Palestra II – Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura –
CONTAG
Palestrante: Cléia Anice da Mota Porto
Assessora de Reforma Agrária da CONTAG, formada em Direito, Especialista em
Gestão de Projetos de Assentamento de Reforma Agrária
Considerações sobre o Licenciamento Ambiental em Projetos de
Assentamento de Reforma Agrária
Síntese da exposição da CONTAG
no Seminário Nacional sobre Licenciamento Ambiental
de Assentamento de Reforma Agrária realizado em
Brasília de 19 a 23 de setembro de 2005
ANTECEDENTES:
Para se falar em dificuldades e avanços decorrentes da instituição do
licenciamento ambiental em projetos de assentamento de reforma agrária, é
importante antes, considerar alguns aspectos decorrentes do modelo de ocupação
e exploração adotado secularmente para o campo brasileiro.
As propostas e ações voltadas ao desenvolvimento rural no Brasil, nunca tiveram
a Reforma Agrária como prioridade e sempre privilegiaram a concentração da
terra e os modelos de exploração agropecuária voltados para concentração da
terra e na monocultura para exportação, onde o enfoque econômico-financeiro se
sobrepõe à dimensão socioambiental e cultural da população. Este modelo de
desenvolvimento fez aprofundar a exclusão social, o desemprego, a concentração
da terra e da renda e a violência no campo, além de ser insustentável ao longo do
tempo, por demandar elevados recursos naturais não renováveis e limitados.
Estes efeitos negativos, entretanto, nunca foram reconhecidos pelo Estado
brasileiro que, ao longo da história, sempre construiu políticas públicas e
concedeu créditos altamente subsidiados para o fortalecimento da grande
propriedade e para a produção de monoculturas. Esta opção histórica, inclusive,
forjou o setor agrícola altamente dinâmico de hoje, chamado de agronegócio. (Ex:
Através da política cafeeira, da criação do IAA, da criação do CEPLAC, da
revolução verde, com as renegociações de dívidas, etc). Mesmo o governo atual,
para responder às exigências dos ruralistas e da política financeira, continua
investindo no fortalecimento do agronegócio exportador, visando, principalmente,
a ampliação do mercado de commodites e produção de saldos da balança
comercial.
Por outro lado, a reforma agrária sempre se deu à conta-gotas, em ações pontuais
e isoladas e fruto da pressão social. Os limites impostos à reforma agrária são
abrangentes - políticos, institucionais, administrativos, financeiros, legais, etc.
Estes limites impuseram aos assentamentos dificuldades de toda ordem, como por
exemplo:
Assentamentos realizados nas piores terras e em áreas degradadas
Insuficiência e descontinuidade na execução das ações
Baixos investimentos em infra-estrutura social e produtiva
Créditos insuficientes e quase sempre liberados fora do prazo
Neste contexto, os assentamentos que já sofriam toda a sorte de críticas por parte
de seus opositores, passaram a ser classificados, também, como vilões do meio
ambiente. Para tentar minorar as críticas, o governo FHC forçou a elaboração e
aprovação da Resolução 289 do CONAMA a toque de caixa, mesmo sob a
oposição das organizações sociais que consideravam a necessidade de
aprofundar mais o debate, preocupados em que a medida pudesse se tornar mais
um empecilho à realização dos assentamentos e que a discussão deveria envolver
a base diretamente interessada, ou seja, os assentados e assentadas.
Mesmo com a simplificação do processo, a partir do TAC, muitas dificuldades
ainda são vivenciadas na implantação dos processos, seja por parte do Estado ou
das organizações dos trabalhadores e trabalhadoras. Entretanto, alguns avanços
também foram observados, o que procuraremos abordar na sequência:
I - Principais Dificuldades Decorrentes da Prática dos Trabalhadores e
Trabalhadoras e de Suas Organizações:
Os limites impostos à Reforma Agrária e ao desenvolvimento da Agricultura
Familiar no Brasil impõem uma morosidade e ineficiência na condução das ações,
que fazem gerar "passivos" de toda ordem nos projetos de assentamentos,
dificultando processos mais planejados e de qualidade para as famílias
beneficiárias desta política.
Os longos anos de insegurança e quase abandono que as famílias passam
debaixo das lonas dos acampamentos, geram demandas que precisam ser
atendidas emergencialmente, quando as áreas se transformam em
assentamentos. Assim a espera pela conclusão do Plano de Exploração Anual PEA, ou do Plano de Desenvolvimento do Assentamento - PDA, ou do pedido de
licenciamento ambiental, como condicionante para recebimento dos créditos de
implantação ou de produção, significam o elastecimento do período doloroso de
fome e de falta de condições de produzir.
Estas urgências, aliadas à morosidade e desarticulação das ações do Estado,
forçam os assentados e assentadas a estabelecerem processos produtivos muitas
vezes inadequados e sem planejamento. Como a maioria dos trabalhadores e
trabalhadoras estão acostumados aos processos produtivos "tradicionais", não
adequados do ponto de vista ambiental, acabam por organizar suas produções
utilizando-se do desmatamento sem autorização, queimadas, agrotóxicos,
ocupação de APPS e das áreas de reserva legal, etc.
Somado a isto, é comum a existência de assentamentos em áreas completamente
degradadas ou de baixa fertilidade, que exigiriam a aplicação imediata e farta de
recursos capazes de promover a recuperação das mesmas e garantir qualidade
produtiva e ambiental aos assentamentos, o que não ocorre.
Quanto à organização sindical no âmbito da CONTAG, o trabalho específico com
a questão ambiental ainda está sendo estruturado na maioria de suas instâncias.
Normalmente, as diretorias e assessorias são vinculadas à outras áreas de
atuação dos sindicatos, FETAGs e da própria CONTAG. Como a demanda de
cada setor é sempre muito grande, o tempo de trabalho e atenção que se dá a
questão do meio ambiente acaba tendo que ser dividido com outras áreas de
atuação da entidade e muitas vezes não é priorizado.
II – Principais Dificuldades Observadas na Ação do Estado:
Morosidade nos processos de desapropriação e de implantação dos Projetos
de Assentamento
Burocracia e morosidade na elaboração dos PEAs e dos PDAs
Falta de dotação orçamentária – para ATES e para cumprir as exigências do
processo de licenciamento: estudos ambientais, pagamento de taxas,
publicações, etc;
Dificuldade ou demora dos órgãos públicos em incorporar e praticar a política
ambiental - Falta de entendimento e reconhecimento da importância do
envolvimento de todos os setores, especialmente do INCRA, no processo de
licenciamento ambiental.
Falta de integração entre as ações dos diversos órgãos e dos técnicos das
diversas áreas – EX: Seminários de ATES e de Licenciamento ambiental
sendo realizados ao mesmo tempo em lugares e com público distinto)
Falta de profissionais no quadro funcional, tanto do INCRA como nos órgãos
ambientais estaduais, em número e qualificação suficiente para elaboração dos
estudos ambientais necessários ao licenciamento.
Alto custo para emissão das licenças;
Demora na expedição das licenças
Incapacidade operacional do INCRA e do IBAMA para o acompanhamento e
fiscalização das questões ambientais nos Projetos de Assentamento;
Recursos financeiros insuficientes para cumprimento de medidas mitigadoras,
nos imóveis obtidos com passivos ambientais.
Demora na transcrição dos imóveis para o nome do INCRA, dificultando a
averbação da Reserva Legal.
Pouco comprometimento dos órgãos ambientais estaduais na questão da
reforma agrária;
Falta de sensibilidade dos órgãos ambientais estaduais para as peculiaridades
da reforma agrária e dos Projetos de Assentamento;
Dificuldades dos órgãos ambientais estaduais em aceitar os estudos
elaborados pelo INCRA, como suficientes para concessão do licenciamento.
III - AVANÇOS:
Apesar de todos os desafios e dificuldades é possível afirmar que alguns avanços
foram observados, mesmo que estes não se dêem de forma linear e nem
tampouco revelem uma consolidação no enfoque ambiental para a Reforma
Agrária.
As exigências da Resolução 289, do TAC e de legislações estaduais específicas,
forçaram a adoção de procedimentos, a reestruturação dos órgãos (gerência de
meio ambiente, assegurador(a) ambiental, etc), a elaboração de propostas
específicas e a preocupação com dotação orçamentária para cumprir os
procedimentos e exigências( mesmo que ainda insuficientes).
Por parte dos trabalhadores e trabalhadoras, o próprio conhecimento sobre a
possibilidade de se ter um processo produtivo planejado e que possibilite a
convivência com a preservação ambiental, com certeza, faz ampliar os
compromissos e a busca da sustentabilidade ambiental nos projetos de
assentamento.
Destaca-se também, a participação dos movimentos sociais na discussão e
gestão do TAC, mesmo que as reuniões em nível nacional tenham sido
interrompidas, não garantindo a participação regular nos espaços de discussão e
decisão, o que deve ser corrigido.
IV – INDICATIVOS DE SOLUÇÕES PARA OS ENTRAVES APONTADOS
Compensar, nas indenizações aos proprietários das áreas desapropriadas, os
valores decorrentes do passivo ambiental das mesmas, revertendo estes
recursos à recuperação ambiental de tais áreas.
Constar na Lei Orçamentária recursos financeiros específicos para atender a
todo processo de licenciamento ambiental;
Universalizar o serviço de ATES, qualificando-o para responder às exigências
ambientais e garantindo recursos para que os assentados(as) sejam atendidos
pelo programa a partir da criação do assentamento;
Desburocratizar os procedimentos do PEA e do PDA, potencializando estes
instrumentos para garantirem uma produção sustentável.
Agilizar a liberação dos créditos de apoio e o PRONAF
Transformar o licenciamento ambiental em instrumento efetivo de participação
e capacitação das famílias assentadas, para que estas possam avaliar,
cuidadosamente, as condições e potenciais ambientais e produtivos da área,
definindo ou redefinindo seus processos produtivos.
Destinar recursos financeiros específicos para o cumprimento das
condicionantes e medidas mitigadoras;
Organizar espaços de integração dos orçamentos e das ações institucionais
que tenha interfaces com a Reforma Agrária
Agilizar as demarcações e averbação das reservas legais de todos os
assentamentos.
Envolver a Procuradoria Jurídica do INCRA, buscando alternativas e
qualificação dos instrumentos, visando a desburocratização e a padronização
de procedimentos.
Assegurar instrumentos e recursos para a implantação de Projetos de Manejo
e Conservação de Recursos Naturais em áreas de Projetos de Assentamentos
de Reforma Agrária;
Promover a contratação de profissionais para compor equipes
multidisciplinares, como demandam os estudos para o licenciamento
ambiental.
Liberar o INCRA do pagamento de taxas, considerando o aspecto social da
Reforma Agrária;
Promover a capacitação das famílias assentadas e das equipes técnicas,
estimulando a agroecologia e as práticas de produção sustentáveis que
assegurem geração de ocupações produtivas e renda.
Envolver a EMBRAPA no processo de reforma agrária, assegurando a
realização de pesquisas científicas e o desenvolvimento de tecnologias
agroecológicas, que incorporem o saber tradicional e as inovações produzidas
historicamente pelas famílias assentadas, para que sejam amplamente
disponibilizadas para os assentamentos.
Criar um grupo de estudo, com técnicos do governo e dos movimentos sociais,
para propor medidas de remuneração pelos serviços ambientais aos
assentados (as) e agricultores (as) familiares.
Ampliar as possibilidades de acesso ao PRONAF florestal, assegurando a sua
utilização para recuperação de APPs e RL.
Efetivar a participação dos movimentos sociais na gestão do TAC e nas
políticas públicas voltadas aos assentamentos.
A título de encerramento, é preciso dizer que a construção de políticas de
desenvolvimento fundadas na equidade, solidariedade e na sustentabilidade ainda
é uma novidade a ser visitada em nosso país. Mas o desafio, para todos nós, é
manter a esperança, ou mais ainda, a utopia, de que é possível construir um
desenvolvimento sustentável, embasado em uma agenda de dignidade,
esquecendo-se dos atrasos produzidos nos século passados, geradores da fome
e da exclusão que, infelizmente, muitos ainda insistem em resgatar.
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