O Dia da Mulher: história ou mito?
Marta Gouveia de Oliveira
Rovai
Professora Especialista em História
- Colaboradora convidada pelo
IQE – Instituto Qualidade no
Ensino
No dia 8 de março comemorou-se, em quase todo o
mundo, o Dia Internacional
da Mulher. A escolha de um
dia voltado especialmente
a questões de gênero não
deve ser entendida como
mera marcação cronológica
ou uma oportunidade para
a intensificação do consumo
de artigos considerados
femininos. Nem tampouco
comemorar significa, neste
caso, celebrar. A palavra
aqui ganha o sentido de
lembrar em conjunto, compartilhar uma memória
marcada por derrotas e
conquistas.
O fato que deu origem a
essa “memória herdada”,
com a qual boa parte das
mulheres se identifica, é
motivo de divergência entre
os historiadores. Existiu
durante anos um consenso
de que a repressão violenta
a grevistas em Nova Iorque,
no ano de 1857, teria provocado a morte de cerca de
129 operárias, que reivindicavam melhores condições
de trabalho. A forma como
teriam morrido – num
incêndio provocado pelos
patrões – teria mobilizado
socialistas, comunistas e
trabalhadores em torno
de uma causa em comum:
não deixar que o mundo se
esquecesse do sacrifício e
da luta das mulheres pelos
seus direitos. A cor lilás,
inclusive,
considerada
símbolo do movimento
feminista, faria referência
ao tecido que boa parte das
estadunidenses
estaria
costurando no momento da
paralisação.
No entanto, pesquisadores como Naumi Vasconcelos, Dolores Farias e
Vito Gianotti trataram o
episódio como criação política, um mito construído e
alimentado por trabalhadoras no século XX, em
greves ocorridas em países
da Europa, como forma
de legitimar o movimento
feminino nas fábricas. A
cor lilás teria sido adotada,
posteriormente,
pelas
operárias inglesas para
diferenciar o movimento
feminino da cor vermelha
dos partidos comunistas.
Para contribuir com a
discussão, cabe lembrar
que, mesmo antes de 1857,
as mulheres já haviam
se manifestado, reivindicando sua cidadania.
Pouco se fala, mas durante
a Revolução Francesa,
entre os anos de 1789 e
1793, a participação feminina na revolta contra a
nobreza foi significativa:
mães carregando seus
filhos lideraram ataques
aos castelos e terras dos
senhores que oprimiam as
camadas pobres da França.
Dentre elas, Marie Olympe
de Gouges, uma escritora
que chegou a redigir a
Declaração dos Direitos da
Mulher e da Cidadã, em
1790. Nesse documento,
Gouges procurava lembrar
aos homens que haviam
elaborado a Declaração
dos Direitos do Homem e
do Cidadão, um ano antes,
que suas companheiras
deveriam ser tratadas
como igualmente cidadãs.
Isso significava que elas
também poderiam decidir
sobre o uso de seu corpo,
sobre o desejo de se casar e
ter filhos, o que significava
ter autonomia em relação
aos seus maridos. Por esta
ousadia, ela foi condenada
à morte na guilhotina pelos
“revolucionários”, não sem
antes afirmar que se uma
mulher poderia subir ao
cadafalso e morrer por suas
ideias, assim como o sexo
masculino, isso indicava
que a ela também cabia o
direito de subir em um tribunal para se manifestar.
Teria Marie Olympe
de
Gouges
declarado
isto antes de morrer? Ou
novamente teríamos um
trabalho de construção da
memória atuando sobre a
história?
Dúvidas e divergências
à parte, o que nos importa
saber é que, assim como
a história alimenta a
memória, a memória é
capaz de transformar a
forma como entendemos a
história. No caso das comemorações sobre as mulheres
– não existe uma entidade
única chamada Mulher confundir a verdade com o
mito importa menos do que
entender que o processo de
luta, por direitos iguais
aos dos homens e por
direitos próprios do que
culturalmente entendemos
como feminino, deve servir
sempre como referência
para repensarmos as relações sociais, em especial os
problemas e aspirações de
gênero que ainda permanecem em aberto no nosso
tempo.
Uma data, como o dia
8 de março, é apenas um
marco que serve de alerta
constante para que não
esqueçamos que o passado
– acontecido ou inventado – dialoga conosco no
sentido de que há muito
ainda a se refletir, a se
resolver e a se conquistar
no presente.
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