Natureza, cultura e gênero: uma crítica
CAROL P. MacCORMACK
(Versão preliminar da tradução para uso didático. Pede-se não citar)
I.
Categorias e transformações
Este texto explora a crença de que os seres humanos diferem dos animais e o seu corolário
de que a cultura e a natureza são distintas e contrastantes. Também tratamos da questão
das transformações metafóricas do contraste natureza-cultura em cru-cozido ou selvagemdomesticado. Com maior controvérsia, vamos explorar a possibilidade de o contraste
feminino-masculino poder ser entendido como mais uma transformação metafórica de um
contraste supostamente universal entre natureza e cultura (Ortner, 1974 e Ardener, 1975).
Contudo, não lidamos apenas com categorias estanques ou conjuntos de contrastes
metafóricos em oposição rígida uns aos outros, mas trataremos de como concebemos a
natureza se transformando em cultura; o processo pelo qual sentimos que nos tornamos
humanos. Ou, como formulado por Rousseau, como deixamos um estado de natureza para
nos tornarmos seres com linguagem e cultura.
Seguindo Rousseau, Lévi-Strauss atribui essa transição à nossa capacidade de produzir
cultura, mais do que às manifestações culturais em si (Wokler, 1978:126). É por conta de
nossa capacidade de fazer distinções, como aquelas entre “nós”, como uma categoria de
parentesco, e “outro”, e nossa habilidade para reconhecer regras de proibição do incesto e
de exogamia que somos capazes do contrato social rousseauniano, no qual abandonamos
um estado de natureza, que significa incesto e o isolamento social de pequenas
parentelas, para retribuir laços de parentesco e contratos sociais com outros (Badcok,
1975). Para existirmos como espécie, precisamos comer, copular e atender a outras
necessidades animais básicas. Fazer tais coisas é “natural”, no sentido de que é necessário
a todos os animais. Enquanto as necessidades humanas mais básicas precisam ser
atendidas ou o indivíduo morre, e elas podem ser satisfeitas individualmente, o sexo
procriativo não é necessário para manter a vida dos indivíduos, mas das sociedades, e tal
necessidade não pode ser atendida individualmente mas requer um par de opostos:
macho e fêmea. A sexualidade é natural, mas se torna cultural com as proibições do
incesto e as regras de exogamia (Levi-Strauss, 1969a:30).
A partir da regra de dar “nós” (irmãs) e receber “outro” (esposa), seguem-se outros
padrões de troca de pessoas, bens e serviços e informações. Trocas que manifestam a
estrutura da sociedade humana nos dão pistas da estrutura de um código humano básico.
A fundamentação de uma estrutura básica é a habilidade humana de fazer distinções
binárias (Levi-Strauss, 1978:22-3). Percebendo contrastes ou opostos, a mente humana
constrói suas percepções do mundo. Não podemos perceber a luz sem conhecer a
escuridão, nem fricativos surdos, sem conhecer os sonoros. Mas os contrastes isolados não
são um fim em si mesmo, já que a mente humana busca analogias com outros fenômenos
1
contrastivos e, uma vez as encontrando, encaixa tais analogias no seu sistema de
classificação. Ao nível consciente, as pessoas percebem mais as manifestações concretas
do que as relações em si mesmas, mas para os estruturalistas a tendência inconsciente de
perceber relações é fundamental para a mente.1
A primeira distinção que qualquer humano recém-nascido faz é aquela entre o eu e o
outro que amamenta. Depois, na medida em que a criança se desenvolve,começa a
discernir contrastes fonéticos, expandindo o escopo das operações lógicas inerentes à
natureza de suas mentes. Os animais não têm o sentido das fronteiras culturais; não tem o
tabu do incesto ou outras regras socialmente transmitidas. A capacidade de reconhecer
regras que unem os indivíduos é essencial para a formação da sociedade humana, e desta
capacidade de conhecer e formular regras advém o casamento, as alianças sociais, a
linguagem e reciprocidades de todo tipo (Lévi-Strauss, 1969a:32,3). A passagem originária
da natureza par a cultura se repete na medida em que as sociedades se perpetuam por
meio de suas regras culturais.
Inconsciente e consciente
Os estruturalistas partem do princípio de que existe uma única estrutura básica de
pensamento binário subjacente a todo o funcionamento e comportamento mental
humano, a qual pode ser descoberta por meio de uma análise sistemática, informada
pelas técnicas da análise lingüística. Uma vez que se conheça a estrutura, ela pode nos
ajudar a compreender o conjunto do comportamento humano a despeito de sua manifesta
diversidade. Quando se tiver conhecido a codificação da mente, somos capazes de
decodificar seus produtos (Scheffler, 1970:58).
A teoria estruturalista inspira-se na teoria lingüística, particularmente no trabalho de
Saussure, que descreveu a língua como um conjunto de signos que poderiam ser
estudados à parte de outros produtos culturais. Poderíamos fracionar a língua em
elementos discretos e então examinar o modo pelo qual os elementos são combinados
para produzir significado. Saussure ampliou sua pesquisa para incluir formas de etiqueta,
sinais militares, rituais e outros sistemas de significação. Em todos eles, poderíamos
desenvolver modelos formais abstratos de uma estrutura subjacente.
Seguindo Saussure, Lévi-Strauss buscou a causa do parentesco, do mito e da classificação
totêmica em nossa natureza intelectual que, em seu nível mais profundo e pan-humano, é
amplamente inconsciente, assim como a compreensão das oposições fonéticas é
sistemática e racional mesmo que não tenhamos consciência delas. Parentesco e mito são
análogos, em estrutura, à língua, e funcionam como códigos.2
1
Ver Gardener (1976) para maior discussão acerca deste ponto, especialmente em relação a LéviStruass e Piaget.
2
Lévi-Strauss (1978:53) escreveu que mito e música não são apenas análogos à língua, mas derivam
dela.
2
Lévi-Strauss não é um idealista para quem a mente incorpora categorias lógicas
fundamentais e verdades últimas. Na verdade ele se refere a um inconsciente kantiano
que combina e categoriza, mas é um sistema de categorização homologo à natureza, ou é
a própria natureza (Lévi-Strauss, 1969a:11). Ele está localizado fisicamente no cérebro,
com sua capacidade de constituir códigos que chamamos de cultura (Lévi-Strauss, 1978:8).
Para Lévi-Strauss, “o inconsciente ... está sempre vazio – ou, mais precisamente, ele é
alheio às imagens mentais, como o estômago o é em relação à comida que passa por ele.
Como um órgão com função específica, o inconsciente apenas impõe leis estruturais sobre
elementos desarticulados originados alhures” (Lévi-Strauss apud Jenkins 1979:14). O
cérebro funciona, nesse nível inconsciente, para criar sistemas ordenados de
representações, colocando as percepções que passam por ele em relações de contraste e
oposição.
Uma das maiores dificuldades com o estruturalismo de Lévi-Strauss é a natureza da ligação
entre essas funções inconscientes do cérebro e a “realidade” que o estruturalismo busca
explicar. Lévi-Strauss localiza a estrutura fundamental no nível mais profundo da função
inconsciente e lhe atribui um estatuto ontológico, uma existência própria. Mas qual é
exatamente a relação entre o trabalho organizador do inconsciente e o domínio conceitual
da estrutura social, das relações política, e assim por diante? Neste último nível de
consciência, conceitos e categorias operacionais cumprem sua função de dar significado às
percepções empíricas. Podemos deixar sem resposta a relação entre a função física do
cérebro e o trabalho da mente de construir modelos conceituais, ou podemos unificar
ambos em um de dois modos possíveis.
Poderíamos optar por um reducionismo biológico no qual a ênfase é posta no papel do
cérebro físico. De fato, muito do pensamento de Lévi-Strauss é reducionista. Ele usa
natureza em dois sentidos; o mundo fenomenológico, como nós o percebemos, excluindo
a cultura. Natureza, aqui, é a categoria residual de tudo o que estiver fora da cultura
(Badcock, 1975:98). Mas é também a natureza humana, à qual os códigos culturais são
reduzidos e, como Leach mostrou, Lévi-Strauss cai em um paradoxo. Se ele é bemsucedido em identificar fatos como o tabu do incesto e as regras de exogamia como uma
verdade universal para os seres humanos, eles devem ser naturais. Contudo, ele pressupõe
que a qualidade cultural única da humanidade baseia-se no que não é natural; naquilo que
é socialmente transmitido e arbitrário, do mesmo modo que o símbolo está para o
significado, na língua (Leach, 1970:121 e 1973:39). Assim, em um sentido Lévi-Strauss
reduziu a cultura à biologia; culutra é natureza, o cérebro físico e a natureza humana. Mas,
em seu trabalho posterior, ele sugeriu que o contraste natureza-cultura era uma criação
artificial da cultura (1969a:xxxix), e era apenas um dispositivo metodológico (1966:247).3
3
Ver Badcock (1975) para uma discussão mais completa e uma comparação do reducionismo biológico
de Lévi-Strauss com o de Freud. Em seu trabalho mais recente, Lévi-Strauss escreve sobre a
ambigüidade da natureza. Ela é subcultural, mas é também o meio pelo qual o ser humano espera
contatar ancestrais, espíritos e deuses. Logo, a natureza é, também, “sobrenatural” (1977:320).
3
Schneider levou isso ao extremo; cultura não é natureza, mas natureza é um conceito
inteiramente cultural (1972). Poderíamos ver todas as representações da estrutura como
conceitos de estrutura formulados em um nível consciente pelo processo de criação de
modelos (Jenkins, 1979:36-7). Neste livro, não estamos preocupadas com um inconsciente
incompreensível, mas com modelos nativos (folk models) de natureza, cultura e gênero
que são conscientemente expressos em sociedades particulares. Isso não significa dizer
que todo o membro da sociedade em questão possa expressar um modelo completo e
coerente. O observador precisa construí-lo, a partir de afirmações explícitas, mitos,
símbolos, modos de classificação e outras observações (ver capítulo 8). Tampouco existe
um único modelo que caracterize o pensamento de todas as pessoas naquela sociedade.
Se pensarmos em um modelo como um plano de ação, por exemplo, para fazer alianças de
casamento, haverá diferentes planos de ação conduzidos por diferentes grupos com
variados graus de poder político na sociedade. Ou podemos, ainda, pensar em modelos
normativos ou pragmáticos que os atores conduzem simultaneamente.
Scheffler propôs que todos os modelos formais deveriam ter três qualidades: 1 –
simplicidade; 2 – consistência; e 3 – eles deveriam ser julgados adequada e
apropriadamente pelos nativos em questão (1970: 67). Lévi-Strauss dispensa a qualidade
de adequação e correspondência com modelos conscientes, considerando o consciente
uma tela que pode esconder uma estrutura mais profunda (1963:281). Nutini tem
tentando encontrar um meio termo, sugerindo que os modelos consciente e inconsciente
não são diferentes em tipo, mas em grau, e que estamos lidando com um modelo único
que é revelado pelo mais cuidadoso e detalhado campo de trabalho possível (1970: 82).
Leach comenta que quando começamos o estudo de outra cultura nós rapidamente
formulamos um modelo com o qual explicá-la, mas o modelo é amplamente moldado por
nossas próprias pressuposições e pode não corresponder em nada ao modelo tido em
mente pelos nativos. Mas enquanto os meses passam e nós aprendemos a língua e os
padrões de pensamento do povo, nós revisamos o modelo radicalmente. Aqueles que
trabalham à distância com literatura etnográfica já publicada e etnógrafos que já
conhecem as categorias salientes e seus significados antes de irem a campo podem dar
atenção apenas aos fenômenos que se “encaixam” em suas pressuposições. Leach rejeita a
definição de Lévi-Strauus de antropologia social como um ramo da semiologia tendo
estrutura lógica interna dos significados de coleções e símbolos como preocupação
central, procurando, ao invés disso, o significado no verdadeiro comportamento social dos
seres humanos (1970: 105).
Teorias estruturalistas fornecem explicações satisfatórias, mas como se referem ao
inconsciente, é difícil validá-las. Por outro lado, teorias empíricas são mais fáceis de validar
embora ofereçam explicações menos satisfatórias e freqüentemente tautológicas. Alguns
observadores sugerem que cientistas sociais estruturalistas se modelam a partir de
cientistas naturais, observando, descrevendo e construindo modelos formais com os quais
tirarão conclusões sobre a relevância do que observaram. (Gardener 1976:4 – 7). Leach, no
entanto, especula que Lévi-Strauss começou de maneira oposta ao se perguntar: ‘como e
por que razão os homens, que são parte da natureza, conseguem ver a si mesmos como
“diferentes” da natureza, embora, para sobreviverem, tenham que manter constantes
4
“relações” com a mesma?’ (1970: 129). Lévi-Strauss observa que certas coisas como o
incesto ou o ato de cozinhar são universais, mas não são essenciais para manter a vida no
mundo animal. Portanto, estas coisas devem ser símbolos “pelos quais a cultura se
distingue da natureza para que os homens possam se reassegurar de que não são bestas
(beasts)” (Leach 1970:129). Outros também comentaram que o método de Lévi-Strauss
não é indutivo, mas prioritariamente dedutivo. Ele sugere que em todo mito se deva
encontrar uma estrutura binária de opostos que não é específica para uma única versão do
mito. De fato, ele os encontra, e encontra também pares complementares de oposição.
“Natureza” e “cultura” como construções culturais
Não desejamos negar que contrastes binários são vitais para o pensamento humano; são
os significados universais dados a algumas categorias de nomes que nos preocupam. Já
que o método estruturalista busca reduzir informações à sua estrutura simbólica, os
símbolos se tornam mais importantes que o fenômeno; o que dá o significado, mais
importante que o que o recebe (Scholte 1974:428). Mas símbolos como natureza e
feminilidade tem significados atrelados a eles que são culturalmente relativos. Douglas e
Kirk insistem que o conteúdo não pode ser ignorado; diferentes versões de um mito, por
exemplo, não podem ser reduzidos a uma única estrutura (Douglas 1967: 66 e Kirk 1970:
78). Análises estruturalistas deveriam explicar fazendo referência a um mito particular e
como seus significados são produzidos, o que exige explicação e compreensão da cultura
no qual o mito aparece.4
Assim, embora Lévi-Strauss tenha tentado lançar o contraste natureza-cultura em um
modelo atemporal e livre de valoração, preocupando-se com o funcionamento da mente
humana, idéias sobre natureza e cultura não são livres de valor. O “mito” da natureza é um
sistema de sinais arbitrários que se apóia no consenso social do significado. Nem o
conceito de natureza e nem o de cultura são dados, e não podem ser livres da parcialidade
da cultura na qual os conceitos foram construídos (ver capítulos 2, 3). Nossas idéias
européias sobre natureza e cultura são fundamentalmente sobre nossas origens e
evolução. O “natural” é o que é inato na nossa herança primária, e o “cultural” é o que é
arbitrário e artificial. Em nossa história evolucionista nós temos melhorado e nos
compelido a criar um mundo de ordem artificial e regrada.
Nossa mente estrutura o mito, e em uma resposta em loop, o mito instrui nossa percepção
no universo fenomenológico. Gênesis, por exemplo, coloca os homens em oposição à
natureza e nos promete o domínio sobre a mesma. Com o protestantismo, passamos a
considerar responsabilidade individual a compreensão racional e o aproveitamento da
natureza. O mito, em sua forma atual, reflete a fé da sociedade industrial como uma
sociedade construída pela atividade empreendedora. Sahlins expressou a opinião de que o
“desenvolvimento a partir de um estado Hobbesiano da natureza é o mito original do
4
Ver Lévi-Strauss (1978:26ff.) para resposta a esta crítica
5
capitalismo ocidental” (1976a: 52-3)5. Nós atribuímos honra e prestígio às pessoas da
ciência e da indústria que sucedem em compreender e dominar o poderoso campo da
natureza. Nós também honramos as pessoas que sobrepujam instintos animais refreando
estes instintos com códigos morais. Quando as mulheres são definidas como “naturais” um
maior prestigio, ou uma “virtude” moral, é atrelada ao domínio dos homens sobre as
mulheres em uma analogia à virtude do domínio humano sobre as fontes de recursos
naturais ou sobre a energia libidinosa dos indivíduos. Parece-nos bastante lógico em nossa
tradição judaico-cristã e tradição industrial associar a natureza ao feminino (Ardener
1975). No entanto, mesmo a nossa própria história intelectual européia não associou
consistentemente o natural ao selvagem.
No século XVIII, a natureza foi tida como o aspecto do mundo revelado através do
escrutínio científico. Ela possuía leis previsíveis, mas que não haviam sido sobrepujadas. As
mulheres eram o repositório das leis naturais e moralidade natural, mas também eram
emocionais e passionais precisando ser contidas pelos laços sociais. As categorias opostas
de natureza e cultura (ou sociedade) surgiram como parte de uma polêmica ideológica e
historicamente particular na Europa do século XVIII; uma polêmica que criou posteriores
contradições ao definir a mulher como natural (superior), mas instrumento de uma
sociedade de homens (subordinado).
A partir de meados do século XIX, idéias evolucionistas forneceram uma explicação
“natural” sobre as diferenças de gênero. Em 1862, Bachofen recordou um antigo intervalo
de “direito materno” no qual as mulheres governavam o estado bem como a família, mas
eram subjugadas pelo patriarcado Romano do período clássico. McLennan, em 1865,
escreveu sobre o período da história em que os homens capturavam e trocavam mulheres
evidenciando a necessidade de regras de exogamia e aliança matriarcal em prol da
manutenção da paz na sociedade. Morgan, em 1877, desenvolveu uma elaborada
organização matrilinear da história humana, suplantada pelo controle masculino, um tema
resgatado por Engels em A origem da Família, e Propriedade Privada e o Estado em 1884
(Lowie 1937: 40ff). A ambigüidade e as contradições do século XVIII persistem no século
XX, e o modelo simplista, unilinear e evolucionista do século XIX foi posto de lado. Com
essa ambigüidade e complexidade na essência de nossas definições européias, como
podemos concordar que o seguinte arranjo de metáforas representa uma estrutura
cognitiva universal?
natureza
selvagem
feminino
:
:
:
cultura
manso
masculino
Modelos estruturais são dinâmicos uma vez que estão preocupados em tornarem-se e
transformarem-se. Os Europeus têm um conceito de história, acumulação literária,
mudança progressiva através do tempo, e uma noção da gênese como único possível
5
Sahlins (1976ª:53) comentou: “Até onde sei, somos as únicas pessoas que se pensam evoluídas de
selvagens; todos os outros acreditam ter descendido de deuses.”
6
começo. Temos a idéia de que uma categoria pode se transformar em outra, com a
natureza se tornando cultura, crianças se tornando adultos com a socialização e se
casando de modo exogâmico, o selvagem se tornando domesticado, e o cru se tornando
cozido. De modo geral, significar, para nós, quer dizer transformar-se (Wagner 1975). Mas
nossos significados não são universalmente verdadeiros, e algumas sociedades concebem
a natureza como categoria imutável incapaz de transformação (capitulo 8). Lévi-Strauss
evidenciou não apenas o ‘transformar-se’, mas o ‘dominar’, com o social dominando o
biológico e o cultural dominando o natural (1969a: 479). A seqüência ligeiramente
embaralhada de eventos em Gênesis, por exemplo, muda de uma fervilhante natureza
para a dominação humana sobre a mesma, de acordo com as regras morais.
Utilizando uma expressão lingüística, a passagem da natureza para a cultura é uma
sintagmática corrente amplamente abreviada de unidades míticas, formando um eixo
metonímico da esquerda pra direita. Lendo de cima pra baixo, temos associações
paradigmáticas ou transformações metafóricas (Leach 1976: 25-7):
METONÍMICO
METAFÓRICO
natureza
criança
selvagem
cru
:
:
:
:
cultura
esposo
manso
cozido
Se adicionarmos o gênero a este arranjo teremos um non-sequitur:
METONÍMICO
METAFÓRICO
natureza
criança
selvagem
cru
feminino
:
:
:
:
:
cultura
esposo
manso
cozido
masculino
Em nosso sistema de pensamento europeu, o gênero fornece duas categorias óbvias de
diferenciação social, mas não oferece o potencial dinâmico para transformação que os
outros pares possuem. No eixo metonímico, em que sentido o feminino pode tornar-se
masculino como a natureza pode se tornar cultura? Em nenhum sentido, se considerarmos
gênero como categorias imutáveis “na natureza”. Mas um caso pode ser considerado para
categorias de gênero “na cultura”; isto porque eles são socialmente construídos (Mathieu
1978). No entanto, em casos em que indivíduos escolhem transformar sua identidade
social, não é apenas o feminino que assume identidades masculinas, mas o contrário
também.
7
No eixo metafórico, já percebemos que em alguns períodos da história européia o
feminino não foi identificado exclusivamente com o selvagem, mas com o harmonioso
repositório das leis da natureza também. Ardener, considerando Bakweri, evidencia a
metáfora natureza=selvagem=feminino. Mas ele nos diz que o masculino também é
identificado com o selvagem e a natureza durante a caça e os rituais, trazendo a tona o
problema de dizer quais unidades de texto míticas ou de comportamento observado que
serão selecionadas como manifestação de estruturas ocultas.6
Alguns escritores, seguindo Lévi-Strauss, parecem estar dando um maior valor de
“verdade” para as associações metafóricas do que os conceitos suportados pela metáfora.
Palavras como “natureza” são polissêmicas tendo muitos sentidos implícitos. A metáfora
se baseia no sentido figurativo do mundo, e não no literal, de forma que o significado da
palavra pode ser moldado ou estendido através da metáfora. Mulheres férteis possuem
ciclos menstruais, como os ciclos da natureza, embora sejam tidas como selvagens e
indomáveis. Mas selvageria também é um significado implícito do masculino. Uma vez que
a metáfora se baseia em uma natureza polissêmica e aberta das palavras, ela possui
grande potencial tanto para contradições quanto para “reescrever a realidade”, e não
pode ser tomada como verdade em nenhum sentido literal (Ricoeur 19798: 169ff). Como
Harris explicou, embora os índios Laymis da Bolívia façam uma série de associações que
podem nos levar a concluir que o selvagem se identifica com o feminino, os próprios
Laymis não fazem tal associação. “Aplicar procedimentos ‘lógicos’... é esquecer que o que
está sendo comparado são conceitos complexos, e que em cada identificação são
características distintas e especificas dos fenômenos tomados para comparação”.
Muito da literatura etnográfica sugere que ao invés de ver as mulheres como metáforas na
natureza, elas (e os homens) seriam mais bem vistos como mediadores de natureza e
cultura, na reciprocidade das trocas de casamento, na socialização de crianças em adultos,
na transformação de carnes e vegetais crus em cozidos, na cultivação, na domesticação, e
na manufatura de produtos culturais de todos os tipos.7
mulheres (e homens)
natureza
cultura
Se assumirmos a posição extremada de definir a mulher, mas não o homem, como
socializadora, cultivadora, transformadora – como mediadora entre natureza e cultura – e
se os víssemos na estrutura familiar como mediadores entre grupos sociais exogâmicos,
então, teremos que olhar mais atentamente para os atributos que os estruturalistas
6
7
8
conferem aos mediadores. Como podem fundir e reconciliar opostos, mediadores são
tidos como deidades ou messias e, ao mesmo tempo, palhaços e ilusionistas. (Lévi-Strauss
1978: 32 – 3). Esta definição não condiz com a de alguns estruturalistas que entendem a
mulher como objeto simples e passivo nos sistemas familiares, apontando para mais uma
inconsistência nos modelos estruturalistas.
A literatura etnográfica não justifica a posição extrema de definir a mulher, mas não o
homem, como mediador de natureza e cultura, e tampouco iguala uniformemente os
atributos da mulher com aqueles da natureza. Na área do Monte Hagen em Papua Nova
Guiné, por exemplo, as pessoas não entendem o contraste natureza-cultura da mesma
maneira que os europeus, e eles atribuem qualidades tanto para mulheres quanto para
homens que os ocidentais classificariam como natural e cultural. Ao invés de conceitos de
natureza e cultura como os entendemos, os Hageners pensam com as categorias de
“plantado” (mbo) e “selvagem” (romi). “Plantado” se refere a plantações, porcos de
criação e seres humanos instalados no território do clã; “selvagem” se refere àquilo que é
solitário, exótico e não-humano. As categorias masculino-feminino não são
discriminadores secundários consistentes. Os Hageners se utilizam sim de categorias de
gênero, com o masculino representando o que é prestigioso (nyim) e o feminino aquilo
que é fútil (korpa), mas essas categorias não são explicadas pela diferença entre o
plantado e o selvagem.
No modelo nativo em Hagen, a natureza não se torna cultura. O “selvagem” é reconhecido
e se lida com o mesmo, mas ele não é dominado, não é incorporado na cultura, não é
explicado por leis naturais, ou privado de seus poderes. Ele não se torna uma categoria
eternamente em contração através do “progresso” humano. O poder do selvagem pode vir
a afetar a atividade humana justamente por ser a antítese do mbo. Em um caso similar, na
área de Gimi na papua Nova Guiné, a natureza não é desvalorada. A essência masculina é
identificada com o selvagem, seus espíritos e aves. A palavra kore significa floresta, pósvida, e é também um título honorífico para se referir aos homens de grande status.
Distinções de gênero não são um processo frio e racional de categorias de discriminação
como Lévi-Strauss enfatiza, bem como os assuntos altamente emotivos da sexualidade,
nascimento, nutrição, e a libertação feminina dos espíritos dos homens de volta para a
floresta em forma de espíritos/flautas/aves; uma questão fundamentalmente relacionada
com a dependência que os homens tem das mulheres.
Não existe nenhuma maneira de verificar absolutamente que a oposição natureza-cultura
existe como elemento universal da estrutura do inconsciente, e há evidências etnográficas
que sugerem que, da maneira concebida pelos Europeus, o contraste não é um elemento
universal de modelos nativos conscientes. Se utilizarmos as categorias “natureza-cultura”
simplesmente como ferramenta metodológica para ordenar conceitos populares que se
aproximam toscamente dos significados europeus, então, as categorias de Gênero não
estão necessariamente relacionadas aos mesmos. A descrição de Goodale dos Kaulong de
New Britain gera o seguinte arranjo metafórico:
animal
:
humano
9
floresta
reprodução
:
:
jardim
produção
:
aldeia
Os Kaulong não possuem uma divisão sexual do trabalho muito definida. Tanto mulheres
quanto homens desenvolvem suas identidades sociais produzir e adquirir bens através de
troca. Ambos estão no centro de suas próprias redes de famílias cognatas e troca de
parceiros. Por contraste, a reprodução é relativamente “não-social”, exigindo apenas um
parceiro. Os casados devem viver longe do povoado, nos jardins, e são marginalizados pela
residência e outros tabus.
Para os Laymis da Bolívia não são os casados, mas os descasados que são marginalizados:
incompleto
divisão do trabalho
descasados
:
:
:
completo
divisão do trabalho
casados
Com uma divisão sexual do trabalho claramente definida, homens e mulheres solteiros
não são completos no sentido sócio-econômico. No pensamento Laymi, aquilo que é
inteiramente cultural é a unidade do homem e da mulher no casamento, e até espíritos na
“natureza” possuem seu par.
Os Sherbros da África Ocidental se assemelham aos Kaulong a respeito da transação
feminina de bens e serviços e sua importância nos grupos familiares cognatos, mas
também se assemelham aos Laymis por terem uma divisão sexual do trabalho bem
definida. A socialização é vista como um processo que transforma crianças proto-sociais
em adultos iniciados que compreendem e se comprometem a viver sob as regras
ancestrais (cultura). Mas as mulheres são tão cuidadosa e completamente socializadas
quanto os homens. Autoridades femininas, o imaginário feminino e as ancestrais são tão
importantes no processo ritual quanto sua contraparte masculina:
“natureza”
proto-social
criança
:
:
:
“cultura”
iniciado
adulto
Atributos de gênero nos modelos familiares
Embora Lévi-Strauss diga claramente que a estrutura não está no nível da realidade
empírica (1977: 79), ele apela para realidade empírica quando constrói um modelo de
sociedade humana na qual as mulheres são simples objetos passivos da atividade
masculina (1963:47).8 O seu modelo de sociedade humana tem premissa de que “homens
são possuidores e mulheres são posse... esposas são adquiridas e irmãs e filhas são
negociadas “ (1969a: 136). Para ele, homens e mulheres são intercambiáveis e iguais de
um ponto de vista formal, mas não de um ponto de vista social. Uma irmã assume o papel
8
10
de esposa através de transação feita por homens, e ele opta por desconsiderar que os
homens também se submetem a mudanças de papel implicadas nas transações
matrimoniais, mais notadamente na residência uxorilocal seguida pelo casamento.
Estruturalistas que utilizam o modelo Lévi-Straussiano de parentesco definem os homens
como atores e as mulheres como dirigidas; homens como sujeito e mulheres como
objetos. Embora Lévi-Strauss tenha usado a empiria para construir os aspectos de gênero
de seu modelo, quando surgem casos de sistemas matrilineares de dote no qual os
homens transitam entre grupos (Junos 1964), ou casos em que as mulheres têm poder de
decisão formal (MacCormack 1972; 1974;1976;1979), os estruturalistas se escondem atrás
de uma tela de indiferença alegando se tratar de “manifestações superficiais” que
escondem a estrutura profunda (Lévi-Strauss 1963: 281; 1977: 78)9. Será simplesmente
uma questão da empiria de um único homem servindo de “exemplo apto” para outros, ou
será que essas observações etnográficas revelam modelos falsos que escondem uma
estrutura verdadeira? Se for esse o caso, por que as sociedades escondem suas estruturas
fundamentais com “modelos de vitrine”? Nutini sugeriu que alguns modelos conscientes
são mais precisos do que qualquer outro que possa ser construído por um antropólogo e,
mesmo que haja falhas, estes mesmos erros constituem os fatos sociais sob estudo
(1970:73 e 82).
Um modelo de parentesco formulado por Lévi-Strauss é uma construção lógica baseada na
regra universal de proibição do incesto e uma série de regras para casamento exogâmico.
Este modelo é ambivalente sobre os níveis muito mais complexos das atividades de
homens e mulheres. A lógica do modelo como foi construído nega ou negligencia as
observações de que as mulheres são ativas nas relações, agindo por vezes como
casamenteiras, e compartilhando da riqueza do trabalho do cônjuge e dos bens nas
transações matrimoniais. O modelo não prevê mulheres descasadas e nem divorciadas, e
nem o papel ativo das mulheres no arranjo de seus casamentos subseqüentes. Se
acreditarmos no modelo, então, o comportamento acima, que pode ser estatisticamente
significante (Bledsoe 1980), é conceitualmente aberrante se não “contra a natureza”. No
entanto, este comportamento pode ser visto como uma adaptação saudável para as
condições físicas e sociais nas quais se encontram as mulheres. Será que nossas próprias
pressuposições ocidentais sobre o mundo natural ser suscetível a nossa direção, e as
nossas noções de propriedade, predispõem os criadores do modelo a enxergarem o
homem como sujeito e a mulher como objeto passivo?
Além disso, limitar as mulheres a objetos passivos limita o poder explicativo do modelo.
Como o modelo afirma, irmãs (e filhas) são negadas aos homens pelo tabu do incesto e são
dadas por eles para se tornarem esposas de outros homens (Lévi-Strauss 1969a:136).
Assim, segue-se a disposição de transformações metafóricas:
natureza
incesto
:
:
cultura
regras de exogamia
9
11
irmã
:
esposa
Mas se retornarmos aos primeiros princípios de que a sexualidade procriativa requer o
arranjo binário do masculino e feminino, então, ambas as categorias deste arranjo não
deveriam se submeter a mudanças de papel como concomitantes do tabu do incesto?
Quando as mulheres atingem maturidade sexual elas são de fato consideradas por seus
irmãos como esposas de outros homens, e de um modo equilibrado, quando os homens
atingem maturidade sexual e social eles devem ser considerados por suas irmãs como
esposos de outras mulheres. O arranjo de metáforas pode ser reformulado como:
natureza
incesto
irmã(o)
:
:
:
cultura
regras de exogamia
esposa(o)
O leitor está provavelmente pensando: é claro que nós sabemos que para o tabu do
incesto e as regras de exogamia realizarem seu trabalho de iniciar reciprocidades e
integrar grupos sociais, tanto mulheres quanto homens devem experimentar mudanças de
papel. Isso é tão óbvio que não requer uma declaração. Será ele então componente de
uma “verdadeira” estrutura, e será que Lévi-Strauss e outros ofereceram um modelo que
esconde uma estrutura profunda?
Para que sistemas matrimoniais prescritivos realizem seu trabalho de entrelaçar diferentes
grupos consangüíneos de modo a formar uma sociedade humana, as mulheres não podem
ser simplesmente passivas. Algumas mulheres se opõem a casamentos arranjados e
acabam por causar conflito suficiente para desmantelarem o complexo padrão de
reciprocidades do sistema de aliança. Outras concordam ativamente com o casamento, o
que permite que o irmão se case com uma mulher de um grupo recíproco. Ao concordar
em casar-se, a mulher de certa maneira fornece uma esposa ao irmão colocando-lhe a
responsabilidade de dar assistência a ela mesma e a seus filhos pelo resto da vida dele
(Van Baal 1975:76). No nível do mito e do ritual as associações ritualísticas de homens e de
mulheres podem existir em reciprocidade equilibrada, cada um deles precisando do outro
para formar um sistema conceitual completo (Mac Cormack 1981). Mas mesmo em
sociedades em que existem apenas associações masculinas, os homens precisam da
cooperação ativa das mulheres para fornecer uma audiência aterrorizada que confirme o
temor pelos deuses, ou um grupo não iniciado para confirmar os segredos dos iniciados
(Van Baal 1975:72).
Os atributos que designamos para as categorias de gênero são baseados na percepção das
atividades de homens e mulheres. Ardener sugeriu que os homens se movem mais
amplamente no espaço social e geográfico do que as mulheres, tornando-se mais atentos
a outros com mais freqüência que as mulheres. Eles têm, portanto, maior possibilidade de
desenvolver “metaníveis de categorização” que lhes permitem, conceitualmente,
12
conectarem a si mesmos e as suas mulheres sem se ligarem a outros homens e as
mulheres destes (1975:6). No entanto, as mulheres não são universalmente restritas a
esfera do próprio grupo doméstico. Algumas mulheres do terceiro mundo de classes ou
castas baixas viajam longas distâncias em busca de emprego (Boserup 1970:79 – 80). As
mulheres migram em grande quantidade para algumas áreas urbanas (Little 1973: capítulo
2). Algumas mulheres comerciantes cobrem centenas de quilômetros (Mac Cormack
1976). Mesmo Ardener descreve as mulheres Bakweri como tendo viajado longas
distâncias a lugares desconhecidos (1975:13). Como o arranjo de manifestações
comportamentais revelam que as estruturas profundas não são “dadas”, qualquer
comportamento pode ou não ser escolhido pelo antropólogo para revelar a estrutura.
As mulheres parecem mais restringidas nas sociedades com descendência patrilinear, onde
elas entram em casamentos de dotes e não trocam e nem recebem pagamentos. Mas
mesmo nesse tipo de sociedade, são geralmente as mulheres que de fato vão viver com o
grupo familiar de seus maridos. Elas estão cientes desde crianças que este será o seu
destino (Paulne 1963:6-7). A não ser que neguemos o potencial de inteligência e
curiosidade intelectual igual a dos homens, nós logicamente não podemos negar as
mulheres modelos conceituais para atribuírem sentido a suas próprias existências. Se elas
“riem quando jovens, zombam quando idosas, rejeitam a questão, desdenham do
assunto” (Ardener 1985:2), será que elas não estão reagindo às pressuposições culturais
que inconscientemente direcionam as perguntas do investigador? Será que a diferença de
status entre o europeu em um país colonizado e a mulher da vila não torna previsível o
tipo de respostas que alguém pode esperar em determinado contexto cultural (Goody
1978)?
Muita da literatura publicada sobre Estrutura Social que alguns estruturalistas utilizam
como dado reflete o poder de um antigo modelo, “o modelo jurídico” de Radcliffe-Brown.
A idéia de descendência é igualada com a transmissão de direitos, deveres, poderes e
autoridade. Regras jurídicas muito freqüentemente enunciadas por informantes
masculinos evidenciam os papéis masculinos de autoridade. No entanto, os modelos
nativos da maioria das sociedades evidencia um padrão muito mais complexo de interação
entre homens e mulheres do que o modelo jurídico pode acomodar (James 1978: 145). Em
sistemas de parentesco matrilineares organizados, por exemplo, se olharmos além do
papel de autoridade do irmão da mãe, encontraremos mulheres controlando a
regeneração da identidade da linhagem para mulheres e homens centralmente localizados
dentro de uma estrutura e obrigações recíprocas. As mulheres controlam itens de grande
significado cultural e no caso dos trobriandeses controlam o próprio ciclo cósmico
“deixando que os homens criem através da mulher extensões artificiais de seu próprio
tempo historicamente limitado” (Weiner 1976:23). Mesmo em sociedades patrilineares, os
homens expressam ritualmente ansiedade sobre sua dependência em relação às mulheres
como regeneradoras da vida, e a ampla evidência de que os conceitos nativos de
descendência e continuidade reconhecem os atributos vitais da mulher (Singer 1973;
James 1978: 155ff). Dentro de uma única sociedade o investigador freqüentemente recebe
13
definições muito diferentes de “mulher” dependendo de o mesmo perguntar sobre
mulher-como-mãe, ou, mulher-como-esposa.
Atributos de gênero em modelos de economia de troca
Se nós mudarmos da consideração das reciprocidades familiares para reciprocidades
econômicas devemos olhar de perto a troca de bens e serviços. Com a possível exceção
das sociedades industriais avançadas, onde as máquinas substituem o trabalhador e
causam “um problema de desemprego”, podemos atribuir às mulheres como passivas um
papel na produção e troca de bens e serviços como lhes foi designado nas transações
familiares?
A maioria das sociedades possui uma divisão de trabalho baseada em categorias de
gênero, o que pode ser visto como uma metáfora para o sexo procriativo. Já que homens
e mulheres são necessários para reprodução sexual da sociedade, então eles também são
necessários para produção de bens e serviços que a mantém e a integram. Logicamente
tanto homens como mulheres participam no mesmo modelo cognitivo, cada um jogando
pelo mesmo arranjo de regras, cada um dependendo do outro. Em algumas sociedades as
mulheres são pródigas produtoras de bens, e, em todas as sociedades, elas fornecem
serviços (Boserup 1970). Independente da atividade de fornecer bens e serviços tomar
lugar no espaço doméstico ou público, não há relevância para a quantidade destes bens e
serviços. Produções domésticas não deveriam ser eliminadas dos cálculos econômicos, e
se elas não podem ser contabilizadas em dinheiro, então, modelos econômicos melhores
devem ser buscados. Crianças sexualmente imaturas fornecem serviços dentro do grupo
de parentesco através do tabu do incesto, mas com a maturidade sexual e o casamento,
elas fornecem serviços para aqueles fora do grupo de parentesco e do tabu do incesto:
seus cônjuges. Em sociedades com instituições patrilineares, maridos (e seus familiares
próximos) podem fornecer dotes e trabalho definidos por obrigação conjugal, enquanto a
mulher fornece filhos e trabalho definidos por obrigação conjugal:
natureza
:
cultura
parente isolado
pela regra do :
incesto
cônjuge
bens e serviços :
para “nós”
bens e serviços
para “outros”
meninos e
meninas
homens e
mulheres
:
14
Restringir a definição de homem como doador e a de mulher como doação é negar um
modelo de equilíbrio simétrico que precisa necessariamente existir.
Mas será que há uma diferença qualitativa entre bens e serviços trocados por homens
daqueles trocados por mulheres? Em várias sociedades os homens inquestionavelmente
têm mais poder e se apropriam dos produtos do trabalho feminino, dominando mais bens
com os quais iniciarão alianças. Se casar fora é melhor do que morrer fora (marry out is
better than to be killed out), então alianças iniciadas pela riqueza dos homens devem ter
valor positivo (Lévi-Strauss 1969 a: 43). Alianças integram grupos, e, na maioria das
sociedades, os homens são mais ativos no domínio político que vincula unidades sociais,
enquanto as mulheres são mais ativas nos grupos domésticos que são fragmentos da
sociedade. Neste sentido, nós podemos atribuir um maior valor para os homens, que
transcendem e unificam (Ortner 1974:79), se nós ignorarmos o fato de que aqueles que
unificam pela política também dividem e destroem pela guerra.
Trocas econômicas estão relacionadas a serviços e leis. Se considerarmos a quantidade
total de bens e serviços trocados na sociedade humana, podemos estar certos de que os
bens que os homens comandam e concedem estão necessariamente em maior quantidade
do que os serviços das mulheres? Como Lévi-Strauss focou a análise da troca na máxima
biológica de “casar fora é melhor do que morrer fora”, nós também podemos perguntar,
em um nível biológico, se o Homo Sapiens tem mais possibilidade de sobreviver como
espécie em razão do “alto nível” de trocas realizadas pelos homens ou pela produção
doméstica, partilhamento e procriação das mulheres? Serviços domésticos são
desvalorados nas sociedades industriais avançadas onde “trabalho” é definido como
salário e é separado do espaço doméstico, e onde “um problema populacional” é
percebido. Mas estes são os valores de nossa própria cultura e não são universalmente
válidos.
Natureza, cultura e reprodução biológica da sociedade
Ortner procedeu com um método Lévi-Straussiano de perguntar sobre humanidade e
depois equacionar para responder a questão. Ela pergunta: como podemos justificar a
subordinação feminina universal? Indo depressa a um argumento biológico reducionista,
ela diz que “o corpo da mulher parece condená-la a simples reprodução da vida; o
contraste masculino, privado de funções criativas naturais, deve (ou fornece ao homem
uma oportunidade de) manifestar sua criatividade externamente e “artificialmente”
através do meio da tecnologia e dos símbolos. Ao fazê-lo, ele cria objetos relativamente
duradouros, eternos, transcendentes, enquanto a mulher cria coisas perecíveis – os seres
humanos” (1974:75). Essa visão que se originou com Beauvoir (1953:239) é marcante por
seu etnocentrismo. Um grande número de sociedades, e particularmente a sociedade
totêmica que Levis-Strauss usou para análise, possuem sistemas de linhagem que existem,
por definição, perpetuamente. Cada humano que nasce se enquadra em uma grande
corrente social que garante a imortalidade do grupo e dele mesmo. Casas apodrecem, vilas
15
são mudadas de lugar, impérios declinam, mas, a grande expectativa é que a linhagem,
incluindo o verdadeiro panteão de ancestrais, permaneça.
Existe qualquer coisa mais intrinsecamente natural sobre a fisiologia da mulher do que a
do homem? Na maioria das sociedades o papel procriativo do homem é visto como sendo
tão essencial quanto o da mulher para a continuidade social dos grupos. Tanto homens
quanto mulheres procriam, comem, defecam e satisfazem outras necessidades. Isso tudo é
natural, mas a etiqueta de comer, o horário, o lugar e a posição para defecar, e, de fato, as
regras prescrevendo o tempo, o lugar e a posição para o parto são culturais. A fertilidade e
o nascimento são guiados por definições de sintomas e modificações tecnológicas trazidas
por terapias químicas e mecânicas em praticamente todas as sociedades e não podem ser
usadas como característica para definir as mulheres como “naturais” (MacCormack 1981).
O discurso de que as mulheres estão condenadas, por sua biologia, a serem naturais, e não
culturais, é obviamente um discurso mítico, e tanto Ortner quanto Levis-Strauss se
redimem dele. É claro que as mulheres não podem ser classificadas completamente na
categoria de natureza “uma vez que é perfeitamente obvio que ela é uma pessoa dotada
de consciência humana tanto quanto o homem; ela representa metade da raça humana, e
sem a sua cooperação, toda a empreitada entraria em colapso” (Ortner 1974: 75 – 6). Ou,
como expresso por Lévi-Strauss, “as mulheres não poderiam jamais se tornar apenas um
símbolo e nada além disso, já que, mesmo em um mundo masculino, ela ainda é uma
pessoa. E mesmo quando ela é definida como símbolo, precisa ser reconhecida como
geradora de símbolos” (1969a:496). Assim, o paradoxo fundamental de Lévi-Strauss
reaparece na transformação metafórica:
(1) A cultura transcende a natureza, mas está enraizada na mente humana que é a
natureza.
(2) Os homens transcendem a natureza com sua mentalidade, mas estão na natureza
como procriados, procriadores e detentores de mentes humanas.
(3) As mulheres transcendem a natureza com sua mentalidade, mas estão na natureza
como procriadas, procriadoras, lactantes e detentoras de mentes humanas.
Ou o 2 e o 3 podem ser combinados da seguinte forma:
(4) Homens e mulheres transcendem a natureza com sua mentalidade, mas estão na
natureza como procriados, procriadores, fornecedores de alimento e detentores de
mentes humanas.
Podemos, então, concluir que tanto homens como mulheres são tanto natureza quanto
cultura, e não há lógica que nos leve a crer que, em um nível inconsciente, as mulheres,
por sua natureza, estão em oposição ou subordinação aos homens.
Ideologia e adequação dos modelos
16
Ortner diz que “em todos os lugares, em todas as culturas conhecidas, as mulheres são
consideradas, em algum grau, inferiores” (1974:69). Mas ela não diz por quem elas são
consideradas assim. Por homens? Por mulheres? Por quantos? Em trabalhos de campo eu
conversei com várias chefes mulheres, mulheres líderes de grupos de descendência,
líderes de sociedades secretas, e mulheres que não concordariam com a tese apresentada.
Elas diriam que as mulheres são inferiores aos homens em alguns pontos, e os homens são
inferiores as mulheres em alguns pontos, fornecendo tarefas produtivas da divisão do
trabalho como exemplo. Não haveria fomento social sobre papéis de gênero na sociedade
ocidental industrial hoje se um número substancial de homens e mulheres não aceitasse a
tese de uma subordinação feminina universal. O problema metodológico é o seguinte: os
modelos estruturais podem se sustentar sem fazer referência a modelos nativos baseados
na consciência e a verdadeiras descrições estatísticas? Scheffler opta por modelos que são
julgados adequados e apropriados pelos nativos em questão (1970: 67), e Lévi-Strauss
desconfia da própria opinião dos nativos como uma possível tela que esconde uma
estrutura profunda (1963: 281)
A posição de Ardener sobre modelos de natureza, cultura e gênero é ambíguo. Por um
lado, ele vê realidade no modelo consciente dos nativos alegando que as mulheres
Bakweri se percebem como parte da natureza.10 Como Lévi-Strauss e Ortner, ele não tenta
colocar a mulher inteiramente no domínio da natureza, mas as vê se conectando com a
natureza e a cultura, enquanto os homens se conectam se distanciando da natureza. Mas
ele também vê validade na conexão metafórica das mulheres com a natureza no nível da
estrutura inconsciente.11 No entanto, no padrão familiar da razão estruturalista, ele
finalmente reduz o argumento à biologia dizendo que: “uma vez que as mulheres
biologicamente não são homens, seria surpreendente que elas se conectassem em
distância da natureza como fazem os homens” (1975:5).
Mas a conexão entre a natureza e a mulher não está “dada”. O gênero e seus atributos não
são puramente biologia. Os significados atribuídos ao masculino e feminino são tão
arbitrários quanto os significados atribuídos a natureza e a cultura (Mathieu 1973).
Aqueles que desenvolveram a tese natureza-cultura-gênero atrelam a feminilidade a
biologia e a masculinidade ao domínio do social (de Beauvoir 1953:239; Ortner 1974:6788; Ardener 1975:5; Lévi-Strauss 1969a:482). No entanto, se homens e mulheres são uma
só espécie e juntos constituem sociedades humanas, então, logicamente, análises de
atributos intrínsecos de gênero devem ser feitas com referência ao mesmo domínio.
Também está incorreta a formulação dos sociobiólogos que atrelam os atributos
masculinos de gênero excessivamente a biologia, explicando, assim, “a naturalidade” da
dominância política masculina.12
10
11
12
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Em sua conclusão, Ardener parece retornar ao nível do modelo consciente; o modelo
dominante masculino no qual “alguns atributos da mulher” não se encaixam nos limites da
sociedade humana como definida pelos homes (p.23). As mulheres Bakweri por exemplo,
diz ele, não são confundidas pelo modelo masculino, mas concordam com o mesmo por
sua subordinação aos homens (p.24).
Nós somos trazidos a um ponto de vista relativista onde os homens pensam uma coisa, e
as mulheres sabem outra, mas não se expõem, porque os investigadores europeus se
viram para os homens como autoridades dotadas de voz. Nós não estamos mais lidando
com categorias universais, mas com um problema político no qual as mulheres são
impedidas de falar pelos homens que constituem a elite política, e nós somos deixados
para ponderar nossa própria história cultural européia para descobrir porque alguns
antropólogos consideram os modelos conscientes que colonizaram os homens
satisfatórios.
Embora modelos estruturalistas se apliquem a dimensão sincrônica do fenômeno social,
Lévi-Strauss e outros estão interessados na dimensão diacrônica da mudança social
também. Já que de Saussure fez uma distinção em seu trabalho sobre lingüística entre a
ciência de langue (código) e a ciência do parôle (mensagem), do mesmo modo Lévi-Strauss
faz uso de um estruturalismo sincrônico tanto quanto de uma dialética marxista, sendo
que a última explica a mudança social e as causas sociais finais de códigos culturais
particulares. Quando as mulheres jardinam e tecem, estas atividades são concebidas como
sendo da ordem da natureza. Quando os homens se apropriam do mesmo tipo de
atividade e interpõe a cultura na forma de um processo complexo de maquinaria, a
atividade masculina está na ordem da cultura (Lévi-Strauss 1977:321). Presumivelmente,
as mulheres, como mão de obra mal paga ou gratuita, são vistas pelos homens como um
recurso natural de baixo custo no processo produtivo. No tópico do desenvolvimento do
terceiro mundo, Lévi-Strauss pondera que as sociedades não são “subdesenvolvidas” por
seus próprios feitos, mas porque sociedades capitalistas têm extraído as riquezas das
mesmas desde o século XVI. Conquistas que levaram a obtenção de ouro no novo mundo,
escravos na África, e outras riquezas, conectam os países não industriais e industriais em
um sistema comum com uma história comum. A relação entre colonizadores e
colonizados, e a relação entre capitalistas e proletários nas sociedades industriais, são
manifestações do mesmo processo: “A escravidão muda do novo mundo era necessária
como uma pedra fundamental na qual a escravidão enrustida dos assalariados europeus
foi construída” (citado por Levis-Strauss 1977:315):
colonizador
capitalista
:
:
colonizado
proletário
Para Lévi-Strauss, a criação e a própria realidade da sociedade industrial se encontra na
condição histórica irreversível da opressão, e ele critica Malinowski por considerar o
desenvolvimento como resultante do impacto de uma cultura maior e mais ativa em uma
18
mais simples e mais passiva. “Simplicidade” e “Passividade” não são propriedades
intrínsecas destas sociedades, mas o resultado da ação do desenvolvimento sobre ela
desde os seus próprios inícios; uma situação criada pela brutalidade e violência sem as
quais as condições históricas do próprio desenvolvimento não teriam se dado (Lévi-Strauss
1977:316).
Embora ele reconheça Engels em sua análise da colonização e proletarização, Lévi-Strauss
não reconhece a análise de Engels do processo pelo qual a mulher, como categoria, se
tornou “proletariado” para o homem, a “burguesia”, através da ascensão da propriedade
privada e da privatização do trabalho feminino (Engels 1942:48ff):
colonizador
capitalista
homem
:
:
:
colonizado
proletário
mulher
Se Lévi-Strauss insiste que a simplicidade e a passividade não são propriedades intrínsecas
dos colonizados e proletariados, então, logicamente, ele deve insistir que não são
propriedades intrínsecas da mulher, mas o resultado de um processo histórico que deixou
a mulher marginalizada e sem poder. Nós entendemos que é tão importante entender a
“mensagem” de relações de propriedades quanto o “código” na naturalidade se quisermos
entender a marginalização feminina nas sociedades humanas.
II.
Estas anotações são um prólogo. Os dois capítulos seguintes assumem a tarefa construtiva
de aprofundar nossa compreensão dos conceitos europeus de natureza, sociedade
humana e gênero. Na última parte do livro, examinaremos tais conceitos em um quadro
mais comparativo.
Durante o Iluminismo, o conceito de natureza foi crucial para o discurso político e a
ascensão do método científico. Maurice e Jean Bloch trabalham com a idéia da natureza
em uma dialética política que colocou em oposição “a lei natural” da doutrina da divindade
verdadeira dos reis. Mais tarde, Rousseau moldou a “natureza” para que significasse a
própria fonte através da qual a sociedade corrupta se reformaria e se purificaria. Esse
conceito de natureza foi crucial para a defesa radical de Rousseau da soberania das
pessoas e da legitimação da democracia. O conceito de natureza toma o seu significado,
em parte, daquilo a que se opõe: reis divinos, pré-sociedade, sociedade corrupta e outros.
Já que “natureza” se opõe a diferentes doutrinas em diferentes pontos da história, seus
significados fazem o mesmo.
Rousseau define uma dialética entre a idéia de natureza como guia e mestre para a
sociedade reformada, e a natureza associada às emoções e a domesticidade feminina.
Idéias do século XVIII de reforma social e política não se estendiam as mulheres. Embora
19
elas fossem mais puramente naturais que os homens, as mulheres eram socialmente
definidas como passivas, dependentes e politicamente inferiores. Essa contradição é
preservada na visão de Lévi-Strauss de estrutura social e faz parte da dialética de gênero
para a qual contribui este livro.
No século XVIII, a natureza era tanto a parte do mundo que ainda não havia sido
adentrada, quanto a parte entendida, dominada, e possuída pelos homens. Jordanova
explica como o método científico se emparelhou ao discurso político ao designar atributos
contraditórios as mulheres. Elas eram o repositório da lei natural; as fundadoras da
sociedade humana eram as mães das famílias. Através do desvelamento científico da
mulher, a natureza podia ser revelada e compreendida. Mas as mulheres também eram
repositório de paixões que precisavam ser detidas e controladas. Em meados do século
XVIII, uma tradição biomédica bem estabelecida observou e definiu os humanos
endurecendo a divisão conceitual entre atributos exclusivamente femininos e
exclusivamente masculinos. Um determinismo biológico “explicava” a mulher, mas os
homens eram definidos mais por seus atos sociais, uma atitude de questionamento que
persiste em parte da literatura atual de gênero.
Alargando nosso escopo de questionamento, nós podemos retornar ao relacionamento
entre as potências coloniais da Europa e o terceiro mundo. No discurso sobre o significado
da cultura e sociedade, os conceitos europeus podem ser vistos como “um código
dominante” (Ardener) que universaliza nossa visão européia do mundo. Como lembrado
por Harris, nós temos menor possibilidade de escutar os “códigos mudos”. Mas os
cientistas sociais devem se proteger contra a tendência de usar o discurso dominante da
cultura européia para universalizar nossas categorias nos tornando surdos para maneiras
alternativas de estruturar o mundo. Capítulos de Harris, MacCormack, Goodale, Gillison e
Strathern exploram determinadamente algumas dessas estruturas alternativas. Embora as
pessoas tenham considerado usar contingentes de construção binários na natureza ou
gênero, nenhuma das equações simbólicas pode ser reduzida à simples analogia natureza:
cultura::feminino:masculino. O capítulo de conclusão de Strathern é tanto uma visão
teórica quanto uma pesquisa etnográfica exploratória.
Tradução:
Prof. Daniel Schroeter Simiao
Larissa Costa Duarte
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Natureza, cultura e gênero: uma crítica