Em quase toda a Europa ocidental, durante a Idade Média, o cristianismo era a crença religiosa predominante. A grande exceção constituía a parte da península Ibérica ocupada pelos árabes. Aí, a religião dominante era o islamismo. Outro caso particular dizia respeito às comunidades de judeus disseminadas pela Europa, praticantes do judaísmo. Na maior parte do continente, porém, a vida das pessoas era determinada pelos ensinamentos e pela ação da Igreja Católica Apostólica Romana. Senhora de corações e mentes na Europa feudal, essa poderosa instituição marcou de maneira profunda a cultura da Idade Média, tanto do ponto de vista material quanto espiritual. 1. O PAPEL DA IGREJA A Igreja era a mais importante instituição do mundo feudal. Os membros mais elevados de sua hierarquia, bispos e abades, eram recrutados entre os nobres. Naquela época, tinha-se o costume de fazer com que o segundo filho de uma família nobre seguisse a carreira eclesiástica — o primeiro filho herdava o feudo, segundo o direito de primogenitura. Até mesmo o tempo era regulado pela religião — as pessoas marcavam o ritmo de suas vidas pelo toque do sino das igrejas. Completamente voltadas para as práticas religiosas, acreditavam que a vida na Terra era apenas um momento antes da eternidade, que seria vivida ao lado de Deus. O monopólio da salvação Colocando-se como a única intermediária entre a humanidade e Deus, a Igreja passou a deter o monopólio da salvação. Sua organização hierárquica, no topo da qual estava o papa, era extremamente centralizada e rígida. A serviço de Deus, os membros do clero cumpriam um rigoroso regime de obediência e disciplina. Seu raio de ação, entretanto, não se limitava à vida espiritual. Na verdade, ao longo dos séculos, a Igreja tornouse proprietária de grande patrimônio — possuía terras, vassalos, servos —, acumulado graças às doações feitas por aqueles que queriam, por seu intermédio, ser libertados da condenação divina. Em meio a uma sociedade constituída de pessoas iletradas, a Igreja mantinha o controle absoluto do saber erudito. Detendo informações e conhecimentos importantes, garantia que seu domínio se estendesse ao longo de séculos de maneira quase inabalável. A Igreja e a ordem social A perfeita integração entre a Igreja e o mundo feudal pode ser observada neste texto, de Adalberon de Laon, um bispo do século XI: [..] o domínio da fé é uno, mas há um triplo estatuto na Ordem. A lei humana impõe duas condições: o nobre e o servo não estão submetidos ao mesmo regime. Os guerreiros são protetores das igrejas. Eles defendem os poderosos e os fracos [..]. Os servos por sua vez têm outra condição. Esta raça de infelizes não tem nada sem sofrimento. Quem poderia reconstituir o esforço dos servos, o curso de sua vida e seus numerosos trabalhos? Fornecer a todos alimento e vestimenta: eis a função do servo. Nenhum homem livre pode viver sem eles. [..] A casa de Deus que parece una é portanto tripla: uns rezam, outros combatem e outros trabalham. Todos os três formam um conjunto e não se separam: a obra de uns permite o trabalho dos outros dois e cada qual por sua vez presta seu apoio aos outros. Morte aos hereges Aqueles que questionavam as práticas instituídas pelos dogmas da Igreja eram considerados seus adversários. Em outras palavras, os que interpretavam os ensinamentos cristãos de maneira diferente daquela que a Igreja pregava passaram a ser chamados de hereges. Com o intuito de manter-se soberana nos assuntos espirituais, a Igreja desencadeou uma guerra sem tréguas contra os hereges. Como forma de reprimi-los, criou a excomunhão e o Tribunal do Santo Oficio, mais conhecido como Inquisição. A primeira era o ato pelo qual impedia que o cristão recebesse os benefícios da salvação, con- cedidos por seu intermédio. Oficializada pelo papa em 1231, a Inquisição julgava hereges e dissidentes. Aos que se recusavam a se retratar, punia de maneira implacável, condenando-os à morte na fogueira. Clero secular e clero regular Desde o final da Antiguidade, a hierarquia do clero era constituída pelo papa e pelos arcebispos, bispos, abades e padres. Eles formavam o clero secular (do latim saeculum, mundo), expressão que designava os sacerdotes que desenvolviam atividades voltadas para o público. Paralelamente, desenvolveu-se o clero regular, formado pelos religiosos que viviam em mosteiros (monges e abades), em regime de reclusão ou semi-reclusão, isto é, afastados do mundo material. O hábito de viver em mosteiros — chamado monasticismo — foi introduzido no Ocidente no século VI, quando São Bento fundou o mosteiro do Monte Cassino, na península Itálica, dando origem à ordem (ou irmandade) dos beneditinos. A regra criada por São Bento para disciplinar a vida de seus monges, aprovada pelo papa, serviu de modelo para outras ordens surgidas posteriormente, como a dos franciscanos, a dos dominicanos etc. O modelo dos mosteiros masculinos, dirigidos por um abade, foi logo instituído para as mulheres. Os mosteiros ou monastérios desempenharam um importante papel na Europa medieval, cristianizando povos, cultivando terras, organizando e mantendo escolas e bibliotecas. 2. RELIGIÃO, ENSINO E CULTURA Durante a Alta Idade Média, as pessoas que sabiam ler e escrever em geral pertenciam ao clero. Os poucos livros que sobreviveram ao período das invasões germânicas eram conservados nas escassas bibliotecas pertencentes à Igreja. Nelas, os monges copistas encarregavam-se de reproduzir os livros à mão. Dessa forma, os integrantes da Igreja eram os únicos capazes de lidar com o saber escrito e, portanto, com o ensino formal. O ensino Quase todo o ensino estava sob o controle da Igreja e era voltado para o ingresso na vida religiosa. A língua utilizada para transmitir os ensinamentos era o latim, falado pelos integrantes do clero e pelas pessoas cultas. Os primeiros estudos eram feitos em escolas que funcionavam nos conventos e nas igrejas das vilas, onde se aprendia a ler e a escrever, noções de cálculo e canto religioso. A continuação dos estudos, orientada sempre por padres ou monges em escolas mantidas nas catedrais, era dividida em dois ciclos: o trivium (gramática, retórica, lógica) e o quadrivium (música, aritmética, geometria e astronomia). As universidades A principal inovação medieval realizada pelos europeus no campo do ensino e do conhecimento foi a criação das universidades. Até o século XI, o ensino superior na Europa estava a cargo das escolas dos mosteiros. Ali formaram-se os primeiros pensadores da Escolástica. Em 1088, foi fundada em Bolonha (península Itálica) a primeira escola laica (não religiosa) de Direito, que deu origem à Universidade de Bolonha (a primeira da Europa) alguns anos depois. A seguir, vieram, entre outras, as universidades de Paris (França, 1170), Coimbra (Portugal, 1308), Oxford (Inglaterra, 1249) etc. Essas escolas de ensino superior eram centros de erudição cristã, dedicados às leis, medicina, astrologia, lógica e teologia. Uma de suas características básicas era a subordinação ao princípio da autonomia universitária, ou autogoverno universitário. A disseminação desses estabelecimentos de ensino teve relação com o ressurgimento urbano e comercial que ocorreria a partir do século XI. Com esse ressurgimento, tornou-se necessário um número crescente de letrados para gerir os negócios, tanto públicos como privados. No século XIV, as universidades passaram a assumir um caráter mais voltado para a vida secular, ministrando também cursos de artes, além de direito, medicina e teologia. Cristianismo e filosofia pagã Devido à forte presença da Igreja, os primeiros pensadores medievais, chamados doutores da Igreja, voltaram-se para questões relativas aos dogmas e preceitos da fé, numa tentativa de dar forma à religião que se organizava. Inúmeros foram aqueles que estabeleceram os fundamentos da teologia católica, combinando por vezes aspectos da filosofia greco-romana com ensinamentos da religião cristã. Entre os principais estudiosos que ajudaram a transformar a religião de Cristo em uma doutrina formal está Santo Agostinho (354-430). Associando o cristianismo aos textos do filósofo grego Platão e de seus seguidores, Santo Agostinho construiu argumentações capazes de sustentar e explicar as verdades religiosas. Alguns séculos depois, Santo Tomás de Aquino (1224-1274), professor da Universidade de Paris e um dos mais importantes doutores da história da Igreja, reuniu o saber medieval na obra Suma teológica. No caminho aberto por ele, a Escolástica — movimento que reunia as idéias de Tomás de Aquino — representou uma tentativa de conciliar fé e razão com base no pensamento de Aristóteles. No final da Idade Média, houve algumas tentativas de mudar as orientações teóricas. Na obra de Roger Bacon (1219-1292), por exemplo, estão fortemente presentes preocupações científicas. Monge franciscano inglês, Bacon recomendava a observação e a experimentação como meios indispensáveis para chegar ao conhecimento. Isso lhe custou a condenação pela Igreja ao cumprimento de uma pena de catorze anos de prisão. A arquitetura românica A arte medieval era também dominada pelos preceitos da religião. Na pintura e na escultura, os temas representados eram Deus, os anjos, os santos e, de modo geral, cenas que instruíssem os fiéis a respeito dos conhecimentos morais e espirituais da doutrina cristã. Na arquitetura imperava a mesma concepção. As maiores construções medievais foram as igrejas. Nos primeiros tempos, imitavam-se modelos romanos. A partir do século XI desenvolveu-se um estilo arquitetônico propriamente medieval, chamado românico. Os edifícios eram relativamente simples, embora de grandes proporções. Sua aparência sólida, com paredes grossas e poucas janelas, assemelhava-se à das fortalezas. Seus elementos característicos eram a coluna e o arco romano. No tempo de Carlos Magno No Renascimento Carolíngio, durante o reinado de Carlos Magno, dedicou-se atenção especial à construção e reconstrução de edifícios religiosos e civis. O cronista Eginhardo, que viveu entre os séculos VIII e IX, escreveu sobre isso: Este príncipe empreendeu em diversos locais numerosos trabalhos. Entre estas obras, pode citar-se principalmente a Basílica da Santa Mãe de Deus, que mandou construir em Aquisgranum com uma arte admirável, e uma ponte de quinhentos passos de comprimento, construída em Mogúncia, sobre o Reno. Um incêndio consumiu-a um ano antes da morte de Carlos. Faltou-lhe tempo para reparar esse desastre, e no entanto pensava nisso e queria empregar a pedra em vez da madeira nessa nova construção. Começou dois palácios de trabalho notável: o primeiro não longe de Mogúncia; o outro em Nigmegen, sobre o rio Waal, que circunda ao sul a ilha dos Batavos. Mas os edifícios sagrados foram sobretudo o objeto dos seus cuidados em toda a extensão do reino. Sabendo que esses monumentos caíam de velhice, exortava os pontífices e os religiosos que deles tinham a guarda a fazê-los restaurar, e delegava comissários para vigiar a execução das suas ordens. A partir do século XII, começou a afirmar-se no norte da França um novo estilo, batizado posteriormente com o nome de gótico. Introduzindo uma nova técnica de construção, o arco ogival, o estilo gótico disseminou-se com a edificação de enormes catedrais, que passaram a simbolizar a riqueza das novas cidades. Caracterizadas pelas torres altas e pontiagudas, pelas colunas graciosas e, claro, pelos arcos ogivais, as catedrais góticas são construções elegantes, ornamentadas com muitas estátuas e com belos vitrais coloridos, representando cenas da vida de Cristo, da Virgem Maria e dos santos.