ID: 43443645 26-08-2012 Tiragem: 46555 Pág: 14 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 27,21 x 30,48 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 1 de 3 Filhos únicos poderão atingir recorde na geração dos que têm quase 40 anos A geração que está entre os 35 e 40 anos vem adiando a vinda do primeiro e segundo filhos, mas ainda sonha ampliar a família. No entanto, a crise pode ajudar a gorar expectativas Famílias Catarina Gomes Pela primeira vez em três gerações, as famílias de filho único poderão tornar-se maioritárias na geração dos que estão entre os 35 e 40 anos, atingindo mais de um terço do total e superando assim as que têm dois filhos. São conclusões de um inquérito nacional feito no âmbito do estudo Trajectórias Familiares e Redes Sociais: Percursos de Vida numa Perspectiva Intergeracional, realizado por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. O estudo perguntou a homens e mulheres de três gerações de portugueses o número de filhos que têm. Escolheram primeiro os que nasceram entre 1935 e 1940 – que tinham à data do inquérito (2010) entre 70 e 75 anos –, viveram as suas vidas em ditadura, antes de haver contracepção fiável. Aqui, a maioria das famílias (37%) teve proles de Filhos por casal Casais com um filho predominam na “Geração de 70”, em percentagem Sem filhos 7% 9 1935-40 1950-55 1970-75 22 22 23 1 filho 35 34 2 filhos 43 31 3 ou mais 37 25 13 Média 2,65 1,98 1,38 1935-40 1950-55 1970-75 Fonte: Obs. das Famílias e das Políticas de Família, ICS/UL três ou mais filhos, seguidos dos que tiveram dois (34%), e com um peso muito menor das famílias de filho único (22%) e ainda menos das sem filhos (7%). Os nascidos entre 1950 e 1955 – que tinham entre 55 e 60 anos quando foram inquiridos – viveram as suas vidas já com o acesso à pílula e numa época em que uma das autoras do estudo, a socióloga Vanessa Cunha, chama de “glorificação da era do casamento”. Neste grupo estão claramente na dianteira as famílias de dois filhos (43%), seguido por 25% com três ou mais filhos e mantém-se quase o mesmo valor da geração anterior no que diz respeito aos filhos únicos (23%) e sem filhos (9%). Por fim, tentaram ter o retrato de uma geração nascida já em democracia e que está na recta final do seu período reprodutivo (nascidos entre 1970 e 1975), numa época caracterizada pelo declínio da fertilidade. E neste retrato, que ainda não está fechado (uma vez que se considera que as mulheres podem ter filhos até à menopausa), as mudanças são claras: pela primeira vez em três gerações, as famílias de filho único poderão ficar em maioria (35%), seguidas das de dois filhos (31%). Como grande mudança surge também a duplicação dos que não têm filhos, com mais de um quinto do total (22%), distantes ficam os que têm famílias numerosas de três ou mais rebentos (13%). Mas a socióloga Vanessa Cunha realça que uma coisa é a realidade, outra são os desejos. É que questionados quanto ao número de filhos que gostariam de ainda vir a ter, esta geração quer ter bastante mais descendência do que a que têm: a maioria (44%) responde que quer chegar aos dois, desce em 10% (para 25%) os que querem mesmo ficar-se pelo filho único, valor que também é mais baixo nos que não querem mesmo ter filhos (11%). Caso levem adiante os seus sonhos, 20% gostariam de ter três ou mais filhos. Mas será que a realidade vai ficar mais próxima da dimensão actual das famílias ou os que o desejam conseguirão ampliar a sua família Pela primeira vez em três gerações, as famílias com um único filho poderão ficar em maioria para o tamanho desejado? Vanessa Cunha nota que em demografia é sabido que “os ideais ficam sempre aquém das práticas”. A juntar a esta constatação teme que, face à conjuntura actual, a crise faça com que esta geração não chegue a ter os filhos que deseja e aumente o peso das famílias de filho único e das sem filho, uma vez que “adiar mais, já no final do ciclo reprodutivo, pode levar a que não cumpram os seus objectivos. Esta é uma geração que já adiou muito e em que todas as condições para ter filhos estão deterioradas”. Questionados sobre as razões que os levam a adiar a vinda de um segundo filho escolhem “as preocu- pações financeiras”, seguindo-se a “vida profissional demasiado exigente (falta de tempo ou vontade)” e a “falta de suporte familiar”; no grupo dos que se recusam mesmo a ter um segundo filho surge “o custo demasiado elevado da educação”, “a instabilidade laboral” e “a falta de apoios públicos (creches e infantários, benefícios sociais)”. “O desemprego fecha a porta a segundo filho, 82% dos inquiridos sem emprego não querem ter segundo filho”. Vanessa Cunha acrescenta ainda que são vários os estudos que constatam que a instabilidade de políticas na área faz com que as famílias recuem. “Quando o Estado recua, não se pode esperar milagres.” Refere-se, por exemplo, à retirada de abonos de família, não pelos valores em causa, mas pela mensagem que passa. “O que é importante é a estabilidade ao nível das políticas públicas para que quando as pessoas fazem escolhas saibam que as regras do jogo não vão mudar a meio, apesar da economia.” Na sua opinião, a crise deverá assim aumentar o peso das famílias de filho único, que já era mais alto do que a maioria dos países europeus. Num estudo demográfico realizado em 2008, desta feita analisando o tamanho da prole dos nascidos em 1963 (à data com 45 anos), Portugal já era, dos 19 países analisados, o segundo com maior proporção de filhos únicos (31,9%), apenas supera- ID: 43443645 26-08-2012 Tiragem: 46555 Pág: 15 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 27,28 x 30,41 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 2 de 3 31,9% Um estudo demográfico feito em 2008 já mostrava que 31,9% dos portugueses com 45 anos (nascidos em 1963) tinham um único filho PAULO PIMENTA Dória ainda não tem tempo para mais um filho Há sempre uma vozinha interior na cabeça que tem de estar ligada, diz Dória Santos. Para esta mãe, ter um filho único significa estar sempre em estado de alerta para tentar fazer um jogo de compensação para que ele não esteja demasiado no centro de tudo. Por ser psicóloga, “eu ainda penso mais nisso”. Dória, de 36 anos, tem dois irmãos, partilhou quarto com a irmã e lembra com saudade os serões das duas a falarem até de madrugada, na adolescência teve de trabalhar nas férias para comprar as coisas extras que queria. E essa vivência marcoua, pela positiva. Defende que numa família em que existe mais de um irmão é natural este jogo de “isto é para ti e para o teu irmão; com um filho único tem de haver um esforço de automoderação, senão as crianças ficam autocentradas. Numa família de irmãos flui”. Dória diz que é complicada esta conversa de falar como mãe mas, ao mesmo tempo, ter na memória os casais que atende no consultório privado. Vê muito pais que dizem querer ficar por um, “tenho para um, vou-lhe dar o melhor que tenho”, pais assustados com “o papão da crise”. Não os censura, todos os dias entram pelas casas adentro notícias de empresas que fecham, aumento dos números do desemprego. Como psicóloga tenta desmontar estes medos, até porque as pessoas que têm acesso a consultas de psicologia não estão no limiar da pobreza, são pessoas que lhe dizem que ficaram sem subsídios de férias e de Natal mas depois pergunta-lhes o que tiveram de mudar na vida, falam-lhe de não poderem fazer férias no estrangeiro, terem de cancelar a assinatura da revista X. “A crise é real mas também está na nossa cabeça. Eu tento não me deixar levar pelo medo”, por exemplo, não adiando planos com ideias como “e se eu perder o emprego”. Dória tem 36 anos, o marido tem 38 anos e falam um com outro, vagamente, na ideia de que não quererem que André fique único. Mas para Dória o adiamento da vinda de um segundo filho, com tempo indefinido, não se faz por razões financeiras, apesar de nenhum deles ter vínculo laboral – o marido é músico a recibos verdes –, tem muito mais a ver com a falta de tempo e de disponibilidade para estar com os filhos. O André tem “horário de criança”, acaba o infantário por volta das 17h, ela tem dias em que vem do consultório às 21h. “Para mim, é uma questão de energia emocional e menos de recursos.” Quer ter mais um filho mas não tem data, só pensa que sete anos é demasiada diferença de idades entre irmãos. Sabe que tem 36 anos e que “somos seres biológicos”, só espera não ser apanhada na armadilha de não poder escolher e André acabar mesmo por se tornar filho único. C.G. A norma diz que um é pouco, três é de mais “Adiar mais, no final do ciclo reprodutivo, pode levar a que não cumpram os seus objectivos. Esta é uma geração em que todas as condições para ter filhos estão deterioradas” do pela Federação Russa (37%). A tendência é ir adiando tanto a chegada do primeiro filho como a vinda de um segundo, mas o estudo encontrou diferenças sociais: são as classes mais escolarizadas que mais adiam a vinda do primeiro filho, mas depois têm o segundo com pouco tempo de diferença (com dois a quatro anos), no caso de grupos mais desfavorecidos a vinda do primeiro filho acontece mais cedo, mas depois adia-se a vinda do segundo filho por razões financeiras, com maiores intervalos entre irmãos (mais de cinco anos). Já “ter um terceiro filho é um sinal de distinção social, é um factor em crescimento em classes médias altas”. Apesar do aumento do peso das famílias de filho único, “a norma social” são os dois filhos por casal, pensa-se que “um é pouco, três é de mais”, refere Vanessa Cunha, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. O reverso da medalha é o estigma que persiste: o de que quem fica sem irmãos padece de defeitos de personalidade. A psicóloga Otília Monteiro Fernandes defende que há mesmo características do filho único. Continua a ser verdade: “A sociedade só descansa quando as pessoas têm um segundo filho”, nota Vanessa Cunha. Porquê? Pode referir-se, por exemplo, que “o papel do segundo filho psicologicamente é a reprodução do casal, é o deixarmonos a nós mesmos, daí a importância de ter o casalinho”. Mas nem sempre foi assim, assinala, “nas gerações mais velhas o ideal era ter três filhos”, a transição para a norma dos dois filhos aconteceu dos anos 1970 para anos 1990. Mas esse ideal pode estar a baixar. A investigadora constata que dados do Eurobarómetro (que acompanha a evolução de valores dos europeus) dizem-nos que “esse ideal dos dois filhos já desceu na Alemanha e na Áustria, um efeito da normalização da descendência pequena, o que quer dizer que há pessoas que já acham normal a descendência de um filho”. Vanessa Cunha defende que mesmo “na sociedade portuguesa a aceitação de ficar só com um filho já é grande, devido ao argumento da precariedade e da dificuldade de conciliação família-trabalho. É aceite que para ter filhos tem de se ter condições, não vale tudo”. Mas persiste “o estigma do filho único, de que é mimado, de que não sabe partilhar”. Na tese de “O desemprego fecha a porta a ter um segundo filho” Vanessa Cunha Socióloga doutoramento que a professora de psicologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Otília Monteiro Fernandes realizou sobre diferenças e semelhanças de personalidades entre irmãos, afirma ter encontrado características próprias de quem é filho único. “Os próprios filhos únicos avaliam-se como tendo poucos amigos, poucas competências sociais.” E esta foi a grande diferença que encontrou, uma sociabilidade mais difícil. A docente, que é autora dos livros Semelhanças e Diferenças entre Irmãos (Climepsi) e Ser Único ou Ser Irmão (Oficina do Livro), diz que se aprende “a ser social” em muitos contextos, mas que “a grande aprendizagem da fraternidade é na família”. A psicóloga Gabriela Moita olha a coisa ao contrário, “o filho único vai ter de procurar fora o que não tem dentro”, podendo assim tornar-se mais sociável. “O importante é estabelecer relações e que as crianças tenham outras crianças com quem se relacionar. Temos crianças de todo o tipo em famílias de todo o tipo.” ID: 43443645 26-08-2012 Tiragem: 46555 Pág: 1 País: Portugal Cores: Cor Period.: Diária Área: 5,17 x 4,81 cm² Âmbito: Informação Geral Corte: 3 de 3 Filhos únicos já dominam geração dos 35-40 anos Estudo mostra que famílias de filho único podem tornarse maioritárias naquela faixa etária, superando as que têm dois filhos p14 /15