PLANOS DE SAÚDE E A PROTEÇÃO DOS CONSUMIDORES: A
PROBLEMÁTICA DOS CASOS DE URGÊNCIA/EMERGÊNCIA
Bernardo Franke Dahinten
SUMÁRIO: Introdução; 1 Contextualização da saúde suplementar no Brasil; 1.1
Repersonalização do Direito; 1.2 Direito à Saúde e imprescindibilidade da
saúde
suplementar;
1.3
Proteção
fundamental
dos
consumidores;
2
Problemática envolvendo urgência/emergência e necessidade de mudanças;
2.1 Natureza securitária e as segmentações do plano de saúde; 2.2 A carência
e sua importância no equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; 2.3
Alegações de urgência/emergência; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Em tempos de direito civil constitucionalizado (ou de constitucionalização do
direito
privado),
falar
sobre
direitos
fundamentais
tornou-se
um
assunto
extremamente interessante e pertinente, não apenas em nível nacional, mas
também no direito comparado.
O assunto adquire ainda maior importância quando tratado do ponto de vista
da sua efetivação, especialmente quando há mais de um direito fundamental
envolvido, o que demanda uma necessária e indispensável conciliação e
ponderação, sob pena de gerar uma proteção excessiva de um lado e, de outro,
deficitária, o que deve ser amplamente refutado e combatido.
Nesse contexto, ganha destacado relevo a proteção do consumidor. O tema é
hoje um dos mais constantes nas pautas do Judiciário, sendo responsável por
numerosa quantidade de ações. Tal matéria, se conjugada com a questão da saúde,
toma proporções da mais alta relevância.
A questão do acesso à saúde e da precariedade e ineficiência do Poder
Público na prestação desse direito, da mesma forma, é tema extremamente atual, e
tem sido debatido em todas as esferas do Governo e fora dele, por diversas classes
da sociedade em busca de soluções e mudança.
1
Nesse interim, vem à tona o sistema de saúde suplementar, já previsto no
Texto Constitucional e que tem sido manchete nos jornais quase que diariamente,
especialmente em razão da grandiosa quantidade de polêmicas que surge neste
meio, em que todos são diretamente interessados.
Nos últimos anos, o setor, em que pese as crescentes dificuldades e a
incontroversa redução no número de operadoras ativas, cresceu de forma sem
precedentes, o que se deve a diversos fatores, como, por exemplo, a publicação de
lei especial para o setor, a criação de agência regulatória própria, a constante
regulamentação, o aumento do poder aquisitivo da sociedade, entre muitos outros,
como, sem dúvida, a falta de resolutividade do próprio sistema público de saúde.
Na medida em que o sistema de saúde suplementar encontra nos contratos
de planos de saúde seu principal produto, o direito do consumidor revela-se
imprescindível, notadamente por caracterizarem, os referidos contratos, típicas
relações de consumo.
Todavia, tal sistema, materializado por meio de contratos de natureza
essencialmente securitária, encontra no mutualismo e no respeito às cláusulas
contratuais as suas bases fundadoras e um necessário equilíbrio, sem o qual se
torna inviável a sua própria manutenção.
Entretanto, a despeito do inegável interesse, por parte de todos, na
sobrevivência desse sistema, sem o qual o acesso efetivo à saúde resta
severamente prejudicado, existe um determinado tipo de demanda judicial,
envolvendo consumidores e operadoras de planos de saúde, às quais não vem
sendo dispensado um correto tratamento, com excesso de proteção, por parte dos
julgadores, aos usuários, em verdadeiro desrespeito a normas técnicas e
regulamentares, bem como e inclusive a disposições legais.
No caso, conforme tentará se demonstrar, as demandas judiciais envolvendo
alegações
de
urgência
e
emergência, e
prazos
de
carência,
têm
sido
frequentemente julgadas de forma altamente reprovável e perigosa para o setor, o
que requer uma reformulação na forma de pensar dos julgadores, sob pena de se
inviabilizá-lo, bem como de criar um clima de assustadora insegurança jurídica.
2
Assim, tentar-se-á apresentar, mesmo que de forma sucinta, o contexto
jurídico-social no qual se insere a saúde suplementar no Brasil e o risco que
decisões excessivamente protetivas para os consumidores, notadamente em ações
envolvendo urgência/emergência, podem produzir nesse sistema.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR NO BRASIL
1.1 Repersonalização do Direito
Hoje em dia, presencia-se um Estado de Direito fruto da evolução que sofreu
a ciência jurídica e, em especial, os direitos fundamentais. Não apenas no Brasil,
mas também mundialmente, fala-se em constitucionalização do direito privado
(direito civil), como resultado de uma série de mudanças e quebras de paradigmas
que ocorreram no estudo jurídico como um todo, tanto em sua teoria quanto em sua
aplicação prática.
O que se viu, na verdade, foi uma transformação na forma de pensar a vida
humana e de ver a sua relevância no campo jurídico, especialmente na seara das
obrigações e dos contratos.
Os valores e concepções frutos dos pensadores iluministas dos séculos XVIII
e XIX - calcados na liberdade econômica, sem praticamente nenhuma intervenção
estatal na vida e nos negócios dos cidadãos - sofreram profundas transformações. A
vida humana passou a ser muito mais valorizada, assumindo, na verdade, um papel
central no ordenamento jurídico.
O patrimônio, de máxima importância nos ordenamentos cunhados na era
napoleônica, deixou de ser nuclear, deixando a vida humana assumir esta
privilegiada posição. Nesse contexto, não apenas a vida humana no sentido de viver
por viver, mas uma vida com qualidade mínima.
3
Eugênio Facchini Neto1 ensina que essa transformação constituiu uma
verdadeira
repersonalização
do
Direito,
com
institutos
do
direito
público,
especialmente valores constitucionais, tais como a dignidade da pessoa humana,
migrando para o direito privado.
Na mesma esteira, Ricardo Aronne
2
descreve dito fenômeno como "a
publicização do direito civil", decorrente de sua constitucionalização, advinda de sua
"repersonalização". Gustavo Tepedino3 adverte que não se trata de uma
sobreposição do direito público sobre o direito privado, mas de uma interpenetração
das referidas áreas, a qual demandaria uma leitura do direito civil à luz da
Constituição, de maneira a privilegiar os valores não patrimoniais, especialmente a
dignidade da pessoa humana, o desenvolvimento da personalidade, os direitos
sociais e a justiça distributiva.
Nessa esteira, Danilo Doneda
4
afirma que houve "uma mudança
paradigmática do direito civil que se reconhece como parte de um ordenamento cujo
valor máximo é a proteção humana".
Em apertada síntese, é possível afirmar que, não apenas no ordenamento
pátrio, mas no plano internacional, a propriedade, ainda que mantida como direito
fundamental, teve sua importância mitigada, passando a vida humana, ou seja, a
pessoa, a constituir o centro do ordenamento.
Tal reconstrução dos ordenamentos não foi por acaso, mas uma
consequência direta dos acontecimentos que se sucederam ao longo da história
humana, em que, por diversas passagens, em diferentes localidades e em diferentes
momentos, como na Alemanha nazista, por exemplo, a condição humana foi
reduzida a um estado tal de miserabilidade e indignidade que demandava evolução
da sociedade e da forma de se pensar a vida, bem como, o que não poderia ser
diferente, tratamento adequado por parte das legislações e do direito em si, de forma
1
FACCHINI NETO, Eugênio. Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito
privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3.
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 53.
2
ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados: (das raízes aos
fundamentos contemporâneos). Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 10.
3
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 22.
4
DONEDA, Danilo. Os direitos da personalidade no novo código civil. In: TEPEDINO, Gustavo
(Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na perspectiva civil - constitucional. 3. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2007. p. 35.
4
a se (tentar) proteger a pessoa humana de novas e abomináveis investidas como as
de Hitler, Stalin e tantos outros.
Citável passagem de Daniela Lutzky5, que, em determinado momento de sua
obra, afirma que: "Constitui-se a dignidade, a bem da verdade, em uma conquista
que a pessoa realizou com o passar do tempo, surgida para combater a crueldade e
as atrocidades perpetradas pelos próprios humanos, uns contra os outros".
Como decorrência de tal evolução, a dignidade da pessoa humana, como
valor supremo, passou a ser parte integrante dos ordenamentos jurídicos ao redor
de todas as partes do globo. Na Alemanha, por exemplo, é prevista pela lei
fundamental (Grundgesetz), já no seu primeiro artigo. No Brasil, constitui, hoje, ao
lado da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa,
e do pluralismo político, fundamento da República (art. 1º, III, da Constituição
Federal de 1988).
Conceituar tal dignidade, contudo, conforme destaca José de Melo
Alexandrino6, não se revela uma tarefa fácil, mas complexa e obscura, haja vista a
inegável abstração do termo. O próprio autor refere, contudo, que um possível
denominador comum para os inúmeros conceitos que tentam defini-la seria
enquadrá-la como "a referência da representação do ser humano".
Ingo Wolfgang Sarlet7, por seu turno, descreve o princípio da dignidade da
pessoa humana como valor unificador dos direitos fundamentais, na medida em que
esses seriam desdobramentos e concretizações daquele.
Com efeito, nesse contexto de valorização da pessoa humana, valorização
esta centrada essencialmente no princípio da dignidade da pessoa humana,
passaram, os ordenamentos jurídicos, a se estruturarem preci-puamente por direitos
fundamentais, sendo que questões quanto à eficácia e à efetividade dos referidos
5
LUTZKY, Daniela Courtes. A reparação de danos imateriais como direito fundamental. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2012. p. 102.
6
ALEXANDRINO, José de Melo. Perfil constitucional da dignidade da pessoa humana: um esboço
traçado a partir da variedade de concepções. Direitos Fundamentais e Justiça, Porto Alegre, a. 4, n.
11, p. 13-38, 2010.
7
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 58.
5
direitos em relação aos agentes particulares surgem como sendo uma preocupação
central, não só para os juristas, mas para toda a sociedade8.
Ingo Wolfang Sarlet9 esclarece que, no Brasil, especialmente em razão da
redação do § 1º
10
do art. 5º da CF/1988, a tendência majoritária, inclusive apoiada
pelo Supremo Tribunal Federal - STF, é considerar que os direitos fundamentais
exercem, em regra, eficácia direta inclusive no âmbito das relações privativas, isto é,
sem a necessidade de recorrerem ao Estado11. Todavia, há quem seja contrário a tal
8
Durante o Estado Liberal, tinha-se a ideia de que apenas o Estado poderia violar os direitos
fundamentais, uma vez que os particulares estariam todos em relação de igualdade. Entretanto, tal
concepção restou "abalada com a crescente demanda da sociedade tecnológica de massas, na qual
ficou perturbada a então nítida separação entre o Direito Público e o Privado [...]. Com o advento do
Estado social e a consequente ampliação das atividades estatais, bem como com o incremento da
participação social ativa em um processo de alargamento dos atores políticos evidencia-se uma
pulverização e democratização do poder, que deixa de ser um privilégio exclusivo do Estado,
passando a ser compartilhado pela sociedade" (DUQUE, Marcelo Schenk. Direitos fundamentais e
direito privado: a busca de um critério para o controle do conteúdo dos contratos. In: MARQUES,
Cláudia Lima (Coord.). A nova crise do contrato: estudos sobre a nova teoria contratual. São Paulo:
RT, 2007. p. 87/136).
9
SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e a influência dos direitos fundamentais no direito
privado: algumas notas sobre a evolução brasileira. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição,
direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. p. 13/36,
especialmente 27.
10
De acordo com Sarlet, o dispositivo legal em apreço aplica-se sem exceção a todos os direitos
fundamentais e somente a estes, isto é, não se estende às demais normas constitucionais.
Entretanto, salienta que, tendo em vista a coexistência de normas de direitos fundamentais que se
restringem a estabelecer programas, finalidades e tarefas a serem implementadas pelos órgãos
estatais e que, portanto, reclamam uma mediação legislativa - normas programáticas -, a melhor
exegese para o § 1º do art. 5º, seria no sentido de haver, para os direitos fundamentais, uma
presunção em favor da aplicabilidade imediata. Desta forma, para que não sejam imediatamente
aplicáveis, deve haver, no caso concreto, convincente e legitima justificação. (SARLET, Ingo
Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na
perspectiva constitucional, p. 257/273)
11
Independentemente de tal problemática, Sarlet afirma que o que importa, seja na eficácia direta
seja na indireta, é que se obtenha uma solução sistematicamente adequada e que se garanta
compatibilidade com os princípios e regras da CF/1988, seja com o núcleo essencial da autonomia
privada e da liberdade contratual, seja com os demais direitos fundamentais, correspondendo, de
resto, tanto às exigências da proibição de excesso quanto de insuficiência. O próprio autor afirma,
contudo, que vem ocorrendo um certo abuso da constitucionalização do direito privado,
especialmente no âmbito da aplicação dos direitos fundamentais entre agentes particulares. Tal
hipertrofia estaria acarretando uma verdadeira judicialização das relações sociais. (SARLET, Ingo
Wolfgang. Neoconstitucionalismo e a influência dos direitos fundamentais no direito privado: algumas
notas sobre a evolução brasileira. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Op. cit., p. 13/36, especialmente
35/36) Especificamente quanto à judicialização do direito à saúde, diversas entidades vem se
posicionando no sentido de buscar a sua redução. Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça CNJ tem tomado diversas iniciativas para buscar formas de resolução e amenização dos problemas
que se alastram na saúde, especialmente no campo da saúde suplementar. Possível citar, por
exemplo, a Resolução nº 107/2010, a qual institui o Fórum Nacional do Judiciário para Monitoramento
e Resolução das Demandas de Assistência à Saúde; a Recomendação nº 31, de 2010, orientando os
tribunais para que adotem meios para subsidiar os Magistrados quando submetidos a casos de
saúde; e a Recomendação nº 36, de 2011, a qual recomenda que as Cortes do Judiciário nacional
adotem condutas e métodos de forma a auxiliar os Magistrados a formarem um juízo crítico e a
decidirem, baseados em melhores conhecimentos, ações envolvendo planos de saúde, inclusive
prevendo linhas de estreita comunicação entre os juízes e as próprias operadoras. Uma série de
6
teoria. Cibele Gralha Mateus12 cita, entre as críticas a tal teoria, que se estaria a
aniquilar a esfera da liberdade e da autonomia privada, na medida em que os
particulares poderiam, por exemplo, invocando os direitos fundamentais, ignorar os
contratos e as suas estipulações.
Contudo, muitos não se dão conta de que a autonomia privada e a liberdade
contratual podem não ser obstáculos para a aplicação dos demais direitos
fundamentais, mas, com certeza, são limites e devem ser levados em consideração.
Wilson Steinmetz13, inclusive, lembra, nessa esteira, que tais princípios também hão
de ser respeitados, posto serem igualmente dotados de fundamentalidade14.
Ainda, outro aspecto da temática envolvendo a eficácia dos direitos
fundamentais de relevância para o presente diz respeito à possibilidade de se
reconhecer que as suas normas criam, por si só, direitos subjetivos a prestações
materiais (por parte do Poder Público). Essa discussão ganha contornos acentuados
ao se tratar de direitos sociais, dentro dos quais se encontra o relativo à saúde.
Embora haja aqueles que defendam essa impossibilidade15, quem a sustenta o faz
argumentando que tais prestações estariam atreladas à existência digna, isto é, à
preservação da vida humana com dignidade e à noção de mínimo existencial, para o
qual os direitos sociais, como a saúde e a moradia, seriam indispensáveis16.
Por derradeiro, quanto à efetividade dos direitos fundamentais, esta seria o
reflexo social da aplicação destes. Traduz-se na verdadeira concretização dos
direitos em questão no mundo dos fatos, no plano social, por meio da real
artigos fazendo reflexões sobre o problema da judicialização do direito à saúde e propondo
alternativas pode ser encontrada em: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA, Ricardo Augusto Dias
da (Coord.). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saúde. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum,
2011.
12
MATEUS, Cibele Gralha. Direitos fundamentais sociais e relações privadas: o caso do direito à
saúde na Constituição Brasileira de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 115/119.
13
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2004. p. 68/169.
14
SARLET, Ingo Wolfgang. Neoconstitucionalismo e a influência dos direitos fundamentais no direito
privado: algumas notas sobre a evolução brasileira. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Op. cit., p. 29.
15
Ricardo Lobo Torres, por exemplo, distingue direitos sociais e direitos fundamentais sociais,
aduzindo que apenas os segundos, que seriam o núcleo essencial dos primeiros, ou seja, aquele
conteúdo ligado justamente à ideia de mínimo existencial, é que seria dotado de fundamentalidade e
poderia, portanto, ser solicitado diretamente ao Estado. (TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo
existencial, os direitos sociais e os desafios de natureza orçamentária. In: SARLET, Ingo Wolfgang;
TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais: orçamento e "reserva do possível". Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2008. p. 69/86)
16
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional, p. 295/319.
7
obediência de suas normas e do Direito. Sarlet17, na mesma linha de Eros Grau18,
diferencia a efetividade da eficácia, referindo que, enquanto esta, a eficácia jurídica,
significa a possibilidade, a aptidão para determinada norma vigente, in casu, de
direito fundamental, ser aplicada no caso concreto e gerar efeitos, aquela constitui a
decisão pela aplicação prática da norma, gerando seus efeitos e resultados.
Constituem, portanto, os direitos fundamentais - entre os quais se destaca o
direito à saúde -, balizas e parâmetros a partir dos quais o Poder Público e os
particulares devem se pautar, almejando não apenas a concretização e a efetividade
do próprio Direito, como também, e principalmente, visando proporcionar uma vida
humana digna.
1.2 Direito à saúde e imprescindibilidade da saúde suplementar
Certamente um dos mais elementares direitos fundamentais, tendo em vista
sua estreita ligação com o próprio direito à vida, é o direito à saúde, positivado entre
os direitos sociais pelo art. 6º da CF/1988, e cuja disciplina é contemplada por
extensa normatização, tanto no ordenamento doméstico, de nível constitucional e
infraconstitucional, quanto no ordenamento internacional.
Historicamente, da Antiguidade até a Idade Média, uma vez que o Estado não
possuía uma política socioeconômica definida, não havia um aparato estatal que
pudesse fornecer e suprir as necessidades relacionadas à saúde da população. Há
registros, por exemplo, de que na Roma Antiga existiram várias formas de
financiamento da saúde: enquanto alguns médicos vendiam diretamente seus
serviços, outros, vinculados à família, recebiam anualmente certa quantia pela
assistência prestada19. Durante a Idade Média, entretanto, não havia, ainda, uma
entidade que fosse especificamente responsável pela prática de atividades
favoráveis à saúde do povo, competindo a cada indivíduo cuidar de seu corpo, da
sua mente, bem como dos de sua família. O Estado atuava tão somente em
17
Idem, p. 235/241.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 1997. p.
314.
19
FERNANDES NETO, Antônio Joaquim. Plano de saúde e direito do consumidor. Belo Horizonte:
Del Rey, 2002. p. 45.
18
8
ocasiões de grandes enfermidades e epidemias que assolavam determinado povo.
Destarte, da Antiguidade até a Idade Média, a saúde foi financiada por
diferentes formas. "A atribuição pertencia, em certas oportunidades, ao próprio
doente, à família deste, à cidade, ou uma coletividade da qual fazia parte o enfermo.
Contudo, o Estado não assumiu um papel direto e imediato sobre a questão"20. Nem
mesmo a ascensão da burguesia, o declínio do feudalismo e a estruturação do
aparato estatal - que implicaram modificações econômicas, sociais, políticas e
culturais - afetaram o tratamento à saúde. Não por acaso, a peste21- ao lado da
fome22 e da guerra23 - foi um dos três flagelos que assolou a Europa e contribuiu
para o feudalismo, já decadente, desaparecer e dar lugar, assim, ao início da Era
Moderna.
Nem mesmo com a queda do Absolutismo e a sobrevinda do Estado Liberal como decorrências da emancipação das ideias de Locke, Montesquieu, Rousseau e
Kant e da queda das monarquias absolutistas - deixou de permanecer a saúde aos
auspícios da atividade individual, isto é, sem competir ao Estado qualquer atividade
de zelo por esta.
A consagração do direito à saúde, mormente na qualidade de direito
fundamental constitucional, conforme já adiantado, pode ser atribuída às
manifestações sociais do século XIX, em que os direitos sociais afloraram ante a
constatação de que as liberdades defendidas no século XVIII não eram suficientes
para a garantia e manutenção da qualidade de vida24.
20
SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Planos de saúde e boa-fé objetiva: uma abordagem crítica sobre
os reajustes abusivos. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2010. p. 30.
21
"A Peste Negra (1347-1350), originária do Oriente, foi um surto de peste bubônica que provocou
uma epidemia generalizada, pelas péssimas condições de higiene e alimentação, sendo responsável
pela morte de um terço da população europeia." (MELLO, Leonel Itaussu Almeida; COSTA, Luís
César Amad. História moderna e contemporânea. São Paulo: Cipione, 1999. p. 14)
22
"A 'Grande Fome' (de 1315-1317) foi consequência do crescimento demográfico, das más colheitas
e da alta dos preços dos cereais, atingindo principalmente as populações urbanas, que, premidas
pela falta de alimentos, migraram em massa para o campo. Além de vitimizar milhões de pessoas, a
Grande Fome despovoou grande número de cidades e desorganizou a vida urbana." (Idem, ibidem)
23
"A Guerra dos Cem Anos (1337-1453), conflito entre a França e a Inglaterra, devastou a agricultura,
assim como desarticulou as feiras e o comércio centro-europeu com a destruição da rota de
Champanhe." (Idem, ibidem)
24
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional, p. 46/47.
9
Justamente nesse contexto, tem-se a passagem do Estado Liberal - fruto das
Revoluções Americana e Francesa, de concepção liberal-burguesa, baseada no
princípio do laissez faire, símbolo da filosofia liberal de Adam Smith - para o Estado
Social (ou Estado de Bem Estar - Welfare State), transição esta que coincide com a
sobrevinda dos direitos de segunda geração, de faceta precipuamente prestacional,
entre os quais se encontram os direitos à educação, à moradia, ao trabalho, à
assistência social e à saúde25.
Anteriormente a 1988, convém registrar, a saúde não foi um tema de
destacável relevância nas Constituições brasileiras. Até a promulgação da atual
Carta Magna, os Textos Constitucionais limitaram-se a tratar da saúde por meio de
pequenas referências esparsas, mas jamais como elevando-a à condição de um
Direito. Para exemplificar, citam-se a Constituição de 1824, art. 179, inciso XXXI,
que previa a garantia de socorros públicos, bem como a de 1934, art. 113, caput,
que assegurava o direito à subsistência.
Por muito tempo, o direito à saúde (ou sanitário) foi compreendido como
simples capítulo do direito administrativo, por meio de categorias clássicas, como
serviço público, poder de polícia, etc. Por essa razão, é tido como um novo direito e,
como os demais que se enquadram neste grupo, transita por todos os demais ramos
das ciências jurídicas, como, por exemplo, o administrativo, o constitucional, o
ambiental, o trabalhista, o previdenciário e do consumidor26. Como decorrência
dessa horizontalidade, constitui o direito sanitário um direito pluritutelado, e.g., a Lei
nº 8.078/1990, arts. 4º, 6º e 8º; e a Lei nº 6.938/1981, art. 3º. No âmbito
internacional, mencionável a Carta das Nações Unidas, art. 13º; a Declaração dos
Direitos do Homem de 1948, artigo XXV; e a Declaração do Meio Ambiente de 1972,
princípio 7º.
A preocupação com a saúde tornou-se tamanha que, no Brasil, por exemplo,
a Constituição de 1988 passou a tratar do assunto como jamais fora feito, criando,
inclusive, uma seção27 inteira, com cinco dispositivos integralmente voltados à
25
Conforme Rocha, a ideia de Estado Social ou de Estado de Bem Estar implica justamente a
procura de se alcançar o bem comum por meio da garantia de direitos sociais, de forma efetiva e
universal, sendo a atuação do Poder Público decisiva para a concretização deste objetivo. (ROCHA,
Julio Cesar de Sá da. Direito à saúde. Direito sanitário na perspectiva dos interesses difusos e
coletivos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 8)
26
Idem, p. 23.
27
Seção II, Capítulo II, Título VIII, da Constituição Federal de 1988.
10
questão sanitária. Destes, o principal é o art. 196, que afirma: "A saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"28.
Todavia, conforme adverte Solange L'Abbate29, "tornar o direito à saúde
efetivo, desenvolver ações concretas para que a população, sobretudo a mais pobre,
pudesse ter assistência à saúde em quantidade e qualidade suficientes, é algo bem
distinto". Isso, pois, embora se trate de questão da mais alta importância, inegável
as polêmicas que gravitam em torno do assunto e de sua complexidade.
Mesmo porque, impende grifar, ainda que a garantia da saúde esteja
constitucionalmente sacramentada por parte do Poder Público, os próprios limites e
competências do Estado e dos entes federados, no que tange ao seu oferecimento,
patrocínio e prestação de serviços, são amplamente questionados e controversos.
Como exemplo, destaca-se o Recurso Extraordinário nº 566.471/RN30, no qual se
discute a possibilidade de se exigir do Estado o custeio da realização de cirurgia e o
fornecimento de medicamentos de alto custo, e que, tendo tido sua repercussão
geral já reconhecida, pende atualmente de julgamento pela Suprema Corte.
Ainda assim, fato é que não há margem para questionar a importância da
questão da saúde, tampouco que o Poder Público tem a obrigação constitucional de
garantir assistência a toda população, utilizando-se do orçamento público
arrecadado com os tributos, de forma que não seja cobrado nada dos usuários31 no
momento de necessidade, não mais sendo admissível que o Estado, conforme se
viu nos momentos históricos pretéritos, se olvide dessa incumbência.
Nesse contexto, a noção de mínimo existencial adquire notável importância.
Mesmo que haja posicionamento doutrinário no sentido de que os direitos sociais
28
Cabe registrar que a saúde, juntamente com a previdência e a assistência social, constitui um dos
pilares da Seguridade Social, pelo que a ela plenamente aplicáveis todos os objetivos do parágrafo
único do art. 194 dos quais ressalta-se o inciso I: "universalidade da cobertura e do atendimento".
29
L'ABBATE, Solange. Direito à saúde: discursos e práticas na construção do SUS. São Paulo:
Hucitec, 2010. p. 24/25.
30
Insurgência se funda na alegação de suposta violação aos Dispositivos Constitucionais nºs 5º, 6º,
196 e 198, §§ 1º e 2º.
31
A terminologia "usuário" é adotada propositalmente para referir aqueles que se utilizam dos
serviços públicos, na mesma esteira de como é utilizado por MEIRELLES, Hely Lopes. Direito
administrativo brasileiro. 6. ed. São Paulo: RT, 1978. p. 301 e 357.
11
constituiriam indubitáveis direitos fundamentais32, a questão não é incontroversa.
Ricardo Lobo Torres33, por exemplo, defende que apenas o núcleo essencial dos
direitos sociais seria dotado de fundamentalidade, sendo, por decorrência, a única
esfera dos referidos direitos oponível e demandável perante o Poder Público como
um verdadeiro direito público subjetivo. O autor argumenta que esse núcleo
essencial consistiria no famigerado mínimo existencial.
O problema que surge é quanto à delimitação do que configura na prática
esse mínimo existencial. Não existe, até o momento, um conceito positivado na
legislação do que seja um mínimo existencial, cabendo mais uma vez à doutrina a
função de construir um conceito. Entre aqueles que se propuseram a tentar esta
difícil tarefa, citável Paulo Caliendo34, que assim refere:
A definição de mínimo existencial tem sido relacionada à noção de um núcleo
essencial de um direito fundamental, ou seja, o conjunto mínimo de significações
semânticas e normativas para a afirmação de determinado direito. Este núcleo
mínimo de proteção indica o patamar inderrogável de proteção para que se possa
asseverar a existência de um direito fundamental, sem o qual tal proteção pode ser
considerada como violada. [...] O mínimo existencial funciona como uma cláusula de
barreira contra qualquer ação ou omissão estatal ou induzida pelo Estado que
impeça a adequada concretização ou efetivação dos direitos fundamentais e de seu
conteúdo mínimo. (grifos do original)
Seja qual for a exata compreensão do significado desse mínimo existencial,
tanto o Supremo Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça têm proferido
decisões acatando tal noção, no sentido de que o Estado deve provê-lo35. Assim, é
possível se afirmar que a saúde, como um direito social que é, pode ser exigível do
Poder Público, fulcro no art. 6º c/c o art. 196, ambos da Carta Magna.
32
Nesse sentido, por exemplo, Sarlet, que assevera que o direito à saúde, assim como os demais
direitos sociais do art. 6º, é um direito fundamental. (SARLET, Ingo Wolfgang. Eficácia dos direitos
fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional, p. 77)
33
TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de natureza
orçamentária. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Op. cit., p. 69/86.
34
SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica do direito: uma
visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 200/201.
35
Nessa direção, REsp 1.068.731 e ARE 639337-AgRg.
12
Contudo, inegável o fato de que, apesar da existência de todo um sistema de
direitos e garantias e da ampla normatização - tanto em nível doméstico quanto
global - por uma série de fatores, o sistema público de saúde, no Brasil, é bastante
precário, para não dizer crítico, o que faz emergir o nosso próximo ponto.
A ruína do sistema público de saúde, independentemente dos motivos36, é
uma realidade que já há muito assola o País. A demora para se conseguir uma
consulta, atendimentos precários, hospitais sucateados, subvalorização dos recursos
humanos, bem como a falta de leitos reservados ao SUS nos hospitais, são
emblemáticos para demonstrar que o acesso efetivo à saúde, hoje, passa longe do
serviço público, só sendo possível e verdadeiramente viável por meio da iniciativa
privada.
Em artigo intitulado O mercado de planos de saúde no Brasil: uma criação do
Estado?, os seus autores37, de forma simples e direta, explicitam a razão de existir
de um sistema de saúde fundado na iniciativa privada:
Na ausência de serviços públicos de saúde, para se proteger dos custos
associados ao risco de adoecer, as pessoas pagam uma contribuição prévia aos
planos de saúde, cujos sistemas privados de financiamento da cobertura de riscos
em saúde intermediam a relação entre consumidores e prestadores médicohospitalares. [...] O mínimo existencial funciona como uma cláusula de barreira
contra qualquer ação ou omissão estatal ou induzida pelo Estado que impeça a
adequada concretização ou efetivação dos direitos fundamentais e de seu conteúdo
mínimo.
Convém lembrar, a concepção original do SUS38 não incluía um setor privado
como organizador e responsável pelos serviços de assistência à saúde por
36
"Diante da alarmante crise da saúde no Brasil, três diferentes correntes predispõem-se a explicar a
decadência do sistema público, quais sejam, a incrementalista, a racionalista e a estruturalista. A
primeira corrente defende que a deficiência aquilatada na saúde pública brasileira resulta do reduzido
nível de investimento no setor; a segunda concebe que a problemática advém da ausência de formas
eficientes de produção, devendo ser eliminado o consumo desnecessário e selecionado bens e
serviços que sejam mais úteis para a sociedade; já a última concepção aduz que há uma flagrante
impossibilidade de convergência entre a política sanitária e prestação exercida pelas pessoas
jurídicas de direito privado que atuem no setor. As três correntes não analisam, com profundidade, a
crise do sistema de saúde no Brasil." (SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Op. cit., p. 57)
37
OCKÉ-REIS, Carlos Octávio; ANDREAZZI, Maria de Fátima Siliansky de; SILVEIRA, Fernando
Gaiger. O mercado de saúde no Brasil: uma criação do Estado? Disponível em:
<http://www.ie.ufrj.br/revista/pdfs/Ref_160-CarlosOctavioOcke-ReiseOutros.pdf>. Acesso em: 13 dez.
2011.
13
intermédio de uma rede de prestadores de serviços. A concessão ao setor privado
foi feita em razão da realidade. Ainda que boa parte desses serviços esteja na
categoria de privados sem fins lucrativos, a maioria dos serviços de saúde brasileiros
era e é de cunho privado. Em 2005, por exemplo, 192 mil dos 333 mil leitos
disponíveis para atendimento do SUS, em todo o País, eram privados. Isso se dá,
posto que, ainda que estejamos em um Estado no qual a saúde é um direito
constitucional do cidadão e deva ser garantido pelo sistema público de forma
universal, integral e gratuita, a produção de serviços de saúde é majoritariamente
privada, ou seja, para atender gratuitamente o cidadão, o SUS tem serviços próprios,
mas também contrata serviços privados 39- 40.
Consolidou-se, assim, principalmente na década de 199041, especialmente
em decorrência da ineficiência da saúde pública, o sistema de saúde suplementar no
Brasil, cuja possibilidade de instituição já estava prevista inclusive pela Carta
Constitucional, no art. 199, cuja redação dispõe: "A assistência à saúde é livre à
iniciativa privada". Tal dispositivo, além de um permissivo constitucional para o
desenvolvimento do setor pelos agentes privados, em consonância com os arts. 1º,
inciso IV42, e17043, da CF/1988, evidencia a opção, por parte do legislador
constitucional, de não monopolizar o fornecimento da saúde por parte do Poder
Público.
38
As principais legislações que disciplinam o SUS são a Lei nº 8.080, de 19.09.1990, a denominada
Lei Orgânica da Saúde, e a Lei nº 8.142, de 28.12.1990, que dispõe sobre a participação popular na
sua gestão.
39
MONTONE, Januario. Planos de saúde: passado e futuro. Rio de Janeiro: MedBook, 2009. p. 27 e
69.
40
Assim, por exemplo, em um cenário hipotético, um cidadão, ao ser internado para uma cirurgia,
através do SUS, pode ser acomodado tanto em um hospital público, quanto em um privado. Nessa
segunda possibilidade, se tratará, portanto, de um ente privado contratado pelo SUS, por meio de um
contrato administrativo, regulado pelo direito público e sujeito aos regramentos típicos dos serviços
públicos, inclusive, no que tange à contratação e à responsabilidade civil. (SCHULMAN, Gabriel.
Planos de saúde: saúde e contrato na contemporaneidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 202;
GREGORI, Maria Stella. Planos de saúde: a ótica da proteção do consumidor. 3. ed. São Paulo: RT,
2011. p. 35)
41
Estatisticamente, a grande expansão do setor de saúde suplementar ocorreu na passagem da
década de 1980 para a de 1990, quando então se verificou um crescimento de 73,4% da população
brasileira coberta por um algum tipo de plano ou seguro de saúde. Todavia, indícios de grupos e
associações desempenhando tais atividades já existiam, no Brasil, desde o período colonial. (SILVA,
Joseane Suzart Lopes da. Op. cit., p. 38/60)
42
"Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]; IV
- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa."
43
"Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os
seguintes princípios: [...]."
14
Fato é, portanto, que o sistema de saúde brasileiro é uma estrutura que
envolve tanto o setor público como o setor privado, sendo que esse último atua, por
vezes, como contratado pela rede pública, evidenciando a complexidade do
sistema44 e sua inegável dependência da iniciativa privada. Nessa esteira, afirma
Maria Stella Gregori45, trata-se de um sistema notadamente híbrido: "No Brasil, o
sistema de saúde se caracteriza pelo seu hibridismo, sendo marcante a interação
entre os serviços públicos e a oferta privada na conformação da prestação dos
serviços de assistência à saúde".
Ainda que se trate, a saúde suplementar, de um setor financiado e movido
pela iniciativa privada, em que a vontade dos particulares é, em tese, soberana, em
razão da natureza do bem que comercializa, constitui uma área severamente
controlada pelo Poder Público, notadamente em razão do seu caráter público:
A intervenção do Estado brasileiro na assistência privada à saúde tem sido
permanente desde a Proclamação da República. [...] Embora se trata do
financiamento privado da assistência à saúde, o caráter público dos interesses
envolvidos é reconhecido pela ciência jurídica e consagrado pela ordem
constitucional. Por essa razão, as regras estabelecidas são de natureza cogente e
restringem a liberdade dos agentes econômicos que atuam no financiamento privado
da assistência à saúde. O Estado intervém nos planos privados da assistência à
saúde para a implementação de políticas sociais que objetivam, em última análise, a
realização dos direitos fundamentais da pessoa humana. 46
Esse setor - da saúde suplementar -, em função das supracitadas limitações
da saúde pública, bem como do avanço tecnológico, da ascensão social, da criação
de cada vez mais normas e regulamentações para proteger os consumidores, tem
se desenvolvido e ampliado cada vez mais, e, como decorrência desses fatores, tem
contribuído para o incremento da comercialização e universalização do seu principal
produto: contratos de plano de saúde.
44
Em razão dessa complexa estrutura, a doutrina da seara da saúde denomina a prestação deste
serviço como um verdadeiro "mix público privado". (SCHULMAN, Gabriel. Op. cit., p. 308)
45
GREGORI, Maria Stella. Op. cit., p. 39.
46
FERNANDES NETO, Antônio Joaquim. Op. cit., p. 48/49.
15
1.3 Proteção fundamental dos consumidores
Não obstante o anteriormente exposto, de absoluta relevância para o
presente trabalho mencionar que o contrato de plano de saúde, a exemplo do que
ocorre com os contratos de seguro em geral, nas suas mais variadas modalidades,
enquadra-se também como uma típica relação de consumo, sendo, portanto, as
normas do Código de Defesa do Consumidor - CDC, plenamente incidentes na
relação contratual em análise.
Isso porque, atualmente, não apenas o termo "consumidor" está presente em
diversas passagens da Lei nº 9.656/1998, como o próprio art. 35-G dispõe que:
"Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos
de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta lei as disposições da Lei nº 8.078,
de 1990"47.
Veja-se, ademais, que já há muitos anos o Judiciário vem aplicando a
legislação consumerista aos planos de saúde. Nesse sentido é o magistério de
Cláudia Lima Marques48: "O STJ tem decidido pela aplicação do CDC a estes
serviços, considerados serviços de consumo [...]".
Contudo, esse entendimento nem sempre foi assim. Por anos, por incontáveis
oportunidades, viu-se o enquadramento do contrato de plano de saúde como de
relação consumerista ser suscitado e questionado em demandas judiciais. Sob a
argumentação de que, em que pese tratar-se de contrato de adesão - a premissa
maior - amparada nos princípios clássicos do contrato49, deveria ser a de que o
47
Em que pese o art. 35-G da Lei nº 9.656/1998 refira a aplicação do CDC como subsidiária, Bruno
Miragem adverte: "Esta redação, como bem aponta a doutrina especializada, não parece ser
dogmaticamente correta. Não há falar em aplicação subsidiária, senão complementar entre as duas
leis. Em outros termos: O CDC não deve ser aplicado apenas quando a Lei nº 9.656/1998 não
disponha sobre o tema em específico, senão que devem ambas as leis guardar coerência lógica,
orientada pela finalidade de proteção do consumidor dos planos de assistência à saúde" (MIRAGEM,
Bruno. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 297).
48
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das
relações contratuais. 6. ed. São Paulo: RT, 2011. p. 505.
49
A doutrina elenca, como sendo os chamados princípios clássicos das relações contratuais, os
princípios da autonomia da vontade, da força obrigatória dos contratos ou pacta sunt servanda e da
relatividade. (THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro: Aide,
2001. p. 16 e seguintes) A premissa maior, que era a de que o contrato devia ser cumprido, foi,
todavia, relativizada com inclusão de novos princípios - tais como o da boa-fé e o da função social do
contrato - que vieram tanto com a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002 e,
principalmente, o Código de Defesa do Consumidor. (MARTINS-COSTA, Judith. Crise e modificação
da idéia de contrato no direito brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 3, p.
127/154, set./dez. 1992)
16
contrato deve ser cumprido - advogou-se, por inúmeras vezes, buscando evitar a
relativização, por parte do Judiciário, das cláusulas contratuais dos planos de saúde
baseada no CDC.
O Superior Tribunal de Justiça - STJ, todavia, consolidou-se com o
entendimento da incidência do referido estatuto protecionista na espécie contratual
em questão. Nesse sentido, cabe transcrever emblemática decisão da referida
Corte:
PLANO DE SAÚDE - Centro Trasmontano. Internação. Hospital não conveniado. [...]
A operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços remunerados à
população tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco
importando o nome ou a natureza jurídica que adota. Recurso não conhecido. 50
Todavia, a questão da incidência das normas consumeristas aos contratos de
assistência médica - bem como aos contratos da espécie securitária em geral - já se
encontra sanada. Com relação aos contratos de seguro, a própria Lei nº 8.078/1990
(CDC) assim positivou, ao passo que estabeleceu, no § 2º do art. 3º, que serviços de
natureza securitária representam relação de consumo. No que concerne aos planos
de saúde, em razão da aprovação da Súmula nº 469 do STJ, restou sacramentado
definitivamente o que já vinha sendo adotado - que os contratos de plano de saúde
caracterizam-se como de relação de consumo e estão, portanto, submetidos à
legislação protetiva dos consumidores51.
Da votação da referida súmula, aliás, imperioso registrar que ficou
reconhecido o entendimento no sentido de que o CDC se aplica, inclusive, aos
contratos de plano de saúde firmados anteriormente à vigência deste diploma, não
por haver retroatividade da lei, mas em razão da sua natureza de trato sucessivo52.
50
REsp 267.530/SP, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Julgado em 14.12.2000.
Toda essa discussão, que por muito tempo perdurou, sobre se a relação operadora vs.
beneficiários configurava, ou não, relação de consumo, comprova que a própria caracterização dos
planos de saúde como contrato de natureza securitária também é complexa. Em que pese o
anteriormente citado, de que planos de saúde são uma espécie de seguros, fosse tal questão uma
obviedade, a dúvida quanto a configuração dos planos de saúde como relação de consumo seria
absolutamente inócua, posto o CDC prever expressamente que serviços de seguro são relação de
consumo.
52
A questão acerca da retroatividade do CDC a contratos firmados antes de sua vigência, inclusive
àqueles cuja execução se deu já na constância de seu vigor, é por demais controversa, gerando
opiniões as quais não serão aqui ventiladas. Apenas para ilustrar, cita-se Paulo Khouri, o qual advoga
que, mesmo o CDC se tratando de norma de ordem pública, e os contratos de plano de saúde
configurarem hipótese de trato sucessivo, a retroatividade do estatuto consumerista seria impossível,
51
17
O reconhecimento do vínculo entre as operadoras de planos de saúde e os
beneficiários como relação de consumo é, hoje, algo praticamente uníssono. Quase
todas as decisões judiciais, seja sentença de primeiro grau ou acórdão,
estabelecem, como premissa básica para as suas fundamentações/votos e
conclusões, que a relação sub judice configura relação de consumo.
Desse reconhecimento, decorrem diversas consequências extremamente
práticas, as quais não serão melhor analisadas e aprofundadas neste trabalho posto
não ser este seu objetivo. Apenas para citar dois exemplos, mencionável o instituto
da inversão do ônus da prova e a interpretação de cláusulas contratuais da forma
mais benéfica aos consumidores. Ambas as questões constituem vantagens
processuais significantes, especialmente a primeira, a qual, muitas vezes, denota-se
determinante para o triunfo em uma demanda judicial.
Todavia, cumpre ainda salientar haver verdadeira impropriedade nesse
"reconhecimento generalizado" das relações envolvendo contratos de planos de
saúde como se de consumo fossem, sem exceções. Tais contratos podem ser
subdivididos em três diferentes tipos53, de acordo com a pessoa contratante e a
massa de beneficiários a que se destina: contratos indivi-duais/familiares54; coletivos
empresariais55; e coletivos por adesão56.
Ou seja, a rigor, três podem ser os contratantes de um contrato de plano de
saúde: uma pessoa física, para si e sua família, uma pessoa jurídica para os seus
empregados ou uma pessoa jurídica para os seus membros ou associados, como
sindicatos, conselhos de classe, etc. De tais definições, uma análise mais detida
pode sugerir haver uma inequívoca incompatibilidade, dependendo do tipo de
em respeito ao ato jurídico perfeito (art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro,
antiga LICC, e art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988). (KHOURI, Paulo R. Roque A.
Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 4. ed. São
Paulo: Atlas, 2009. p. 22/24)
53
Nesse sentido, o art. 16, inciso VII, da LPS.
54
Plano privado de assistência à saúde individual ou familiar é aquele que oferece cobertura da
atenção prestada para a livre adesão de beneficiários, pessoas naturais, com ou sem grupo familiar.
(Art. 3º da Resolução Normativa nº 195 da ANS)
55
Plano privado de assistência à saúde coletivo empresarial é aquele que oferece cobertura da
atenção prestada à população delimitada e vinculada à pessoa jurídica por relação empregatícia ou
estatutária. (Art. 5º da Resolução Normativa nº 195 da ANS)
56
Plano privado de assistência à saúde coletivo por adesão é aquele que oferece cobertura da
atenção prestada à população que mantenha vínculo com as seguintes pessoas jurídicas de caráter
profissional, classista ou setorial. (Art. 9º da Resolução Normativa nº 195 da ANS)
18
contratação, especialmente quando se considera a verdadeira razão de existir do
estatuto consumerista.
O
CDC,
conforme
Pasqualotto57
destaca,
inclusive
citando
outros
doutrinadores, como Cláudia Lima Marques, foi criado para proteger os
consumidores, na medida em que estes se demonstram como sujeitos vulneráveis
perante os fornecedores. Essa vulnerabilidade (verdadeira ratio legis do CDC) é o
fator mais importante, para muitos, na definição de ser ou não consumidor.
Determinadas decisões, por exemplo, aceitam a caracterização de determinadas
empresas quando arguida e comprovada a sua vulnerabilidade perante a outra. Não
obstante, fato é que o tratamento a ser dispensado para empresas deve ser mais
cauteloso do que para pessoas físicas. Importante frisar, nessa linha, que o próprio
CDC, no art. 51, inciso I, última parte, por exemplo, já reserva tratamento
diferenciado para consumidores pessoas jurídicas.
Conforme se viu, nem todos os contratos de planos de saúde são firmados
por pessoas físicas. Apenas em um dos casos é que o contratante é pessoa física,
nítida e incontroversamente consumidora, portanto.
Nos outros dois casos, a pessoa contratante é uma pessoa jurídica. Surge,
portanto, uma indagação, ainda pouco ou praticamente nada explorada, no âmbito
da saúde suplementar: em uma demanda judicial envolvendo discussão acerca de
cláusulas de um contrato de plano de saúde firmado na modalidade coletiva (por
adesão ou empresarial), ou seja, por pessoas jurídicas, não seria equivocada a
incidência da Súmula nº 469 do STJ e, por decorrência, da incidência do CDC em
favor do contratante? 58
A experiência empírica mostra que a súmula é indistintamente aplicada, mas
a necessidade de maiores estudos e reflexões sobre o assunto é evidente. A
complexidade que gravita em torno da questão é gritante e, certamente, em um
futuro não distante, estará sendo pauta de discussão no Judiciário.
57
PASQUALOTTO, Adalberto de Souza. O código de defesa do consumidor em face do Código Civil
de 2002. In: PFEIFFER, Roberto A. C.; PASQUALOTTO, Adalberto de Souza (Coord.). Código de
defesa do consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
p. 135/151.
58
Apenas para ilustrar, cabe citar Pasqualotto, que entende haver, neste contexto, a caracterização
de relação de consumo por conexão. (O destinatário final e o "consumidor intermediário". Revista de
Direito do Consumidor. São Paulo: RT, v. 74, p. 7/42, abr./jun. 2010)
19
Doutrina e jurisprudência assinalam que os contratos de plano de saúde
caracterizam típicos contratos de adesão59. Ainda que as minutas contratuais não
sejam redigidas e elaboradas exclusivamente e ao livre arbítrio dos fornecedores operadoras -, haja vista que os contratos devem obedecer a uma série de limites e
exigências previstas no ordenamento, em especial à Lei nº 9.656/1998 e ao próprio
CDC, além de obrigatoriamente serem revisados e analisados pela ANS antes da
sua comercialização, não se questiona tal caráter.
Nas palavras de Cláudia Lima Marques60, ademais, essa modalidade
contratual recebe definição ainda mais singular: a de contratos cativos de longa
duração, pelo que, consoante advoga a autora, resta indubitável sofrerem os limites
impostos pelos novos princípios, em especial o da boa-fé objetiva e o da função
social.
Todavia, em muitos casos, especialmente quando a contratação se dá por
meio da modalidade coletivo-empresarial, a pessoa jurídica contratante é uma
grande empresa, que, em função do seu poder econômico e da sua grande massa
de beneficiários, tem alto poder de barganha, sendo capaz, portanto, de
verdadeiramente negociar a inclusão ou não de determinada cláusula. Não há falar,
nesses casos, portanto, em vulnerabilidade, mas nítida paridade.
Igual ponderação surge quando determinado ente da Administração Pública
contrata um plano de saúde para seus servidores. A contratação se dá, nessa
hipótese, por meio de licitação e de contratos administrativos, rígidos e estritamente
disciplinados pela Lei nº 8.666/1993. A Administração, nesses casos, já fornece, nos
seus editais licitatórios, minutas prontas, cabendo pouca ou quase nenhuma
discriminação à operadora, a qual deve se sujeitar à vontade do ente licitante sob
pena de simplesmente restar sucumbente no certame.
59
Cláudia Lima Marques assim afirma: "O contrato de adesão é oferecido ao público em um modelo
uniforme, geralmente impresso e estandardizado, faltando apenas preencher os dados referentes à
identificação do consumidor-contratante, do objeto e do preço" (MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., p.
76).
60
Quanto a estes, refere Cláudia Lima Marques: fenômeno decorrente da realidade contratual
massificada, em que não apenas a estandardização dos contratos (método de contratação), mas
também a posição de dependência estrutural do co-contratante ao contrato - em virtude da sua
função na sociedade - e ao tempo. (Idem, p. 96/97)
20
Fato é que, consoante se pode ver, há casos em que a configuração da
relação como consumerista pode não ser a mais adequada, podendo simbolizar
inequívoca subversão daqueles valores defendidos no CDC. Aliás, sobre o tema,
oportuno citar comentário de Cláudia Lima Marques e Eduardo Turkienicz61 o qual,
ainda que versando sobre a conceituação e a aplicabilidade da teoria finalista,
servem para demonstrar a falta de razoabilidade ao se entender pela incidência do
CDC de forma desbalizada e generalizada:
Efetivamente, se a todos considerarmos "consumidores", a nenhum
trataremos diferentemente, e o direito especial de proteção imposto pelo Código de
Defesa do Consumidor passaria a ser um direito comum, que já não mais serve para
reequilibrar o desequilibrado e proteger o não-igual. [...] A definição do art. 2º é regra
basilar do Código de Defesa do Consumidor e deve seguir seu princípio e sua ratio
legis. É esta mesma ratio que inclui no Código de Defesa do Consumidor
possibilidades de equiparação, de tratamento analógico e de expansão, mas não no
princípio, sim na exceção. [...] Defendemos, pois, a necessária conjunção de fatores
finalísticos, destinação fática econômica dos serviços, com base no art. 4º, I, do
CDC (ratio de vulnerabilidade).
De qualquer forma, fato é que, atualmente, não mais resta dúvida quanto à
incidência do CDC aos contratos de plano de saúde, do que se depreende que a
proteção dos consumidores, notadamente um direito fundamental, positivado no art.
5º, XXXII, da CF/1988, deve ser inquestionavelmente buscada e levada a efeito
nesse tipo de contrato. A doutrina, aliás, já concilia a ideia de proteção do
consumidor com a noção do já mencionado mínimo existencial. Pasqualotto62, nessa
esteira, se utiliza da expressão "consumo básico" para designar aquele mínimo
existencial do consumidor.
Considerando o fato de que o acesso efetivo à saúde está estreitamente
vinculado aos contratos de planos de saúde, bem como que a saúde é elemento
indispensável para tudo e para todos, não é difícil de se imaginar que a efetivação
da proteção dos consumidores nesse tipo de contrato é uma forma de garantir o
61
MARQUES, Cláudia Lima; TURKIENICZ, Eduardo. TURKIENICZ, Eduardo. Caso "T" vs. "A": em
defesa da teoria finalista de interpretação do art. 2º do CDC. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo: RT, v. 36, p. 221/240, out./dez. 2000.
62
PASQUALOTTO, Adalberto. Fundamentalidade e efetividade da defesa do consumidor. Revista de
Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, n. 9, p. 66/100, especialmente 67/69, out./dez. 2009.
21
próprio mínimo existencial do ser humano, o que talvez explique a tendência
jurisprudencial de despender excessiva proteção aos contratantes desses planos, o
que tem contribuído para gerar um cenário de desrespeito às cláusulas contratuais e
consequente insegurança jurídica. As ações jurídicas envolvendo casos de
alegações de urgência e emergência são exemplos dessa excessiva proteção,
conforme se demonstrará na sequência.
2 PROBLEMÁTICA ENVOLVENDO URGÊNCIA/EMERGÊNCIA E NECESSIDADE
DE MUDANÇAS
2.1 Natureza securitária e as segmentações do plano de saúde
Conforme
verificado,
a
efetividade
e
o
acesso
à
saúde
passam
impreterivelmente pelo setor de saúde suplementar, o qual se materializa, na prática,
por meio de contratos de planos de saúde.
A rigor, pode-se conceituar o contrato de plano de saúde como aquele por
meio
do
qual
uma
operadora
se
vincula
com
determinado
contratante,
comprometendo-se a custear determinados serviços e procedimentos médicos, no
caso de sobrevir necessidade de o contratante vir a utilizá-los. Em contrapartida, o
contratante paga mensalmente um montante e, caso precise se submeter a algum
dos procedimentos médicos cobertos pelo contrato, terá os custos arcados pela
operadora, tendo, no máximo, dependendo do caso, que pagar uma pequena
quantia, a título de coparticipação63.
Nesse sentido, citam-se as palavras de Maria Stella Gregory64, a qual, ao
traçar a natureza dos contratos de planos privados de assistência à saúde, define
essa espécie contratual da seguinte forma:
[...] a relação contratual de consumo do segmento de assistência à saúde se
forma quando se encontrar, em um dos pólos, uma pessoa jurídica que oferece
prestação de serviços à saúde e, no outro, se encontrar um ou mais consumidores, e
o objeto desta relação for a prestação de um serviço de assistência à saúde.
63
"[...] a co-participação, ou seja, a modalidade de plano de saúde em que o contratante, no momento
em que necessita se utilizar de serviços de saúde, deve colaborar com parte dos custos a serem
arcados pela operadora (co-participa) [...]." (SCHULMAN, Gabriel. Op. cit., p. 205)
64
GREGORY, Maria Stella. Op. cit., p. 144.
22
A Professora Cláudia Lima Marques65, já evidenciando a faceta consumerista
desta relação - objeto do tópico seguinte - complementa essa definição, referindo
que:
Nos contratos de planos privados de assistência à saúde, o consumidor paga
um preço fixo por uma expectativa da prestação dos serviços de cobertura
assistencial, em patamares previamente estipulados pelo fornecedor, com a
possibilidade real de nem mesmo vir a utilizar os procedimentos médicos,
hospitalares ou odontológicos contratados.
Ou seja, configura-se o contrato em apreço em um pacto por meio do qual,
como se pode verificar, uma parte se compromete a cobrir determinados riscos
previamente estabelecidos, em troca de uma contraprestação, em regra, mensal,
estipulada pela empresa contratada e que varia conforme as coberturas a serem
adquiridas.
Cabe, ainda, acrescer a este trabalho o rol de elementos caracterizadores da
espécie de contrato em apreço tecido por Joseane Suzart Lopes da Silva66, no qual
encontram-se a bilateralidade, a reciprocidade, a onerosidade, a aleatoriedade67, a
formalidade, de execução diferida68, por prazo indeterminado69 e a solidariedade,
sem prejuízo de outros.
65
MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., p. 413.
SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Op. cit., p. 160/167.
67
A álea consiste na incerteza da prestação principal, a qual depende da ocorrência de evento futuro
e incerto. Na medida em que não ocorrer os eventos previstos, o fornecedor não precisará prestar o
serviço. (GREGORI, Maria Stella. Op. cit., p. 146) Em que pese o entendimento dominante seja por
caracterizar o contrato securitário como aleatório, Ernesto Tzirulnik o classifica como comutativo, sob
o argumento de que não se negocia o risco e sim a garantia. (FIGUEIREDO, Fábio Vieira; GIANCOLI,
Brunno Pandore. Direito civil. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 151)
68
Diz-se execução diferida por tratar-se de consumação em apenas um ato, mas no futuro.
Entretanto, de se consignar que há doutrinadores que classificam o seguro/plano de saúde como de
trato sucessivo, isto é, que se consuma por meio de atos reiterados ao longo do tempo. Nesse
sentido, VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, v. 2, 2007. p. 386/387; GREGORI, Maria Stella. Op. cit., p. 145).
Este é, aliás, o entendimento do Judiciário Brasileiro (vide Apelação Cível nº 70043753011, 5ª C.Cív.,
TJRS, Julgado em 31.08.2011; Apelação Cível nº 0124547-11.2006.8.26.0000, 7ª CDPriv., TJSP,
Julgado em 24.08.2011; Apelação Cível nº 0024579-58.2010.8.19.0001, 4ª C.Cív., TJRJ, Julgado em
26.08.2011).
69
Cláudia Lima Marques define os contratos com a característica de duração por longo período de
tempo e de reiterado convívio entre as partes contratantes como cativos de longa duração.
(MARQUES, Cláudia Lima. Op. cit., p. 103/104)
66
23
Essas são, conforme se denota a seguir, as características que se extraem,
outrossim, da própria Lei nº 9.656/1998, denominada Lei dos Planos de Saúde LPS, no art. 1º, in verbis:
Art. 1º Submetem-se às disposições desta lei as pessoas jurídicas de direito privado
que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da
legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação
das normas aqui estabelecidas, as seguintes defi-nições:
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou
cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo
indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à
saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de
saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada
ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga
integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso
ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor; [...].
Sopesadas as definições e as características anteriormente ventiladas, já se
mostra possível constatar a natureza securitária do contrato de plano de saúde.
Nesse contexto, oportuno citar o art. 757 da lei civil, basilar e elementar no que
tange aos pactos de seguro, que assim dispõe, in verbis: "Pelo contrato de seguro, o
segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo
do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados".
Nesse mesmo sentido, advoga Amadeu Carvalhaes Ribeiro70:
O contrato de seguro é o acordo firmado entre segurador e segurado com a
finalidade de regular juridicamente a operação econômica pela qual o segurador se
obriga, contra o pagamento de um prêmio pelo segurado, a garantir interesse
legítimo deste, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.
Ou seja, ao se comparar as características que constroem o contrato de plano
de saúde com aquelas que encorpam o pacto de seguro, verifica-se facilmente ser
este um gênero contratual, do qual aquele é espécie, razão pela qual, a priori,
70
RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de seguros: resseguro, seguro direto e distribuição de
serviços. São Paulo: Atlas, 2006. p. 59.
24
correto afirmar que os dispositivos legais atinentes ao contrato de seguro - arts. 757
a 802 -, em tese, incidem e se aplicam aos pactos de plano de saúde.
Entretanto, desde o advento da Lei nº 9.656/1998, os contratos de planos de
saúde, bem como os de seguro-saúde71, passaram a ser especificamente regulados
e disciplinados por esse diploma legal, o qual trata pontualmente dessa espécie de
contrato, e não mais pelo Código Civil, o qual ficou restrito aos demais contratos
securitários, tais como seguro de automóvel, seguro de vida e seguro residencial,
entre tantos outros72.
Contudo, considerando a exegese do art. 802 do Código Civil, o qual exclui a
incidência tão apenas dos artigos da Seção III do Capítulo XV do Diploma Civil, às
garantias de reembolso de despesas médico-hospitalares, afirmável que as
previsões relativas aos seguros em geral, Capítulo XV do Código Civil (art. 757 e
seguintes), permanecem incidindo nos contratos de plano de saúde, senão direta,
subsidiariamente. Tal questão é inclusive tratada expressamente no art. 777, o qual
afirma que: "O disposto no presente capítulo aplica-se, no que couber, aos seguros
regidos por lei próprias". Entre esses seguros regulados por lei própria, conforme
destaca Arnaldo Rizzardo73, insere-se os plano de saúde e a respectiva legislação
específica.
71
A Lei nº 10.185, de 2001, a qual dispõe sobre a especialização das sociedades seguradoras em
planos privados de saúde, prevê expressamente, em seu art. 2º, que, para efeitos da Lei nº
9.656/1998, seguro-saúde se enquadra em plano de saúde, e Seguradora especializada em segurosaúde, se enquadra em operadora de planos de saúde. Oportuno citar considerações de Joseane
Suzart acerca da diferença entre plano de saúde e seguro-saúde: "Quando as empresas que atuam
no ramo da saúde suplementar dispõe de uma rede de profissionais contratados ou credenciados,
considera-se que configuram um plano privado. Havendo a possibilidade de o consumidor selecionar
os profissionais ou estabelecimentos, arcando com as despesas referentes ao atendimento, para
posterior reembolso, há o que se denomina seguro-saúde" (SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Op.
cit., p. 79). Justamente o fato de não restringir os beneficiários a uma rede limitada de provedores, é
que as mensalidades dos seguros-saúde são, em geral, mais caras do que as do plano de saúde.
Nesse sentido: BARRIONUEVO FILHO, Arthur; LUCINDA, Cláudio Ribeiro de. Avaliação sobre
concorrência e concentração em serviços de saúde: relações verticais e horizontais. In: FARINA,
Laércio; GUIMARÃES, Denis Alves (Org.). Concorrência e regulação no setor de saúde suplementar.
São Paulo: Singular, 2010. p. 53. Todavia, conforme ressalta João Fernando Moura Viana, há
seguros-saúde cuja apólice restringe os usuários a uma rede credenciada. (VIANA, João Fernando
Moura. A especificidade do seguro saúde frente ao modelo tradicional de seguro após a concepção
trazida
pelo
marco
regulatório.
Disponível
em:
<http://www.ans.gov.br/portal/upload/biblioteca/TT_RM_05_JFernandoViana_EspecificidadeSeguroS
aude.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2012.
72
Não por menos, o art. 802 do diploma civilista reza que: "Não se compreende nas disposições
desta Seção (III - Do Seguro de Pessoa) a garantia do reembolso de despesas hospitalares ou de
tratamento médico [...]".
73
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 841/842.
25
Da mesma forma, as operadoras de planos de saúde deixaram de se
submeter à regulação da Susep74, passando a ser fiscalizadas e reguladas pela
Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS75, órgão autárquico, ligado ao
Ministério da Saúde, criado pela Lei nº 9.961, de 2000, incumbido de "fiscalizar,
regulamentar e monitorar o mercado de saúde suplementar, no intuito de inibir
práticas lesivas ao consumidor, e estimular comportamentos que reduzam os
conflitos e promovam a estabilidade do setor"76.
Não resta dúvida, portanto, que o contrato de plano de saúde é um contrato
de natureza securitária, na medida em que reúne essencialmente as mesmas
características e se presta para objetivos extremamente análogos aos contratos de
seguro: em síntese, assegurar riscos pré-determinados77.
A compreensão dos riscos (eventos) passíveis de serem excluídos da
cobertura contratual, no que tange aos planos de saúde, está ligada à legislação e à
sua evolução. Anteriormente à LPS e à ANS, não havia legislação específica para
regular os planos de saúde. Até a Constituição Federal de 1988, os planos de
saúde, como relações securitárias que configuram, eram disciplinados apenas pelo
Decreto-Lei nº 73/1966, que nenhuma limitação de cobertura ou rigor maior impunha
74
"Autarquia Federal, instituída pelo art. 35 do Decreto-Lei nº 73 de 1966, com sede na Cidade do Rio
de Janeiro, cuja atribuição fundamental é exercer seu poder de polícia sobre as atividades de seguros
privados, de previdência complementar aberta e capitalização." (BITTENCOURT, Marcello Teixeira.
Manual de seguros privados. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 19)
75
Tal qual Januario Montone infere, a ANS surgiu com o objetivo de efetivar todas as previsões
trazidas pela Lei nº 9.656/1998, bem como centralizar as competências regulatórias e de fiscalização
do setor, até então efetuadas por vários órgãos, como o Ministério da Saúde, a Susep, a SAS Secretaria de Assistência à Saúde, o CNS - Conselho Nacional de Saúde e o Consu - Conselho de
Saúde Suplementar. (MONTONE, Januario. Op. cit., p. 41/47)
76
GREGORI, Maria Stella. Os desafios para a sustentabilidade na saúde suplementar. In AMORIN,
Maria Cristina Sanches; PERILLO, Eduardo Bueno da Fonseca (Org.). Para entender a saúde no
Brasil 2. São Paulo: LCTE, 2008. p. 56.
77
Cumpre salientar, todavia, que permanece existindo uma diferença básica entre planos de saúde e
contratos de seguro em geral. No caso dos seguros, as coberturas, em regra, são pautadas pelos
valores segurados constantes nas apólices (arts. 760 e 781 do Código Civil de 2002). No caso dos
planos de saúde, a Lei nº 9.656/1998 expressamente optou por vedar, já no inciso I do art 1º, a
limitação financeira. Isso significa que estando determinado procedimento previsto no contrato, a
operadora deve fornecer cobertura, não importando seu valor. Além disso, impede frisar que esta
limitação vai além do aspecto tarifário, estendendo-se, também, por exemplo, para o tempo de
internação. Antes da lei dos planos de saúde, muitas operadoras estabeleciam limite de tempo de
internação ou de sessões para determinados procedimentos. Com a regulamentação e a evolução da
jurisprudência, o Judiciário consolidou o entendimento de que tais limites são inequivocamente
abusivos. O STJ, aliás, possui, desde 2004, Súmula sobre a questão, a de nº 302 que afirma que "é
abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do
segurado". Na mesma linha, recentíssima decisão daquela Corte, que ao julgar o Recurso Especial nº
735.750, em fevereiro de 2012, decidiu que o plano de saúde não pode fixar limite de despesas
hospitalares.
26
às operadoras. Além do referido decreto, apenas o Código Civil de 1916 incidia
sobre a matéria, e como tal codificação fora esculpida com base nos valores e ideias
liberais napoleônicos, os vetores norteadores, especialmente no campo do direito
contratual, era o da autonomia das partes e da liberdade contratual, bem como do
dever de cumprimento dos contratos (pacta sunt servanda).
A realidade legislativa modificou-se com a Carta de 1988, que, conforme já
salientado, centrada no valor máximo da dignidade da pessoa humana, passou a
prever um ordenamento focado na pessoa humana e na sua preservação.
Introduziu-se, ainda que timidamente, a ideia de função social e boa-fé,
posteriormente revigorada e enfatizada com o CDC e o Código Civil de 2002.
Todavia, o contexto dos planos de saúde apenas alterou-se, de fato, com o
advento da LPS e a instituição da ANS, e com previsão de coberturas mínimas, tudo
de forma a regular e criar proteção para o crescente número de consumidores deste
mercado. Assim, passou-se a prever, como cobertura mínima, o rol de
procedimentos, uma lista de eventos de cobertura obrigatória.
A rigor, a única grande limitação e fator de exclusão de cobertura passou a
ser quanto às segmentações. A partir da LPS, todo contratante passou a poder optar
por contratar 4 (quatro) diferentes tipos de contratos: ambulatorial; hospitalar sem
obstetrícia; hospitalar com obstetrícia; e odontológico.
O art. 12, incisos I ao IV, da LPS, é quem trouxe originalmente tais tipos
(segmentações), estipulando quais as coberturas mínimas de cada um. Assim, os
contratos ambulatoriais fornecem cobertura para "consultas médicas, em número
ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal
de Medicina" e cobertura para "serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais
procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente", nos termos do
inciso I do referido dispositivo. E os incisos seguintes, por sua vez, contêm as
coberturas mínimas obrigatórias para as demais segmentações.
De acordo com a sua vontade e interesse, cada consumidor pode contratar,
dessa forma, o contrato que mais se adequar às suas necessidades, podendo optar
por firmar apenas uma ou outra segmentação ou uma combinação destas. Querendo
uma cobertura completa, envolvendo todos os serviços de todas as segmentações,
27
pode contratar o denominado "contrato-referência" que, em tese, não apresenta
limitações de cobertura.
Oportuno destacar que a própria ANS também entende que as segmentações
supramencionadas são modalidades distintas e que serão cobertas ou não de
acordo com a opção adotada pelo contratante.
A LPS determina, em seu art. 10, que as operadoras deverão oferecer
cobertura para as patologias previstas na Classificação Estatística Internacional de
Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de
Saúde - CID 10. O § 4º do mesmo art. 10 da LPS determina que a cobertura mínima
obrigatória será definida por normas próprias editadas pela ANS.
Em suas regulamentações, portanto, o órgão autárquico criado especialmente
para regulamentar o setor tem disciplinando exaustivamente os padrões mínimos de
cobertura que devem ser suportados pelas operadoras por meio de resoluções
normativas (RNs).
A RN 211, de 11 de janeiro de 2010, atualizada pela RN 262, a mais recente
resolução que ampliou o rol das coberturas mínimas que devem ser cobertas pelas
operadoras de saúde, já no seu art. 2º, assim dispõe: "Art. 2º O anexo desta
resolução lista os procedimentos e eventos de cobertura mínima obrigatória,
respeitando-se a segmentação contratada".
Novamente, no art. 3º, ao elencar os princípios que a atenção à saúde
suplementar deverá observar, assim consta: "Art. 3º A atenção à saúde suplementar
deverá observar os seguintes princípios: [...] II - integralidade das ações respeitando
a segmentação contratada; [...]".
Nesse mesmo sentido, diversos outros artigos da referida resolução
normativa, tais como os arts. 10, 11, 12 e 14, demonstram que sempre devem ser
respeitadas as coberturas e exigências, de acordo com a segmentação contratada.
Ainda, cabe salientar que a própria RN 211 é dividida em subseções, de acordo com
cada segmentação, constando, em cada uma, suas respectivas coberturas mínimas
obrigatórias. Poder-se-iam elencar aqui outras normativas da referida agência, as
quais igualmente demonstraram a importância de se respeitar, no que tange às
coberturas e exclusões, a segmentação contratada.
28
O Judiciário, é importante referir, em geral tem respeitado tal premissa:
CONSUMIDOR - PLANO DE SAÚDE AMBULATORIAL - NEGATIVA DE
COBERTURA - TRATAMENTO CIRÚRGICO COM INTERNAÇÃO HOSPITALAR EXCLUSÃO DE COBERTURA PARA COBRIR AS DESPESAS REFERENTES A
HONORÁRIOS MÉDICOS E CUSTO HOSPITALAR PARA REALIZAÇÃO DE
PROCEDIMENTO CIRÚRGICO DE "TENORRAFIA" - CONTRATO FIRMADO
APENAS
PARA
COBERTURA
DE
A
TENDIMENTO
AMBULATORIAL
-
LEGITIMIDADE ATIVA DO AUTOR - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ INOCORRENTE - [...]
2. A realização de cirurgia de emergência de tenorrafia (procedimento cirúrgico para
sutura de tendões da mão direita do autor), à qual o requerente foi submetido
constitui-se em procedimento médico hospitalar, com necessidade de internação,
não sendo coberto plano de saúde, tendo em vista a existência de exclusão nas
cláusulas do contrato que tem abrangência unicamente para cobrir atendimento
ambulatorial (fls. 80, 92). [...]. (Recurso Cível nº 71003358199, 1ª Turma Recursal
Cível, Turmas Recursais, Rel. Ricardo Torres Hermann, Julgado em 16.02.2012)
(grifamos)
Portanto, fato é que não resta dúvida quanto à necessidade e à
obrigatoriedade de serem respeitadas, como fator de limitação e exclusão de
coberturas, a(s) segmentação(ões) contratada(s).
2.2 A carência e sua importância no equilíbrio econômico-financeiro dos
contratos
Assim, em sendo um contrato de natureza securitária, que se presta a
fornecer cobertura econômica para determinados riscos, no caso, eventos de saúde,
é crucial que sejam respeitadas as previsões contidas nas minutas.
Daí a importância da predeterminação desses riscos a serem assumidos pelo
segurador (operadora), já que, indubitavelmente, a possibilidade de se admitir uma
companhia seguradora que se comprometa por eventos de forma ilimitada se mostra
sem qualquer razoabilidade, lógica ou sensatez. Nesse contexto, é a própria lição do
29
já referido e basilar art. 757, bem como do art. 76078, de acordo com o qual os riscos
- ou eventos cobertos -, hão de ser apenas e tão somente aqueles mencionados na
apólice, ou, in casu, no contrato de plano de saúde.
Alcança importância singular, nesse contexto, um dos mais basilares
elementos estruturais dos contratos de seguro: o mutualismo. Este, considerado
como a base econômica dessa modalidade contratual, reflete, em síntese, o
necessário equilíbrio econômico que deve existir entre o risco e o prêmio
(contraprestação econômica) pago pelo segurado79. Reforça-se, aqui, a noção de
que os prêmios pagos pelos diversos segurados se prestam a criar um fundo comum
para suportarem as indenizações que venham a ser despendidas em favor daqueles
eventualmente prejudicados com a(s) ocorrência(s) de sinistro(s). Em havendo uma
combinação saudável do prêmio e do risco, portanto, alcançar-se-á o mutualismo e o
seguro, como decorrência, subsistirá e prosperará, tanto no que diz com a proposta
das seguradoras (de não apenas oferecerem a garantia, pagar as indenizações e,
ainda, lucrarem) quanto sob o viés dos segurados, que, na ocorrência do sinistro,
estarão amparados financeiramente.
De forma a evitar o desequilíbrio econômico é que as operadoras, ao
comporem o valor das mensalidades a serem cobradas de cada contratante, se
servem de atuários, os quais consideram, nos cálculos, todos os elementos
envolvidos, como o tipo de contrato, rol de serviços cobertos, amplitude dos serviços
excluídos, condições do ambiente econômico, custos médicos, nível de utilização
médio, faixa etária dos usuários, número de usuários inscritos, rede de prestadores
(médicos, clínicas, laboratórios e hospitais) abarcada, área de abrangência
geográfica do plano (local, regional, nacional), prazos carenciais, entre outras
diversas variáveis que podem influenciar no preço.
Exatamente por isso é que, por exemplo, um contrato individual/familiar tende
a ser mais caro do que um contrato coletivo, uma vez que a massa de usuário do
primeiro é infinitamente inferior ao do segundo. Da mesma forma, contratos com
cobertura para internação e procedimentos hospitalares são mais onerosos do que
78
"Art. 760. A apólice ou o bilhete de seguro serão nominativos, à ordem ou ao portador, e
mencionarão os riscos assumidos, o início e o fim de sua validade, o limite da garantia e o prêmio
devido, e, quando for o caso, o nome do segurado e do beneficiário."
79
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p.
233/234.
30
aqueles que disponibilizam apenas procedimentos ambulatoriais, consultas simples,
etc.
Em que pese a complexidade dos cálculos, a lógica por detrás do sistema é
bastante simples e por ser sinteticamente resumida com a seguinte premissa:
quanto maior os serviços abrangidos, maior o custo. Nesse contexto, imperioso
destacar a importância dos prazos carenciais, variável esta fundamental tanto na
composição das contraprestações econômicas, quanto para garantir a segurança
das próprias operadoras/seguradoras80.
Conforme explica a própria ANS81, "carência é o período em que o
consumidor não tem direito a algumas coberturas após a contratação do plano".
Ricardo Lorenzetti
82
afirma que é o período de tempo em que o consumidor deve
pagar sem receber prestações médicas. Conforme o caso, conta-se o prazo
carencial a partir da vigência do contrato, ou a partir da inclusão do beneficiário no
contrato.
Joseane da Silva83, quanto à previsão de carências em contratos de planos
de saúde e a sua vital importância para o sistema, assim esclarece:
A admissão da carência nas relações contratuais estabelecidas entre as
empresas que atuam no setor de assistência à saúde suplementar e consumidores
tem por móvel possibilitar a fidelização dos usuários. Caso o consumidor, logo após
a contratação de certo plano ou seguro de saúde, tivesse autorização para fazer uso
imediato dos serviços disponibilizados, imediatamente em seguida à realização do
atendimento
ou
tratamento
desejado,
poderia
cessar
o
pagamento
das
mensalidades. Esta situação ocasionaria prejuízos de grande monta para as
80
Há determinados momentos em que a LPS e a ANS vedam a previsão contratual e a decorrente
exigência de cumprimento de prazos carências. A LPS, por exemplo, no art. 12, inciso III, alínea d,
permite a inclusão como beneficiário dependente do plano, com aproveitamento das carências já
cumpridas, do recém-nascido. Da mesma forma, o inciso VII do mesmo dispositivo, autoriza a
inscrição de filho adotivo, menor de 12 anos, com o aproveitamento dos períodos carenciais já
cumpridos pelo adotante. A RN/ANS 195 veda a exigência de carência para planos coletivos
empresariais e por adesão quando houver massa de usuários com número igual ou superior a 30
beneficiários. Há, ainda, a possibilidade de um usuário trocar de plano, mesmo entre operadoras
diferentes, com aproveitamento dos períodos de carência já cumpridos, através da denominada
portabilidade, prevista pelas RN/ANS 186 e 252.
81
Agência Nacional de Saúde Suplementar. Carências, doenças e lesões preexistentes, urgência e
emergência. Série planos de saúde - Conheça seus direitos. Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_carencia_doenca_urgencia.pdf>. Acesso em: 14
jun. 2012.
82
LORENZETTI, Ricardo. Consumidores. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, 2003.p. 336.
83
SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Op. cit., p. 190.
31
empresas do setor, uma vez que os serviços prestados no campo da saúde, em
geral, não apresentam valor exíguo, dada a especificidade das atividades
desenvolvidas. Desta forma, o instituto da carência permite que o consumidor,
transcorrido certo período de adesão e consequente pagamento das mensalidades,
vincule-se a determinado plano ou seguro de saúde e, em contrapartida, a empresa
contratada lastreie o seu fundo econômico-financeiro para cumprir as condições
contratuais.
Com efeito, a estipulação de carência é utilizada especialmente por dois
motivos: de um lado, para permitir que a operadora faça reserva financeira para
poder, mais tarde, fornecer cobertura econômica para os eventos que ocorrerem; de
outro, para evitar que consumidores mal intencionados contratem um plano visando
única e exclusivamente a cobertura de um determinado procedimento e que, após
tal cobertura, cancelam o plano. Daí decorre a sua vital importância para o equilíbrio
econômico-financeiro da relação e a seu estreito vínculo com o mutualismo.
Paulo Cantalice84 destaca o importante papel da previsão de carências no que
concerne a mitigar o problema da seleção adversa:
A previsão legal e contratual dos prazos de carência (inclusive para
procedimentos ligados a atendimentos de urgência e emergência) visa eliminar um
elemento conhecido na doutrina denominado seleção adversa, que pode tornar o
risco não segurável, ou seja, que pode acarretar a inexistência de interesse por
parte de empresas do mercado no oferecimento da cobertura do risco. A seleção
adversa consiste na entrada de beneficiário de utilização certa, ou seja, aqueles que
aderem ao plano apenas quando possuem a necessidade de utilizá-lo, uma vez que
o beneficiário detém maior conhecimento em relação à operadora acerca do seu
estado de saúde. Caso, por exemplo, haja impossibilidade de aplicação dos prazos
de carência no sentido de atenuar a seleção adversa corre-se o risco não apenas de
haver a diminuição da oferta de novos produtos, mas também, inclusive, da sua
própria inviabilidade, uma vez que a operadora não terá como minimizar o risco de
os beneficiários decidirem aderir ao plano somente na hora da necessidade,
abandonando o sistema posteriormente.
84
NASCIMENTO, Paulo José Cantalice. A sistemática do atendimento assistencial em casos de
urgência e emergência ocorridos durante os prazos de carência. Regulamentações dos Planos de
Saúde. São Paulo: Sincoomed, p. 121, 2011.
32
A LPS, consciente da importância deste instituto, prevê, em seu art. 12, inciso
V, a possibilidade de estipulação de três prazos máximos de carência, a saber: (I)
300 (trezentos) dias para parto a termo (aquele que ocorre entre a 37ª e a 42ª
semana de gestação); (II) 180 (cento e oitenta) dias para os demais casos; e (III) 24
(vinte e quatro) horas para os casos de urgência/emergência.
A LPS prevê, ainda, em seu art. 11, a denominada cobertura parcial
temporária, como sendo aquele período de até no máximo dois anos em que a
operadora pode excluir da cobertura determinados procedimentos em virtude de
uma doença ou lesão preexistente apresentada pelo consumidor quando da sua
contratação. Nessa circunstância, conforme prevê a RN/ANS 162, a operadora pode
suspender, pelo referido prazo, a cobertura de procedimentos de alta complexidade,
leitos de alta tecnologia e procedimentos cirúrgicos, reservado o direito do
contratante optar por, ao invés de aguardar tal período, pagar um "agravo" à
mensalidade, hipótese em que passa, então, a ter direito a cobertura integral. Luiz
Antonio Rizzato Nunes85, em razão de tal art. 11, afirma que a LPS possui não três,
mas quatro prazos de carência. Entretanto, ainda que haja similitude entre os
institutos, a LPS, bem como a ANS, os distingue.
Em que pese tal controvérsia, em função do que prevê a lei, é possível se
perceber a importância de se respeitar o que é ou não urgência/emergência, e não
vulgarizá-la ou banalizá-la, sob pena de, além de gerar insegurança jurídica e
fraude, causar pesado e perigoso desequilíbrio contratual e, em determinada escala,
a quebra de operadoras e a majoração do problema do acesso à saúde. Entretanto,
o que se verifica na prática é um verdadeiro abuso e desrespeito dos referidos
institutos, o que demanda imediata reflexão e mudança de postura.
85
NUNES, Luiz Antonio Nunes. Comentário à lei de plano e seguro - Saúde: (Lei nº 9.565, de
03.06.1998). São Paulo: Saraiva, 1999. p. 5.
33
2.3 Alegações de urgência/emergência
Definir o que é urgência e emergência é uma tarefa, a priori, complexa.
Dependendo do indivíduo e das suas pré-concepções, uma situação pode denotar
urgência/emergência
ou
não.
Bottesini
e
Machado86
fazem
interessantes
considerações sobre o tema:
Indispensável esclarecer que não se confundem a emergência e a urgência. É
provável que a confusão ordinariamente vista entre elas decorra do fato de serem
sinônimas as expressões e de ambas implicarem risco para a vida ou para a
integridade física de uma pessoa. A urgência traz consigo a ideia daquilo que deve
ser feito com rapidez, imediatamente, enquanto a emergência traz a ideia de
imprevisto, de perigoso e de fortuito, embora não necessite de ser atendidas com
rapidez, imediatamente.
As noções dos conceitos se confundem e tendem a ser utilizadas de formas
distintas por cada indivíduo. Justamente ciente de tal circunstância, e com o intuito
de evitar esse subjetivismo, é que a LPS trouxe, no seu texto, a exata conceituação
e abrangência desses termos. Eis a redação, in verbis, do seu art. 35-C:
Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos:
I - de emergência, como tal definidos os que implicarem risco imediato de vida ou de
lesões irreparáveis para o paciente, caracterizado em declaração do médico
assistente;
II - de urgência, assim entendidos os resultantes de acidentes pessoais ou de
complicações no processo gestacional;
[...].
Portanto, pela dicção legal, emergência é quando, por declaração do médico
assistente, houver risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis para o paciente.
Urgência, de outra banda, será quando houver resultados de acidentes pessoais ou
complicações durante o processo gestacional.
86
BOTTESINI, Maury Angelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de saúde
comentada e anotada. São Paulo: RT, 2003. p. 97.
34
Karyna da Silveira87, de forma mais aprofundada que o dispositivo legal,
esclarece que acidentes pessoais são "os eventos ocorridos em data específica
provocados por agentes externos ao corpo humano, súbitos e involuntários e
causadores de lesões físicas não decorrentes de problemas de saúde, como, por
exemplo, acidentes de carro, quedas e inalações de gases".
Arnaldo Rizzardo88, em obra específica sobre os contratos em comento, tece
considerações sobre os conceitos a partir da legislação, inclusive fornecendo
emblemáticos exemplos:
Importante definir e fazer uma breve distinção entre os casos considerados de
emergência e aqueles tidos como urgência. Na emergência, o paciente apresente
um quadro clínico grave, com a possibilidade de ocorrer a sua morte ou mesmo
lesões irreparáveis, caso lhe falte o atendimento necessário. Em outros termos, é a
alteração aguda do estado de saúde que implica risco imediato de vida ou lesões
irreparáveis para o paciente, o que será caracterizado em declaração do médico
assistente. Como exemplo, podemos citar o caso em que o paciente sofre uma
parada cardiorrespiratória pós-enfarto agudo do miocárdio, ou um choque
hipovolêmico por ruptura de aneurisma.
Já na urgência, a situação é menos grave, não havendo ai o risco de morte,
ou de lesões irreparáveis. No entanto, a situação ainda assim é grave, necessitando
cuidados médicos, especialmente nos casos que envolvam gestantes e aqueles que
possam vir a comprometer determinados órgãos do organismo. Em suma, é uma
alteração aguda do estado de saúde de uma pessoa, resultado de acidentes
pessoais ou de complicações no processo gestacional. Assim, por exemplo, quando
houver um acidente automobilístico, ou a queda de uma escada, e o paciente
apresentar uma simples fratura, ou luxação na tíbia. Ainda como exemplos podemos
referir crises hipertensivas e quadros de cólica ou apendicite.
É possível se concluir, em síntese, que a conduta das operadoras frente a
casos de urgência/emergência deve ser no sentido de "garantir a atenção e atuar no
sentido da preservação da vida, órgãos e funções"89.
87
SILVEIRA, Karyna Rocha Mendes da. Doença preexistente nos planos de saúde. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 91.
88
RIZZARDO, Arnaldo et al. Planos de assistência e seguros de saúde: Lei nº 9.656, de 3 de junho
de 1998. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 100.
35
As hipóteses, todavia, são, como se pode verificar, simples e taxativas, mas
as casuísticas e ações judiciais delas decorrentes têm envolvido sérios problemas
interpretativos, notadamente em razão de haver, no mínimo, três fontes
interpretativas quando à conceituação e à definição do que é ou não
urgência/emergência: legal, técnico-profissional e jurisprudencial. Conforme se
demonstrará a seguir, a coexistência dessas diferentes formas de interpretação
acaba por construir um cenário de insegurança jurídica e propício à perpetração de
fraudes.
O próprio caput do suprarreferido dispositivo legal já acarreta problemas. Na
medida em que afirma, genericamente, que casos de urgência/emergência são de
cobertura obrigatória, um julgador desatento pode presumir, por exemplo, que um
procedimento inequivocamente cirúrgico e hospitalar, ou seja, que demande
internação e todos os cuidados a ela inerentes, seja coberto para um consumidor de
um contrato do tipo unicamente ambulatorial, por entender tratar-se de procedimento
urgente/emergencial90.
Outro problema é que muitos profissionais médicos não estão atentos aos
conceitos legais, de modo que se utilizam dos termos ao seu bel prazer, o que
igualmente concorre para problemas de cobertura e decisões judiciais equivocadas.
Dificilmente um julgador irá entender que não há urgência/emergência se existir um
laudo médico em sentido contrário, independentemente do laudo estar ou não em
simetria com a legislação.
A falta de adoção dos conceitos legais, por parte dos profissionais médicos,
aliás, pode ser facilmente compreendida, haja vista que a LPS não é a o único texto
que define o que é urgência e emergência. A Resolução nº 1.451/95, do Conselho
Federal de Medicina, por exemplo, traz nos §§ 1º e 2º do artigo inicial as seguintes
definições: "§ 1º Define-se por urgência a ocorrência imprevista de agravo à saúde
com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de assistência
89
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de direito de saúde suplementar: manual jurídico de planos e
seguros de saúde. São Paulo: MP Editoria, 2006. p. 223.
90
A cobertura para casos de urgência ou emergência é coberta pelos planos ambulatoriais durante as
primeiras 12 horas ou até que se faça necessário algum procedimento exclusivamente da
segmentação hospitalar, momento a partir do qual a responsabilidade financeira passa a ser do
contratante (Resolução Consu nº 13).
36
imediata"; e "§ 2º Define-se por emergência a constatação médica de condições de
agravo à saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso,
exigindo portanto, tratamento médico imediato".
A jurisprudência, entretanto, é a que tem constituído a maior fonte de
turbulência nesse contexto. A adoção de critérios para definir um caso como urgente
ou emergente tem se mostrado absolutamente subjetiva. Frequentemente, por
exemplo, usuários ingressaram com ações judiciais com o intuito de ter o
procedimento de gastroplastia (cirurgia bariátrica) por videolaparoscopia em razão
de negativa de cobertura por parte das operadoras em decorrência do procedimento
por esta técnica não estar previsto no já referido rol de procedimentos da ANS91. E
não raras foram as oportunidades em que decisões antecipatórias foram concedidas,
senão em primeira instância, em segunda, por entender o juízo se tratar de caso de
urgência.
Tal hipótese ilustra com significante facilidade a falta de coerência e adesão,
por parte dos julgadores, aos conceitos e às definições legais. O referido
procedimento cirúrgico nada mais é do que uma redução de estômago, indicada
somente depois de diversos tratamentos e com acompanhamento multidisciplinar.
Salvo excepcionalíssimas exceções, não é um procedimento urgente, mas uma
patologia que já acompanha o paciente há anos, ou seja, não apareceu de forma
súbita e não demanda solução imediata sob pena de risco de vida. Entretanto,
decisões judiciais, em sede de cognição sumária, confundiram - e ainda confundem a questão da necessidade do procedimento, com a necessidade imediata (urgente):
AGRAVO DE INSTRUMENTO - PLANO DE SAÚDE - UNIMED - OBESIDADE
MÓRBIDA - CIRURGIA BARIÁTRICA - TUTELA ANTECIPADA DEFERIDA URGÊNCIA CARACTERIZADA - MULTA DIÁRIA FIXADA PARA O CASO DE
DESCUMPRIMENTO DA DECISÃO JUDICIAL - É de ser modificada a decisão
interlocutória devendo ser autorizada a cobertura contratual para a realização da
cirurgia de redução do estômago, pelo método de videolaparoscopia, pois,
consoante os documentos acostados aos autos, resta clara a necessidade de a
agravante se submeter à cirurgia bariátrica, em face da obesidade mórbida, a fim de
preservar sua saúde, a qual restará comprometida, caso o procedimento não se
realize imediatamente, na forma em que indicada pelo médico. Multa diária fixada
91
Com a RN 262 da ANS, a gastroplastia por videolaparoscopia passou a constar no refe-rido rol.
37
para o caso de descumprimento da decisão judicial, no valor de R$ 1.000,00,
consolidada em até trinta dias. Agravo de instrumento provido. (Agravo de
Instrumento nº 70042111880, 5ª C.Cív., TJRS, Rel. Romeu Marques Ribeiro Filho,
Julgado em 08.04.2011)
Em determinadas ocasiões, há outrossim inquestionável falta de respeito às
próprias definições legais como, por exemplo, no caso a seguir, em que, para o
mesmo procedimento, in casu, de cirurgia bariátrica, fora utilizado o termo
emergência, que pressupõe, tal qual já explicitado, acidente pessoal ou complicação
gestacional, sendo que ambas essas hipóteses são incompatíveis com a
gastroplastia.
AGRAVO DE INSTRUMENTO - SEGUROS - AÇÃO PELO RITO ORDINÁRIO PLANO DE SAÚDE - PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE
CIRURGIA BARIÁTRICA ATRAVÉS DE VIDEOLAPAROSCOPIA - POSSIBILIDADE
- URGÊNCIA CARACTERIZADA - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR - PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO - DESCABIMENTO - O perigo de dano
irreparável resta evidenciado em face dos documentos acostados aos autos, caso
não realizada cirurgia em caráter emergencial. A cirurgia bariátrica feita com a
utilização do equipamento vídeo-laparoscópico reduz sensivelmente a probabilidade
de infecção pós-operatória, além de menos invasivo ao paciente, motivo pelo qual,
em virtude da própria integridade física do agravado, tendo em vista a gravidade e
conseqüências da doença, bem como do procedimento cirúrgico, deve ser
concedida de imediato. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor.
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO - DESCABIMENTO - Tratando-se de medida
antecipatória, prevista no art. 273 do CPC, não há falar em prestação de caução.
Agravo
de
instrumento
improvido.
Unânime.
(Agravo
de
Instrumento
nº
70034506691, 5ª C.Cív., TJRS, Rel. Gelson Rolim Stocker, Julgado em 31.03.2010).
Há casos em que a problemática é ainda mais grave, como, por exemplo, em
casos de partos a termo. Em situações em que há robusta comprovação de que o
parto é absolutamente normal e regular, julgadores tem entendido por haver
urgência/emergência, como forma de superar o prazo carencial de 300 dias.
38
Entretanto, a questão que mais chama a atenção e simboliza a falta de
segurança
jurídica,
bem
como
o
excesso
de
proteção
despendida
aos
consumidores, é quando ocorrem situações de urgência e emergência e os prazos
carenciais ainda não foram integralmente cumpridos. A LPS determina que, nas
referidas hipóteses, a carência é reduzida para 24 horas. Todavia, a cobertura não
se torna integral e ilimitada. Existem restrições, trazidas pela Resolução nº 13 do
Consu - Conselho de Saúde Suplementar, órgão criado pela LPS e que
desempenhou papel regulador antes da criação da ANS.
A supracitada resolução, cuja previsão consta no próprio parágrafo único do
art. 35-C da LPS, prevê as regras de cobertura, conforme cada segmentação
contratada,
em
caso
de
o
usuário
se
encontrar
diante
de
situação
urgencial/emergencial e os prazos carenciais ainda não terem sido cumpridos.
Tratando-se de plano hospitalar, em caso de emergência, por exemplo, a cobertura
é garantida, mas limitada às primeiras 12 horas do atendimento. Em casos de
urgência, quando houver acidente pessoal, a cobertura é irrestrita e ilimitada. Ou
seja, todas as hipóteses são esmiuçadamente disciplinadas, de forma que o usuário
não fique desatendido, e de forma que a operadora não se veja obrigada a garantir
atendimento e cobertura para aquilo que não fora contratada. Busca-se, assim,
construir certa harmonia na relação, garantindo a saúde do consumidor e a
longevidade do vínculo contratual.
Todavia, em que pese a inafastável importância da referida norma no
equilíbrio dos contratos, a jurisprudência tem consciente e perigosamente
desconsiderado as suas previsões, entendendo que a mesma reduz os direitos
consumeristas trazidos pela LPS. Decisões do TJRS nesse sentido já são várias:
APELAÇÃO CÍVEL - PLANO DE SAÚDE - REEMBOLSO DE DESPESAS MÉDICOHOSPITALARES - NEGATIVA DE ATENDIMENTO - PRAZO DE CARÊNCIA ATENDIMENTO DE URGÊNCIA E EMERGÊNCIA - ENQUADRAMENTO DO FEITO
NA SUBCLASSE SEGUROS - [...] 3. Inaplicabilidade do prazo de carência de 180
dias. Expressa previsão contratual do prazo de carência de 24 horas para
atendimentos de urgência e emergência, situação ocorrente no caso, eis que
constatada pela médica responsável pelo tratamento do autor. 4. Descabe a
aplicação da Resolução nº 13 do Conselho da Saúde Suplementar (Consu), que
prevê cobertura pelo período de 12 horas nos casos de não implementação do prazo
39
de carência, não garantindo a internação. Hipótese em que a agência estabelece
restrição não prevista em lei, em evidente e injustificado prejuízo ao consumidor.
Recurso desprovido. (Apelação Cível nº 70048102628, 5ª C.Cív., TJRS, Relª Isabel
Dias Almeida, Julgado em 25.04.2012)
APELAÇÃO CÍVEL - SEGURO - PLANO DE SAÚDE - PRAZO DE CARÊNCIA DESCABIMENTO - TRATAMENTO - CARÁTER DE EMERGÊNCIA - PERÍODO DE
CARÊNCIA DE 24 HORAS - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA - PRELIMINAR
REJEITADA - Da cautelar de caráter satisfativo [...] 6. Verificado o caráter
emergencial do tratamento de que necessitava a parte autora, como amplamente
demonstrado no processo, não há como prevalecer o prazo de carência pactuado.
Inteligência dos arts. 12 e 35-C da Lei nº 9.656 de 1998. 7. Inaplicável ao caso em
tela a Resolução nº 13 do Conselho da Saúde Suplementar (Consu), que estabelece
que quando o atendimento ocorrer no período de carência, este deverá abranger a
cobertura fixada para o segmento ambulatorial, pelo período de 12 horas, não
garantido a cobertura para internação. Isso porque não é permitido à agência
fiscalizadora estabelecer restrições não previstas em lei, em detrimento do
consumidor. Afastada a preliminar e negado provimento ao apelo. (Apelação Cível nº
70046936183, 5ª C.Cív., TJRS, Rel. Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em
28.03.2012)
Na mesma direção, o STJ, o qual tem se utilizado da previsão de 24 horas
para casos de urgência/emergência, independentemente da norma do Consu.
Apenas para citar, cabível mencionar o recente julgamento do REsp 962.980, de
Relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado em 13.03.2012 e publicado no
DJe 13.03.2012. Nesse processo, debateu-se exatamente a questão da validade da
Resolução nº 13 do Consu e, na esteira do que vem entendendo o TJRS,
preponderou o direito à vida e a proteção do consumidor, razão pela qual se
desconsideram as limitações trazidas pela referida norma, conforme trecho do voto
do Relator: "Regulamento tem função meramente auxiliar às leis, não podendo
ultrapassar seus limites para alterar ou extinguir direitos, o que é nítido no caso [...]"
Assim, nota-se que, seja em função da confusão dos conceitos, seja por
haver desrespeito aos termos legais por parte dos médicos e dos julgadores ou seja
pela jurisprudência entender que uma resolução não pode reduzir direito esculpido
em lei, há verdadeira insegurança jurídica em se tratando de ações judiciais
envolvendo tais questões, o que exige, sem dúvida, mudanças e reflexões, como
40
forma de haver um balanço harmonioso entre proteção do consumidor e equilíbrio
econômico-financeiro do planos de saúde, sob pena de, além de inviabilizar-se a
manutenção de tal relação, incentivar fraudes e a deslealdade por parte de usuários
mal intencionados.
Sopesando o todo exposto, resta clarividente que o respeito às cláusulas
contratuais se mostra de vital importância não apenas para a saúde do contrato e da
relação estabelecida entre o usuário e a operadora, como também para os próprios
segurados. O equilíbrio existente nessas espécies contratuais - e que garante o
pagamento dos eventos quando contratualmente previstos - está diretamente
vinculado ao respeito ao mutualismo, materializado pela proporcionalidade existente
entre o prêmio cobrado e a garantia prestada.
Nesse norte, percebe-se que os casos de urgência/emergência, da maneira
como interpretados pelo judiciário atualmente, se mostram verdadeiramente
ameaçadores à saúde desta relação, impondo-se urgentemente uma mudança de
posicionamento, sob pena de aumento tarifário ou, até mesmo, da quebra do
segurador. A partir do momento em que um Magistrado determina que a operadora
forneça cobertura econômica para um procedimento não coberto, a empresa se vê
diante de um prejuízo não previsto e, como qualquer ente da iniciativa privada,
tenderá a repassar tal ônus para os demais usuários, ou seja, majorando o preço
das mensalidades.
Da mesma forma, o Judiciário, ao chancelar pleitos judiciais de consumidores
que pretendem obter coberturas não contratadas, está, além de evidentemente
incentivando a judicialização deste tipo de contrato, mostrando para aqueles que
efetivamente contrataram e pagam, todo mês, para ter a cobertura, que isso é uma
medida desnecessária, uma vez que, sempre que precisarem, bastará postular em
juízo que conseguirão qualquer procedimento, independentemente de ter por ele
pago.
De outra banda, registra-se que uma decisão judicial deste jaez sequer
encontra respaldo pelo ordenamento vigente. Tal decisão, permeada de evidente
individualismo (pois beneficia apenas um usuário que não pagou e por isso não tem
direito àquilo que está querendo, em detrimento de todo o restante da massa, da
operadora e, mediatamente, da sociedade), está em desacordo com a ideia de uma
41
sociedade solidária, notadamente um objetivo fundamental da República (art. 3,
inciso I, CF/1988).
E veja-se que especificamente no caso das ações de urgência/emergência,
as negativas de cobertura já estão amparadas em resoluções da agência
reguladora, que constituem normas técnicas que já atendem, desde a sua criação,
as peculiaridades do setor, e que buscam, já com a ideia de proteção dos
consumidores, um equilíbrio. Mesmo porque, a regulação, in casu efetuada pela
ANS92, tem como objetivo ao publicar suas normas - senão de maneira expressa,
implícita - justamente proteger os consumidores.
CONCLUSÃO
A saúde é um direito indispensável, sem o qual todos os demais direitos
fundamentais, inclusive a vida, ficam esvaziados e sem sentido. No Brasil, a Carta
Magna estabeleceu que a saúde deveria ser garantida de forma universal pelo
Poder Público, por meio do Sistema Único de Saúde - SUS. Entretanto, este, por
uma série de motivos, se mostra inegavelmente ineficiente e incapaz de atender às
necessidades de todos os cidadãos.
Já antecipando essa precariedade, a própria Constituição Federal de 1988
concedeu permissão para a iniciativa privada também contribuir com a efetivação da
saúde, prevendo um Sistema de Saúde Suplementar ao serviço público,
materializado nos contratos de planos de saúde e seguros-saúde.
Destarte, a efetividade da saúde no Brasil, hoje, passa inequivocamente pela
Saúde Suplementar e pelos planos de saúde. Nesse contexto, torna-se imperiosa a
busca pela proteção dos diversos e cada vez mais numerosos usuários desse
sistema de saúde. Assim, haja vista que a relação estabelecida entre beneficiários e
operadoras constitui inegável vínculo consumerista, a perseguição pela efetividade
da proteção do direito dos consumidores tem sido uma orientação adotada de forma
exagerada e perigosa.
92
Apenas para citar, o art. 4º da Lei nº 9.961 (que criou a ANS), prevê, entre as competências da
referida agência, "articular-se com os órgãos de defesa do consumidor visando a eficácia da proteção
e defesa do consumidor de serviços privados de assistência à saúde, observado o disposto na Lei nº
8.978, de 11 de setembro de 1990" (inciso XXXVI).
42
Em um contexto em que os hipossuficientes da relação encontram inúmeros
institutos protetivos, como a inversão do ônus probatório, e a vantagem de terem as
cláusulas contratuais interpretadas de forma mais favorável para si, percebe-se que
deve haver uma atenção revigorada também aos fornecedores, no caso,
operadoras/seguradoras, que igualmente têm o direito de verem as minutas
contratuais respeitadas, especialmente quando estas tem sua atuação rígida e
estritamente fiscalizada pela autarquia reguladora responsável.
As ações judiciais envolvendo alegações de urgência/emergência têm
configurado campo fértil para o desrespeito das cláusulas contratuais, o que gera um
cenário de insegurança jurídica e de incentivo a fraudes. Portanto, devem as partes
e órgãos envolvidos, como Conselho Nacional de Justiça, ANS, Conselho Federal de
Medicina, buscarem modificar o trato que tais demandas têm tido.
A criação de conceitos universais e objetivos de urgência e emergência, por
exemplo, e o transporte do regramento da Resolução Consu nº 13 para o corpo da
LPS são, apenas para citar, possibilidades que tenderiam, em tese, a mitigar ou
mesmo eliminar a problemática apresentada, tornando a relação mais segura e
harmoniosa para todas as partes. Afinal, outro não é o objetivo do art. 4º, inciso III,
do próprio CDC.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA Nacional de Saúde Suplementar. Carências, doenças e lesões
preexistentes, urgência e emergência. Série planos de saúde - Conheça seus
direitos.
Disponível
em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_carencia_doenca_urgencia.pdf>.
Acesso em: 14 jun. 2012.
ALEXANDRINO, José de Melo. Perfil constitucional da dignidade da pessoa
humana: um esboço traçado a partir da variedade de concepções. Direitos
Fundamentais e Justiça, Porto Alegre, a. 4, n. 11, p. 13/38, 2010.
43
ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados: (das
raízes aos fundamentos contemporâneos). Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
BARRIONUEVO FILHO, Arthur; LUCINDA, Cláudio Ribeiro de. Avaliação sobre
concorrência e concentração em serviços de saúde: relações verticais e horizontais.
In: FARINA, Laércio; GUIMARÃES, Denis Alves (Org.). Concorrência e regulação no
setor de saúde suplementar. São Paulo: Singular, 2010.
BITTENCOURT, Marcello Teixeira. Manual de seguros privados. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Nova ed. Rio
de Janeiro: Campus, 2004.
BOTTESINI, Maury Angelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos planos e seguros de
saúde comentada e anotada. São Paulo: RT, 2003.
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2011.
DONEDA NETO, Danilo;, Os direitos da personalidade no novo código civil. In:
TEPEDINO, Gustavo (Coord.). A parte geral do novo código civil: estudos na
perspectiva civil - constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.
DUQUE, Marcelo Schenk. Direitos fundamentais e direito privado: a busca de um
critério para o controle do conteúdo dos contratos. In: MARQUES, Cláudia Lima
(Coord.). A nova crise do contrato: estudos sobre a nova teoria contratual. São
Paulo: RT, 2007.
FACCHINI
NETO,
Eugênio.
Reflexões
histórico-evolutivas
sobre
a
constitucionalização do direito privado. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.).
Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2010.
FERNANDES NETO, Antônio Joaquim. Plano de saúde e direito do consumidor.Belo
Horizonte: Del Rey, 2002.
FIGUEIREDO, Fábio Vieira; GIANCOLI, Brunno Pandore. Direito civil. São Paulo:
Saraiva, 2010.
44
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de direito de saúde suplementar: manual
jurídico de planos e seguros de saúde. São Paulo: MP Editoria, 2006.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo:
Malheiros, 1997.
GREGORI, Maria Stella. Os desafios para a sustentabilidade na saúde
suplementar.In AMORIN, Maria Cristina Sanches; PERILLO, Eduardo Bueno da
Fonseca (Org.).Para entender a saúde no Brasil 2. São Paulo: LCTE, 2008.
______. Planos de saúde: a ótica da proteção do consumidor. 3. ed. São Paulo: RT,
2011.
KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil
e defesa do consumidor em juízo. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2009.
L'ABBATE, Solange. Direito à saúde: discursos e práticas na construção do
SUS.São Paulo: Hucitec, 2010.
LORENZETTI, Ricardo. Consumidores. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores,
2003.
LUTZKY, Daniela Courtes. A reparação de danos imateriais como direito
fundamental. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo
regimedas relações contratuais. 6. ed. São Paulo: RT, 2011.
______; TURKIENICZ, Eduardo. Caso "T" vs. "A": em defesa da teoria finalista de
interpretação do art. 2º do CDC. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT,v.
36, p. 221/240, out./dez. 2000.
MARTINS-COSTA, Judith. Crise e modificação da idéia de contrato no direito
brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 3, p. 127/154,
set./dez. 1992.
45
MATEUS, Cibele Gralha. Direitos fundamentais sociais e relações privadas: o caso
do direito à saúde na Constituição Brasileira de 1988. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 6. ed. São Paulo: RT,
1978.
MELLO, Leonel Itaussu Almeida; COSTA, Luís César Amad. História moderna e
contemporânea. São Paulo: Cipione, 1999.
MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: RT, 2010.
REVISTA JURÍDICA Nº 422 - Dezembro/2012 - Doutrina Civil
91
MONTONE, Januario. Planos de saúde: passado e futuro. Rio de Janeiro: MedBook,
2009.
NASCIMENTO, Paulo José Cantalice. A sistemática do atendimento assistencial em
casos de urgência e emergência ocorridos durante os prazos de carência.
Regulamentações dos Planos de Saúde. São Paulo: Sincoomed, p. 117/134, 2011
NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA, Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e
os desafios da efetivação do direito à saúde. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011.
NUNES, Luiz Antonio Nunes. Comentário à lei de plano e seguro - Saúde: (Lei nº
9.565, de 03.06.1998). São Paulo: Saraiva, 1999.
OCKÉ-REIS, Carlos Octávio; ANDREAZZI, Maria de Fátima Siliansky de; SILVEIRA,
Fernando Gaiger. O mercado de saúde no Brasil: uma criação do Estado?
Disponível
em:
<http://www.ie.ufrj.br/revista/pdfs/Ref_160-CarlosOctavioOcke-
ReiseOutros.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2011.
PASQUALOTTO, Adalberto. Fundamentalidade e efetividade da defesa do
consumidor. Revista de Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, n. 9, p. 66100, out./dez. 2009.
______. O código de defesa do consumidor em face do Código Civil de 2002. In:
PFEIFFER, Roberto A. C.; PASQUALOTTO, Adalberto de Souza (Coord.). Código
de defesa do consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e assimetrias.
São Paulo: RT, 2005.
46
______. O destinatário final e o "consumidor intermediário". Revista de Direito do
Consumidor. São Paulo: RT, v. 74, p. 7/42, abr./jun. 2010.
RIBEIRO, Amadeu Carvalhaes. Direito de seguros: resseguro, seguro direto e
distribuição de serviços. São Paulo: Atlas, 2006.
RIZZARDO, Arnaldo et al. Planos de assistência e seguros de saúde: Lei nº 9.656,
de 3 de junho de 1998. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
______. Contratos. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito à saúde. Direito sanitário na perspectiva dos
interesses difusos e coletivos. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2011.
______. Neoconstitucionalismo e a influência dos direitos fundamentais no direito
privado: algumas notas sobre a evolução brasileira. In: SARLET, Ingo Wolfgang
(Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 3. ed. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010.
SCHULMAN, Gabriel. Planos de saúde: saúde e contrato na contemporaneidade.
Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Planos de saúde e boa-fé objetiva: uma
abordagem crítica sobre os reajustes abusivos. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2010
SILVEIRA, Karyna Rocha Mendes da. Doença preexistente nos planos de saúde.
São Paulo: Saraiva, 2009.
SILVEIRA, Paulo Antônio Caliendo Velloso da. Direito tributário e análise econômica
do direito: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
STEINMETZ, Wilson Antônio. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais.
São Paulo: Malheiros, 2004.
47
TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro: Aide,
2001.
TORRES, Ricardo Lobo. O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de
natureza orçamentária. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.).
Direitos fundamentais: orçamento e "reserva do possível". Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2008.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos
contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, v. 2, 2007.
VIANA, João Fernando Moura. A especificidade do seguro saúde frente ao modelo
tradicional de seguro após a concepção trazida pelo marco regulatório. Disponível
em:
<http://www.ans.gov.br/portal/upload/biblioteca/TT_RM_05_JFernandoViana_Especif
icidadeSeguroSaude.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2012.
48
Download

a problemática dos casos de urgência/emergência