários americanos não vão mesmo deixar heranças gigantescas para os filhos e os filhos dos filhos, só o tempo vai confirmar. Mas para os descendentes deles, crescer com a ideia de que não poderão depender financeiramente da família para sempre certamente é um motivador para seguir o próprio caminho. Por mais fáceis que sejam suas vidas, dificilmente sofrerão do mesmo mal que atinge os pobres jovens ricos da Índia. RI Muitos deles batalharam para conquistar o enorme patrimônio. Em geral, pensaríamos ser natural se quisessem deixar uma herança para os que descendentes não precisem enfrentar as mesmas dificuldades e também para que possam multiplicá-la por gerações. Entregar uma fortuna para os filhos é, afinal, o objetivo de muitos pais. Mas isso nem sempre é bom. Crescer com a ideia de uma herança pode ser na verdade muito negativo, porque o herdeiro corre o risco de aprender a viver nesta dependência. 54 REVISTA RI Setembro 2013 JURANDIR SELL MACEDO é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). [email protected]