EDUCAÇÃO INFANTIL: HISTÓRIA, CONTEMPORANEIDADE E FORMAÇÃO DE PROFESSORES.∗ CARVALHO, Denise Maria de - Profa. Dra. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. CARVALHO, Tânia Câmara Araújo de - Profa. Dra. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A formação dos professores da educação infantil torna-se objeto de reflexões, no contexto mais amplo da discussão intensificada nas duas últimas décadas, envolvendo a recuperação da especificidade do profissional do ensino, de seu papel no processo ensinoaprendizagem e na qualidade da ação da escola. A relevância da questão acentua-se a partir dos anos 90, com as novas definições legais e demandas sociais acerca da função da educação infantil e da função do profissional responsável. O que tem significado, em termos de políticas e estratégias efetivas de formação, a definição da Educação Infantil como etapa inicial da Educação Básica? O que devem saber os educadores para participarem da produção e/ou implementação de projetos pedagógicos de qualidade que atendam às especificidades da criança pequena e da conseqüente função da educação infantil de educar e cuidar, possibilitando o desenvolvimento multifacetado da criança em sua totalidade? Na sociedade contemporânea, as rápidas transformações no mundo do trabalho, o avanço tecnológico configurando a sociedade virtual e os meios de comunicação incidem com bastante força na escola, aumentando os desafios para torná-la uma conquista democrática efetiva. Não é tarefa fácil, nem para poucos. Transformar as instituições de educação infantil em suas práticas e culturas assistencialistas, tradicionais e burocráticas, em escolas que acolham e eduquem as crianças, propiciando-lhes aprendizagem e desenvolvimento em cultura, linguagem, cognição e afetividade, que lhes assegurem condições para fazerem frente às exigências do mundo atual exige, desde políticas governamentais efetivas que garantam as condições objetivas necessárias, como mudança nas concepções e ações dos professores, o que implica um esforço do coletivo da escola, em termos de investimento sócio-emocional, conhecimento acerca do desenvolvimento da criança e compromisso com sua educação. ∗ As reflexões do presente trabalho têm origem nas práticas das autoras enquanto professoras dos Curso de Pedagogia e Especialização em Educação Infantil da UFRN, seja ministrando disciplinas da área, seja orientando monografias de final de curso. Também nas atividades desenvolvidas no Grupo de Estudos e Pesquisas em Processos de Ensinar e Aprender na Educação Infantil, base de pesquisa vinculada ao Programa de PósGraduação em Educação. Para atuar significativamente junto à criança, concebida como sujeito interativo na elaboração de seu conhecimento, o professor deve constituir-se como um participante que constrói e reconstrói, na interação, o seu próprio conhecimento (Carvalho, 1999). O desafio da qualidade da educação infantil supõe, portanto, a formação de um profissional que busque o saber enquanto pesquisador de sua própria prática e que saiba dialogar com os especialistas das várias áreas. As concepções acerca da formação dos professores de educação infantil - seus conteúdos e formas - estão, portanto, vinculadas à função que lhe é atribuída no processo educativo das crianças, bem como à concepção de criança, de infância, de educação, de professor e de formação. Compreender como se apresentam na contemporaneidade, implica buscar como têm sido construídas histórica e culturalmente, intrinsecamente relacionadas às contextualizações sociais, econômicas, políticas e ideológicas de cada tempo e lugar. O presente trabalho busca, através de uma reconstituição desse percurso, refletir acerca de algumas das múltiplas questões atuais relativas à função e à formação dos profissionais que atuam em instituições educativas junto a crianças pequenas. A educação da criança pequena constitui uma preocupação antiga, encontrando-se registros a esse respeito em escritos deixados desde a antiguidade clássica, por Platão (427347 a C), referindo-se à educação da primeira infância através de jogos educativos na família, com o objetivo de preparo para o exercício futuro da cidadania. Aristóteles (384-332 a C) propôs que dos cinco aos sete anos, as crianças receberiam, em casa, educação para a higiene e o endurecimento, e dos cinco aos sete, já deveriam assistir algumas lições. Nos séculos XI e XII, pensadores humanistas como Erasmo (1465-1530) e Montaigne (1483-1553) propunham uma educação que respeitasse a natureza infantil e estimulasse a criatividade articulando o jogo à aprendizagem. Assim, por muitos séculos, a partir de uma visão de criança como ser não dotado de identidade pessoal, a responsabilidade com o cuidado e com sua educação foi atribuída à família e, principalmente, às mulheres, através de sua inserção nas práticas domésticas ou sociais dos adultos, práticas essas diversificadas em função da classe a qual pertenciam as crianças. Para Oliveira (2002), em que pese a histórica hegemonia da educação das crianças pequenas na família, modos de atendimento extra-doméstico foram se constituindo, junto às camadas sociais desfavorecidas, desde as sociedades primitivas, através de relações de parentesco, e se fizeram presentes na Idade Antiga, com as “mães mercenárias” e nas Idades Média e Moderna com as “rodas dos expostos” ou os “lares substitutos”, sob a responsabilidade de entidades religiosas ou filantrópicas. Embora a idéia de educar formalmente crianças menores de seis anos de todos os extratos sociais já estivesse presente nas publicações de Comenius (1592-1670) - em que ele defendia, para a infância, uma educação maternal voltada para o exercício dos sentidos - a formalização de atendimentos a esse segmento da população se origina como reflexo direto das intensas transformações sociais, econômicas, políticas e ideológicas, decorrentes da expansão comercial, da Revolução Industrial e do desenvolvimento científico que marcaram a passagem para a Idade Moderna. É no contexto da emergência das idéias de família nuclear, de educação como investimento para o desenvolvimento social, de escolaridade obrigatória, de criança como pessoa com necessidades especiais, de infância como fase de preparação para a vida adulta e, ainda, do ideário pedagógico moderno, que se origina a trajetória da constituição do atendimento às crianças pequenas. Para atender às crianças pobres - órfãs, abandonadas ou filhas das mães que ingressaram no trabalho das fábricas - foram criadas, nos séculos XVII e XVIII, na Inglaterra, na França e em outros países da Europa, as primeiras instituições, orientadas pelos conhecimentos da medicina e pelos preceitos da religião, que tinham como objetivo principal a guarda de crianças a partir de dois anos, incluindo os cuidados com sua saúde e alimentação, bem como, em alguns casos, sua iniciação em um ofício. Eram as “escolas de caridade” ou “escolas de damas” (Oliveira, 1994). Às mulheres responsáveis por exercer as tarefas advindas dessas finalidades, os requisitos necessários guardavam proximidade com os atribuídos à mãe, além de conhecimentos de puericultura e do sentimento de piedade. A preocupação com a educação da criança pequena da época, tanto as de famílias abastadas, entregues a preceptores, cujas ações orientavam-se para o disciplinamento severo e para o intelectualismo enciclopedista; como as mais pobres, caracterizadas como carentes ou deficientes entregues aos asilos, suscitou as idéias de pensadores considerados precursores na área, por terem elaborado princípios e propostas para a organização da educação infantil e para a caracterização do profissional responsável e de sua função. Ao conceber a infância como um tempo com valor próprio, e a criança enquanto ser com necessidades específicas que precisavam ser respeitadas por sua primeira educadora natural - a mãe - Rousseau (1712-1778) inovou as concepções de seu tempo, sendo seguido por Pestalozzi (1746-1827) que defendia para as crianças um ambiente educativo natural, disciplinado, prático e afetivo, envolvendo, portanto, cuidado e educação, o que pressupunha, além de amor, conhecimentos pedagógicos específicos por parte da professora. Inspirado por essas idéias, Froebel (1782-1852) fundou, em 1837, o primeiro ambiente destinado à educação de crianças de zero a seis anos fora do lar: o kindergarten (Jardim de Infância), cujas práticas, diferentes das pertinentes às instituições assistenciais e das escolas tradicionais, deveriam orientar-se para os interesses e necessidades da criança e caracterizarse pela cooperação, experimentação, ludicidade e liberdade. Para este fim, exigia-se a preparação de moças - as “jardineiras” - que integrassem, em suas condutas, sentimentos e atitudes de mãe, de quem seriam substitutas para as crianças. Para sua formação, empregava manuais com princípios da psicologia do desenvolvimento e de religião (Arce, 2001). É já no início do século XX que Decroly (1871-1932) e Maria Montessori (18791952), a partir de experiências individuais com crianças excepcionais e preocupações médicas, contribuíram para a constituição da especificidade da educação infantil e seu caráter pedagógico. Decroly propôs metodologias de ensino que explorassem as funções psicológicas e os interesses da criança. Montessori, ocupando-se do atendimento de crianças carentes, propôs uma pedagogia fundada em princípios científicos, especialmente da psicologia do desenvolvimento, que atendesse às necessidades da criança e estimulasse seu desenvolvimento através de um ambiente com atividades e materiais adequados aos objetivos e aos momentos do processo. Em sua pedagogia, Montessori definiu o papel da responsável pelas crianças - a mestra - como organizadora do ambiente e facilitadora das atividades a partir da observação do grupo. Para tal função, em vez de uma formação baseada em conhecimentos teóricos, postulava uma auto-formação calcada no treino e aperfeiçoamento de aptidões ou virtudes morais como paciência, delicadeza, autocontrole, humildade e praticidade (Arce, 2001). È sob a influência dessas idéias e práticas que surgiram as primeiras iniciativas na história da educação infantil no Brasil. As primeiras creches criadas no final do século XIX e início do século XX tinham como finalidades primordiais, retirar as crianças abandonadas da rua, diminuir a mortalidade infantil, combater a desnutrição e formar hábitos higiênicos e morais nas famílias. Originando-se com um forte caráter filantrópico-assistencialista e uma tônica médico-sanitária, esse atendimento mesmo quando passa a ser controlado pelo setor público, a partir da década de 30, continua sendo insuficiente e ineficiente. As mudanças sociais e políticas iniciadas na década de 20, em estreita relação com o cenário internacional, culminaram com a Revolução de 1930, com a instauração de um Estado forte e autoritário e se refletiram na configuração das instituições voltadas às questões de educação e saúde, como também em suas políticas. Mas, como reconhece Freitas (2000), a intervenção do estado, a partir dos anos 40, quando foi criado o Departamento Nacional da Criança, ligado ao Ministério da Saúde, era predominantemente normativa, reconhecendo a creche como mal necessário no combate às criadeiras, mulheres do povo que assumiam, em seus domicílios, a guarda das crianças de mulheres pobres. Para realizar essas funções, requeria-se ao pessoal responsável, conhecimentos de higiene e puericultura. A formação, no caso dos dirigentes era, em geral, das áreas de saúde ou assistência social. As “educadoras” e auxiliares, diretamente responsáveis pelo trabalho com as crianças, eram geralmente leigas e recebiam treinamento sobre os aspectos mencionados acima. Diferentemente das creches, os jardins de infância, cuja idéia européia chegou ao Brasil no final do século XIX, tinham, desde sua origem, finalidades essencialmente pedagógicas voltadas ao atendimento das camadas mais abastadas da população. Os primeiros jardins de infância foram fundados em 1875, no Rio de Janeiro, e em 1877, em São Paulo, mantidos por entidades privadas. Mesmo os primeiros jardins-de-infância públicos, inspirados nas propostas de Froebel, criados em 1908, em Belo Horizonte e em 1909, no Rio de Janeiro, também atendiam a crianças de segmentos mais privilegiados economicamente. A partir dos jardins, foram também criadas, durante os anos 20 e 30 salas pré-primárias que funcionavam junto às escolas primárias. Também nesse período, sob a influência do ideário da Escola Nova, surgiu o atendimento em praças públicas – os “Parques Infantis”, para as crianças da classe operária (Faria,1999). Nestes estabelecimentos, a profissional era definida como professora e sua ação requeria formação pedagógica em Cursos Normais, em nível médio. Na época, apenas duas universidades ofereciam a formação em nível superior, com licenciatura em educação préescolar: a Universidade Federal do Rio de Janeiro, criada em 1931, e a Universidade Federal do Paraná, em 1938 (Kishimoto, 1999). Apesar dessas iniciativas, a expansão da educação pública de crianças menores de seis anos, tanto em creches como em jardins-de-infância, foi se dando lentamente. É somente no final dos anos 70, que se observa uma expansão das creches e pré-escolas no Brasil, em função de diversos fatores como a crise do regime militar, o crescimento urbano, a participação crescente das mulheres no mercado de trabalho, a reconfiguração do perfil familiar, a intensificação dos movimentos sociais organizados, em especial de grupos de mulheres, e a influência de políticas sociais de órgãos como a UNESCO, UNICEF e OMS para países de terceiro mundo. Nesse período, a partir da necessidade de novas estratégias governamentais para atender à crescente demanda por atendimento às crianças menores de 7 anos, são desencadeadas políticas de cunho compensatório e emergencial que articulavam ampliação quantitativa do atendimento e baixo investimento público (Rosemberg, 1999; Freitas, 2000). Assim, aliada à baixa qualidade das condições físicas e materiais oferecidas, a formação dos profissionais caracterizava-se por baixas exigências, considerando-se o aproveitamento de voluntárias da comunidade, ou de contratação, a baixo custo, de profissionais, em sua maioria leigas, ou com escolaridade e qualificações restritas. Desse modo, mesmo quando passou à tutela do Estado, a educação infantil pública continuou com forte caráter assistencialista e compensatório, respaldada na quase omissão da legislação em vigor. A respeito da Educação Infantil, a Lei 5.692/71 apenas atribuía ao Estado, “velar” para que os sistemas de ensino, diretamente ou por meio de convênio, oferecessem conveniente atendimento em jardins de infância ou similares para menores de 7 anos. A formação dos profissionais veio a ser contemplada apenas no Parecer 1.600/1975, do CFE que regulamentou a Habilitação em Pré-escola acrescentando uma quarta série ao curso de magistério (Vieira, 2001). Essas práticas, tão distantes no tempo, encontram-se, porém, muito próximas. Podemos estabelecer relações entre elas e as formas “alternativas” defendidas e desenvolvidas atualmente, pelo governo, como adequação das propostas do Banco Mundial para a população infantil de baixa renda, entre elas, a “Creche Domiciliar” e a “Mãe Crecheira”. Estudos têm demonstrado que sob um discurso de “proposta alternativa e de “envolvimento da comunidade”, essas estratégias de atendimento caracterizam-se como emergenciais e provisórias, e buscam legitimar, através da “divisão com a família” da responsabilidade com a educação das crianças, a redução do papel do Estado na oferta desses serviços (Ferreira, Ramon e Silva, 2002). Durante os anos 80, como resultado das reivindicações de diversos setores da sociedade, efetuam-se conquistas históricas no plano legal relativas à criança e sua educação. A Constituição Federal de 1988 e em 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente, reconhecem a educação como direito da criança de 0 a 6 anos e como dever do Estado, sob a responsabilidade dos municípios, a cumprir-se mediante o “atendimento em creches e préescolas”, definindo ambas como instituições educacionais, rompendo com a tradição assistencialista. O reconhecimento de finalidades iguais para as creches e pré-escolas contribui para a superação, ainda que no plano teórico-legal, da falsa dicotomia entre educar-cuidar, o que tem, inclusive, marcado de forma discriminatória o trabalho de creches e de seus profissionais, supondo-se que na creche, “apenas” se cuida e, portanto, que “cuidar” é uma prática não apenas distinta de educar -tarefa da escola - como inferior. A esse respeito, Kuhlmann (1998) aponta que a questão não é educação versus assistência, demonstrando que na sua história, as instituições infantis destinaram, mesmo quando só se propunham a “atender” ou “assistir”, uma educação de baixa qualidade para as crianças pobres, posto que no interior das instituições e das interações sociais que nelas ocorrem, sempre estará ocorrendo algum tipo de educação – seja ela boa ou ruim para a criança que a recebe, o que impõe a necessidade de superação da dicotomia também no nível prático. É nesse contexto de transformação de concepções teóricas e princípios legais que a discussão acerca da formação do profissional da educação infantil retoma seu impulso, em um percurso permeado de avanços e recuos reconhecidamente paradoxais. Em 1994, em meio aos movimentos da sociedade civil e dos profissionais da educação, no documento Por uma política de formação do profissional de educação infantil, o MEC expressa o discurso oficial da época: “A formação do professor é reconhecidamente um dos fatores mais importantes para a promoção de padrões de qualidade adequados em educação, qualquer que seja a modalidade. No caso da criança menor (...) a capacitação específica do profissional é uma das variáveis que maior impacto causam sobre a qualidade do atendimento”. (MEC/SEF/DPE/Coedi, 1994, p.11). Essa atenção aos “recursos humanos” também se evidencia no documento Política Nacional de Educação Infantil. Assumindo já a perspectiva de que a educação infantil, destinada às crianças de 0 a 6 anos é a etapa inicial da Educação Básica com funções indissociáveis de educar e cuidar, propõe uma política para os “recursos humanos”, considerando que“os adultos que atuam tanto em creches como em pré-escolas devem ser reconhecidos como profissionais, devendo-se a ele condições de trabalho, plano de carreira, salário e formação continuada, condizentes com o papel que exerce”, segundo diretrizes que asseguram, entre outros pontos, formas regulares de formação e especialização, bem como de atualização; formação em nível médio e superior que contemple conteúdos específicos a esta etapa educacional. (MEC/SEF/Coedi, 1994, p.19). A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 – Lei nº 9394/96 - em seu artigo 6- estabelece como regra que a formação dos docentes para a educação infantil far-se-á em nível superior, atendendo a reivindicação antiga dos educadores em nosso país e já consolidada em grande parte dos países desenvolvidos. Entretanto, no mesmo artigo, admitese como formação mínima para as séries iniciais e para a educação infantil, a oferecida em nível médio, na modalidade normal, em nada superando, nesse caso, a situação historicamente vivida em relação à habilidade específica do magistério. Por outro lado, em suas disposições transitórias, no Título IX, Art. 87, parágrafo 4º, determinam que, até o final da Década da Educação – de 1997 a 2007 – “somente serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço”, incorporando avanços de outros países e instituindo, além disso, “a possibilidade de a formação dos professores para todos os níveis de escolaridade ocorra nos Institutos Superiores de Educação, não necessariamente universitários” (Libâneo e Pimenta, 1999, p.259). Entretanto, o Decreto Presidencial 3.276, regulamenta a formação de professores para a educação básica, estabelecendo que a formação de professores para as séries iniciais e educação infantil dar-se-á exclusivamente, nos Cursos Normais Superiores. Desse modo, como reconhece Freitas (1999, p. 39) “de forma autoritária, violenta, é imposta pelo governo e pelo MEC, a reforma no campo da formação”. Essas medidas têm sido consideradas reducionistas e discriminatórias em relação à formação do educador de crianças pequenas visto que segundo Kishimoto (1999, p.74) “a proposta de cursos normais superiores fora do contexto universitário deixa de oferecer a diversidade, essencial para a formação docente, não se beneficia do caldo cultural propiciado pelas reflexões sobre as ciências da educação aliadas ao tratamento dos conteúdos, em um espaço que se torna pedagógico, transformando-se em campo fértil de flexibilidade, ações criativas e estratégias de aprendizagem”. Além disso, ao inserir a educação infantil no âmbito da educação básica, como sua etapa inicial, a LDB deveria destinar aos seus profissionais, o mesmo tratamento conferido aos de outros níveis. Ao propor uma formação diferenciada, a lei reacende concepções preconceituosas tradicionalmente arraigadas na área, como a de que tal trabalho não requer, de seu profissional, um preparo específico consistente, bastando, para exerce-lo, ter alguns daqueles “atributos” de mãe ou mesmo das “jardineiras” de Froebel. Integrando as políticas voltadas para a educação infantil, o MEC divulga, em 1998, o Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil, com o objetivo de orientar as instituições e os professores na implementação de projetos e práticas pedagógicos para a educação de crianças de 0 a 6 anos, e “servir de instrumento para a capacitação de profressores” (MEC/SEF/DPE,2000). Em que pese a validade das concepções e orientações propostas, o documento foi considerado, não apenas pelos críticos, mas pelos órgãos responsáveis por sua divulgação, como de difícil compreensão e aplicação pelos professores, em decorrência de sua precária formação inicial, em contradição com o “perfil” de professor delineado pelo próprio documento (Cerisara, 1999; Lanter, 1999). Desse modo, embora avançadas no discurso e na legislação, as atuais iniciativas do MEC no que concerne a políticas e estratégias de formação desses profissionais caracterizamse pelo distanciamento ou mesmo contradição com as definições legais, se considerarmos que a oferta de cursos de graduação em redes públicas é bastante inferior à demanda e que os cursos de magistério que vinham assumindo, historicamente, os maiores contingentes que se destinariam aos níveis iniciais de ensino, por sua vez, estão em processo final de extinção. O que se observa, numa perspectiva mais abrangente a nível nacional, são cursos de capacitação e treinamentos isolados desenvolvidos pelas secretarias estaduais e municipais de educação, numa perspectiva de formação continuada emergencial e superficial, em detrimento de uma formação inicial regular. È nessa perspectiva que as universidades enquanto instituições de ensino, pesquisa e extensão, configuram-se como o locus de formação inicial ou básica do profissional de educação infantil, em processos que respeitem os tempos necessários à elaboração de conhecimentos que se constituam como articulações entre diferentes teorias e entre teoria e prática. Portanto, não há como formar esse profissional senão preparando-o para a pesquisa em educação, o que só é possível pela formação inicial em graduação em universidade, sempre ligada à extensão e às práticas, como forma de articulação entre teoria e intervenção na realidade (Kuenzer, 1999,63). A situação contemporânea da formação do profissional da educação infantil, construída ao longo da história, configura-se, portanto, paradoxal e desafiadora, exigindo esforços, tanto dos órgãos governamentais, como da sociedade como um todo e, em especial, da comunidade educacional, dos centros e grupos de ensino e pesquisa, para a superação das distâncias entre o discurso das políticas e sua efetivação objetiva. A experiência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a exemplo de outras, testemunha a assunção dessa responsabilidade desde o início da década de 80, quando passou a oportunizar aos alunos do curso de Pedagogia, a sistematização de conhecimentos específicos à compreensão e desenvolvimento de práticas pedagógicas junto às crianças pequenas. Em um Núcleo Temático de Educação Infantil oferece quatro disciplinas de caráter complementar: Fundamentos de Educação Infantil, Alfabetização na Educação Infantil, Prática Pedagógica na Educação Infantil e Oficina Pedagógica na Educação Infantil,vinculando os estudos a atividades de pesquisa em iniciação científica e em monografias de conclusão de curso. Referências Bibliográficas ARCE, A Documentação oficial e o mito da educadora nata na educação infantil.Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n. 113, p. 167-191, julho, 2001. ARIÈS, P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n° 9.394/96. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. SEF/COEDI. Por uma política de Formação do Profissional de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF/DPEF/COEDI, 1994. BRASIL, Ministério de Educação e Cultura. SEF/DPE. Política Nacional de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF/DPE, 1994. BRASIL, Ministério de Educação e do Desporto. 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