Revista dos Transportes Públicos - ANTP - Ano 19 - 1997 - 3º trimestre
INVESTIMENTOS
O papel do Estado no
planejamento e na execução
dos investimentos*
AN P
lizados como seria desejável. O Estado, nas esferas federal, estadual
e municipal, não tem tido recursos disponíveis para efetivá-los devido, principalmente, à insuficiente arrecadação tributária, aos elevados
comprometimentos dos respectivos orçamentos com o pagamento
de juros e amortizações de suas dívidas e - em muitos casos - com a
realização de outros dispêndios de prioridade menor e até questionável. Com isso todos perdem!
Sebastião Soares
Sócio e diretor da Desenvolvimento Consultoria e
Planejamento Ltda.
Os investimentos nas infra-estruturas física, econômica e social no Brasil em telecomunicações, em energia, em transportes, em armazenagem, em
habitação, em saneamento e em outros segmentos - constituem poderoso vetor para organizar e estruturar a ocupação territorial e para orientar o
processo de desenvolvimento econômico e social do país.
Com dimensões continentais e com um contingente populacional muito
importante - tanto quantitativamente quanto pelas suas características e
potencialidades -, o Brasil conta com esses investimentos também
como fatores decisivos para a geração de empregos e para a melhoria
da qualidade de vida em geral, mediante a expansão da oferta de serviços essenciais à população. Com esses investimentos seria possível
atender às crescentes demandas sociais por tais serviços e, aliado a outras políticas distributivas, melhorar o nível de renda da população e,
principalmente, reduzir e atenuar as disparidades existentes no perfil de
distribuição dessa renda, tanto a nível pessoal quanto regional.
Com um parque produtivo de grande porte e muito diversificado do
ponto de vista setorial e espacial, que já tem (e precisa ampliar) uma
presença significativa no mercado mundial, a correção das distorções
e a eliminação das carências existentes na infra-estrutura são indispensáveis à melhoria da chamada competitividade sistêmica da economia brasileira.
Estas considerações põem em relevo a importância dos investimentos na infra-estrutura que, infelizmente, no Brasil, não vêm sendo reaArtigo publicado no Informativo Sinaenco n° 15 - agosto 96.
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Sob os impactos negativos dessa situação perversa, o Estado é estigmatizado, de forma geral e irrestrita, como absolutamente ineficiente, negando-se-lhe qualquer papel válido na vida social. Alguns mais
radicais chegam a externar opiniões e a agir como se tudo pudesse
ser encaminhado e resolvido pela via da privatização generalizada dos
serviços públicos, com a “desestatização” completa e a redução do
Estado às suas funções de polícia e de provedor da justiça. Imaginam
que as livres forças do mercado darão conta de tudo, dispensando-se
o Estado - ou desqualificando-o e pretendendo reduzi-lo drasticamente - como ator relevante na cena brasileira. Se isso acontecer,
igualmente, a perda será muito grande!
O cenário que se descortina, neste período de transição do século XX
para o XXI, é repleto de ameaças e de oportunidades para os destinos nacionais. Dentre aquelas destacam-se as decorrentes da ausência de investimentos em infra-estrutura e os riscos do apequenamento e, principalmente, do enfraquecimento do Estado. Entre estas
podem ser mencionadas as possibilidades de redefinição do papel do
Estado - com o seu fortalecimento e o dimensionamento adequado ao
desempenho de suas funções -, a melhoria das condições de vida de
parcelas majoritárias da população brasileira, num contexto de fortalecimento da democracia, de prevalência dos direitos de cidadania
para todos os brasileiros, especialmente com a redução dos desequilíbrios sociais e de reversão da tendência à exclusão de segmentos da
sociedade, que ocorre hoje entre nós.
Para neutralizar as ameaças e potencializar as oportunidades, ao Estado estão reservadas importantes responsabilidades. Em primeiro lugar, cabe-lhe equacionar parcerias com a iniciativa privada para efetivar os investimentos necessários na infra-estrutura. Trata-se de
concretizar aqueles empreendimentos de que falava o saudoso prof.
Ignácio Rangel (ex-economista do BNDES) em que as demandas insatisfeitas por serviços públicos serão agora atendidas pelos investimentos do setor privado, cuja liquidez é superior às necessidades de
inversão nos setores em que tradicionalmente atuava.
Nestes casos, ao Estado, exercendo as funções de poder concedente, cabe:
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a) equacionar empreendimentos viáveis e atrativos ao setor privado,
mas ao mesmo prestadores de serviços de boa qualidade, com padrão elevado de segurança, regularidade e conforto, tecnologicamente atualizados e, principalmente, a custos módicos para o usuário;
b) exercer a fiscalização da atuação do parceiro privado, verificando o
atendimento, a todo o tempo, das necessidades dos usuários dos
serviços objeto da parceria;
c) assegurar o equilíbrio da equação econômico-financeira inicial do
empreendimento, de forma a preservar a parceria e o interesse do investidor privado, bem como o adequado atendimento dos usuários.
Em segundo lugar, cabe ao Estado realizar, ele próprio, os investimentos de infra-estrutura que por razões estratégicas, de escala ou dimensão, ou em função de custos elevados e de baixas taxas de retorno, não devam ser realizados pelo setor privado e/ou para esses
investidores não seja atrativo. Não são poucos esses empreendimentos e o Estado, nas suas diversas esferas e em seus orçamentos, deverá priorizá-los adequadamente. É importante registrar, e louvar, as
recentes posições do presidente do BNDES, acenando com o apoio
financeiro daquele órgão aos investimentos em infra-estrutura realizados pelo Estado. Isso significa a remoção de obstáculo normativo, estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional/Banco Central há alguns anos atrás, que impediu o BNDES de desempenhar uma
importante função de fomento do desenvolvimento econômico e social do Brasil, qual seja o financiamento de projetos de infra-estrutura
realizados, direta ou indiretamente, pelo poder público.
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d) é indispensável assegurar os recursos financeiros, seja mediante
parcerias com investidores privados, seja mediante apoio definido de
agências nacionais ou internacionais de financiamento, ou ainda através de firme consignação orçamentária (com aprovação legislativa),
antes de iniciar a execução do projeto. Nada é pior ou mais frustante
que obras inacabadas ou débitos não liquidados, com projetistas e
construtores, por esgotamento prematuro das fontes de recursos para
executar os projetos;
e) é necessário desenvolver projetos básicos completos, que sejam
viáveis técnica e economicamente, previamente à licitação da implementação do empreendimento;
f) é desejável a participação ativa dos setores sociais e da comunidade, beneficiários e/ou afetados pelo empreendimento; essa participação é necessária tanto na fase de concepção do empreendimento
quanto no estabelecimento das prioridades, na mobilização dos recursos para implementá-lo e no acompanhamento e controle de sua
implantação.
Como se vê, é extensa da pauta a atuação do Estado nos tempos
contemporâneos. São atividades importantes que só o Estado pode
realizar e é imprescindível que isso aconteça. Para finalizar, deve-se
registrar que o exercício dessas funções pelo Estado, em todas as
suas esferas, pode contar com o apoio decisivo, competente e tecnologicamente atualizado da engenharia consultiva brasileira.
Em terceiro lugar, mas certamente uma das mais importantes funções
do Estado, coloca-se a atividade de planejamento da infra-estrutura.
Essa função, bastante negligenciada nos últimos anos, precisa ser retomada observando alguns critérios tais como:
a) é indispensável mirar para um horizonte de médio e longo prazos,
vale dizer um planejamento plurianual dos investimentos;
b) cada vez mais requer-se o planejamento integrado de sistemas de
infra-estrutura e não de obras isoladas; isso é absolutamente indispensável no campo dos transportes, onde a concepção e a implementação de sistemas multimodais é hoje exigência irrecusável ao correto
equacionamento de tais serviços em muitas regiões brasileiras;
c) num quadro abundante em demandas e escasso em recursos e
meios para atendê-las, a priorização é mandatória. Priorizar implica
quase sempre em escalonar a implementação dos diversos empreendimentos; algumas poucas vezes pode corresponder a eliminar/postergar indefinidamente determinados projetos;
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