GRASIELE COSTA DOS SANTOS FORTINI PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E SUAS IMPLICAÇÕES NO EMPODERAMENTO FAMILIAR- MURIAÉ/MG Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de PósGraduação em Economia Doméstica, para obtenção do título de Magister Scientiae. VIÇOSA MINAS GERAIS - BRASIL 2014 i Só é possível pensar no significado dos resultados do Programa Bolsa Família se materializados na transformação da vida de cada um de seus beneficiários. Só é possível, ainda, pensar nestas e em outras mudanças se singularizadas em faces, mãos e mentes dos que atuam por um Brasil mais justo. São servidores públicos, técnicos, pesquisadores, trabalhadores. São beneficiários e não beneficiários. São homens e mulheres. Pessoas que reduzem as distâncias sociais. IPEA, Brasília, 2013. ii Ao João Gabriel que me mostrou que as brincadeiras são mais divertidas quando ficamos descalços. iii AGRADECIMENTOS Ninguém vence sozinho, tem sempre alguém que pode contribuir e partilhar ideias, concepções e correções. Nestas linhas tentarei retratar estas pessoas importantes e solícitas com minhas criações e ideais. A Deus que sempre em minha trajetória me reservou o que tinha de melhor. À minha família que sempre será minha referência, meu chão. Ao João Gabriel que embora pequeno em idade foi grande em pensamento, sabendo apoiar e compreender as minhas dificuldades e ausências. Ao Antônio Maria pela paciência, cumplicidade, em sua sabedoria e dedicação. Aos meus amigos (as) pelos desabafos e carinho. Aos professores e aos funcionários do Departamento de Pós-Graduação em Economia Doméstica, pelo suporte; aos meus colegas, pela troca de conhecimentos. Agradeço a toda equipe da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social pelas contribuições ao longo deste período. À minha orientadora Profa. Dr. Maria das Dores Saraiva de Loreto (UFV) que sinto orgulho e satisfação de tê-la como condutora deste desafio. Sua presença e confiança foram imprescindíveis. Agradeço ao Prof. Douglas Mansur (UFV) que em momentos essenciais conduziu conosco o trabalho. Agradeço às famílias que partilharam comigo suas histórias e estratégias de sobrevivências. Que revelaram criatividades em um mundo de incertezas e asperezas. iv BIOGRAFIA GRASIELE COSTA DOS SANTOS FORTINI, filha de Alvimar Ribeiro dos Santos e Lúcia Helena C. Santos, nasceu no dia 21 de novembro de 1977, em Montes Claros - MG. Em 2006, graduou-se em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas FACISA, em Montes Claros, MG. No período de 2007 a 2008, especializou-se em Planejamento e Gestão Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF, em Juiz de Fora, MG. Atuou como Assistente Social na Prefeitura Municipal de Miradouro/MG e docente do Curso de Serviço Social da Faculdade de Minas – FAMINAS em Muriaé/MG. Atualmente, exerce a função de Coordenação do setor de Gestão, Informação, Monitoramento e Avaliação dos serviços, programas e projetos na Prefeitura Municipal de Muriaé/MG. Atua ainda como Assistente Social do Colégio Santa Marcelina de Muriaé/MG. Em março de 2012 iniciou o Programa de Pós Graduação em Economia Doméstica, tendo como linha de pesquisa Famílias, Políticas Públicas, e Avaliação de Programas e Projetos Sociais, em nível de Mestrado, na Universidade Federal de Viçosa. v Sumário LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS .............................................................................................. viii LISTA DE QUADROS ....................................................................................................................... ix LISTA DE FIGURAS........................................................................................................................... x REUMO .......................................................................................................................................... xi ABSTRACT .................................................................................................................................... xiii I-INTRODUÇÃO14 1.1- Problema e Justificativa ........................................................................................................ 16 1.2- Objetivos ............................................................................................................................... 21 1.2.1 - objetivo Geral ................................................................................................................... 21 1.2.1 Objetivos Específicos .......................................................................................................... 21 II- REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................................................ 22 2.1- Pobreza e Proteção Social no Brasil ..................................................................................... 22 2.1.1 - Questão Social e Pobreza ................................................................................................. 22 2.1.2- Pobreza: entre Naturalidade e a Determinação ............................................................... 24 2.1.3 - Pobreza sob dois prismas: unidimensional e multidimensional ...................................... 30 2.1.4 - A Relação Pobreza e Empoderamento............................................................................. 35 2.1.5 - A Pobreza no Brasil .......................................................................................................... 37 2.1.6 - Breves Reflexões sobre Indicativos para o Enfrentamento da Desigualdade e da Pobreza........................................................................................................................................ 47 2.1.7- Politicas Sociais para o Enfrentamento da Pobreza .......................................................... 51 2.1.8 - Cenário de Inserção da Política Social no Brasil ............................................................... 59 2.2- Caracterização do programa Bolsa Família e suas Interfaces .............................................. 64 2.2.1- Contexto Histórico de Implementação dos Programas de Transferência de Renda ........ 64 2.2.2- Caracterização do Programa Bolsa Família ....................................................................... 68 vi 2.2.3 - As Interfaces do Programa Bolsa Família ......................................................................... 79 III – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................................... 81 3.1- Tipo e Etapas da Pesquisa .................................................................................................... 81 3.2 - Definição do Campo Empírico ............................................................................................. 81 3.3 - População e Amostra do Estudo ......................................................................................... 82 3.4 - A Construção dos indicadores: categorias e variáveis de Análise....................................... 85 3.4.1- Variáveis de Análise .......................................................................................................... 87 3.5 - Procedimentos de Análise dos Dados ................................................................................. 88 IV- RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................................................... 91 4.1- O Programa Bolsa Família no município de Muriaé............................................................. 91 4.1.1 - Estrutura de Funcionamento do Programa ..................................................................... 93 4.2- O Significado do PBF na percepção da Equipe Técnica ........................................................ 94 4.3 -Características Socioeconômicas das famílias beneficiárias do PBF .................................. 100 4.3.1-Perfil Socioeconômico das Famílias ................................................................................. 100 4.3.2.- Características das Famílias do PBF ............................................................................... 101 4.3.2.1 – Condições do Habitat Familiar das Beneficiarias do PBF ........................................... 117 4.3.2.2 – Condições Materiais (posse, tempo e forma de aquisição de bens) ......................... 120 4.4- Percepção das famílias acerca do PBF ............................................................................... 130 4.4.1 - O Significado do PBF segundo as famílias beneficiárias ................................................ 130 4.5 – Implicações do PBF no empoderamento familiar ............................................................ 143 4.5.1- Descrição dos Contextos Familiares ............................................................................... 144 4.5.2- Mudanças e permanências com o PBF, percepção das famílias beneficiárias ............... 163 4.5.3 – As famílias egressas do PBF e suas percepções ............................................................ 170 V- CONSIDERAÇÕES GERAIS ...................................................................................................... 174 VII – REFRENCIAS BIBLIOGRAFICAS ........................................................................................... 181 VIII- APENDICES ......................................................................................................................... 188 vii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente ESF- Estratégia Saúde da Família IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH – Índice de Desenvolvimento Humano IGD – Índice de Gestão Descentralizado IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPM – Indicador de Pobreza Multidimensional LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social MDS – Ministério do Desenvolvimento Social PBF – Programa Bolsa Família PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil PIB – Produto Interno Bruto PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNAS – Política Nacional de Assistência Social PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PSB – Proteção Social Básica SUAS- Sistema único de Assistência Social viii LISTA DE QUADROS Quadro 1- Dimensões de Empoderamento ................................................................................ 38 Quadro 2 – Princípios organizadores das Politicas Públicas no Brasil ........................................ 50 Quadro 3-Síntese de Caraterísticas do Perfil Socioeconômico dos membros familiares do PBF Muriaé/MG, 2013...................................................................................................................... 101 Quadro 4- Nº de Famílias Pesquisadas por faixa de rendimentos, Muriaé/MG, 2013 ............. 104 Quadro 5- Vínculos estabelecidos pelas Famílias Beneficiárias do PBF, com parentes, Muriaé/MG, 2013...................................................................................................................... 108 Quadro 6 - Vínculos estabelecidos pelas famílias Beneficiárias do PBF, com vizinhos, Muriaé/MG, 2013...................................................................................................................... 112 Quadro 7- Vínculos estabelecidos entre as Famílias Beneficiárias do PBF e amigos ................ 114 Quadro 8- Aspectos relativos à Moradia, Serviços Básicos e Infraestrutura das famílias do PBF, Muriaé/MG, 2013...................................................................................................................... 118 Quadro 9- Formas de Aquisição de roupas, alimentos e remédios pelas Famílias beneficiárias do PBF, Muriaé/MG, 2013......................................................................................................... 121 ix LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Matriz do Programa Bolsa Família e suas Interfaces Figura 2 – Visão do Perímetro urbano de Muriaé Figura 3 – Composição das Famílias, segundo o número de residentes na mesma casa Figura 4 – Posse de bens pelas famílias do PBF, Muriaé/MG, 2013. Figura 5 – Principais aspectos que melhoraram, após a participação das famílias beneficiárias, Muriaé/MG, 2013. Figura 6 – Principais preocupações apontadas pelas famílias do PBF, Muriaé/MG, 2013. x RESUMO FORTINI, Grasiele Costa dos Santos. M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, Junho de 2014. Programa Bolsa Família e suas implicações no Empoderamento FamiliarMuriaé/MG. Orientadora: Maria das Dores Saraiva de Loreto. Co-Orientador: Douglas Mansur da Silva. Nesta pesquisa, buscou-se avaliar os programas de transferência de renda, especificamente o Programa Bolsa Família, suas mudanças e implicações na redução da pobreza e empoderamento das famílias, no contexto do seu território de abrangência, no município de Muriaé/MG. Especificamente, apresentou como objetivos: examinar historicamente o PBF, situando-o no contexto da realidade em Muriaé/MG, buscando examinar sua estrutura de funcionamento; caracterizar socioeconomicamente as famílias beneficiárias; identificar e analisar os impactos dos programas de transferência de renda/Bolsa Família, em termos do empoderamento familiar. O aporte teórico foi baseado em três categorias – desigualdade social, pobreza e empoderamento, bem como sobre os Programas de Transferência de Renda, em especial sobre o PBF, suas condicionalidades e programas complementares, para fundamentar a relação entre a permanência da pobreza e da exclusão no Brasil e o tipo de empoderamento existente. O campo empírico foi o PBF, implementado na cidade de Muriaé/MG. A amostra foi composta por 64 famílias beneficiárias e 49 egressas residentes no município e por profissionais do Programa. Metodologicamente foi feito uso da pesquisa documental, pesquisa bibliográfica, entrevistas semi-estruturadas, observação informal e registros fotográficos das condições de moradia das famílias. Na análise dos dados, privilegiaram-se a estatística descritiva e a interpretação dos sentidos a partir dos sujeitos pesquisados, nos termos de Minayo. Foi constatado que o PBF na percepção das famílias é entendido como Bolsa Escola e contribui para o impedimento de situações de fome. O PBF, em Muriaé, prioriza apenas a transferência de renda, razão por que as chances de ser considerado ―portas de saída da pobreza e da exclusão social‖ são pequenas. Em princípio, suas estratégias deveriam conduzir as famílias beneficiárias a novos caminhos, nos quais o peso da pobreza e da exclusão, corporificado nas experiências vividas, dessem lugar às experiências de práticas cidadãs, num contexto de inclusão social. Os resultados reforçaram o pressuposto de que a pobreza e a exclusão social só podem ser enfrentadas mediante um conjunto de medidas articuladas, capaz de xi contribuir para a autonomia e empoderamento dos sujeitos, de modo que estejam aptos a fundamentar verbalmente suas ações, intenções, desejos e necessidades; melhore suas oportunidades sociais, com maior participação e conscientização sobre seu poder e direitos. xii ABSTRACT FORTINI, Grasiele Costa dos Santos. M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, June, 2014. Bolsa Família Program and its implications in Family-Muriaé/MG Empowerment. Adviser: Maria das Dores Saraiva de Loreto. Co-advisers: Douglas Mansur da Silva. In this study, we sought to assess the income transfer programs, specifically the Bolsa Família Program, its changes and implications for poverty reduction and empowerment of families, as part of its coverage area in the municipality of Muriaé / MG. Specifically, had the following objectives: to examine historically the PBF, placing it in the context of reality Muriaé / MG, seeking to examine their operational structure; characterize socioeconomically beneficiary families; identify and analyze the impacts of cash transfer / Bolsa Família program, in terms of family empowerment. The theoretical framework was based on three categories - social inequality, poverty and empowerment, as well as the Income Transfer Programs, in particular on the PBF, its conditionalities and complementary programs to support the relationship between the persistence of poverty and exclusion in Brazil and type of existing empowerment. The empirical field PBF was implemented in the city of Muriaé / MG. The sample consisted of 64 beneficiary households and 49 grads living in the city and Professional Program. Methodologically was made use of desk research, literature search, semi-structured interviews, informal observation and photographic records of the living conditions of families. In data analysis, preference was given to the descriptive statistics and the interpretation of the senses from the subjects studied, in terms of Minayo. It has been found that the BFP in the perception of families is understood as Bolsa Escola and contributes to the prevention of famines. The BFP, in Muriaé only prioritize the transfer of income, which is why the chances of being considered "output ports of poverty and social exclusion" are small. In principle, their strategies should lead families receiving the new ways in which the burden of poverty and exclusion, the embodied experiences, give rise to the experiences of citizen practices in a context of social inclusion. The results reinforced the assumption that poverty and social exclusion can only be addressed through a set of coordinated measures that can contribute to the autonomy and empowerment of individuals, so that they are able to verbally justify their actions, intentions, desires and needs ; improve their social opportunities, with greater participation and awareness of their power and rights. xiii I- INTRODUÇÃO O presente estudo traz uma análise dos programas de transferência de renda, especificamente o Programa Bolsa Família- PBF, suas mudanças e implicações na redução da pobreza e empoderamento das famílias, no contexto do seu território de abrangência, no município de Muriaé/MG. Especificamente, buscaram-se examinar quais seriam os efeitos do PBF sobre a vida dos usuários, à luz de uma concepção de empoderamento como a capacidade alcançada pelas pessoas de assumir o controle das suas próprias vidas, ganhando habilidade de realizar sonhos, estabelecendo seus próprios compromissos e mudando atividades de maneira previamente definida. Segundo Rego (2013), evidências empíricas mostram um grande número de famílias destituídas de voz, desempregados estruturais; enfim milhões de brasileiros que estavam e que, em muitos casos, ainda estão fora das heranças mais básicas da civilização, mesmo com o apoio governamental por meio dos programas de transferência de renda. Diante deste contexto, as questões que nortearam o presente estudo, são: (i) O Programa Bolsa Família constitui uma estratégia adequada para, além do alívio imediato da situação de pobreza, abrir caminho a uma vida digna e autônoma das famílias beneficiárias, com redução da ―dependência‖? (ii) As mudanças do PBF, no município de Muriaé/MG, têm contribuído para a redução da pobreza e empoderamento familiar? Considera-se que compreender as famílias em seu cotidiano representa um exercício complexo, principalmente porque são dinâmicas, criam e recriam novas formas de viver, a partir do momento que constatam que a questão monetária é fundamental para a sua sobrevivência, estabelecendo em seu cotidiano um movimento constante de luta e resistência. Neste sentido no que se referem aos referenciais teóricos conceituais do trabalho, as categorias chaves de análise são família, pobreza e empoderamento. A sustentação das discussões sobre tais categorias tiveram como base: Ariès (1981); Ariès e Duby (2009) Carvalho (2003), Costa (2004), Engels (2000); Sarti (2005); Mioto (2000); Szymanski (2002), dentre outros. Os estudos recentemente produzidos por Santos (2007; 2009), Stotz (2005), Schwartzamn (2007), Rocha (2006); Balsa (2011), Sen (2000), Castel (2004), Iamamoto (2001; 2005; 2008), Yazbek (1999) e outros constituíram a discussão histórica e 1 conceitual a respeito do fenômeno da pobreza a partir de uma leitura dos processos de desenvolvimento social e econômico erigidos na sociedade. Como o economista indiano Amartya Sen (2000) ressalta, em diversos pontos de sua obra, a avaliação da qualidade de vida das pessoas demanda a utilização de indicadores multidimensionais não sintetizáveis pela renda. Esta é um instrumento para a obtenção de estados ou realização de ações valorizadas, justamente, pelos seres humanos – um meio para o alcance de fins substantivos. Além disso, a eficiência do instrumento renda na obtenção de certos fins (sua taxa de conversão) é sujeita a diversas variáveis, como idade, estado de saúde, ambiente natural e social onde vive uma pessoa, e outras. Trata-se, portanto, de superar as limitações dos estudos – pautados pelo critério da insuficiência de renda – de avaliação da pobreza e da orientação das políticas públicas de desenvolvimento social, incorporando outras dimensões fundamentais para caracterizar a qualidade de vida da população, como é o caso do empoderamento familiar1. Esta parece ser a questão central para uma avaliação adequada de um dos pilares da política brasileira de desenvolvimento social: as transferências de renda com condicionalidades, fortemente impulsionadas pela criação do Programa Bolsa Família, em 2003. Os programas de transferência de renda com condicionalidades vêm ocupando um lugar cada vez mais destacado no âmbito das políticas de combate à pobreza, no cenário brasileiro e internacional. O modelo de atuação desses programas e seu efeito sobre a situação de vida da população atendida, combinando ações e estratégias, que visam à ruptura do ciclo intergeracional de reprodução da pobreza, vêm-se difundindo, e sofrendo mudanças, que justificam seu monitoramento e avaliação, considerando a autonomia das famílias, com maior controle sobre suas vidas. Discutir pobreza e família torna-se um desafio devido à complexidade destes dois conceitos. Por sua vez, refletir acerca da autonomia das famílias extremamente pobres se constitui numa necessidade, primeiro porque para alguns se tornou banal, a questão da ―miséria genérica‖, quer pelos envolvidos, quer pelo discurso público (SOMDEREGGER, 2009) e, para outros, representa a capacidade de ter autonomia individual e exercício da cidadania. 1 O empoderamento familiar, segundo Santos et al (2002), refere-se à maior capacidade dos membros familiares de assumir o controle de suas vidas, com o desenvolvimento e crescimento das capacidades, possibilidades e relações. 2 Por outro lado, o interesse por esta temática advém de inquietações decorrentes da minha atuação como Assistente Social na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social de Muriaé/MG. Dessa experiência surgiram alguns questionamentos que requeriam aprofundamento científico no tocante às condições de vidas das famílias que passavam pelo atendimento do Serviço Social. A escolha pela temática é também de fundamental importância para o curso de Pós Graduação em Economia Doméstica da Universidade Federal de Viçosa – UFV, que tem como linha de pesquisa ―Família, Políticas Públicas e Avaliação de Programas e Projetos Sociais‖, objetivando analisar as políticas públicas e suas interfaces com o sistema familiar, bem como, caracterizar e avaliar programas públicos e privados que interferem no cotidiano deste sistema. 1.1 -O Problema e sua Justificativa Como Política Pública, a Assistência Social tem enquanto principais pressupostos, a partir da Política Nacional de Assistência Social/2004, a territorialização e a intersetorialidade, tendo sido implantada seguindo também o processo de descentralização e municipalização. Entender quais elementos que compuseram e fundamentaram essa política no município escolhido é o que pretende esta pesquisa, aliado à busca de identificação dos caminhos trilhados dentro da nova perspectiva do Sistema Único de Assistência Social. A Política Nacional de Assistência Social lançada em 2004, elaborada com a participação de vários atores, através de conferências municipais, estaduais e nacional, realizadas em 2003, trouxe uma (re) orientação do processo de efetivação da Política Nacional de Assistência Social, como a introdução de marcos de reflexão que passaram a nortear a implantação do Sistema Único de Assistência Social- SUAS, tais como, as questões territoriais, demográficas e de concentração de pobreza. Essas questões são relevantes para uma discussão mais aprofundada, visto que se encontram intrinsicamente associadas à efetivação da assistência social, além pensar as Políticas Sociais não mais apenas como estratégia de acomodação de conflitos, mas também como campo de disputa política e instrumento de transformação social. O Sistema Único de Assistência Social- SUAS, a partir das deliberações da IV Conferência de Assistência Social, tem uma importante tarefa de ruptura com todo este legado de precarização sobre o qual a assistência social tem sido pautada. Percebe-se 3 que a consolidação da Assistência Social, como política pública e direito social, ainda exige o enfrentamento de importantes desafios, que vão desde a superação da pobreza de grande parte da população, passando pela efetiva aplicação dos recursos públicos em programas sociais, até o fortalecimento do sistema descentralizado e participativo. Pretende-se com essa pesquisa contribuir para o debate acerca da efetivação da Política de Assistência Social, bem como os possíveis impactos, aspectos centrais relevantes, desafios que precisam ser enfrentados; isto é, busca-se a partir dessa construção apontar possíveis limites e potencialidades dessa política no município de Muriaé/MG, por meio da avaliação de programas de transferência de renda, em especial o Programa Bolsa Família. O Brasil foi pioneiro no desenho e implementação de programas de transferência de renda com condicionalidades2, originalmente em municípios e no Distrito Federal, a partir de 1995. No âmbito federal, foi lançado o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), em 1996. Somente a partir de 2001, entretanto, a estratégia das transferências de renda com condicionalidades ganhou maior vulto, com o lançamento de uma série de programas desse tipo. Em outubro de 2003, os principais programas federais de transferência de renda com condicionalidades foram unificados3, com a criação do Programa Bolsa Família (PBF). De acordo com Zimmermann (2006), para muitas famílias pobres, o PBF é a única possibilidade de obtenção de uma renda; entretanto, na lógica dos direitos humanos, o programa subordinou políticas sociais aos ajustes econômicos e às regras de mercado à medida que introduz o condicionamento e a exigência do compromisso por parte das famílias pobres de manterem suas crianças na escola para receberem o pagamento de uma renda mínima. Ainda que as intenções dessas condicionalidades sejam positivas, esse tipo de política reforça os velhos mecanismos de dependência e da falta de provisão de autonomia aos pobres nas políticas sociais brasileiras (ZIMMERMANN, 2006). Além de exigir manutenção das crianças na escola, a maioria dos Programas de Renda Mínima exige um tempo de residência fixa no município beneficiado, variando normalmente de 2 a 5 anos, como pré-requisito para que a família seja incluída no 2 As condicionalidades são compromissos nas áreas de Educação, Saúde e Assistência Social assumidos pelas famílias e que precisam ser cumpridos para que elas continuem a receber o benefício do Bolsa Família, (MDS, 2013). 3 O Programa de garantia de Renda Mínima Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, foram unificados no Programa Bolsa Família, como forma de evitar a sobreposição de ações no combate à pobreza e exclusão social (SILVA, ET al, 2004). 4 Programa, visando inibir a migração de pessoas ao local somente para a obtenção do benefício. Ou seja, O PBF vincula a transferência de renda às famílias pobres ao cumprimento de um conjunto de contrapartidas nas áreas de Saúde, Educação e Assistência Social. Os objetivos do PBF são amplos: alcançar toda a população brasileira abaixo da linha de pobreza em três anos de implementação, além de articular a rede de proteção e promoção social para promover a ―emancipação‖ das famílias beneficiárias. A meta de cobertura foi alcançada em junho de 2006, quando se atingiu o expressivo número de 11,17 milhões de famílias beneficiadas pelo programa, (SILVA, 2008). Embora o alcance da meta de cobertura não signifique a inclusão de todas as famílias pobres, haja vista os inevitáveis erros de focalização comuns em programas dessa magnitude, um desafio ainda maior é a superação da pobreza, por meio do empoderamento familiar. As atenções despertadas pelo programa têm sido muito grandes, desde seu lançamento, gerando reações exacerbadas contra e a favor, de acordo com o posicionamento político de seus críticos. Exemplificando, durante o processo eleitoral de 2006, a partir do momento em que ficou claro o impacto eleitoral positivo da Bolsa Família, diversos candidatos pleiteavam sua ―paternidade‖ e assumiram o compromisso de mantê-lo e aperfeiçoá-lo, no período 2007-2010. Entretanto, surgiram questionamentos quanto à sua adequação, como estratégia de enfrentamento dos problemas da pobreza e da desigualdade. Há os que alegam que os recursos nele aplicados seriam mais bem empregados na ampliação e qualificação da oferta de políticas de formação de capital humano (notadamente, na Educação); ou de promoção da infraestrutura, na ampliação da produtividade e competitividade da economia (estradas, portos, etc.). Outros posicionamentos contrários ao PBF, como os de Cristovam Buarque (2006), Soares (2006), Rocha (2003), Fonseca e Roquete (2005), consideram-no populista e eleitoreiro, de caráter meramente assistencialista. A desgastada expressão, frequentemente utilizada por alguns de seus opositores, de que ―dá o peixe, mas não ensina a pescar‖, aparece associada à questão de que o programa gera a ―dependência‖ de seus beneficiários. Apesar do valor médio mensal repassado às famílias ser de R$77,00, muitos críticos consideram possível que os beneficiários optem por uma vida ―rentista‖ e abram mão de atividades produtivas para viver à custa do Estado. Poder-seia, contudo, argumentar o contrário: famílias que recebem o benefício têm mais chances 5 de obter uma ocupação produtiva, pois a disponibilidade de recursos monetários cria oportunidades de inserção no mercado de trabalho (compra de vestuário, custeio de deslocamentos, compra de ferramentas ou instrumentos, melhoria da autoestima e outras). Uma forma – paradoxal – de criticar o PBF é exacerbar sua responsabilidade pela resolução dos problemas da pobreza e da desigualdade no Brasil. Como já foi visto, análises efetuadas, a partir dos dados das PNAD mais recentes, apontam uma redução da pobreza e da desigualdade a partir de 2001 e, de forma mais marcante, a partir de 2003. Contudo, o Brasil permanece como um dos países que apresentam maior concentração de renda no mundo, com uma parcela bastante expressiva de sua população abaixo da linha de pobreza, o que alimenta os questionamentos sobre a efetividade do PBF. A continuidade desses problemas, no curto prazo, serviria para desmentir a pertinência do programa, como um dos principais fundamentos da construção de uma rede abrangente de proteção social, que promovesse, simultaneamente, inclusão social e econômica. Além disso, é importante ressaltar as mudanças ocorridas no PBF, visando ampliar seu alcance, em termos de emancipação das unidades familiares em situação de vulnerabilidade social, tais como: reajustes dos benefícios e mudanças nos critérios de elegibilidade, que podem ser assim resumidos: a) a família tem que estar incluída na base nacional do Cadúnico, isto é, o órgão municipal responsável pelo cadastramento deve transmitir as informações da família à Caixa e esperar o retorno positivo do processamento; b) renda familiar até R$ 77,00 reais por pessoa ou renda familiar entre R$ 77,00 e R$ 154,00 para aquelas pessoas que tenham filhos. (MDS, 2013). Entretanto, Carneiro (2008) ao avaliar a efetividade do PBF, mostrou que suas limitações podem constituir entraves definitivos quanto às oportunidades de inclusão social para as famílias em situação de pobreza e de exclusão social, concluindo que a superação ou minimização da situação de pobreza, através do Programa Bolsa Família, só será possível a partir de um plano estratégico multidimensional, conciliando transferência de renda com a promoção de capacidades, pois só a transferência de renda torna-se insuficiente. Questiona-se, então, se o Programa Bolsa Família constitui uma estratégia adequada para, além do alívio imediato da situação de pobreza, abre-se caminho a uma vida digna e autônoma das famílias beneficiárias? Para tratar dessa questão, considerase necessário, em primeiro lugar, explicitar seus diversos mecanismos de intervenção e 6 definir o conceito de pobreza adotado, de modo a avaliar o programa adequadamente. A vertente mais imediata e visível do Programa Bolsa Família, sem dúvida, é o benefício financeiro; mas, e seus outros incentivos, por meio do acompanhamento das condicionalidades, não estariam contribuindo para a ruptura do ciclo Inter geracional de reprodução da pobreza? Nesse sentido, existem controvérsias sobre a efetividade do PBF, sendo necessário observar suas mudanças e implementação em uma situação concreta, considerando, assim, o efeito da articulação com as demais ações providas pelos municípios para a melhoria da situação de suas populações mais vulneráveis. Por outro lado, esta opção de estudo também se justifica pelo fato de o programa se configurar em cada município de forma particular, de acordo com o grau de prioridade e envolvimento de sua gestão, as demais políticas implementadas pelo setor público e a dinâmica econômica e social específica de cada território. Outra justificativa para a realização da proposta em questão está associada à inserção profissional da pesquisadora como integrante da carreira de Assistente Social, vinculada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social do município de Muriaé, Estado de Minas Gerais, que proporcionou a oportunidade de trabalhar com o programa por um período. Tal vivência promoveu uma inquietação, tanto prática quanto teórica, a respeito do potencial dos programas de transferência de renda com condicionalidades para reduzir os graves e inter-relacionados problemas da pobreza e da desigualdade social, que evidenciam o permanente estado de justiça social no Brasil, não obstante alguns progressos recentes. Neste contexto, o presente estudo pretende, especificamente, responder ao seguinte questionamento: a realidade dinâmica do PBF, no município de Muriaé/MG, tem contribuído para a redução da pobreza e empoderamento familiar? Espera-se que a resposta ao referido questionamento possa subsidiar a gestão local, em termos do aperfeiçoamento do PBF. 7 1.2- Objetivos 1.2.1- Objetivo Geral Analisar os programas de transferência de renda, especificamente o Programa Bolsa Família, no município de Muriaé/MG, buscando examinar suas implicações na redução da pobreza e empoderamento das famílias, no contexto do seu território de abrangência. 1.2.2 - Objetivos Específicos Examinar historicamente o PBF, situando-o no contexto dos programas de transferência de renda do Governo Federal e sua municipalização em Muriaé, buscando examinar suas implicações; Caracterizar socioeconomicamente tanto as famílias beneficiárias quanto as egressas do PBF, em termos de suas condições de vida; Identificar e analisar os impactos dos programas de transferência de renda/Bolsa Família, considerando o empoderamento familiar, dimensionado pelo aumento das capacidades e geração de renda, autonomia e poder decisório. 8 II – REVISÃO DE LITERATURA A revisão de Literatura foi centrada em dois tópicos: Pobreza e proteção social no Brasil e Caracterização do Programa Bolsa Família e suas Interfaces. 2.1- Pobreza e Proteção Social no Brasil A discussão sobre pobreza e proteção social no Brasil trata a pobreza em sua multidimensionalidade discutindo conceitos e configurações sociohistóricas. Destaca-se ainda a pobreza como uma das refrações da questão social, entendendo-a na sua relação com o sistema capitalista, com as lutas sociais e as ações do Estado voltadas para o atendimento e enfrentamento desta problemática. Discute-se também sobre a relação pobreza e empoderamento. 2.1.1 - Questão Social e Pobreza Para entender o significado da questão social4 faz-se necessário percebê-la enquanto marco da teoria social crítica fruto do sistema capitalista, sendo indissociável do processo de acumulação e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras. Tributária das formas assumidas pelo trabalho e pelo Estado na sociedade burguesa, ela não é um fenômeno recente. Segundo Iamamoto (2001), a expressão questão social é estranha ao universo marxiano, pois sua primeira aparição consta de 1830. Entretanto, os processos que ela traduz encontram no centro das análises de Marx sua explicação. Para Netto (2001), toda a literatura que trata do assunto sugere que a expressão questão social tem história recente: seu emprego data de cerca de cento e setenta anos, sendo que o termo aparece na terceira década do século XIX. A expressão surge para dar conta do fenômeno mais evidente da história da Europa Ocidental que experimentava os impactos da primeira onda industrializante, iniciada na Inglaterra no fim do século XVIII; surge como resposta ao fenômeno do pauperismo. A pauperização Questão Social – Conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade (IAMAMOTO, 2005, P.27). 4 9 (absoluta) massiva da população trabalhadora constituiu o aspecto mais imediato da instauração do capitalismo (NETTO, 2001, p.42). O agravamento da pobreza foi denominado de pauperismo, estritamente ligado ao contexto socioeconômico engendrado pelo sistema capitalista. Foi a partir da perspectiva efetiva de uma reversão da ordem burguesa que o pauperismo designou-se como ―questão social‖. Para Netto (2001), é, portanto, o desenvolvimento capitalista que produz, compulsoriamente, a ―questão social‖ – diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da ―questão social‖, esta não é uma sequela adjetiva e transitória do regime do capital. Segundo J. Commaille 5 apud Balsa (2006), a gênese da questão social está no processo de pobreza generalizada das classes trabalhadoras, motivada, essencialmente, pela dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e por uma desorganização das referências nos planos cultural e moral. A partir da sua existência que as populações afetadas reivindicaram liberdade, igualdade e fraternidade, conquistas da burguesia com o advento da Revolução Francesa. Balsa (2006) acrescenta que: A tripla natureza da questão social se assenta: 1) na existência de problemas sociais importantes; 2) na generalização da situação das camadas cada vez maiores da população e 3) o medo que faz nascer a perspectiva de uma explosão social nos grupos mais favorecidos (J. Commaille, 1997, p. 16). De acordo com Jacques Commaille (idem, p.13-51) a questão social não resulta apenas da adição dos múltiplos problemas sociais que estas populações enfrentavam, mas residia mais numa falência geral dos mecanismos de socialização que punham em causa a participação social dos indivíduos (J. COMMAILLE apud BALSA, 2006, p.18). Compreendida como um problema de ordem estrutural, a questão social se apresenta enquanto um desafio e inquietação. Se por um lado, foi revelada por quem vivia à margem da sociedade de consumo, que fez ecoar suas necessidades e formas de vida exploradas pela ordem vigente; por outro lado, fez suscitar nas instituições, a necessidade de construção de respostas emergentes aos conflitos hesitantes entre a classe que detinha os meios de produção (que por sua vez poderia exercer os ideais da Revolução) e a classe majoritária que, além de defender sua existência, manifestava o direito de viver nas mesmas condições de quem comprava sua força de trabalho. Vale destacar que quando se remete ao quadro originário da questão social, retratase o modelo de produção e reprodução das relações sociais, derivadas pela desigualdade de condições entre as classes. Inscrita em um momento histórico, sendo a questão social uma 5 Ver em COMAILLE, J. Les nouveaux enjeux de la question sociale. Paris Hachete. 1997. 10 inflexão desse processo, especialmente da produção e reprodução social, movimentos inseparáveis na totalidade concreta das condições de vida, de cultura e de produção de riqueza (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). As táticas de enfrentamento da questão social, segundo Iamamoto (2008), devem ter caráter universalista e democrático, tendo como ação prática a instauração das instâncias de controle social, estritamente vinculada à participação da população na aplicação, desenvolvimento e condução dos recursos públicos e políticas sociais. Implica partilha de poder, bem como a existência de outra ordem societária. Para tanto, a estratégia seria a articulação das políticas sociais no âmbito da sociedade civil organizada, com o fortalecimento dos sujeitos coletivos, dos direitos sociais e da necessidade da organização para a sua defesa. Além disso, implica a retomada do trabalho de base, com a aplicação de um tripé estratégico para sua afirmação, a partir da educação, mobilização e organização popular, consubstanciados em uma qualidade política participativa, na qual o ato coletivo se dá no campo do embate e na construção de uma democracia. A desigualdade social está inscrita na relação de exploração dos trabalhadores e as repostas engendradas pelas classes sociais e seus segmentos, a exemplo das políticas sociais, expressam-se na realidade de forma multifacetada através da questão social. E a partir da não inserção de um significativo número de indivíduos ao mundo do trabalho, a tendência é a expansão do exército industrial de reserva e o surgimento de uma superpopulação relativa em larga escala. A luta de classes irrompe, em todas as suas formas, expondo a questão social: de um lado, o medo (burguesia), do outro a insatisfação (proletariado), tendo como uma das suas principais refrações a pobreza, questão abordada no item a seguir. 2.1.2 - Pobreza: entre a Naturalidade e a Determinação A pobreza está em toda a parte, mas sua definição é relativa a uma determinada parcela da sociedade. Para Santos (2009), a pobreza é historicamente determinada e fazer comparações de diferentes séries, invariavelmente, leva a imprecisões que pouco contribui para seu deciframento. Afirma que a medida da pobreza é dada, antes de qualquer coisa, pelos adjetivos que a sociedade determinou para si própria, entendendo que definições numéricas e conceituais que a sociedade determina são inúteis, por ser a pobreza um fenômeno construído por fatores econômicos, políticos e sociais. 11 Portanto, a pobreza não pode ser percebida apenas como uma categoria econômica, mas política, acima de tudo. Neste sentido, trata-se de um problema social, ou, como afirma Buchanan6 (1972, apud SANTOS, 2009, p.18): O termo pobreza não só implica um estado de privação material como também um modo de vida – e um conjunto complexo e duradouro de relações e instituições sociais, econômicas, culturais e políticas criadas para encontrar segurança dentro de uma situação insegura. Portanto, apesar da pobreza sempre existir, sua complexificação e ou reconhecimento enquanto fato produzido se vincula ao aparecimento e ampliação do sistema capitalista. A sua maior manifestação - o pauperismo - é decorrente do período de implantação da Revolução Industrial. E a Inglaterra, primeiro país de base industrial, também foi o pioneiro no trato da pobreza, como um fenômeno social e não natural. O precursor na codificação da pobreza foi Townsend (1962), estudioso que alegava ser a pobreza e a sobrevivência conceitos relativos por estarem sua escassez ou existência vinculadas diretamente a uma época, a um grupo ou sociedade. No propósito de apresentar uma explicação para o surgimento da pobreza, Balsa (2006) aponta esta como fruto do sistema capitalista, destacando que, mesmo sendo seu criador, o ―[...] sistema social é incapaz de apresentar correções para a produção de suas próprias mazelas‖ (BALSA, 2006, p. 20). Para o autor, o próprio sistema funcionaria com base na produção de desigualdades, e das situações de pobreza e de exclusão sócia, que daí decorrentes. Nas percepções levantadas pelo autor acerca do fenômeno da pobreza existem três planos teóricos que buscam elucidar o surgimento ou as dimensões da pobreza e da exclusão social, sendo eles: No plano sócio histórico o encadeamento causal de processos que conduzem às situações de precariedade. A pobreza aparece assim explicada ao nível do próprio sistema social que se revelaria incapaz ou pouco eficiente na correção de algumas disfunções. No plano sócio institucional procuram dar conta das dinâmicas de produção da pobreza e da exclusão considerando a orientação dos dispositivos ou instituições em torno dos quais se produzem, no interior de uma formação social determinada, as relações sociais de desigualdade. No plano sócio antropológico procura-se dar conta, essencialmente, das formas como as situações se enraízam e se exprimem em situações e em percursos singulares, através do recurso as histórias de vida individuais, familiares ou de grupos. Procura-se, através destes estudos, interrogarem o modo como a pobreza e as suas dimensões se 6 Em Buchanan,I.Singapore in Southeast Asia,London,Bell and Sons,1972. 12 ancoram nas biografias de vida ou como são vividos e geridos os acontecimentos susceptíveis de gerar situações de pobreza ou de exclusão (BALSA, 2006, p.22). Os três planos apresentados pelo autor revelam o caráter multidimensional da pobreza, reforçando a necessidade das explicações que cercam o fenômeno estarem vinculadas a uma causa histórica, social e cultural. Assim, serão tratadas a seguir algumas abordagens vinculadas aos marcos teóricos que tentam no campo empírico entender como a pobreza surgiu e como vem sendo ―experimentada‖ pelos sujeitos. A respeito da pobreza, Malthus, citado por Schwartzman (2007), aponta para uma reflexão extremada de culpabilização. Sugere controle de natalidade, educação moral e ajustadora de comportamentos, considerando a erradicação da pobreza a partir da não existência do pobre. Tal leitura não considera a desigualdade e a mudança dos modos de produção, como fatores agravantes da pobreza, mas ligada ao aumento da população de pobres, tal como indicado a seguir: Para Malthus, a causa principal da pobreza era a grande velocidade em que as pessoas se multiplicavam, em contraste com a pouca velocidade em que crescia a produção de alimentos. O problema se resolveria facilmente se os pobres controlassem seus impulsos sexuais e deixassem de ter tantos filhos. Minorarlhes a miséria só agravaria o problema, pois, alimentados, eles se reproduziriam mais ainda. A melhor solução seria educá-los, para que aprendessem a se comportar; ou então deixá-los a própria sorte, para que a natureza se encarregasse de restabelecer o equilíbrio natural das coisas. Outra versão desta associação entre pobreza e indignidade era apresentada pelo Protestantismo, que via na riqueza material um sinal do reconhecimento, por Deus, da virtude das pessoas, e na pobreza uma clara marca de sua condenação (SCHWARTZMAN, 2007, p.14). Convencidos dos ideários evolucionistas, Malthus declara sua opção pela classe dominante e sugere medidas extremas para o controle e erradicação da pobreza. Em seus dizeres, o controle da pobreza se não fosse por uma ordem natural, seria então pela iniciativa de métodos controladores da população, por meio da combinação de controles positivos (como a fome, a miséria, as pragas, a guerra, que aumentavam a taxa de mortalidade,) e os controles preventivos (aqueles referentes à redução da taxa de natalidade, incluindo a esterilidade, a abstinência sexual e o controle de nascimentos), conforme salienta Hunt (2005). A partir da aplicação destes controles seria possível reprimir o poder superior da população e manter um coeficiente populacional compatível com a subsistência necessária. Para ele, se a riqueza de alguns aumentasse, a grande maioria reagiria, tendo 13 muitos filhos, e isso seria danoso à ordem social e, com certeza, recuaria o nível de vida à subsistência. Ademais, considerava que a diferença entre rico e pobre centrava-se no alto nível moral do primeiro e o baixo nível moral do segundo. Assim, por meio da contenção moral, a população seria contida pelo vício ou pela miséria e que ações públicas, como as "leis dos pobres", tendiam a piorar a situação dos pobres por contribuir para o aumento da população, tornando a quantidade de alimentos não suficiente para alimentar uma parte da sociedade mais útil. Neste contexto, a pobreza tomava a conotação de fenômeno que demanda estudos devido ao seu aumento e agravamento. Buscava-se averiguar se o aumento da pobreza e de sua forma extrema, o pauperismo, vinculava-se à questão natural, se era uma herança da sociedade anterior ou decorrência da nova sociedade, que se organizava com base no capitalismo (STOTZ, 2005). Em meio à transição do modo feudal para o sistema capitalista e mediante o surgimento de um elevado número de pessoas oriundas do meio rural (sem emprego e renda), bem como ao asseveramento da luta de classes, surge o pauperismo que representa na era capitalista a perda total da capacidade que a pessoa tem de prover seus mínimos necessários para garantia de sua sobrevivência. O processo desencadeado pelo capitalismo, após introduzir a base industrial, superando a base agrícola de subsistência, provocou, em escala planetária, uma mudança nos modos de vida das pessoas. A pobreza se asseverou em virtude da perda da condição de provimento das necessidades, pela queda na renda e pelo aparecimento do desemprego. Com o advento do desenvolvimento econômico e o processo de industrialização, erguido pelo sistema capitalista, aumentou-se a pobreza em virtude da perda do trabalho, meio pelo qual as pessoas tinham formas de subsidiar suas necessidades. Em decorrência disso, pode-se inferir que: O pauperismo que afetava milhares de pessoas em cidades industriais como Manchester, na Inglaterra, era dramático não apenas porque as pessoas não conseguiam assegurar por si mesmas os meios de sobrevivência, mas porque, tratando de homens e mulheres adultos aptos para o trabalho, elas ultrapassavam aquela categoria de pessoas que poderiam ser aceitas como miseráveis (viúvas e órfãos) e se tornavam igualmente dependentes do auxílio de outras pessoas ou da assistência pública por um período muito longo. Pauperismo é, portanto, a forma absoluta de que se reveste a pobreza no capitalismo (STOTZ, 2005, p.55). 14 Foi, portanto, a partir da Revolução Industrial, devido à expansão demográfica e ao processo de esvaziamento dos campos, que milhares de pessoas foram lançadas nas cidades ―[...] em condições extremas de privação e pauperismo que a pobreza passa a ser alvo de investigações, principalmente pelo governo inglês‖ (SCHWARTZMAN, 2007, p.91). Por outro lado, na perspectiva da sociologia clássica, no século XIX, buscou-se compreender a origem da pobreza a partir de dois pressupostos: o primeiro, sob a influência de Weber, possuía um cunho moral, entendendo ser a pobreza consequência da falta de ética no trabalho e sentido de responsabilidade dos pobres. O segundo, construído a partir da perspectiva marxista, considerava a pobreza um efeito inevitável do desenvolvimento da economia industrial e de mercado, que fez acirrar a luta de classes, comprometendo a sociabilidade, a partir do momento que o trabalho deixa de ser espaço para a satisfação das necessidades e passa, exclusivamente, a fabricar necessidades. Sem contar que neste sistema a acumulação é o espaço que detém a força de trabalho e a forma de manter as desigualdades. À luz da concepção marxista o processo de acumulação de capital ocorreu em direção oposta à equidade social. Não há espaço no mundo capitalista para condições de igualdade entre patrões e empregados. Uma vez instaurada a mais-valia, não há como reverter para a ampliação das capacidades através de um salário que colocasse trabalhadores com as mesmas condições de vida que a classe que os domina, por meio do salário. A superação da desigualdade e da pobreza só se daria a partir da aplicação de novos mecanismos de renda, políticas sociais e socialização dos meios de produção. Para Thompson (2005), o capitalismo era, inevitavelmente, um sistema de exploração, degradação, instabilidade, sofrimento e extremos grotescos de riqueza e renda. Pensava o teórico que a distribuição de riqueza era o determinante mais importante do grau de prazer e felicidade que poderia ser atingido pelos vários membros de uma sociedade e que aumentos iguais de riqueza resultariam, sucessivamente, em aumento de prazer. Além de defender que o tratamento igual para todos em uma sociedade também se reverteria em capacidades de sentir prazer e felicidade, entendia que a economia capitalista não era segura, pois: "A tendência do esquema vigente das coisas, no tocante à riqueza, é enriquecer uns poucos à custa da massa de produtores, tornar a miséria do pobre mais desesperada" (THOMPSON, 2005, p.150). 15 No capitalismo, o que há é uma busca aliada aos meios concorrenciais de dominação e opressão de uma maioria para satisfação e conforto de uma minoria. E, portanto, o processo de acumulação de riqueza geradora de pobreza implica em uma relação contraditória que não pode ser pensada sobre o prisma da equidade e/ou igualdade, mas, sim da desigualdade e da pobreza. Até mesmo porque não há segurança de renda e trabalho para os trabalhadores, uma vez que, a manutenção da ordem, muitas vezes, sustenta-se no crescente desemprego. Tal realidade caracterizou o início do século XX, quando mudanças no sistema econômico acabaram por reduzir postos de empregos e a crise mundial de 1929 colocou milhões de pessoas em situação de pobreza, independentemente de seus valores morais e éticos do trabalho. Nasce com esse episódio da economia mundial uma problemática que ganha conotação de problema de ordem não mais individual, mas social e estrutural: o desemprego, que acirra a relação entre Estado e sociedade, desnudando uma situação de apatia do Estado frente aos problemas oriundos da questão social. Neste contexto, os movimentos dos trabalhadores passam a exigir políticas sociais no âmbito do trabalho. A pobreza passa a ser interpretada como algo pertencente à identidade dos sujeitos, enquanto o desemprego era visto como um fenômeno estrutural temporário, ainda que, em muitos casos, esta situação de curto prazo acabasse sendo, na prática, permanente (SCHWARTZMAN, 2007). Para o autor, a pobreza na América Latina ganhou, nos anos de 1950 e 1960, nova discussão ora sob o rótulo de ―marginalidade‖, ou sob o olhar do pensamento marxista, da igreja católica ou do governo americano. Na primeira ótica, de inspiração marxista, tratava de interpretar os fenômenos da pobreza em termos do conceito de ―exercito industrial de reserva‖. Os pobres da América Latina, que se deslocavam em grande número dos campos para as cidades, repetindo de alguma forma, séculos depois, a transição demográfica da revolução industrial europeia, seria uma criação do próprio capitalismo, que dependeria de sua existência para manter seus altos níveis de lucro e exploração. Outra linha era a católica, que se confundia em parte com a marxista, porém, tinha um tom moralizador. A terceira vertente era a norte americana que acreditava ser a pobreza advinda de um atraso cultural e psicológico, que fazia com que as pessoas não tivessem iniciativa, não fizesse uso de seus recursos e não buscassem melhorar de vida. Tal linha pautava-se na concepção de que o sujeito por pertencer a uma categoria de excluídos, possuía um desvio de comportamento ético e psicológico e que não tinha esforço próprio de superação de suas dificuldades sendo o seu próprio algoz. 16 Para Schwartzman (2007), a pobreza tem se tornado nos últimos tempos um grande problema para os a países de base industrial, que, mesmo implantando propostas de enfrentamento à pobreza, não têm conseguido obter grandes resultados. Outra situação refere-se aos problemas relacionados à pobreza que se intensificaram, principalmente, com as crises do capitalismo e com o processo de globalização, que tem sido representante da capacidade de mudança e acumulação do próprio sistema, com aceleração da precarização das relações de trabalho. A pobreza traz em sua expansão a marca do sistema capitalista, pois, já se sabia que o espaço era insuficiente para todos trabalhadores agrícolas no mundo industrial, ou seja, que nem todos os sujeitos poderiam si inserir nos modos de produção, garantindo a acumulação e o lucro; além disso, não haveria possibilidade de adquirir renda e consumir se não houvesse o trabalho. Portanto, se a pobreza algum dia pode se vincular às questões naturais, com o advento do capitalismo, mais do que determinada por esse, ela é necessário à sua manutenção e ampliação. 2.1.3 - Pobreza sob dois Prismas: Unidimensional e Multidimensional Antes de iniciar a discussão da uni ou multidimensionalidade, considera-se necessário abordar algumas conceituações sobre pobreza de maneira que se possa compreender melhor este fenômeno sob esses prismas ou perspectivas. Para Rocha (2006), a pobreza é um fenômeno complexo, podendo ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada, podendo ser absoluto, quando vinculado às questões de sobrevivência devido ao comprometimento das necessidades básicas, e não provimento dos mínimos vitais; ou relativa, quando as necessidades a serem satisfeitas estão direcionadas ao modo de vida predominante na sociedade, o que implica delimitar um conjunto de indivíduos ―relativamente pobres‖ em sociedades onde o mínimo vital já é garantido a todos (ROCHA, 2006, p.11). Para Schwartzman (2007), a forma absoluta de medir a pobreza está ligada à busca de identificar as pessoas que estão abaixo de um padrão de vida considerado minimamente aceitável. E para medir a pobreza relativa, visam-se as pessoas que tenham um nível de vida baixo em relação à sociedade em que vivem. Assim sendo, No caso da pobreza relativa, trata-se de identificar as pessoas que se situam abaixo de um ponto qualquer na distribuição de renda, definido 17 arbitrariamente. No caso da pobreza absoluta, trata-se de identificar as pessoas cujos rendimentos são inferiores ao necessário para adquirir um conjunto mínimo de bens e serviços considerados indispensáveis. Uma variante em relação à pobreza absoluta é a chamada ―metodologia das necessidades básicas não satisfeitas‖ – nesse caso, trata-se de identificar as pessoas que, de fato, não conseguem satisfazer necessidades essenciais, como habitação, nutrição, educação, saúde, etc. independente da renda disponível (SCHWARTAZMAN, 2007, p.96). Autores, como Schwartazman (2007), Rocha (2006), Balsa (2006), entre outros, são unânimes em reconhecer que a pobreza possui características que se desenvolvem conforme o tempo e as relações sociais. Amparada pela mensuração monetária, tem sido revelada enquanto uma parcela da sociedade que convive com ausência ou escassez de renda. E, em determinadas sociedades e regiões, ela tem um caráter absoluto, agrupando a ausência de renda à não satisfação das necessidades vitais, comprometendo o desenvolvimento das famílias e sociedade, bem como os vínculos e sentimentos ligados à segurança e ao bem estar. Para ampliar esse entendimento, outro esclarecimento reforça que: Definição de pobreza, referida, primeiro, a padrões de necessidade fisiológicos fundamentais (pobreza absoluta) e, em seguida, a padrões médios de existência vigorando nas sociedades de referência (pobreza relativa). A qualquer dos níveis, trata-se, pelo essencial, de estabelecer um acordo sobre quais os indicadores que devem ser considerados na base das definições e quais indicadores que devem ser considerados às condições de existência, de proceder à sua medida (BALSA, 2006, p.27). Outro consenso entre os supracitados autores está no reconhecimento de que a base das definições de pobreza se vincula à desigualdade de condições, à falta de condições de suprimento dos mínimos necessários para a sobrevivência, como também às formas determinadas de viver em sociedade. O que resta é identificar dentro destas duas condições os indicadores que possam delinear quem é de fato pobre. Pobres são aqueles com renda situada abaixo do valor estabelecido como linha de pobreza, incapazes, portanto, de atender ao conjunto de necessidades consideradas mínimas naquela sociedade. Por outro lado, indigentes refere-se a um subconjunto de pobres, cuja renda não consegue atender sequer às necessidades nutricionais. Nas palavras de Stotz (2005), pobreza é algo simples de se interpretar se a situarmos em oposição à riqueza. Em termos quantitativos a pobreza pode ser medida a partir do número de pessoas que vivem com renda insuficiente para prover sustento e garantir qualidade de vida. 18 Em termos qualitativos, a pobreza, enquanto ausência de qualidade de vida, pode ser mensurada através da ausência dos aportes necessários e significativos para o alcance da cidadania, como equipamentos públicos que fortaleçam famílias em territórios7 marcados pela pobreza, como: educação, saúde, habitação, esporte, lazer, cultura, segurança, entre outros. Para entender a pobreza, enquanto o não atendimento das necessidades, é preciso considerar o padrão de vida estabelecido e de que forma as necessidades são atendidas em determinado contexto socioeconômico. Em última instância, ser pobre significa ter renda insuficiente e não dispor dos meios para operar adequadamente o grupo social em que se vive (ROCHA, 2003, p.10). No caso do Brasil, entende-se que: [...] a falta dessas condições é imediatamente associada à insuficiência de renda sob a forma monetária. Mas se insuficiência de renda pode ser considerada a característica principal da pobreza, o que se entende por esse padrão? Até que ponto existe consenso sobre o modo de vida numa determinada sociedade? (STOTZ, 2005, p.53). Como se vê, mesmo a literatura indicando que a capacidade de mensurar a pobreza deveria estar vinculada às condições monetárias e à satisfação das necessidades básicas, na realidade predomina a renda enquanto principal indicador da pobreza, revelando o não entendimento deste fenômeno como multidimensional. Entretanto, por ser um fenômeno tão complexo não pode estar relacionado a um único fator, isto é, para compreender a pobreza é preciso conectar fatores, como: renda, posse de ativos, riscos, privação da capacidade e de oportunidades sociais, exclusão social, participação, consciência. Conforme Carneiro (2005), pobreza enquanto um fenômeno asseverado com a maturidade do sistema capitalista compromete o desenvolvimento social e afetivo, gera fatores de risco para famílias e seus componentes, além de comprometer a qualidade de vida. Ao longo do século XX, especialmente com o fim do ―milagre econômico‖, foram realizados estudos com objetivo de uma melhor compreensão a respeito do fenômeno da pobreza. Nestes estudos datados da década de 1970, é possível identificar a presença dos dois núcleos: o primeiro que vincula a pobreza à ausência de renda 7 De acordo com Milton Santos (2007), o território é lugar em que se desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência. 19 (unidimensional) e o segundo que considera a pobreza a partir do não acesso a bens e serviços, voltado para as necessidades básicas (multidimensional). As análises empreendidas pela visão unidimensional da pobreza se amparam na máxima de que é por meio da renda que se pode aferir a capacidade dos sujeitos de assegurar suas necessidades e prover sua sobrevivência. Para Carneiro (2005), a principal vantagem do uso do enfoque baseado na renda consiste na possibilidade de se identificar o universo alvo da intervenção e gerar indicadores para a construção de ações de enfrentamento. Por outro lado, por considerar meramente o enfoque econômico, implica entender que para erradicar a pobreza bastaria distribuir renda entre os pobres, fato que nem sempre se observa dessa maneira. Na perspectiva multidimensional, a pobreza é entendida como o não acesso a outras circunstâncias que ampliariam a capacidade de se alcançar uma vida com qualidade. Os fatores determinantes da pobreza estão para além da ausência de renda e se vinculam à cidadania. Para referida autora, existem variáveis não monetárias que influem na condição de pobreza: as que dizem respeito ao acesso aos serviços básicos (educação, saúde, habitação, transporte, etc.) e as que mensuram processos de natureza psicossocial (participação, autoestima, autonomia, capacidades, dentre outras). Além de ser preciso mensurar a existência da pobreza a partir da satisfação das necessidades, considerando os produtos efetivamente consumidos, e não somente a renda. Essa linha de raciocínio, segundo Santos (2007), favorece a elaboração de uma cartografia da pobreza por regiões, que traduzem as condições de vida em diferentes territórios que estão localizados na disputa de poder, onde se vive, lugar onde as relações se desenvolvem, além de identificar as diferentes formas de pobreza em que estão inseridos os sujeitos. Mas, sua fragilidade estaria na dificuldade de ponderar valores para as necessidades básicas insatisfeitas, definir quais necessidades são as mais ou menos importantes ou na dificuldade de comparar regiões, sem levar em conta as especificidades de cada uma (CARNEIRO, 2005). A autora coloca os pontos positivos e negativos da abordagem multidimensional da pobreza: se, por um lado, ela é revelada a partir dos resultados efetivos, em termos de qualidade e condições de vida, uma vez que aponta a inter-relação entre as diversas carências; por outro, ela é deficiente, pois não contribuiria muito para a elaboração de ações de combate à pobreza, principalmente, por não sinalizar, de forma precisa, os fatores condicionantes da pobreza ou que estão envolvidos em sua reprodução. De outra forma, percebe-se que: 20 Como espetáculo, é transformada em paisagem que nos lembra a condição de país subdesenvolvido, mas que evoca as possibilidades de sua redenção pela via de um crescimento econômico capaz de brindar com seus benefícios os deserdados da sorte (TELLES, 2006, p. 8586). Na obra ―Desenvolvimento como Liberdade‖, Amartya Sen (2000) reforça que a pobreza é tida como um impedimento de relações sociais e de capacidades, que assevera o processo de exclusão em que estão inseridas as pessoas. A pobreza é definida como privação das capacidades, sendo pobres aqueles que carecem de capacidades básicas para operarem no meio social, que carecem de oportunidades para alcançar níveis minimamente aceitáveis de realizações, o que pode independer da renda que os indivíduos detêm. Assim, pobreza retrata ausências materiais e subjetivas no cotidiano das famílias. Como assinala o referido autor, a pobreza deve ser entendida como privação de capacidades e não ausência de renda. Posto isto, A pobreza deve ser vista como privação das capacidades básicas em vez de meramente como baixo nível de renda, que é o critério tradicional de identificação da pobreza. A perspectiva da pobreza com privação de capacidades não envolve nenhuma negação da ideia sensata de que a renda pode ser uma razão primordial da privação das capacidades de uma pessoa (SEN, 2000, p.109). Telles (2006) destaca ainda que ―[...] a redução da complexidade do que é a pobreza contribui para a sua naturalização, ou como considera Schwarz8, citado por Telles (2006, p.86); a pobreza muitas vezes dificulta a percepção pela sociedade de que a pobreza é horrível‖. Sua existência é histórica, mas seu agravamento e construção social se dão com a chegada do sistema capitalista. Asseverada sob os modelos econômicos e redimensionada a partir da perda do poder aquisitivo, com a chegada do desemprego a milhares de famílias, no último século, ela é entendida como um problema de ordem estrutural e se manifesta em todos os cantos do planeta. Segundo dados da ONU(2010), o número de pessoas que vivem em extrema pobreza aumentou em três milhões por ano, na última década, atingindo os 421 milhões em 2007, duas vezes mais do que em 1980. Os dados fazem parte do relatório de 2010, da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), sobre os países mais pobres do mundo, que traz um balanço dos dez anos de evolução 8 Ver Schwarz. Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo. 21 dos 49 países mais pobres do mundo, na sua maioria africanos, como Angola, Guiné Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. O texto salienta que, embora estes países tenham resistido à recessão, estão ainda imersos em ciclos de crescimento e retração. O documento coloca que, para se superar esse quadro, seria necessário modernizar e diversificar as suas economias, para reduzir a pobreza de forma sustentável. Esses dados não se restringem às condições meramente monetárias, mas referem-se às péssimas condições de vida, revelando que milhares de pessoas têm fome, e sede, estando entre os estratos mais débeis da sociedade, por não terem suas necessidades básicas satisfeitas. A renda é um fator essencial para a superação da pobreza, mas sua redistribuição não tem condições de suprir o hiato social que afasta brancos e negros, ricos e pobres, questões relacionadas à etnia e gênero e ao histórico quadro de desproteção social e ausência de empoderamento. 2.1.4 - A Relação Pobreza e Empoderamento Ao considerar o duplo caráter da pobreza — como fenômeno que envolve dimensões objetivas de falta de recursos, como também dimensões subjetivas relativas a valores e comportamentos —, é necessário alterar as condições limitadoras, investir no empoderamento, na autonomia, nas competências e na capacidade de autodesenvolvimento, visando à ampliação da capacidade de ação das pessoas para a superação da pobreza (BRONZO, 2008). De acordo com Young (1997), apud Santos, et. al. (2002), o conceito de empoderamento, do inglês ―empowerment”, pode ser descrito como a capacidade alcançada pelas pessoas de assumir o controle das suas próprias vidas, ganhando habilidade de realizar coisas, estabelecendo seus próprios compromissos e mudando atividades de maneira previamente definida. A referida autora, baseando em Carl et al (1992), destaca que o termo ―empowerment” tem sido utilizado, no mínimo de seis modos diversos, mas interrelacionados, que são: processo, sociedade, desempenho, percepção, filosofia e paradigma. O empoderamento como processo diz respeito há uma grande quantidade de experiências, encontros e eventos, que oferecem oportunidades às pessoas para utilizarem capacidades já existentes, bem como aprender novas competências. O 22 referido termo enquanto sociedade é construído por um número significativo de características interpessoais, incluindo reciprocidade, comunicação aberta, verdade, respeito mútuo e estilo de vida pró- ativo. Como performance, o termo enfoca o conhecimento e habilidades que são fortalecidas ou apreendidas, como resultado de oportunidade de capacitação. Sob o enfoque da percepção, o termo abrange uma variedade de crenças fenomenológicas, incluindo expectativas, controle pessoal e político, autoestima e motivação. No âmbito da filosofia, pode ser considerado como uma ideologia, características de comportamento adaptativo e não adaptativo. Por fim, como paradigma, o empoderamento pode ser compreendido como a promoção de modelos que enfatizam o desenvolvimento, crescimento e elaboração da competência e a capacidade das pessoas. Segundo Gohn (2004), a melhoria das condições de vida pode conduzir ao empoderamento individual, que tem como indicadores a autoestima, autoconfiança e autoafirmação. A Organização Mundial de Saúde (OMS, 1998, p.407) define empoderamento como: um processo social, cultural, psicológico ou político através do qual indivíduos e grupos sociais tornam-se capazes de expressar suas necessidades, explicitar suas preocupações, perceber estratégias de envolvimento na tomada de decisões e atuar política, social e culturalmente para satisfazer suas necessidades. Em um contexto mais amplo, como é o caso da sociedade, o empoderamento consiste em equilibrar as relações de poder em favor dos que têm menos recursos, de modo que o empoderamento tem relação direta com equidade (SEN, 1997). O empoderamento comunitário, por outro lado, não possui indicadores universais, podendo envolver empoderamento pessoal, desenvolvimento de pequenos grupos de apoio mútuo, organizações comunitárias, associações e ação social e política, focalizando a conquista e defesa de direitos, a influência na ação do Estado, com capacidade de demanda e interferência direta ou indireta da população nas decisões políticas. Outra questão ressaltada por Moore (2009) diz respeito à associação do empoderamento ao portfólio de ativos, que incorpora aspectos do papel das relações familiares, como elementos de empoderamento. O autor procurou entender como, em situações de crise, as famílias se comportam. Para isto, mapeou a capacidade dos pobres em usar seus ativos para enfrentar e reduzir sua vulnerabilidade. 23 Assim como destacam Mageste e colaboradores (2008), o empoderamento possui três níveis: o individual, o relacional e o contextual, como uma espiral que vai se ampliando e é interligada e circundada por relações de poder. Dessa forma, estão intimamente ligados, interferindo e exercendo pressões mútuas. Nesse sentido, modificações em um dos níveis podem gerar mudanças e adaptações nos demais e a ação de um acaba gerando reação de outro. A transformação na estrutura de poder que mantém esta estrutura é lenta e gradual, embora o processo de empoderamento possa se iniciar em qualquer dessas instâncias, só se completando quando consegue permear todas. Conforme Uphoff (1993) e Gohn (2004), as ações mais bem-sucedidas em prol do empoderamento são aquelas que, além de auxiliar os grupos excluídos a assegurar sua sobrevivência, ultrapassam a assistência social e buscam a mobilização junto a movimentos e redes mais amplas, com o objetivo de empoderá-los, procurando influenciar o processo político. Nessa perspectiva, o empoderamento, como processo e resultado, pode ser concebido como emergindo de um processo de ação social no qual os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros indivíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a construção da capacidade pessoal e social e possibilitando a transformação de relações sociais de poder. Neste estudo, o conceito de empoderamento foi visto como multidimensional (Quadro 1), ao retratar atitudes possíveis de identificação no comportamento familiar e de quem convive com elas . Sendo assim, buscou-se examinar o comportamento das famílias entre si, na comunidade e no trabalho, bem como o conhecimento das mesmas sobre o Programa Bolsa Família, das quais são beneficiárias. 2.1.5 - A pobreza no Brasil A pobreza no Brasil intensificou-se com o modelo desenvolvimentista adotado a partir da década de 1930. A partir da industrialização o país, de base agrária, teve uma repentina mudança de seus padrões de acumulação. Sua massa de trabalhadores refém da tecnologia e modernização passou a viver sem o trabalho, sendo forçados a sair da sua terra e ir para a cidade em busca de emprego, renda e demais condições que pudessem favorecer a sua sobrevivência. 24 Quadro 1 – Dimensões de empoderamento: Dimensão Econômica Arranjo Doméstico Comunidade Controle do rendimento, contribuição relativa Acesso ao emprego, propriedade para o sustento da família e o acesso ao da terra, acesso ao credito, controle dos recursos da família. envolvimento em redes comerciais locais. Sócio Cultural Liberdade de movimento, inexistência de Visibilidade acesso discriminação e comprometimento com a espaços educação dos filhos. redes familiares e sociais. nas tomadas de decisões Trocas sociais, Familiar/Inter Participação pessoal domésticas, controle sobre relações sexuais, matrimonio habilidades para tomar decisões. Legal de no aos transporte, sistema e de parentesco indicando valor e autonomia. Conhecimento dos direitos legais, suporte Mobilização para exercer tais direitos. comunitária por direitos, campanhas, anúncios e outros. Política Conhecimento do sistema político, Envolvimento ou mobilização engajamento político e exercício de direito. no sistema/politico local, representação nos órgãos de governos locais. Psicológica Autoestima, autossuficiência, bem estar Potencial de Mobilização. psicológico. Fonte: Elaboração dos autores, baseado em Malhotra et al (2002). As mudanças nos modos de produção e no padrão de acumulação, além de introdução tecnológica, contribuem para um contexto de pobreza e exclusão, que passa a interferir na dinâmica das famílias, aumentando as desigualdades e inviabilizando a superação de suas dificuldades. As crises favorecem a perda dos empregos, o aumento do desemprego, a queda na renda, a indigência e a miséria. A substituição produzida pela tecnologia e o crescente desemprego elevam a criminalidade e a violência (PASTORINI, 2007). De acordo com o entendimento de outro autor: Neste contexto a pobreza passa a não ser mais entendida como caso de polícia, mas uma situação estrutural oriunda do processo de industrialização. Tradicionalmente, a condição de pobreza era entendida como algo natural, inevitável e inerente a uma parcela significativa, senão a maior, da humanidade, mas só se tornava objeto de preocupação de governantes e 25 estudiosos dos fenômenos da economia e das populações quando os pobres, de alguma forma, saíam ou eram arrancados de sua situação de conformismo tradicional, e se transformavam em uma ameaça a ordem constituída (SCHWARTZMAN, 2007, p.91). Conforme Yazbek (1999), a violência da pobreza constitui parte da experiência diária da realidade brasileira contemporânea. As transformações oriundas do sistema capitalista vão deixando marcas exteriores sobre a população empobrecida. Sobre esse aspecto alerta a autora que: O aviltamento do trabalho, a moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a ignorância, a fadiga, a resignação, são alguns sinais que anunciam os limites da condição de vida das famílias empobrecidas e subalternizadas da sociedade. Sinais que muitas vezes expressam também o quanto a sociedade pode tolerar a pobreza sem uma intervenção direta para minimizá-la ou erradicá-la (YASBECK, 1999, p. 61). A referida autora aponta que a banalização da pobreza e da subalternidade em que vivem milhares de famílias no Brasil colabora para a despolitização da questão e coloca os que vivem a experiência da pobreza num lugar social que se define pela exclusão. A experiência da pobreza constrói referências e define o ―lugar no mundo‖, onde ―[...] a ausência de poder de mando e decisão, a privação dos bens materiais e do próprio conhecimento dos processos sociais que explicam essa condição ocorre simultaneamente a práticas de resistência e luta (YAZBEK, 1999, p. 63). No caso do Brasil, mesmo com todas as ações desenvolvidas na área social, com incremento de recursos públicos em programas de transferência de renda, o aumento do percentual de trabalhadores e dos níveis de escolaridade, o país manteve a mesma posição no IDH em 2010, 73 posição9 na escala mundial, desvelando que as ações públicas desenvolvidas conseguiram manter o índice de desigualdade, o que pode ser visto como algo positivo por um lado, a desigualdade no país não asseverou no período de 2005 a 2010 em virtude do incremento público, dos últimos anos, em saúde, educação e segurança. Por outro lado, indica que para o enfrentamento da pobreza será necessário maior rigor das políticas sociais. Para o economista Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais, filiado ao Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, a desigualdade no país está mais próxima do caso da perfeita desigualdade do que da perfeita equidade. Os índices de desigualdade no país subiram muito nos anos 1960, na época do milagre econômico, piorando ao longo das décadas até 2001. O período de maior redução da desigualdade centra-se de 2001 a 2008. Período marcado por mudanças decorrentes de 9 Dados coletados na Síntese de Relatório do Desenvolvimento Humano de 2010 – PNUD. Este dado se refere a mesma posição do país em no período de 2005 a 2010. 26 um governo que assumiu maior intervenção nos setores ligados ao trabalho, renda e política sociais. Porém, muita coisa ainda tem que ser feita principalmente quando os dados ainda revelam um total de 12 a 13 milhões de miseráveis no país. Observa-se que os principais componentes que estão contribuindo com a redução da desigualdade de renda no país estão: no aumento vertiginoso do emprego que no período de 2003 a 2009 gerou 9,2 milhões de emprego formais; a renda da previdência social, rebatimento direto do aumento dos empregados; e o outro é a renda proveniente de programas sociais, como o Bolsa Família. Esclarecendo melhor: O bolsa família atinge hoje 25% da população, cerca de 12,4 milhões de famílias, e o que é fantástico nesse programa é o seu baixo custo fiscal. Com apenas 0,4% do PIB brasileiro você beneficia 25% da população. Muitos falam que a Previdência é quase tão importante quanto o Bolsa Família. Só que cada real gasto com o Bolsa Família reduz a pobreza 384 vezes a mais do que a renda de Previdência. Ambas as opções têm importância para o mercado. Se tivéssemos feito uma escolha mais preferencial pelos pobres, a desigualdade poderia ter caído mais. Apesar disso, os 10% mais ricos do país concentram 43% da renda, há 12 anos era de 50%. Os 50% mais pobres tinham 10% da renda e passou para 15% (NERI entrevista ENSP, 2010). A mudança nos modos de produção, a introdução tecnológica, mudança no padrão de acumulação constituem um contexto de pobreza e exclusão que passa a interferir na dinâmica das famílias, aumentando as desigualdades e inviabilizando a superação de suas dificuldades. As crises favorecem a perda de emprego, a queda na renda, o aumento do desemprego eleva a criminalidade e a violência (PASTORINI, 2007). De acordo com o entendimento de outro autor, Neste contexto a pobreza passa a não ser mais entendida como caso de polícia, mas uma situação estrutural oriunda do processo de industrialização. Tradicionalmente, a condição de pobreza era entendida como algo natural, inevitável e inerente a uma parcela significativa, senão a maior, da humanidade, mas só se tornava objeto de preocupação de governantes e estudiosos dos fenômenos da economia e das populações quando os pobres, de alguma forma, saíam ou eram arrancados de sua situação de conformismo tradicional, e se transformavam em uma ameaça a ordem constituída (SCHWARTZMAN, 2007, p.91). Conforme Yazbek (1999), a violência da pobreza constitui parte da experiência diária da realidade brasileira contemporânea. As transformações oriundas do sistema capitalista vão deixando marcas exteriores sobre a população empobrecida. Sobre esse aspecto alerta a autora que, O aviltamento do trabalho, a moradia precária e insalubre, a alimentação insuficiente, a ignorância, a fadiga, a resignação, são alguns sinais que 27 anunciam os limites da condição de vida das famílias empobrecidas e subalternizadas da sociedade. Sinais que muitas vezes expressam também o quanto a sociedade pode tolerar a pobreza sem uma intervenção direta para minimizá-la ou erradicá-la (YASBECK, 1999, p. 61). A referida autora aponta que a banalização da pobreza e da subalternidade em que vivem milhares de famílias no Brasil colabora para a despolitização da questão, colocando os que vivem a experiência da pobreza num lugar social que se define pela exclusão. A experiência da pobreza constrói referências e define o ―lugar no mundo‖, onde ―[...] a ausência de poder de mando e decisão, a privação dos bens materiais e do próprio conhecimento dos processos sociais que explicam essa condição ocorre simultaneamente a práticas de resistência e luta (YAZBEK, 1999, p. 63). No Caso do Brasil, mesmo com todas as ações desenvolvidas na área social, com incremento de recursos públicos em programas de transferência de renda, o aumento do percentual de trabalhadores e dos níveis de escolaridade, o país manteve a mesma posição no IDH em 2010, 73ª posição10 na escala mundial, desvelando que as ações públicas desenvolvidas conseguiram manter o índice de desigualdade; o que indica, por outro lado que para o enfrentamento da pobreza será necessário maior rigor das políticas sociais. Para o economista Marcelo Neri11, do Centro de Políticas Sociais, filiado ao Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas afirma que a desigualdade no país está mais próxima do caso da perfeita desigualdade do que da perfeita equidade. Os índices de desigualdade no país subiram muito nos anos 1960, na época do milagre econômico, piorando ao longo das décadas até 2001. O período de maior redução da desigualdade centra-se de 2001 a 2008, influenciado Período marcado por mudanças decorrentes de um governo que assumiu maior intervenção nos setores ligados ao trabalho, renda e política sociais. Porém, muita coisa ainda tem que ser feita principalmente quando os dados ainda revelam um total de 12 a 13 milhões de miseráveis no país. Observa-se que os principais componentes que estão contribuindo com a redução da desigualdade de renda no país estão: no aumento vertiginoso do emprego Dados coletados na Síntese de Relatório do Desenvolvimento Humano de 2010 – PNUD. Este dado se refere a mesma posição do país em no período de 2005 a 2010. 11 Entrevista realizada pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz) em 23/06/2010. Disponível em: www4.ensp.fiocruz.br/radis/93/03.htm.consultado em 15/08/2013. 10 28 que, no período de 2003 a 2009, gerou 9,2 milhões de emprego formais; a renda da previdência social, em função do rebatimento direto do aumento dos empregados; e o outro é a renda proveniente de programas sociais, como o Bolsa Família. Esclarecendo melhor: O bolsa família atinge hoje 25% da população, cerca de 12,4 milhões de famílias, e o que é fantástico nesse programa é o seu baixo custo fiscal. Com apenas 0,4% do PIB brasileiro você beneficia 25% da população. Muitos falam que a Previdência é quase tão importante quanto o Bolsa Família. Só que cada real gasto com o Bolsa Família reduz a pobreza 384 vezes a mais do que a renda de Previdência. Ambas as opções têm importância para o mercado. Se tivéssemos feito uma escolha mais preferencial pelos pobres, a desigualdade poderia ter caído mais. Apesar disso, os 10% mais ricos do país concentram 43% da renda, há 12 anos era de 50%. Os 50% mais pobres tinham 10% da renda e passou para 15% (NERI entrevista ENSP, 2010). Em relação à questão da renda, a proporção daquelas que viviam com até ½ salário mínimo, em 2009, era de 22,9%. É importante mencionar que, do total de famílias de baixa renda em todo o País, quase a metade vive na Região Nordeste (48,5%) que concentra o maior índice de desigualdades de renda além de extremas diferenças territoriais como o acesso aos serviços públicos, emprego, renda, escolaridade e alimentação. O IPEA destaca três momentos na redução da desigualdade social entre 1995 e 2009, no Brasil: no primeiro (de 1995 a 2001), há uma estabilidade, sem mudanças na distribuição nem na renda média; no segundo (de 2001 a 2005), fica clara uma tendência de queda da desigualdade, embora sem mudança expressiva na renda média; e no terceiro (de 2005 a 2009), o Brasil, diz o IPEA, passa a ter ―grandes aumentos de renda‖, paralelamente a uma queda sustentada da desigualdade. Para o IPEA, os dados divulgados de 2010 alertam que a pobreza está vivendo uma redução desde 2003 e divide a pobreza no país em três faixas: meio salário mínimo de 2009 (R$ 232,50); linha de pobreza quando da criação do programa Bolsa Família (R$ 100,00, em 2004); e a linha de pobreza extrema também à época da criação do Bolsa Família (R$ 50,00 em 2004). De acordo com o IPEA houve uma mudança nos últimos anos quando o assunto é redução da pobreza. Para o Instituto considerando o valor da renda em meio salário mínimo de 2009, a pobreza caiu 64% em relação a 1995; por outro lado, no caso da linha de R$ 50,00 a pobreza caiu 44% em relação a 1995. A respeito da geração de emprego no país os dados revelam que o Brasil gerou 8,6 milhões de empregos formais desde 2007, marca recorde alavancada por um ciclo de forte crescimento econômico. O IBGE, por sua vez, informou que o desemprego no 29 país em agosto de 2010 ficou em 6,7%, o menor nível desde março de 2002, quando teve início a pesquisa. A população desocupada (1,6 milhão de pessoas) ficou estável na comparação mensal, mas caiu 15,3% em relação a agosto de 2009. A população ocupada (22,1 milhões), que são os brasileiros que possuem algum tipo de trabalho, se manteve estável na comparação mensal e cresceu 3,2% (691 mil postos a mais) no ano. O número de trabalhadores com carteira assinada (10,2 milhões) ficou estável no mês e cresceu 7,2% (ou em 685 mil) no ano. Apesar do decréscimo da desigualdade, os dados sobre a pobreza ainda indicam o grau de vulnerabilidade em que estão inseridas parcela significativa da população. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais (IBGE, 2010), mais da metade da população brasileira vivia, em 2009, com uma renda mensal de menos de um salário mínimo, sendo o mínimo da época equivalente a R$ 465. A pesquisa considera que, dos 191,2 milhões de brasileiros, 56,8% tinham renda familiar entre zero e R$ 465. Das pessoas residentes em domicílios particulares, a pesquisa mostra que 29% viviam com menos de R$ 232,50 (meio salário mínimo). Em relação ao grupo que ganha de um a dois salários mínimos (R$ 930,00), o número de pessoas chegava a 22,5% da população. Outros 15,8% ganhavam a partir de dois salários mínimos; enquanto 2,3% da população não tinham renda alguma e 3,2% não declararam quanto ganhavam. Em valores, o grupo formado pelos 10% mais ricos tinha renda média de R$ 3.293,08, segundo a pesquisa do IBGE. Na ponta de baixo da pirâmide, os 10% mais pobres ganhavam R$ 82,28 por mês – ou 40 vezes menos do que o rendimento dos ricos. Comparando com o valor do salário mínimo, os 10% mais ricos ganhavam 7,08 salários, enquanto os pobres levavam uma fatia de 0,18 do mínimo. Os altos índices de desigualdade se concentram na renda que incide em déficits na escolaridade dos componentes da família. Para o IBGE, a partir dos dados apurados pelo SIS, as desigualdades estão diminuindo no que diz respeito ao acesso ao sistema educacional, mas o nível do rendimento familiar ainda é uma fonte de desigualdade importante, sobretudo nos ciclos de ensino não obrigatórios. No período entre 1999 e 2009, a educação infantil (0 a 5 anos de idade), foi o nível de ensino que mais cresceu em termos de frequência (de 32,5% para 40,2%); mas, nessa faixa etária, apenas 30,9% das mais pobres frequentavam creche ou pré-escola, se comparado com os mais ricos esse índice chega a 55,2% entre os 20% mais ricos. 30 Na faixa dos 6 a 14 anos, que corresponde ao ensino fundamental, o acesso à escola (97,8% em média) era praticamente igual em todos os níveis de rendimento. Na faixa de 15 a 17 anos (82,6% em média), a diferença entre os mais pobres (81,0%) e os 20% mais ricos (93,9%) chegava a quase 13 pontos percentuais. Para o grupo de 18 a 24 anos (31,3% em média), essa diferença era de 26 pontos percentuais e, mesmo entre os 20% mais ricos, metade dos jovens (49,6%) frequentava estabelecimento de ensino. Entre os jovens de 15 a 24 anos, quase 647 mil, o que correspondia a 1,9% eram analfabetos, e a maioria deles estava no Nordeste (62%), vindo em seguida o Sudeste (19%). Em se tratando da renda, os índices de desigualdade foram reduzidos apesar do hiato entre pobres e ricos. A desigualdade de renda caiu entre 1999 e 2009, em decorrência da melhora no mercado de trabalho e do incremento dos programas de distribuição de renda, como o PBF e o BPC-LOAS, que vêm contribuindo para uma redistribuição interna entre as diversas partes componentes do rendimento familiar total. Para o IBGE o incremento de outras rendas na família possibilitou essa reversão de valores, pois foi significativo o aumento das chamadas ―outras fontes‖, em detrimento dos rendimentos provenientes do trabalho. Entram nesse grupo os ganhos vindos de aposentadoria, de pensão, de programas de previdência ou de assistência social, como os programas oficiais de auxílio educacional (como o Bolsa Escola) ou social (Renda Mínima, Bolsa Família, entre outros), conforme SIS (2010). Para as famílias extremamente pobres com renda per capita de até um quarto de salário mínimo (R$ 116,25), os rendimentos de ―outras fontes‖ representavam 28% do total da renda familiar em 2009, ao passo que, em 1999, essa participação era de apenas 4,4%. Isso se dá em função a implantação do Programa de Renda Mínima no inicio dos anos 2000 e, posterior pela sanção do Programa de Transferência de Renda tendo como carro chefe o Programa Bolsa Família – PBF. As outras , segundo IPEA, advêm dos trabalhos informais e do PBF e demais programas ligados à transferência de renda. Ao fazer a análise dos dados quanto à distribuição de renda o maior índice de desigualdade no país ainda se concentra no Nordeste - cerca de 76,5% da população de 53,8 milhões de pessoas ganhavam até um salário mínimo; 70,2% dos 15,5 milhões de pessoas estavam nesse grupo, no Norte; e 53,6% dos 13,9 milhões de brasileiros estavam nessa faixa, no Centro-Oeste. A pobreza e a desigualdade são fenômenos no país que estão disseminados; entretanto, em algumas regiões tem maior incidência, corroborando a afirmação do 31 IBGE de que a pobreza se vincula às características regionais, tanto que os indicadores de condições de vida referentes à população residente na região Nordeste são sistematicamente menos favoráveis do que aqueles registrados no Sudeste (SIS, 2010). Na região Nordeste existe maior prevalência das famílias com renda de até 1/ 4 salário mínimo, ou seja, as famílias em extrema pobreza se localizam em maior proporção nas regiões com maiores dificuldades de acesso as políticas sociais e onde as condições de vida são mais precárias, em função detrimento da falta de emprego e renda. A região só perde o seu destaque quando a renda ultrapassa os cinco salários mínimos. Neste caso a região Sudeste está acima até mesmo do país como um todo. No Brasil, país classificado como intermediário12, a pobreza absoluta persiste em virtude do valor da renda ser insuficiente para garantir o mínimo essencial a todos e tem nem algumas regiões maior incidência, como é o caso da Região Nordeste. De acordo com o Comunicado do IPEA nº60 – Desigualdade de renda no território brasileiro (2010) prevalecem diferenças significativas entre as grandes regiões do país. Entre 1996 e 2007, o coeficiente de Gini13 decaiu 3,6% na região Norte (de 0,83 para 0,80) e 4,8% no Nordeste (de 0,84 para 0,80). Na região Sudeste, a queda no grau de desigualdade de riqueza territorial no mesmo período foi de 1,1% (de 0,90 para 0,89), na região Sul, de 2,5% (de 0,81 para 0,79); e de 1,2% na região Centro-Oeste (de 0,86 para 0,85). Quanto ao grau de desigualdade medido pelo PIB per capita dos municípios brasileiros, constata-se que seis estados da federação sofreram elevação entre 1996 e 2007: Rio de Janeiro, de 42,4% no índice de Gini; Espírito Santo, com 26,5%; Mato 12 Segundo Rocha (2006), existe três grupos que distingue os países no que diz respeito à pobreza. No primeiro se classificam os países nos quais a renda nacional é insuficiente para garantir o mínimo considerado indispensável a cada um de seus cidadãos. Desse modo, a renda per capita é baixa e a pobreza absoluta inevitável, quaisquer que sejam as características da distribuição da renda. O segundo grupo é formado por países desenvolvidos, onde a renda per capita é elevada e a desigualdade de renda entre os indivíduos é em grande parte compensada pela transferência de renda e pela universalização de acesso a serviços públicos de boa qualidade. Nesses países, as necessidades básicas já são atendidas, de modo que o conceito de pobreza relevante é necessariamente relativo, definido a partir do valor da renda média ou mediana. O terceiro grupo de países se situa numa posição intermediária. Nesse caso, o valor atingido da renda per capita mostra que o montante de recursos disponíveis seria suficiente para garantir o mínimo essencial a todos, de modo que a persistência de pobreza absoluta se deve a má distribuição de renda. 13 O coeficiente de Gini varia de zero a um e, quanto mais próximo de 1, maior a desigualdade. Trata-se da medida de concentração mais frequentemente aplicada à renda, à propriedade fundiária e à oligopolização da indústria. Mede o grau de desigualdade existente na distribuição de indivíduos, segundo a renda domiciliar per capita. Seu valor varia de 0, quando não há desigualdade (a distribuição de renda é perfeitamente igualitária), a 1, quando a desigualdade é máxima (apenas um indivíduo detém toda a renda da sociedade e a renda de todos os outros indivíduos é nula). Site do Estado de São Paulo - consultado em 22/08/2013. 32 Grosso, com 14,4%; Minas Gerais, com 8,8%; Maranhão, com 2,6%; e São Paulo, com elevação de 2,4%. Conforme estes dados verifica-se que a desigualdade em algumas regiões permanece e em outros Estados tem diminuído em virtude de maior incremento de renda, trabalho e serviços públicos, fatores essenciais para o enfrentamento das desigualdades sociais; porém, conforme revela o Comunicado do IPEA, nº60 (2010), é preciso que ações estatais se atentem às especificidades das regiões, bem como, suas dificuldades relacionadas ao clima, à migração e imigração, dentre outros. As políticas públicas de desconcentração produtiva e descentralização dos gastos e investimentos públicos mostram-se fundamentais embora insuficientes, caso não ocorra o desenvolvimento de uma política nacional de desenvolvimento regional e local. Para além do aumento dos investimentos em infraestrutura, passando pelo fortalecimento e enriquecimento do valor agregado das cadeias produtivas, deve prevalecer o planejamento articulado e integrado do desenvolvimento nacional nos planos regional e local. (IPEA 2010, p.18). A forte concentração da produção da riqueza nacional em alguns municípios, estados e regiões e a expressiva assimetria territorial na participação dos municípios na formação do Produto Interno Bruto colaboram para que a desigualdade assuma várias dimensões. Os indicadores relacionados pelo Relatório de Desenvolvimento Humano (2010) estão concentrados na esperança de vida que traduz o investimento na área de saúde, na escolaridade e perspectiva de rompimento da baixa escolaridade. Uma inovação do Relatório é a criação do Índice de Pobreza Multidimensional - IPM. O Chile, não apresenta esse dado. Mesmo a Argentina, país que implantou as políticas de acesso aos serviços básicos, tem um índice de PM de 0,011 inferior ao do Brasil que chega a 0,39. Nesta perspectiva, para a superação do índice em que o país está inserido seria preciso aumentar o acesso das pessoas pobres aos serviços sociais, uma relação sustentada por extensos indícios microeconômicos. A forte correlação entre a situação socioeconômica e a saúde reflete, com frequência, a vantagem relativa das pessoas mais abastadas na obtenção de acesso aos serviços de saúde, educação e serviços sociais. Outro aspecto relevante nos dados é que mesmo o Brasil não tendo avançado na superação da desigualdade, pois se manteve na 70º posição em 2010, o fato de ter mantido o índice revela que a desigualdade ficou estacionada. 33 Entretanto, a desigualdade social no Brasil ainda é um desafio para economistas, cientistas políticos e demais profissionais, em virtude da qualidade dos serviços de saúde, educação e alimentação e outros ofertados para a população demandatária de proteção social. Além de ter que garantir o acesso dos sujeitos a estes serviços e satisfazer as necessidades básicas para a superação das suas incapacidades, implica ainda na estruturação de políticas que possibilitem não apenas a distribuição de bens e serviços, mas a redistribuição de renda. Compete indagar: Como reverter o quadro de desigualdade de renda e satisfazer as outras necessidades que colaborariam para a efetivação de quadro social mais satisfatório? 2.1.6 - Breves reflexões sobre Indicativos para o enfrentamento da Desigualdade e da Pobreza Considerando a capacidade de mudanças do estado de pobreza, em função do seu caráter mutável, conforme o tempo, o espaço e sociedade, cabe destacar vários fatores têm colaborado para o aprofundamento e acirramento da pobreza na vida social, conforme constata o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM): Cerca de 1,75 milhões de pessoas dos 104 países cobertos pelo IPM (um terço da sua população) vive em estado de pobreza multidimensional – ou seja, com pelo menos um terço dos indicadores a refletir privação grave na saúde, na educação ou no padrão de vida. Isto excede a estimativa de 1,44 mil milhões de pessoas desses países que vivem com um máximo de USD 1,25 por dia (embora esteja abaixo da proporção que vive com USD 2 ou menos). Os padrões da privação também diferem dos da pobreza de rendimento em aspectos importantes. • A África Subsaariana tem a mais elevada incidência de pobreza multidimensional. O nível varia entre um mínimo de 3% na África do Sul e uns enormes 93% no Níger; a proporção média de privações varia entre os 45% (no Gabão, no Lesoto e na Suazilândia) e os 69% (no Níger). Contudo, metade dos multidimensionalmente pobres de todo o mundo vive no Sul da Ásia (51% ou 844 milhões de pessoas) e mais de um quarto vive em África (28% ou 458 milhões de pessoas) (RELATÓRIO IDH, 2010). O IPM além de trazer as principais privações nas mesmas três dimensões (escolaridade, longevidade e renda) que compõem o IDH, mostra o número de pessoas que são pobres (que sofrem um dado número de privações) e o número de privações com as quais as famílias pobres normalmente se debatem. Pode ser decomposto por região, etnia e outros grupos, bem como por dimensão, o que faz dele uma ferramenta válida para os formuladores de políticas. O indicador traz algumas considerações relevantes a respeito das formas de pobreza, bem como das dificuldades que as pessoas 34 têm enfrentado em seu cotidiano. Os índices relevam que a saúde e a educação são as principais privações enfrentadas pelas pessoas em países que pertencem ao continente africano. Além de terem dificuldade de acesso a alimentação, trabalho e renda. (PNUD, 2010). Enfim o índice de Pobreza Multidimensional apresenta as condições de vida das populações. E a pobreza multidimensional altera decisivamente as condições de vida, mobilidade e sociabilidade, por estar diretamente vinculado à qualidade de vida e ao bem estar. Assim como o IPM, o IDH é um instrumento importante para a apreensão da pobreza e sua multidimensionalidade, uma vez que, os dois trabalham com indicadores relacionados saúde, renda e educação, entre outros. Em relação à desigualdade indicam que a sociedade tem a ganhar se concentrar os seus esforços em reformas na promoção da igualdade. O Índice de Pobreza Multidimensional elevado que coincida com uma baixa pobreza de rendimento sugere que há ganhos significativos com a oferta de serviços públicos básicos (RELATÓRIO do IDB, 2010). Wanderley (2004) apresenta, após estudos em documentos da CEPAL, Banco Mundial e do Projeto Regional de Superação da Pobreza da PNUD (1990-1992), alguns indicativos que contribuiriam para o enfrentamento da pobreza e, consequentemente, para solucionar ou minimizar os efeitos da questão social. São eles: A proposta da cláusula social, que é a vinculação entre acordos comerciais e o respeito a normas trabalhistas fundamentais pelos países firmantes. Diz respeito essencialmente aos países que não respeitam os direitos trabalhistas básicos, nos quais os produtos feitos são mais baratos. No plano nacional, ela se expressa também pela recusa de empresas de efetuar negócios com quem mantém trabalho infantil. A criação de uma agência mundial com capacidade de regular o sistema financeiro e combater a especulação e lavagem de dinheiro, que exige um sistema jurídico normatizador com autoridade suficiente. A ampliação das redes de cooperação e solidariedade internacional, que reduzam a dependência dos mercados internacionais e valorizem a diversidade das culturas humanas. O reconhecimento, para fins de remuneração dos trabalhos domésticos não pagos das mulheres. A implementação de medidas de redução da jornada de trabalho – e a discussão maior aqui se centra na manutenção ou não do mesmo salário anterior – e de nova divisão do tempo de trabalho. O reconhecimento do ―direito de ingerência‖ uma instituição /autoridade mundial ( a ONU ou em outra instancia a ser criada ) em Estados que não respeitem os direitos humanos. A criação de taxa sobre percentagem da riqueza dos países centrais, ou sobre os países que não tomarem medidas antipoluidoras, remetidas a um Fundo Social Mundial que Combate à Pobreza. 35 O estabelecimento de campanhas mobilizadoras (do tipo da Campanha pela vida e contra a Fome, no Brasil), que sensibilizem as populações envolvidas na eliminação da miséria e no combate a pobreza, como algo prioritário na agenda da sociedade. O fortalecimento do poder local, entendido como um lugar efetivo de relações democráticas na política, capaz de criar e dinamizar práticas democratizadoras (como orçamento participativo) e de garantia de sobrevivência (como a renda mínima) A criação de um sistema de renda universal, aplicável a cada cidadão no seio de cada Estado. A recuperação da importância da família como lugar de busca das condições materiais de vida, de pertencimento na sociedade e de construção de identidades, principalmente nas experiências de insegurança, perda de lugar na sociedade e de ameaça de pauperização trazidas pelo desemprego (WANDERLEY, 2004, p.148-151). O autor coloca, nestas linhas, importantes estratégias que devem ser assumidas pelo Estado e pela sociedade para o enfrentamento da questão social e da pobreza. Ele não descarta a possibilidade destas se constituírem no campo da utopia, mas, pondera que há possibilidades efetivas desde que assumido um compromisso social ativo. Destaca que se faz necessário integrar elementos objetivos e subjetivos expressos na participação individual e coletiva de transformação social. Ações concretas devem fazer parte desse cotidiano marcado pela pobreza e desigualdade para que outro mundo seja possível. Destarte, a vida das pessoas em qualquer nação ou cultura pode alcançar um nível de qualidade de vida tendo a garantia de acesso aos bens e serviços que favoreçam sua emancipação e autonomia. Mas, o sucesso não é garantido e os percursos para a promoção do desenvolvimento humano são variados e específicos das condições históricas, políticas e institucionais de um país. Para Wanderley (2004), a construção de ações específicas e voltadas para os contextos locais e privados, como é o caso da família, é essencial. Porém, defende também a adoção de ações que possam ser implantadas mundialmente, como proposta para se superar a pobreza absoluta, eticamente inaceitável na atualidade. Segundo a Síntese do Relatório do Desenvolvimento Humano de 2010 algumas ações deveriam ser tomadas para o devido enfrentamento da pobreza nos países, tendo como prerrogativa máxima a defesa da vida. Nesse sentido, as estratégias propostas pela autora de estruturar ações direcionadas à família em virtude dela ser uma instituição de importância na formulação de comportamentos, normas e formação da identidade dos seus componentes, mostram que esta deveria estar na pauta do dia de gestores e governantes. 36 A família por ser a primeira instituição socializadora demanda a existência de políticas, instrumentos e equipamentos que a fortaleçam cotidianamente para a superação das adversidades de ordem econômica, social, cultural e política, garantindo dessa forma que ela se constitua como espaço de cuidado e proteção. Diante deste contexto, o item a seguir aborda sobre o escopo das políticas sociais, como forma de enfrentamento da pobreza. O Quadro 2, a seguir apresentado, traz uma síntese histórica das políticas sociais brasileiras do período de Vargas ao governo de Fernando Henrique Cardoso. Quadro 2- Princípios Organizadores das Políticas Públicas no Brasil Período Resultados esperados das políticas Integração social e nation building Primeira era Vargas – 1930 a 1945 Ampliação da participação Populismo (19451960) Redistribuição Crise do Populismo (1960-1964) Autoritarismo burocrático (1964 1967) 2º período - 1967-1973 Modernização conservadora Crescimento sem redistribuição Redistributivíssimo conservador: ―redistribuição with Growth ―(Banco Mundial); primado da desigualdade social sobre a pobreza absoluta no debate público‖―. Reformismo socialdemocrata: universalismo, descentralização e transparência. Distensão e transição (1974-1984) Incorporação tutelada das massas urbanas à sociedade de oligarquia; a construção de uma ordem institucional que permitisse a incorporação dos novos atores à arena política Submeter as políticas à lógica do mercado político; políticas como moeda de troca política Expansão organizacional do aparato público das políticas; reformas de base permitem superar o desenvolvimento social e a estagnação; ‖socialismo ou subdesenvolvimento‖ Submeter as políticas públicas à lógica de mercado; reformismo conservador; expansão dos complexos empresariais de provisão de bens e serviços sociais; desenvolvimento social como trickle down do crescimento. Expansão acelerados complexos empresariais de provisão dos bens e serviços sociais, como opção moderadamente redistributiva. Cesarismo Reformista: reformas como imperativos de ―governabilidade‖ Governo Collor – entrada do neoliberalismo Principio Organizador das Políticas Públicas Nova República Instituir a Boa governança; ação Governo Fernando pública como fixação de regras do Henrique Cardoso jogo estáveis e universalistas; primado da pobreza absoluta sobre a desigualdade no debate público FONTE: Elaboração própria com base em Melo (2007) Redesenhar políticas tornando-as mais eficientes, democráticas e redistributivas; ênfase no modus operandi das políticas, eliminação do mistargeting. Reestruturação ad hoc e pouco consistente das políticas: focalização, seletividade, e redefinição do mix público-privado das políticas. Focalização, seletividade e redefinição do mix público co-privado das políticas; restaurar as bases fiscais das políticas; políticas compensatórias dos custos sociais da estabilização. 37 Elaborado a partir de Mello (2007), os princípios que sustentaram a proteção social brasileira e sua forte relação com o desenvolvimento econômico que, inexoravelmente, contribuiu para o acirramento do conflito entre as classes sociais em virtude da desigualdade do acesso aos recursos socialmente produzidos, acumulação de riqueza para uma pequena parcela da população. Para o autor, o desenvolvimento das políticas sociais por cerca de 70 anos esteve direcionado ao desenvolvimento econômico. Com a chegada da década de 1980, mesmo que para o contexto econômico foi a década mais inflacionária, deixou como grande legado a aprovação da Constituição Federal em 1988, maior documento de defesa de uma sociedade justa e igualitária, democrática e cidadã, onde os direitos sociais são postos à toda sociedade. Mas o fato da luta dos movimentos da década 1980 terem alcançado essa conquista não representou que a sociedade futura possibilitaria sua materialização. Assim, ficou o desafio para o novo século de implantar e efetivar todos os direitos sociais ali inscritos. A efetivação da política social no campo da proteção às famílias, caracterizada pela complexidade e contraditoriedade que cerca as relações entes familiares e com outras esferas da sociedade, especialmente o Estado, colocam desafios tanto em relação à sua proposição e formulação quanto à sua execução (PNAS, 2004, p.42). 2.1.7 – Políticas Sociais para o enfrentamento da Pobreza Com a chegada da década de 1990, o Estado brasileiro passa por uma desorganização dos serviços sociais públicos, em consequência dos cortes no orçamento público. Nesses novos tempos de era globalizada e neoliberal em que se constata a retração do Estado no campo das políticas sociais, amplia-se a transferência de responsabilidades para as famílias, contrariando o desenho de proteção da Constituição Federal. Se considerar que neste contexto os direitos expressos na Constituição Brasileira não são acessados é sinal que a existência deles precede de uma recriação das desigualdades, não se pautando apenas na vinculação profissional, mesmo porque por esta via seria impossível a universalização após a revolução tecnológica que ―possibilitou‖ o desemprego estrutural, criando um contexto de diferenças sociais com outra clivagem que transforma em não cidadãos todos que escapam à regra do contrato – no caso o trabalhador (TELLES, 1998). 38 Segundo o referido autor, é, nesta perspectiva, que no escopo das políticas sociais tem sido gestada pobreza. Segundo Telles (1998), esse é o lugar dos não direitos e da não cidadania. É neste lugar de ausência de proteção social que a pobreza vira ―carência‖, a justiça se transforma em caridade e os direitos em ajuda, e que o indivíduo tem acesso não por sua condição de cidadania, mas pela prova de que está excluído. As famílias em extrema pobreza no campo das políticas sociais têm experimentado essas condições, estão como aqueles que têm o ―mérito da necessidade‖ para que as políticas sociais, de forma incipiente, focalizada e diretiva, cheguem até suas relações. Noutros termos, segue a orientação que: Uma relação perversa que o Estado estabelece com as pessoas que cria a figura do necessitado, que faz da pobreza um estigma pela evidência do fracasso do indivíduo em lidar com os azares da vida e que transforma a ajuda numa espécie de celebração pública de sua inferioridade, já que o seu acesso depende do individuo provar que seus filhos são desnutridos, que ele próprio é um incapacitado para a vida em sociedade e que a desgraça é grande o suficiente de merecer a ajuda estatal (TELLES, 1998, p.95). O Estado enquanto agente da proteção tem transformado o indivíduo dentro do âmbito de suas responsabilidades em destituídos, ―desfiliados‖. A política social que deveria criar os indicativos de restauração da dignidade, enfrentar e erradicar a pobreza e toda a forma que limite as capacidades dos indivíduos, transformando os indivíduos em sujeitos de direito, tem os subjugado, contribuindo para a manutenção da situação vivenciada. Considerando que as desigualdades se manifestam na família o Estado sob a ótica políticas sociais teria que processar a proteção social advinda das instituições públicas às famílias para que as mesmas possam retransmiti-las de forma eficiente e qualitativa para os seus. O processo desencadeado no país com a chegada do século XX, especialmente ao final da década de 1990, quando um amplo conjunto de políticas sociais passa por uma revisão em decorrência da Constituição de 1988 é, segundo estudos diversos, um marco neste processo, pois leva à promulgação de legislações que reafirmam o dever do Estado na regulação da vida social. Entretanto, pouco se avançou em virtude do contexto neoliberal que se asseverou no país e que não possibilitou a devida institucionalização do Sistema de Proteção Social brasileiro. A retomada social destinada a reverter o quadro de desigualdade, pobreza e fome (idealizada por Herbet de Souza por meio do movimento pela cidadania e aliado ao Instituto Cidadania, criado na década de 1990) veio em decorrência das mobilizações no 39 tocante à política de transferência de renda defendida pelo então Senador Eduardo Matarazzo Suplicy. O Senador de posse do projeto de Lei leva até a Câmara do Senado a discussão a respeito da necessidade do país implantar um Programa de Transferência de Renda articulado às políticas sociais, que pudesse dar uma nova diretriz para o país. Assim, em 1991, é sancionado o Programa Garantia de Renda Mínima. A defesa dos programas de transferência de renda está balizada pela defesa da vida, uma vez que a sua garantia estaria estritamente vinculada à justa participação na riqueza socialmente produzida. Nesta perspectiva foram criados os programas Bolsa Escola em 2000, sob a coordenação do Ministério da Educação, que recebeu a aplicação de dois terços do imposto de renda arrecadado; o Programa Bolsa Alimentação, o Auxílio-Gás, entre outros. Na sequência, algumas experiências em municípios foram implantadas como o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima nas prefeituras de Campinas/SP e Ribeirão Preto/SP; o Programa Bolsa-Escola de Brasília/DF e o Programa ―Nossa Família‖ de Santos/SP (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004). As autoras acreditavam que todos estes programas tinham como público as famílias pobres e foram considerados propulsores de um novo Sistema de Proteção Social no país. Essa avalanche de programas tem como foco a pobreza e, especialmente, traz a conexão das políticas sociais (educação, saúde e trabalho) que podem romper com o ciclo de pobreza que compromete a vida e reproduz a pobreza. Entretanto, essa discussão só teria vazão em 2001, quando após longos cinco anos de descaso com o sistema de proteção social e fortalecimento das políticas econômicas, em seu segundo mandato, o Governo Fernando Henrique Cardoso propõe criar uma ―rede de proteção social‖, cujo carro chefe seria os programas de transferência de renda direta a famílias pobres, ou seja, os programas considerados na categoria de Renda Mínima (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004). Esses programas vinculados ao Programa de Garantia de Renda Mínima buscava sua legitimidade na Constituição Federal que determina a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais. O público específico destes eram os indivíduos e famílias pobres, atendidos por meio da transferência de uma renda mínima, como mecanismo a ser atribuído para aqueles que não conseguem satisfazer suas necessidades básicas, portanto, voltados para as famílias pobres com crianças, não eram acessíveis a todas as famílias. 40 O Programa Fome Zero elaborado pelo Instituto Cidadania, em 2001, formulou uma Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional para a população brasileira. Tal Programa se sustentava pela defesa do direito à vida que mais tarde passaria a compor o quadro de prioridades do novo Governo Federal, o de Luiz Inácio Lula da Silva, que assume no ano de 2004 as ações de enfrentamento e combate a fome. Por meio da substituição do Ministério de Assistência Social pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o governo efetiva algumas ações de enfrentamento à pobreza como ação política. Tal programa apresentou potencialidades e limitações, partindo do pressuposto que há, no mínimo, dois níveis de críticas referentes a essa política social. A primeira seria uma crítica abrangente e referente ao seu papel no modo de produção capitalista, considerando que nenhuma política social pode ter o caráter de garantia plena da equidade social, cumprindo basicamente com a acumulação e reprodução da ordem social (NETO, 1993). A segunda crítica, sem desconsiderar a primeira, traz para o plano do debate a contraditoriedade das políticas sociais, pois ao passo em que legitimam a ordem hegemônica, também são conquistas dos trabalhadores. Sendo assim, esta crítica pretende apontar como e em que, no atual contexto de avanço da ofensiva neoliberal, essas conquistas historicamente obtidas, incorporadas na LOAS e na Constituição Federal de 88, estão sendo desmontadas, precarizadas e perdidas, o que para as lutas sociais vem se configurando como um retrocesso. Para melhor elucidar esse debate, sobre a crítica mais abrangente das políticas sociais, sustenta-se nas análises de Faleiros (1991) e Vasconcelos (1988). O primeiro autor discute as funções das políticas sociais no sistema capitalista, apontando seis elementos fundamentais que as caracterizam: manutenção da ordem social, reprodução das desigualdades; valorização e validação da força de trabalho; contra tendência à baixa tendencial da taxa de lucro e função ideológica, além de abordar que as políticas sociais, em grande escala, podem ser classificadas empiricamente como de assistência privada, realizadas por doações e por instituições filantrópicas, sendo a assistência vista como transferência de renda e os serviços sociais com caráter contributivo. Com esses elementos, o referido autor argumenta que as políticas sociais aparecem num contexto contraditório, pois ao passo em que são respostas às reivindicações dos trabalhadores e apresentam-se como suas conquistas, são também 41 mecanismos de legitimação da ordem hegemônica do capital, e que contribuem com a acumulação em contexto de expansão produtiva. Na discussão de Vasconcellos (1988) há também a preocupação em compreender as políticas sociais na sociedade capitalista. Contudo, o autor levanta duas observações importantes para analisar as políticas sociais, alertando para as diferentes ênfases e polarizações: por um lado, a busca para descobrir os objetivos econômicos, ou seja, uma visão unilateral da ação estatal que enfatiza os elementos econômicos das políticas sociais, ressaltando a redução do custo da reprodução da força de trabalho, a manutenção de um mercado de consumo e a reprodução de exército industrial de reserva; e, por outro lado, a necessidade de desvendar os objetivos políticos, ou seja, uma análise também unilateral da ação estatal, que enfoca a regulação do conflito capital-trabalho e dos demais conflitos sociais, a legitimação da ordem hegemônica e do esvaziamento da luta de classes. Em ambos os casos, há coerência na argumentação; portanto, as analises não consideram o elemento de contraditoriedade da sociedade capitalista, cuja intervenção do estado assume características de legitimação da ordem hegemônica associando os elementos políticos, econômicos e sociais, assim como essas políticas sociais são indiscutivelmente conquistas dos trabalhadores, resultados ou respostas das suas reivindicações. Esse ponto de partida é imprescindível para a compreensão das políticas sociais nessa sociedade em que vivemos. Para tanto, Vasconcellos (1988) levanta dois eixos centrais, apresentando as causas e consequências do crescimento da intervenção estatal e o debate sobre a natureza do Estado capitalista moderno, discutindo onze teses de análise das políticas sociais sob a luz da perspectiva marxista. O segundo nível de crítica, referenciado nos debates acima citados, destaca que as políticas sociais são elementos de legitimação e reprodução do capital, assim como também representam, em alguma medida, conquistas dos trabalhadores (por exemplo, a CLT, a Constituição Federal de 88, a LOAS etc.). Aponta que, no contexto de avanço da ofensiva neoliberal, com a retirada substantiva do Estado no enfrentamento das manifestações da questão social, ocorre a precarização, esvaziamento e perda dos direitos sociais já garantidos. Vale ressaltar a preocupação com uma análise que reconheça os limites e as contradições postas pelo sistema capitalista; assim como, considerar as armadilhas ideológicas postas pelo discurso ―solidário‖, que podem reforçar as premissas neoliberais. 42 No ano de instalação do Programa Fome Zero, em 2001, os programas de transferência de renda do país são reorganizados incorporando todos os programas de transferência de renda ao denominado Programa Bolsa Família. A unificação dos programas de transferência de renda veio para sanar a sobreposição de ações entre os já existentes programas, visando superar: a ausência de uma diretriz geral que pudesse concentrar os esforços para a otimização dos recursos públicos, garantindo maior efetividade a esses programas; a ausência de um planejamento gerencial nos programas causada pela ausência de uma referência; a falta de estratégias mais amplas que garantissem a autonomia das famílias após o desligamento dos programas; a conectividade e fragmentação dos programas, a existência de um corpo técnico com alta mobilidade, o que dificultava, significativamente, todo o processo e, principalmente, uma rotina de descontinuidade das ações, marcada pela limitada interlocução eficiente entre as esferas de poder, dentre outras. Com base nestas avaliações a equipe do Governo Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu a criação de um Programa de Transferência de Renda Unificado a partir da superação de alguns entraves, como: correção das incoerências e complexidades do Cadastro-único; revisão do papel da Caixa Econômica Federal; padronização da renda familiar mediante uma per capita definida para o ingresso das famílias nos programas, atualização do público alvo potencial dos programas; rediscussão da conveniência da contrapartida municipal e retorno de informações através de um arrojado banco de dados para os municípios (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004). Estas situações apresentadas no relatório de transição elaborada pela equipe do Governo Federal subsidiaram a unificação dos cadastros e a utilização de um cartão único. Para Silva, et al. (2004) a justificativa da unificação dos Programas de Transferência de Renda, mediante a criação do Bolsa-Família , situa-se no âmbito da prioridade de combate à fome e à pobreza, representado, no entendimento de Renda, ao incluir a perspectiva da responsabilidade partilhada entre União, estados e municípios num único programa. Outras considerações relevantes para ampliar o entendimento das propostas desse Programa são reforçadas pelos autores a seguir: O Bolsa-Família é considerado uma inovação no âmbito dos Programas de Transferência de Renda por se propor a proteger o grupo familiar como um todo; pela elevação do valor monetário do benefício; pela simplificação que representa e pela elevação de recursos destinados a programas dessa natureza, de modo que, 43 segundo os idealizadores do Programa, não há possibilidade de diminuição da transferência monetário em relação ao benefício então prestado por qualquer dos outros programas (SILVA; YAZBEK; GIOVANNI, 2004, p. 137). Nesta perspectiva pode-se inferir que as inovações que o Bolsa-Família traz (e ou propõe) nos possibilitam afirmar que talvez pela primeira vez na história do Brasil foca-se, de fato, o enfrentamento da pobreza no âmbito nacional como objeto de intervenção estatal, com implantação de mecanismos de avaliação e monitoramento das ações estatais. Destaca-se ainda sua capilaridade com os outros programas e políticas sociais (Saúde, Assistência Social e Educação) e com a política de geração de emprego e renda, com reflexos sobre a desconcentração da riqueza socialmente produzida. As famílias beneficiárias são classificadas segundo a sua renda per capita que diz da sua condição de pobre (per capita de R$ 154, 00 reais) e extrema pobreza (per capita inferior a R$77,00 reais). No que tange ao período político de 1930 a 1980, verifica-se certa ausência de avaliação e monitoramento das ações do Estado sob o Sistema de Proteção Social Brasileiro, em virtude do contexto conservador e seletivo do próprio Sistema. Destacase que foi durante o período da Ditadura Militar que a maioria das políticas sociais no Brasil se expandiu; contudo, com o objetivo de manter o poderio militar do que de garantir direitos sociais. O Governo de Luiz Inácio Lula da Silva priorizou o combate à fome e à pobreza, além de iniciar um processo de avaliação e monitoramento do Sistema de Proteção Social Brasileiro mais democrático, acompanhado pela sociedade civil, partindo dos Conselhos de Direitos e de Políticas14 Sociais, até agências de pesquisa, universidades e institutos. As ações implantadas têm um efeito direto nas condições de vida das pessoas, porém, em se tratando de redução da desigualdade o incremento da renda passa a ser um meio para alcançar melhores patamares de vida, uma vez que, a transferência de renda deve estar aliada a outros condicionantes, como: garantia e acesso às políticas sociais de saúde, educação, cultura, habitação, melhorias habitacionais, saneamento básico, fornecimento de energia, geração de trabalho e renda, formação e aperfeiçoamento da mão de obra disponível, valorização e respeito à cultura, entre outros, que podem 14 O controle social pós 1988 partindo da sociedade para o Estado, tem sido uma construção árdua no país. Partindo do princípio que a Constituição Federal de 1988 coloca que a participação popular é um dos condicionantes da Democracia ele tem sido presente nos últimos tempos. Acompanhando e fiscalizando os serviços sociais implantados e desenvolvidos pelos Governos (União, Estado, Distrito Federal e Municípios). 44 contribuir para superar a pobreza por garantir o acesso das pessoas a melhores condições de vida. Entretanto, considera-se, como sinaliza Silva, Yazbek e Giovanni (2004), que a articulação das políticas públicas no tocante às questões relacionadas à superação da pobreza e da fome são essenciais neste processo. Reconhecem que as estratégias do Estado que possam vincular o âmbito econômico ao social podem reverter o quadro de desigualdade brasileiro. Ainda, reconhecem que a transferência de renda aliada à inserção no campo da proteção social por meio do acesso às políticas sociais (educação, saúde, assistência social) poderá construir um novo caminho no campo da proteção social brasileira. Para Sposati (1997), o que está em questão é um padrão básico de inclusão social que contenha a ideia da dignidade e da cidadania. E, nesta perspectiva, o Sistema de Proteção Social Brasileiro pressupõe a integralidade econômica e social, sob essa lógica, as políticas devem ser articuladas de modo que as famílias possam acessar certa autonomia perante a pobreza. Para Carvalho (2005), as atenções prestadas às famílias são extremamente conservadoras no âmbito das políticas sociais, inerciais e só justificáveis no contexto tutelar dominante. A autora considera que os programas, historicamente direcionados para as famílias se davam num plano de tê-la enquanto uma desconhecida. Ou como afirma Telles (1999), uma paisagem. Para a autora, a atenção no Brasil direcionada às famílias converge para uma instituição em abandono e não os seus resultantes: crianças precocemente internadas em abrigos, meninos e meninas de rua, adolescentes em prestação de medidas socioeducativas. Para Mioto (2000), os cuidados direcionados às famílias e seus segmentos no âmbito das políticas públicas devem implicar totalidade. Os problemas e as soluções não podem ser vistos de forma isolada, nem contidas dentro de um único espaço (família, instituições) ou de uma área específica (saúde, assistência social, educação). E não comportam leituras que reduzam tais questões a qualquer um dos aspectos que as compõem, sejam eles de natureza social, econômica, cultural, política, ética, jurídica. Para a autora, o trabalho das políticas sociais e de seus agentes (psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, entre outros) integra em três níveis: o da proposição, articulação e avaliação de políticas sociais; o da organização e articulação de serviços; e o da intervenção em situações familiares. 45 A superação da pobreza na vida familiar requer uma agenda pública de proteção à convivência familiar por meio da oferta de serviços sociais amplos, dinâmicos, vinculados a uma lógica de integralidade entre as políticas sociais e às demandas dos seus usuários. Uns dos desafios colocados para a administração pública é articular de forma descentralizada e intersetorializada ações que promovam a inclusão social tendo como premissa a qualidade de vida, intervindo e dando respostas aos problemas concretos que incidem sobre uma população em determinado território. 2.1.8 - Cenário de Inserção da Proteção Social no Brasil As transformações ocorridas no século XIX e início do século XX no contexto internacional e pelas mudanças políticas internas provocaram alterações de ordem política e social positivas no Brasil, produzindo, contraditoriamente, uma espécie de bem estar social periférico. Se nos países de base industrial as políticas sociais são resultados das contradições entre as classes e da mobilização da classe trabalhadora, livres da dependência econômica e do domínio colonialista, o sistema de bem estar social brasileiro herdou características em função de sua herança colonial e da aliança entre os setores econômico e público. A proteção social no Brasil não se apoiou firmemente no pilar do emprego de Keynes, modelo adotado nos países de capitalismo avançado, pautado em serviços sociais universais, nos quais prevalece uma proteção social que ainda não enfrentou, como resultado da própria ineficiência das políticas sociais, a pobreza do segmento majoritária da população. Possui, invés disto, políticas sociais fragmentadas e seletivas, pautadas na lógica do seguro que, devido exatamente à fragilidade das instituições democráticas nacionais, teve seus momentos de expansão em períodos contraditórios e cerceadores da implantação da cidadania. Mesmo porque, constituíram-se instrumento muito mais de controle e coerção, do que de garantia de direitos. Conforme Pereira (2008), os avanços significativos no campo da proteção social ocorrem em meio ao desenvolvimento dos governos autoritários. A autora esclarece que: um padrão nacional de proteção social com as seguintes características: ingerência imperativa do poder executivo; seletividade dos gastos sociais e da oferta de benefícios e serviços públicos; heterogeneidade e superposição de ações; desarticulação institucional; 46 intermitência da provisão; restrição e incerteza financeira (PEREIRA, 2008, p.126). Na avaliação da autora é possível inferir que neste contexto adverso, três motivos podem ter colaborado para o ―aprimoramento‖ da proteção social. a) Os governos autoritários procuravam ―mostrar serviço‖ para justificar sua ação interventora, anunciada como revolucionária; b) Encobrir a dureza do regime de exceção; c) Distribuir bens e serviços para não ter que distribuir poder (PEREIRA, 2008, p.126). O desenvolvimento das políticas sociais no Brasil não pode ser entendido deslocado do tempo histórico no qual foi gerado. Traz no seu interior marcas do populismo e desenvolvimentismo implantado no período de 1930 a 1964; da modernização conservadora, que vigorou de 1964 a 1985; do processo de luta pela democracia de 1985 até 1999; e, do fim da década de 1990 à chegada do século XXI, marcado pela condução neoliberal. De maneira geral, mesmo reconhecendo a importância da promulgação da Constituição de 1988 para a legitimação das políticas sociais, historicamente as ações do governo não resultaram em um enfrentamento efetivo da pobreza. A política social se restringiu às medidas tópicas de ajustamento às contradições que se agudizavam. A pobreza, neste contexto, se acumulou e as respostas dadas pelo Estado se direcionavam a uma parcela ínfima do montante daquela que demandava intervenção. No campo social, é somente a partir da década de 1980 que o enfrentamento da pobreza passa a compor de forma mais efetiva os planos de ação do Estado. Neste momento o desenvolvimento social assume característica de compromisso político. O período compreendido entre 1980 a 1990 foi importante para as mudanças no campo das relações políticas, econômicas e sociais. No campo político a luta pela democracia e defesa do voto fez a queda do governo militar ser algo possível. No campo econômico foi um período marcado por grande recessão, aumento da pobreza e inflação. No campo social, conquistas foram efetivadas a partir de uma ampla e coesa mobilização nacional em defesa de uma sociedade mais livre e mais justa, onde políticas sociais (Saúde, Previdência, Assistência, Educação, dentre outras) passam ser responsabilidade do Estado, assegurados na Constituição Federal. Desse modo, se no espaço da disputa política o contexto era promissor, no campo econômico o país passava por uma grave crise financeira, com uma 300% de inflação ao ano, aumento do desemprego e queda nos rendimentos, que provocaram o aumento da pobreza. Como afirma Couto (2008), neste período o Brasil vive algumas 47 inquietações no que se refere ao processo de reorganização política e social, a saber: ampliação da desigualdade em virtude do quadro econômico herdado do período desenvolvimentista e pelo Golpe Militar seguido de 20 anos de ditadura; aumento vertiginoso da pobreza devido ao expressivo investimento no desenvolvimento econômico comandado pelo governo militar, que teve como resultado má distribuição de renda e aumento da parcela da população demandatária de políticas sociais, uma vez que as ações de cunho assistencialistas e paliativas não enfrentaram a questão social. A década de 1990 tem como marco a eleição do primeiro presidente eleito por voto direto pela população após vinte anos de ditadura no país. Fernando Collor de Mello foi eleito para governar o país no período de 1990 a 1994. De posse do discurso arrojado, de ―salvador da pátria‖, ―amigo dos pobres‖ e ―caçador de marajás‖, todo esse contexto afinava-se com um projeto de Estado Social Democrata, mas suas iniciativas foram implementadas na esteira do projeto neoliberal (COUTO, 2008). No tocante ao campo social foi realizado um verdadeiro desmonte do sistema de proteção social brasileiro, principalmente em relação à Seguridade Social. Para Pereira (2000), o governo Collor fragilizou e comprometeu todo o processo de luta travado em defesa da proteção social e, neste caso, O governo reiterou a tentativa da administração passada de desvincular os benefícios previdenciários e da Assistência Social do valor do salário mínimo; relutou em aprovar os planos de benefícios e a organização do custeio da seguridade social; vetou integralmente o projeto de lei que regulamentava a assistência social, e represou por vários meses, a concessão dos benefícios previdenciários (PEREIRA, 2000, p.163) As ações do governo Collor além de ter atrasado o avanço da proteção social brasileira através dos vetos, feria a democracia até ali construída. Porém, foi também sua passagem pelo governo brasileiro que reafirmou o poder da democracia, pois após amplas denúncias de corrupção e saque do dinheiro público, Collor não encerra o seu mandato devido ao histórico impeachement que o tirou do poder. Porém, antes disso, conseguiu instaurar um modelo neoliberal de gestão caracterizado por processos de privatizações; abertura econômica para capitais estrangeiros; retomada do processo inflacionário e minimização dos gastos públicos governamentais na área social. Com a saída de Collor assume Itamar Franco, cujo governo também centrou as atenções no projeto econômico, na tentativa de conter o déficit público e a inflação. Neste ínterim surge o Plano Real, sob a coordenação do então Ministro da Fazenda 48 Fernando Henrique Cardoso, objetivando garantir a estabilidade dos preços com incremento de crescimento no mercado; modernização como redefinição da estrutura produtiva nacional; integração econômica e globalizada; desregulamentação do setor produtivo, redefinindo o seu papel como administrador de políticas macroeconômicas e de produção de bens sociais e de políticas sociais compensatórias (COUTO, 2008). No que concerne o campo social, o foi no governo de Itamar Franco que a Lei 8742 que dispõe sobre a Lei Orgânica de Assistência Social foi sancionada para a regulamentação do Artigo 20315 da Constituição Federal de 1988. Entretanto, isso não representou o abandono de práticas clientelistas, paternalistas e populistas. O legado do governo Itamar para a área social vincula-se a herança institucional de outros governos, poucas ações ou quase nulas no sentido de viabilizar o acesso e garantir serviços que contribuíssem para referendar os direitos sociais contidos na Constituição de 1988. Promovido pelo plano real de 1993, Fernando Henrique Cardoso é eleito presidente e cumpre mandato de 1995 a 1999. Seu governo continuou priorizando o controle da inflação e a manutenção da estabilidade da moeda. Sua luta maior empreendida foi a reforma do Estado, prioridade vinculada aos paradigmas teóricos neoliberais (COUTO, 2008). O governo do referido presidente foi executado sob a chancela das Medidas Provisórias, que tinha como estratégia a aplicação da urgência e emergência e facilitava a aplicação de suas intenções e diretrizes sem que isso representasse para o público descompromisso com a Constituição Federal e, com isso, mantinha a sociedade afastada das decisões governamentais. Vale destacar que a entrada do neoliberalismo contribui para a uma retração maior do Estado no tocante ao enfrentamento das expressões da questão social, por meio de reduções no orçamento público para ações voltadas ao campo social. Um dos exemplos clássicos foi o fortalecimento do primeiro damismo por meio da ―Casa da Dinda‖, instituição vinculada a Presidência que coordenava as ações no campo social. 15 Art. 203 - A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho; IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei (Constituição Federal, 1988). 49 De baixo impacto social as políticas sociais não apresentaram outra perspectiva interventiva que não fosse de forma assistencialista e focalizada, além de convocar a sociedade a assumir as lacunas estatais no tocante à proteção social. O auge da retomada da filantropização da questão social no país se dá com a implantação do Programa de Comunidade Solidária, programa estatal desenvolvido no governo de Fernando Henrique Cardoso que transferiu para a sociedade a execução de projetos e programas de enfrentamento a pobreza. Para Silva, Giovanni e Yazbek (2004), a lógica adotada pelo Estado, impressa pelo legado neoliberal, fez com que o Estado rebaixasse ainda mais sua responsabilidade social, quando esta demanda o atendimento das necessidades sociais das classes majoritárias. A transferência de responsabilidade impetrada na política brasileira assevera a desigualdade ao passo que não enfrenta suas refrações e contribuí para o acirramento das expressões da questão social e aparecimento de outras dimensões da pobreza. O contexto neoliberal desconsidera os problemas sociais e passa a interpretar a realidade como se ela fosse destituída de antagonismos de interesses, sendo homogeneizada por uma realidade que é complexa e heterogênea. (SILVA, GIOVANNI E YAZBEK, 2004, p.25). No campo social sob a égide do neoliberalismo, vive-se: retração do Estado, minimização dos investimentos públicos na área social, privatizações e abertura ao capital estrangeiro, ficando o social relegado à solidariedade. Ao adotar uma política econômica com diretrizes dos mercados internacionais a avaliação do governo Fernando Henrique Cardoso para a área social é desastrosa: aumento da concentração de renda, desemprego estrutural, desmonte dos direitos trabalhistas, privatizações, apoio ao discurso da geração de mais empregos por meio da adoção da flexibilização e terceirização, reformas na constituição de 1988 no tocante aos direitos sociais, aumento da pobreza e da miséria. O sistema de proteção social brasileiro ficou, portanto, permeado de fragilidades, marcado por programas seletivos e verticalizados que tinham ações pontuais e não intervinham nas causas dos problemas. Assim, a superficialidade das ações do Estado corroborou para o agravamento da questão social, fazendo surgir e asseverar a desigualdade, a pobreza e a exclusão social. Diante deste contexto, verifica-se que os progressos sinalizados na Constituição Federal não estavam livres das determinações do pensamento político conservador; pois, mesmo o cenário sendo propício à democracia e cidadania, as práticas ainda 50 mantinham um lastro de conservadorismo e assistencialismo. Esses fatores prejudicaram o grande alcance que a Constituição Federal se propunha. Ou seja, não houve uma retomada das reformas na década de 1990 em decorrência das restrições econômicas do período e sua consequente limitação orçamentária. 2.2- Caracterização do Programa Bolsa Família e suas Interfaces Neste tópico, procurou-se apresentar um panorama do Programa Bolsa Família em nível nacional, apresentando os programas que o compõem, metas, princípios, conteúdos, atores sociais envolvidos e suas funções, conforme previsto pelo Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. A partir do histórico dos Programas de Transferência de Renda, buscou-se entender as bases de origem do Programa Bolsa Família no Brasil. 2.2.1- Contexto Histórico de Implementação dos Programas de Transferência de Renda Em meados da década de 90, algumas estratégias institucionais forma traçadas a fim de garantir que os programas sociais atingissem a população mais vulnerável, vítimas da pobreza e desigualdade social (SENNA et al., 2007). Tais estratégias institucionais forma baseadas em diretrizes estabelecidas pelos organismos multilaterais, como: Banco Mundial, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID conforme Macedo e Brito (2004). Entre as orientações consideradas para o redesenho das políticas sociais foram destacados o ajuste fiscal e monetário, determinantes para a redução dos gastos sociais dos Estados, resultando em princípios de seletividade e focalização dos públicos-alvo dos programas: pessoas e famílias mais vulneráveis (SIMIONATTO; NOGUEIRA, 2001 apud MACEDO; BRITO 2004). No contexto de emergência dos programas de transferência de renda no Brasil, esses programas significam o incentivo ao acesso a politicas universais, como os da saúde e de educação, ou seja, as políticas de transferência de renda são transversais às políticas estruturantes fundamentais para a diminuição da vulnerabilidade social; ponto fundamental de defesa, inclusive, à implementação expansão dessas políticas. 51 O debate sobre a introdução e implantação de programas ou transferência de renda no Brasil pode ser descrito de acordo com Silva et al. ( 2006), em cinco etapas ou momentos. A primeira etapa envolvia a introdução de um programa de renda mínima na erradicação da pobreza no país se deu em 1975, quando Antônio Maria Silveira publicou um artigo intitulado ―Redistribuição de Renda‖. De acordo com Suplicy (2003), em 1978, Bacha e Unger defenderam em uma publicação conjunta, a renda mínima e a reforma agrária como os principais instrumentos para a construção de uma sociedade mais igualitária. Em 1978, Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger publicaram um livro defendendo uma garantia de renda mínima através do imposto de renda negativo, junto com a reforma agrária, como os principais instrumentos para a construção de uma sociedade mais igualitária. O economista Paul Singer e eu, durante da década de 80, debatemos várias vezes com os líderes do Partido dos Trabalhadores ( PT – fundado em dez de fevereiro de 1980) que deveríamos introduzir uma garantia de renda mínima como um objetivo do Programa Nacional. ( Suplicy, 2003, p.68). Em 1991, o senador Eduardo Suplicy apresentou e teve aprovado seu Projeto de Lei nº 80/91, que previa a instituição de um Programa de Renda Mínima para o Brasil. O Senador Suplicy justificou a importância de seu projeto, entre outras coisas, pois, através deste, seria possível cumprir a Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 3º, que trata da erradicação da pobreza de forma transparente, direta e eficaz. Reconheceu que não seria fácil fazê-lo sem o aumento dos tributos, mas apontou a possibilidade: É possível desde que haja determinação para cortar as despesas, transferir recursos e suprimir incentivos que existem em nome dos pobres, porém não os atingem significativamente, não o fazem por ineficiência ou vulnerabilidade, ajudando-se na burocracia e na corrupção. Proponho um mecanismo que visa garantir renda mínima a pessoas adultas que não conseguem ganhar rendimentos suficientes para suas necessidades básicas ( SUPLICY, 1992 S/P)16. Na ocasião, afirmou que este debate já vinha sendo organizado por alguns economistas e estudiosos, como John Kenneth Galbraith, James Tobim Robert Solow e Milton Freedman. Ainda destacou a persistência dos brasileiros Antônio Maria Silveira, Edmar Lisboa Bacha e Roberto Mangabeira Unger em defender a introdução de programas de transferência de renda e de Paul Singer, que também defendia na forma de 16 Projeto de Lei da Câmara, que insistiu o Programa de Garantia de Renda Mínima PGRM, nº 2561 de 1992, PLS- 80/91. 52 um mínimo familiar (SUPLICY, 1992). Pautou-se na defesa dos Programas de Transferência de Renda, porque , segundo ele, a transferência em dinheiro dá a vantagem às famílias de determinar seus gastos conforme suas necessidades mais prementes (idem, 1992). Ainda em 1991, se deu o segundo momento de debate brasileiro sobre Renda Mínima, quando José Márcio Camargo passou a defender uma articulação da renda mínima familiar com a escolarização dos filhos e dependentes em idade escolar. Segundo Suplicy (2003), José Márcio Camargo, Cristóvão Buarque e José Roberto Magalhães Teixeira deram contribuições relevantes, apontando que as famílias com renda familiar abaixo de meio salário mínimo per capita tivessem direito a receber renda complementar, desde que a família tivesse crianças frequentando a escola. Essa proposta de política social previa, em curto prazo, a minimização da pobreza e, em longo prazo, a redução de sua reprodução, pois pressupunha que a renda com a escolarização dos filhos seria um mecanismo de rompimento do ciclo vicioso que faz que a pobreza de hoje determine a pobreza do futuro (SILVA et al; 2006). Portanto, o debate sobre renda mínima no Brasil apresenta um novo patamar, com duas inovações: introdução da unidade familiar no lugar do indivíduo como beneficiário dos programas e a vinculação da transferência monetária com a educação. Os idealizadores dessa proposta acreditavam que tal vinculação se traduzia num componente estrutural, rompendo com o caráter assistencialista dos programas sociais. Em 1995, conforme Silva et al. (2006), iniciou-se o 3º momento de debate no Brasil, impulsionando pelo desenvolvimento de experiências municipais de programas de Transferência de renda em Campinas e Rio Preto, em Brasília e outras propostas em vários governos brasileiros. Tais programas, nesse momento expressam respostas de governos às pressões da sociedade para enfrentamento da pobreza. Isso porque a realidade brasileira desde o início da década de 90 configurou uma nova conjuntura social e econômica, de modo que a política neoliberal necessária para a entrada do país na economia globalizada conduziu a questão social e a pobreza de forma secundária, sendo a prioridade a manutenção da estabilidade econômica. Assim, a Sociedade brasileira, que se via frente ao aumento acelerado do desemprego, a precarização do salário, aumento da violência, elevados índices de Trabalho Infantil e, consequentemente, a elevação da pobreza, passou a se interessar por programas de transferência de renda, que antes eram de interesse mais restrito a economistas, políticos e estudiosos preocupados com a questão. 53 No ano de 2001, se configurou o quarto momento de debate, com a proliferação de programas de iniciativa do Governo Federal, com implementação descentralizada em nível dos municípios. É nesse momento que surgem o Programa Bolsa Escola, Programa de Auxílio-Gás, Bolsa-Alimentação e outros programas, além da expansão de muitos programas, como o de Erradicação do Trabalho Infantil. Tais programas passaram a ser considerados eixo central de uma grande rede nacional de proteção social (SILVA et al., 2006). Os autores citados indicaram que um ponto de destaque nesse momento do debate é o lançamento do livro Renda de Cidadania: a saída é pela porta, do senador Eduardo Suplicy, pois através deste houve a introdução da ideia de uma Renda de Cidadania17 no debate. A partir de 2003, iniciou-se o quinto momento do debate e do desenvolvimento histórico dos programas de transferência de renda no Brasil, marcado principalmente pela unificação de todos os programas nacionais de transferência de renda. Assim, foi criado o Programa Bolsa-Família, cujo objetivo principal foi o combate à pobreza. A relação entre o Programa Bolsa-Família e o Programa Fome Zero se deu da seguinte maneira: O Bolsa-Família fortalece a agenda do Fome Zero e contribui com seu objetivo de assegurar três refeições por dia para todos os brasileiros à medida em que amplia o acesso à alimentação (BRASIL, CARTILHA DO PROGRAMA BOLSAFAMÍLIA, 2003, s/p). Em 2004, foi criado o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, unificando os Ministérios de Assistência Social e o Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome. Dessa forma, percebeu-se que inicialmente as condições de emergência dos Programas de Transferência de Renda no Brasil não expressam respostas às pressões sociais. Somente num segundo momento, marcadamente a década de 1990, é que os programas de transferência de renda vão dar retorno às demandas sociais, pois os reflexos da globalização e da postura estatal neoliberal imprimiram, entre outras coisas, o aumento do desemprego e o rebaixamento da renda proveniente do trabalho e, portanto, o aumento da pobreza, da desigualdade social e da exclusão. 17 ―(... ) Renda de Cidadania: A Saída é Pela Porta., descrevo em maiores detalhes de como o conceito da renda garantida está relacionado com os valores que devem ser levados em consideração quando fixarmos o objetivo para construir uma sociedade justa e civilizada. Como esta proposta está consistente com os valores universais de humanidade, tais como a busca da verdade, justiça, ética, fraternidade, equidade, solidariedade e liberdade desde o início da História da Humanidade e da História do Brasil‖(SUPLICY, 2003, p. 67). 54 2.2.2- Caracterização do Programa Bolsa-Família O Programa Bolsa-Família (PBF) foi instituído em outubro de 2003 pela Medida Provisória de nº 132 e regulamentado pela Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, no governo do presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Essa medida unificou os programas/ações de transferência de renda do Governo Federal: Programa BolsaEscola, Programa Nacional de Acesso à Alimentação, Bolsa-Alimentação, Programa Auxílio-Gás e o Cadastramento Único do Governo Federal. O objetivo geral do PBF, conforme apresentado na página inicial do site da SAGI/MDS (Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação), é: Combater a fome, pobreza e outras formas de privação das famílias e promover a segurança alimentar e nutricional e o acesso à rede de serviços públicos de saúde, educação e assistência social, criando possibilidades de emancipação sustentada dos grupos (MDS/SAGI, 2007, s/p). O desenho do Programa, conforme legislação, tem como base o rompimento do viés assistencialista, que marca os programas e políticas sociais brasileiras. Tal argumentação se constrói no sentido de que o Bolsa-Família está ligado a outros programas, como alfabetização, geração de ocupação e renda e microcrédito, capacitação profissional e apoio à agricultura familiar. A legislação do Bolsa-Família aponta para ações complementares desenvolvidas pelos municípios, por meio de repasse financeiro vindo do Ministério de Desenvolvimento Social. Esse repasse financeiro é calculado através do Índice de Gestão Descentralizada (IGD), destinado a melhorar a gestão do Bolsa-Família. Em função dessa pretensa articulação com outros programas, o PBF é considerado por seus idealizadores como ―portas de saída‖ da situação de exclusão social (SILVA et al., 2006). O eixo central qualificador perpassa pela ideia de que se faz necessário: (...) integrar esforços para permitir que as famílias avancem na direção de uma vida mais digna. O Bolsa- Família assegura que as famílias atendidas possam alimentar melhor seus filhos, garantindo para as crianças boas condições de saúde e de aproveitamento escolar (BRASIL/CARTILHA DO PROGRAMA BOLSA-FAMÍLIA, 2003, s/p). 55 O Programa pauta-se na articulação de três dimensões: • Promoção do alívio imediato da pobreza, por meio da transferência direta de renda à família. • Reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de Saúde e Educação, por meio do cumprimento das condicionalidades, o que contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza entre gerações. • Coordenação de programas complementares, que têm por objetivo o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa-Família consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. De acordo com o MDS/PBF (2007), os programas complementares são ações regulares, ofertadas pelas três esferas de governo - União, estados e municípios - e pela sociedade civil, voltadas para o desenvolvimento das capacidades das famílias cadastradas no CadÚnico, principalmente as beneficiárias do PBF, contribuindo para a superação da situação de pobreza e de vulnerabilidade social em que se encontram. Os objetivos dessas ações são complementar e potencializar os impactos proporcionados pelas transferências condicionadas de renda, por exemplo através de programas de geração de trabalho e renda, de alfabetização de adultos, de fornecimento de documentos e outros. Sobre os Programas Complementares, o MDS (2006) apontou que18: Os programas complementares são ações nas áreas de geração de trabalho e renda, acesso ao conhecimento, condições habitacionais, direitos sociais, desenvolvimento local, dentre outras, que visam promover o desenvolvimento social e econômico sustentável das famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família. Para a consolidação dessa estratégia de inclusão social, as ações precisam ser articuladas e integradas pelas três esferas de governos e com a sociedade civil, conforme a legislação e práticas 18 Cabe destacar que foi criado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), por intermédio da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania (SENARC), o Prêmio de Práticas Inovadoras na Gestão do Programa Bolsa-Família, que consistiu de diversas etapas (transcorreram entre 27 de março, data de publicação do edital respectivo, e 29 de junho de 2006, quando se deu a entrega dos prêmios aos municípios e estados selecionados). Na ocasião foram divulgadas as experiências municipais e estaduais de ações para a inclusão das famílias. Segundo o MDS/PBF (2007), os aspectos positivos do Prêmio foram: Reconhecimento público do desempenho de gestores estaduais e municipais na melhoria das condições de vida das famílias beneficiárias do Programa; Difusão de estratégias inovadoras na gestão dos programas sociais; Incentivo para a construção de um banco de dados (Observatório de Práticas Inovadoras em PBF); Criação e expansão de uma rede de gestores e de instituições parceiras que atuam na gestão, implementação e acompanhamento do Programa Bolsa-Família. Também, merece nota que o referido prêmio só aconteceu em 2006. 56 vigentes. A Lei 10.836, de 09 de janeiro de 2004, que cria o Programa Bolsa Família, institui o Conselho Gestor Interministerial (CGPBF), que é responsável por formular e integrar políticas públicas, definir diretrizes, normas e procedimentos sobre o desenvolvimento e implementação do PBF, bem como de apoiar iniciativas para instituição de políticas públicas sociais visando promover a emancipação das famílias beneficiadas pelo Programa nas esferas federal, estadual, do Distrito Federal e municípios (BRASIL/MDS/PBF, 2006, s/p). Ainda, segundo o MDS (2006): Para viabilizar a articulação de programas complementares com o PBF, é necessária a análise do perfil das famílias beneficiárias do Programa, sob os pontos de vista da vulnerabilidade e da potencialidade, para identificar os programas mais adequados e que permitam que as familiares superem a situação de exclusão social (BRASIL/MDS/PBF, 2006, s/p). Portanto, faz-se necessário, acumular informações sobre a estrutura e dinâmica socioeconômica dos municípios, bem como das políticas públicas e trabalhos da sociedade civil disponíveis (MDS, 2006). Conforme consta na legislação do PBF, suas principais metas são: • Proteger todo o grupo familiar em vez de alguns membros. • Impedir que as famílias passem por situações de fome, através da transferência direta de renda. • Superar a pobreza entre as gerações, através do reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de saúde e educação, por meio do cumprimento das condicionalidades. • Incentivar o desenvolvimento das capacidades das famílias e promover a inclusão social, através dos programas/cursos complementares previstos na legislação. As definições dos programas que compõem o Programa Bolsa-Família e respectivos objetivos podem ser assim colocadas: O Bolsa-Escola é um programa que se pauta na transferência monetária condicionada à frequência escolar, e sua gestão é descentralizada19. Alguns de seus objetivos são: possibilitar o acesso e permanência de crianças na escola; contribuir para 19 Para receber o benefício, as famílias devem ter sob-responsabilidade crianças com idade entre 6 e 15 anos, matriculadas e frequentando as aulas, visto que, se a frequência escolar estiver abaixo de 85%, as crianças serão excluídas do benefício, como também aquelas que deixarem a faixa etária estipulada (Lei no 10.219, Art. 6º). 57 o combate ao trabalho infantil; elevar a qualidade de vida das famílias de níveis de renda menores; e recuperar a dignidade e autoestima das camadas excluídas da população, através da educação (SILVA et al., 2006). O Programa Bolsa-Alimentação é uma complementação da renda familiar para melhoria da alimentação e das condições de saúde e nutrição. É direcionado para famílias compostas de mulheres gestantes, mães que estejam amamentando crianças até 6 meses de idade ou com crianças de 6 meses a 6 anos de idade (Idem, 2006). O Auxílio-Gás, criado em 2002, tem por objetivo subsidiar o preço do gás liquefeito de petróleo às famílias de baixa renda, que são cadastradas ou beneficiárias dos Programas Bolsa-Escola ou Bolsa-Alimentação. O valor repassado é de R$7,50 por mês, e o responsável pelo Programa é o Ministério de Minas e Energia (BRASIL, Decreto no 4.102, 2006). O Cartão-Alimentação, criado em 2003, é uma das ações que compõem o Programa Fome Zero. Tem por objetivo garantir que pessoas com falta de acesso à alimentação digna tenham acesso a recursos financeiros ou acesso a alimentos em espécie. Visa articular ações emergenciais, para superação da fome, e ações estruturais, para superação da condição de pobreza (SILVA et al., 2006). Esses programas foram unificados no Programa Bolsa-Família, no ano de 2004. Todos eles visavam reduzir a pobreza e consideravam a família como unidade beneficiária. No PBF, a família passa a ser protegida em vez do indivíduo, visando dar proteção integral a todo o grupo familiar e não apenas a alguns de seus membros. Desse primeiro ponto, decorre que, ao articular a renda às condicionalidades, o Bolsa-Família estimula a utilização dos serviços sociais da rede pública, principalmente de saúde e educação, fazendo que a família seja assistida20. A unidade beneficiária é representada, preferencialmente, pela mãe, atendendo a uma tendência mundial e seguindo o pressuposto de que a mãe é mais responsável na alocação dos recursos da família. Após a unificação, o primeiro passo foi promover o cadastramento único das famílias, em nível municipal, e as informações encaminhadas ao Governo Federal. O funcionamento do Cadastro Único (CadÚnico) se dá da seguinte maneira: a) 20 Família para o Programa Bolsa-Família é um grupo ligado por laços de parentesco ou afinidade, que forma um grupo vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros. No entanto, existe uma discussão sobre as diversidades de arranjos familiares contemporâneos e a lacuna entre o discurso oficial do Estado, de família pensada e a prática social, que aponta para as famílias vividas. 58 as prefeituras são encarregadas de fazer o cadastramento das famílias, e o funcionário da prefeitura responsável pela administração do programa, denominado Gestor, é quem coordena, inclusive, o cadastramento; b) a família precisa responder a um questionário, para que sua ficha de cadastro seja feita, e os dados são enviados para o Governo Federal.; c) é de responsabilidade do Governo Federal analisar as informações e identificar as famílias que devem entrar no Programa, de acordo com os critérios contidos na legislação. Através da Caixa Econômica Federal - Agente Operador do Cadastro Único - é concedido o número de identificação social (NIS) para cada família, através do qual os operadores do Cadastro Único podem localizar as pessoas cadastradas, atualizar dados do cadastro, verificar a situação do benefício, caso exista, e realizar as ações de gestão de benefícios. Conforme o MDS/Cartilha do Bolsa-Família (2006), a criação do Programa Bolsa-Família com base na unificação dos programas acima destacados significa ―evolução‖ em vários sentidos, entre eles: Evolução porque passa a proteger a família inteira, ao invés do indivíduo. Como o próprio nome diz, o Bolsa Família visa a dar proteção integral a todo o grupo familiar, e não apenas a alguns de seus membros. Adianta muito pouco dar apoio a um membro da família sem levar em consideração os demais. Evolução porque cria portas de saída da situação de exclusão. Em parceria com os estados e os municípios, o Bolsa Família ativará outros programas, como os de alfabetização, capacitação profissional, apoio à agricultura familiar, geração de ocupação e renda e microcrédito, criando para as famílias portas de saída da situação de exclusão em que vivem. A ideia é integrar esforços para permitir que as famílias avancem na direção de uma vida mais digna. O Bolsa Família assegura que as famílias atendidas possam alimentar melhor seus filhos, garantindo para as crianças boas condições de saúde e de aproveitamento escolar. Evolução porque aumenta, e muito, o valor dos benefícios pagos. Com o Bolsa Família, os benefícios aumentam, e muito, justamente para os que mais precisam. Evolução porque vai simplificar, juntando todos os programas num só. A unificação dos programas vai permitir uma gestão mais racional da política de transferência de renda do Governo Federal, pois reduzirá substancialmente todos os sistemas administrativos e de controle dos atuais programas, permitindo uma fiscalização muito mais eficiente, inclusive no combate a eventuais fraudes e desvios. Além disso, vai possibilitar a realização de avaliações mais precisas sobre o resultado da aplicação dos recursos do Programa e seu retorno para a sociedade e as famílias atendidas. Evolução porque exige um compromisso maior das famílias atendidas. O Bolsa Família aumenta os benefícios, mas aumenta também o compromisso e a responsabilidade das famílias atendidas (BRASIL, CARTILHA DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA, 2006, p. 1- 4).21 21 Cartilha do PBF - A evolução dos programas de transferência de renda no Brasil, MDS, 2006. 59 A legislação pertinente ao Programa adotou a seguinte definição de família: ―unidade nuclear, eventualmente ampliada por outros indivíduos que com ela possuam laços de parentesco ou afinidade, que forme um grupo doméstico, vivendo sob o mesmo teto e que se mantém pela contribuição de seus membros‖ (MDS/CARTILHA DO BOLSA FAMÍLIA, 2006, p. 10, artigo 2º, parágrafo 1º). Os critérios de seleção e elegibilidade das famílias se pautam na renda, sendo que podem ingressar no Programa famílias com renda mensal de até R$77,00 por pessoa, independente de sua composição; já as famílias com renda mensal entre R$77,00 e R$154,00 por pessoa podem ingressar no Programa desde que tenham gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes entre zero e 15 anos (MDS, 2014). Em 28 de dezembro de 2007, foi publicada uma Medida Provisória, que estabelece que as famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família que têm na sua composição adolescentes de 16 e 17 anos, poderão receber adicionalmente o Benefício Variável Jovem (BVJ) no valor de R$42,00 até o limite de dois benefícios por família. A concessão do Benefício Variável Jovem (BVJ) será realizada somente para os adolescentes com acompanhamento da frequência escolar registrado no Sistema da Frequência Escolar ou para aqueles que possuam código INEP válido e atualizado há menos de 12 meses no Cadastro Único para Programas Sociais (Cadúnico). Para receber o benefício, no valor de R$42,00 até o limite de dois adolescentes por família, os beneficiários devem continuar matriculados e frequentando a escola.······················. Segundo o MDS/PBF, o objetivo da inclusão dos adolescentes de 16 e 17 anos no Programa Bolsa-Família é contribuir para aumentar a escolaridade nessa faixa etária, reduzir a evasão e o abandono escolar e promover o retorno à escola daqueles que abandonaram os estudos. Os valores do benefício variam de R$77,00 a R$154,00, de acordo com a renda mensal por pessoa da família e o número de crianças, gestantes e nutrizes. No caso de famílias que migraram de programas remanescentes, o valor do benefício pode ser maior, tendo como base o valor recebido anteriormente (MDS/PBF, 2014). Após a Medida Provisória (28/12/2007), que adota a inclusão do benefício vinculado ao adolescente, os valores dos benefícios do Programa Bolsa-Família foram alterados, conforme a composição familiar (presença de adolescentes de 16 e 17 anos) e a renda da família. Os benefícios financeiros passaram a ser classificados em dois tipos, de acordo com a composição familiar: básico, no valor de R$77,00, concedido às famílias com 60 renda mensal per capita de até R$77,00 por pessoa, independentemente da composição familiar; variável, no valor de R$42,00, para cada criança ou adolescente de até 15 anos, sendo que cada família pode receber até 5 benefícios deste tipo, totalizando R$ 200, 00 reais, desde que a família tenha uma renda por pessoa entre R$ 70,00 e R$ 140,00 reais; já o benefício variável jovem, no valor de R$ 42,00, pago às famílias com renda por pessoa entre R$ 77,00 e R$ 154,00 e com jovens de 16 e 17 anos, sendo que cada família pode receber até 2 benefícios deste tipo, totalizando R$ 94,00 (BRASIL, MDS/PBF, 2014, s/p). Como responsabilidade das famílias atendidas, o Programa estabelece que estas devam: a) manter em dia a caderneta de vacinação dos filhos entre zero e seis anos; b) se comprometer em manter as crianças e adolescentes em idade escolar frequentando a escola; c) frequentar os postos de saúde da rede pública e seguir a agenda pré e pósnatal para as gestantes e mães em amamentação; e d) quando oferecidas, participar de atividades de orientação alimentar e nutricional e de programas complementares de alfabetização, cursos profissionalizantes etc. Outra mudança ocorrida no PBF diz respeito à inclusão do Brasil Carinhoso é uma medida do Plano Brasil Sem Miséria para lidar com o problema de situação de extrema pobreza. Essa ação foi lançada pela Presidenta Dilma em maio de 2012 para retirar da miséria famílias com filhos entre 0 e 6 anos. Esta ação é construída sobre três pilares: Renda: Benefício de Superação da Extrema Pobreza na Primeira Infância (BSP); Educação: Ampliação da oferta de vagas em creches; e Saúde: Medidas para enfrentar alguns dos principais problemas de saúde na infância. Além de incrementar a transferência de renda, a Ação Brasil Carinhoso fortalece a educação, com estímulo ao aumento de vagas nas creches, e amplia cuidados na área da saúde, incluindo suplementação de vitamina A, sulfato ferroso e medicação gratuita contra asma. Tudo isso numa fase crucial para que as crianças desenvolvam todas as suas potencialidades físicas e intelectuais: a primeira infância. Para tanto, alguns parceiros forma envolvidos como: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), do Ministério da Educação (MEC) e do Ministério da Saúde. A concessão do benefício é automática. As famílias não precisam solicitá-lo, a menos que estejam com informações desatualizadas no Cadastro Único para Programas Sociais, caso em que devem procurar a rede de assistência social do município. Conforme o MDS/Cartilha do PBF (2011): 61 Esses compromissos representam direitos que, a médio e longo prazo, aumentam a autonomia das famílias e sua possibilidade de integração ao mercado de trabalho, ampliam a capacidade de geração de renda para seus membros e, dessa forma, contribuem para o combate estrutural da pobreza e para a melhoria das condições de vida do grupo familiar (MDS/CARTILHA DO PBF, 2011, s/p). Para dar suporte ao PBF, foi criado um Conselho Gestor Interministerial (CGI), uma instância deliberativa, sendo órgão de assessoria do Presidente da República, com algumas funções, entre elas: apoiar, formular e integrar políticas públicas para promover a emancipação das famílias atendidas pelo PBF. Esse conselho é constituído de ministros da Educação, Saúde, Segurança Alimentar e Assistência Social, do Planejamento e da Fazenda e do ministro-chefe da Casa Civil e da Secretaria Executiva. O agente operador e pagador dos benefícios é a Caixa Econômica Federal (SILVA et al., 2006). Em janeiro de 2005, foi criada a Rede Pública de Fiscalização do Programa Bolsa-Família, através de parcerias dos Ministérios Públicos Federais e Estaduais, Controladoria-Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU). As formas de fiscalização, tanto da gestão do Cadastro Único quanto do Programa BolsaFamília, podem ser feitas das seguintes formas, segundo o MDS/PBF (2013). • Ações in loco e a distância, realizadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, por meio da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania, conforme critérios e parâmetros estabelecidos na Portaria Senarc nº. 1/2004. • Ações desenvolvidas pelas Instâncias de Controle Social, que devem acompanhar as atividades desenvolvidas pelo gestor municipal do Programa, auxiliando a definição de formas para melhor atender às famílias que se enquadram nos critérios do Programa, inclusive no que diz respeito à disponibilização de serviços públicos de saúde e educação que permitam o cumprimento das condicionalidades. • Auditorias e ações de fiscalização realizadas pelas instituições de controles interno e externo do poder executivo, a maior parte delas também componente da Rede Pública de Fiscalização do BolsaFamília. • Auditorias por meio de análise das bases de dados e sistemas, em especial aquelas realizadas na base do Cadastro Único, que permitem identificar duplicidades e divergências de informação de renda, em comparação com outras bases de dados do Governo Federal, entre outras (MDS/PBF, 2013, s/p). Quanto aos profissionais para realização do cadastramento e atualização cadastral, o MDS/PBF (2013) indica que o município deve ter uma equipe formada por: • Entrevistador: profissional com boa caligrafia e boa leitura, preferencialmente com nível médio concluído. Será responsável por preencher os formulários das famílias; Supervisor do CadÚnico: responsável por receber os formulários preenchidos e garantir que sejam devidamente digitados no Aplicativo de Entrada e Manutenção de Dados. Também são suas atribuições realizar a extração, 62 transmissão, recepção e importação de arquivos e gerar e analisar os tratamentos de multiplicidade no aplicativo, repassando as atualizações necessárias aos digitadores. • Supervisor de campo: deve acompanhar as ações de cadastramento e atualização cadastral, conferindo os formulários preenchidos e encaminhando-os à revisão ou à digitação. • Assistente social: profissional com formação em assistência social, preferencialmente servidor do poder executivo municipal. Deve coordenar a identificação das famílias que compõem o público-alvo do CadÚnico, zelando, principalmente, pelo cadastramento das famílias em maior situação de vulnerabilidade; • Supervisor do CadÚnico: responsável por receber os formulários preenchidos e garantir que sejam devidamente digitados no Aplicativo de Entrada e Manutenção de Dados. Também são suas atribuições realizar a extração, transmissão, recepção e importação de arquivos e gerar e analisar os tratamentos de multiplicidade no aplicativo, repassando as atualizações necessárias aos digitadores. • Profissionais para a administração e manutenção da base de dados. • Administrador de rede: profissional com conhecimentos e experiência em tecnologia da informação. Tem por atribuição manter o ambiente físico e operacional dos clientes, servidores e impressoras, instalando, configurando e conectando-os a rede local. Deve também apoiar os usuários quanto ao uso do Sistema Operacional. • Administrador da base: profissional com conhecimentos e experiência em tecnologia da informação. Deve administrar o aplicativo, instalando e atualizando os clientes, os servidores, criando grupos e usuários, efetuar cópia de segurança e mantê-la em local seguro. • Digitador: profissional com habilidade e rapidez na digitação dos dados cadastrais; deve executar, no aplicativo, as inclusões e alterações realizadas nos formulários de cadastramento (MDS/PBF, 2013, p. s/p). Segundo MDS (2013), a execução do PBF se dá de forma descentralizada, com a coordenação de esforços dos três níveis de governo, com atribuições articuladas, observando-se a intersetorialidade, a participação comunitária e o controle social, visto como: O controle social é a participação da sociedade civil no processo de planejamento, monitoramento, acompanhamento e avaliação das ações da gestão pública na execução das políticas e programas públicos. Trata-se de uma ação conjunta entre Estado e sociedade em que o eixo central é o compartilhamento de responsabilidades com vistas a aumentar o nível da eficácia e efetividade das políticas e programas públicos (BRASIL, MDS/PBF, 2013, s/p). A partir do Decreto nº 5.209, de 17 de setembro de 2004, que regulamenta o Programa Bolsa-Família, é definido o papel da Instância de Controle Social - ICS e a sua composição, sendo estabelecidas as atribuições das instâncias municipais e estaduais. A adesão do município ao PBF se dá por meio do Termo de Adesão (Portaria nº 246, de 20 de maio de 2004) e está condicionada à indicação do gestor municipal, responsável pela execução das ações do PBF localmente, bem como, a criação da 63 instância de controle social, na forma de conselho ou comitê, para realizar o acompanhamento do Programa. Entre as atribuições das Instâncias de Controle Social estão: desenvolver atividades de acompanhamento, monitoramento e apoio nas ações do PBF relativas ao cadastramento, à gestão de benefícios, ao acompanhamento das condicionalidades, aos programas complementares, à fiscalização, à participação social e à capacitação (SILVA et al., 2006). Nesse sentido, a institucionalização de controle social na arena do PBF adiciona um desafio a mais no campo das políticas públicas sociais no território brasileiro, que historicamente se ancora na fragilidade de mobilização social e no poder público pouco democrático (SENNA et al., 2007). No campo dos limites e das possibilidades dos programas de transferência de renda, alguns trabalhos realizados vêm descortinando o universo dos resultados e impactos produzidos por esses programas. Segundo Silva et al. (2006), os resultados e impactos mais apontados pelos executores de tais programas ou por estudos de avaliação têm sido na direção da superação dos problemas de sobrevivência do cotidiano com melhoria das condições de vida; elevação da frequência escolar dos filhos/dependentes; diminuição da evasão e repetência escolar, melhoria do rendimento escolar; redução do número de crianças fora da escola; saída de crianças e adolescentes das ruas; maior frequência das crianças aos postos de saúde, diminuição dos casos de desnutrição entre as famílias beneficiárias; e elevação da autoestima e maior autoconfiança por parte de mães e crianças. No entanto, esses pesquisadores destacaram também que, apesar de tais indicações representarem melhorias ou impactos positivos para as famílias, estas passam por dificuldades de enfrentamento da pobreza após o desligamento dos programas e complementam que: Grande parte das dificuldades encontradas devem-se à ausência de planejamento e de articulação sistemática do Programa de Transferência de Renda com outros programas, serviços e ações desenvolvidas por entidades governamentais e não-governamentais. Paralelamente, deve-se considerar que a possibilidade de melhoria da situação econômica encontra-se muitas vezes limitada pelas condições educacionais e psicossociais dos próprios beneficiários (Silva et al., 2006, p. 199). As limitações educacionais e psicossociais das famílias podem configurar-se o primeiro desafio dos programas de transferência de renda, pois, se não propiciam meios pelos quais as famílias possam melhorar de vida após o desligamento do Programa, continuam com forte caráter assistencialista. Outro ponto que limita a ação efetiva dos 64 Programas de Transferência de Renda refere-se exatamente ao eixo central qualificador desses Programas: obrigatoriedade de frequência escolar e qualidade do ensino, pois a obrigatoriedade de frequência escolar não é suficiente para alterar o quadro educacional das futuras gerações e, consequentemente, alterar a pobreza, se os sistemas educacionais municipais e estaduais não forem melhorados. Além disso, outra limitação do Programa Bolsa-Família diz respeito aos critérios de focalização, que são muito restritivos pelo corte de renda. No entanto, no texto da Cartilha do Programa Bolsa-Família se pode encontrar a este respeito que: Além da renda familiar, outros indicadores sociais de pobreza e exclusão, tais como escolaridade, condições de moradia e saneamento, analfabetismo e acesso a serviços públicos, passarão a ser gradualmente considerados na seleção das famílias que participarão do Bolsa Família (BRASIL/MDS/PBF/CARTILHA DO PROGRAMA BOLSA-FAMÍLIA, 2013, s/p). Como critério único de seleção das famílias é utilizado à renda monetária, o que permite uma crítica justificada na literatura pertinente, conforme apontaram Senna et al. (2007), uma vez que não leva em consideração o fato de a pobreza ser um fenômeno multifacetado, que inclui diversos aspectos, sendo entendida como carência de renda e como privação de capacidades, defendido profundamente por Sem (2000). De acordo com Macedo e Brito (2004), no desenvolvimento desses programas de transferência de renda, se não houver uma proposta efetiva de trabalho e renda para absorver o contingente de desempregados, então não ocorrerão mudanças na qualidade de vida dessas pessoas, pois somente a transferência de renda não contribui para a inclusão social. Quanto aos trabalhos socioeducativos e a articulação com outros programas/políticas, faz-se necessário também questionar a efetividade desses trabalhos, a capacitação e interesse dos técnicos envolvidos, assim como psicólogos e assistentes sociais, pois, se tal condução ficar somente restrita às recomendações pautadas no desenho do Programa, com certeza ele se fragilizará. Macedo e Brito (2004), em pesquisas realizadas sobre os Programas PETI e Bolsa-Escola (programas de transferência de renda), em municípios do Estado do Rio de Janeiro, antes da unificação dos programas do Governo Federal para o Programa Bolsa-Família, já apontavam algumas limitações: sobre a centralidade na educação constataram que predomina o envolvimento de natureza burocrática por parte das unidades de ensino e do corpo docente; sobre a participação dos gestores -perceberam que não há grande preocupação com a melhoria da qualidade da educação e de 65 programas de inclusão educacional; e sobre a falta de uma proposta efetiva que associe trabalho e renda para absorver o contingente de desempregados. 2.2.3. As interfaces do Programa Bolsa-Família A matriz lógica do PBF, apresentada na figura 1, foi construída com base nas contribuições teóricas de Costa e Castanhar (2003), mediante densa exploração da bibliografia sobre o PBF e dos conteúdos deste explicitados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. O objetivo da construção dessa matriz foi a demarcação dos conteúdos do PBF, visando à maior compreensão do Programa. Assim, foram construídas as seguintes matrizes: a) Matriz lógica do PBF (relaciona objetivos, ações do PBF e resultados esperados); b) Matriz lógica de conteúdo/componentes do PBF (detalha a estrutura e o conteúdo do Programa); c) Matriz lógica de variáveis e indicadores (relaciona os objetivos específicos, variáveis e indicadores). Figura 1- Matriz do Programa Bolsa Família e suas interfaces Fonte: MDS/2013. 66 O Programa Bolsa Família é o maior programa de transferência de renda em implantação no Brasil, assumindo centralidade do Sistema de Proteção Social foi idealizado enquanto política intersetorial, para unificação de programas de transferência de renda, com o objetivo de combater a fome, a pobreza e as desigualdades através da transferência de um benefício financeiro, associado á garantia do acesso aos direitos sociais básicos – saúde, educação, assistência social e segurança alimentar. O PBF atinge hoje 25% da população, cerca de 12,4 milhões de famílias. Possui um baixo custo fiscal, pois com apenas 0,4% do PIB brasileiro beneficia 25% da população, sendo que cada real gasto com o Bolsa Família tem condições de reduzir a pobreza 384 vezes a mais do que a renda de Previdência (NERI, 2010). A matriz do Programa Bolsa família apresentada acima, procurou apresentar o desenho institucional do programa, apoiado nas recomendações legais que fundamentam e orientam a implementação do PBF em nível municipal. A matriz do PBF e suas interfaces permite o entendimento que o formato do programa, em termos legais, pauta-se na articulação de transferência de renda, para prover alívio imediato da fome, com a promoção de inclusão social das famílias que vivem em situação de pobreza. Trata-se de um programa complexo, que envolve varias instâncias e vários atores sociais. A proposta é de gestão descentralizada e o município, o responsável mais próximo das famílias; portanto, as ações municipais no âmbito do PBF são importantes tendo em vista que é em nível local que se podem observar a frequência escolar, cuidados com a saúde das crianças e outros membros da família, além da assistência social, promover a articulação dos outros programas, fiscalizar o trabalho infantil e realizar visitas domiciliares para atender aos critérios de elegibilidades, bem como avaliar o cumprimento das condicionalidades. 67 III- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.1 – Tipo e Etapas da Pesquisa Para analisar a contribuição do Programa Bolsa Família para o empoderamento das famílias, optou-se por uma pesquisa de campo, com uma abordagem quantiqualitativa, que conjuga pesquisa bibliográfica, observação sobre o funcionamento do programa e das ações realizadas pela equipe gestora e junto às famílias beneficiárias do PBF, bem como entrevistas com o público envolvido e história oral com as famílias egressas do PBF. Assumir essa concepção metodológica de pesquisa implica, necessariamente, na utilização de procedimentos técnicos de coleta e análise de dados, que possibilitem apreender o fenômeno a ser estudado em suas múltiplas dimensões, uma vez que esta modalidade busca responder questões muito particulares e especificas de uma dada realidade. A pesquisa de campo foi dividida em etapas, a saber: a) Pesquisa documental no site do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e pesquisa bibliográfica; b) Entrevistas semiestruturadas com a Equipe Técnica do PBF em Muriaé, em seus locais de trabalho; c) Entrevistas semiestruturadas com as 113 famílias beneficiárias e egressas do PBF nas respectivas moradias; d) Observação informal das condições de moradia durante o contexto da entrevista, com anotações no diário de campo; e) Registros fotográficos das condições de moradia das famílias, quando autorizados (conforme apêndices em anexo). Todas as entrevistas foram gravadas em um aparelho MP4, com a anuência das pessoas entrevistadas. À medida que as entrevistas aconteciam, logo em seguida eram transcritas, assim como as anotações do diário de campo também eram relidas e transcritas. Após essa etapa, foram organizadas e sistematizadas as informações, conforme os objetivos da pesquisa. E, por fim, discutiram-se os resultados, apontando algumas conclusões. 3.2- Definição do campo empírico O campo empírico da pesquisa foi o Programa Bolsa-Família implementado no Município de Muriaé/MG, cidade essa situada na região da Zona da Mata (FIG. 2). O 68 município é servido pelas rodovias BR 12O, MG 280 e MG 356 (PREFEITURA MUNICIPAL DE MURIAÉ, 2009). Figura 2- Visão Panorâmica do Perímetro Urbano de Muriaé/MG Fonte: Google O município tem uma população estimada, de acordo com o IBGE (2012), em 102.074 habitantes. Quanto aos aspectos geográficos, à área do município corresponde a 842 km2, o clima é tropical quente e úmido, a temperatura média anual são 25 ºC .Quanto aos aspectos socioeconômicos, o índice de Desenvolvimento Humano (IDH) Municipal é de 0,773; o de Educação, de 0,929; o de Longevidade, de 0,756; e o de Renda, de 0,77. No que se refere à renda per capita média, ela é de 329,70, sendo o Índice de Gin do município equivalente a 0,510. O acesso a serviços básicos corresponde à água encanada (91,5%), energia elétrica (98,5%), e Coleta de Lixo (96,0%), conforme dados de Diagnóstico Social /2010. 3.3- População e amostra do Estudo O universo populacional era constituído de 5.258 famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família até o momento da pesquisa. Desse universo foram selecionadas aleatoriamente 113 famílias, sendo 64 famílias beneficiárias do PBF e 49 egressas, de acordo com o calculo de amostra finita proposto por Triola (2013). 69 Outro público da pesquisa faz parte da equipe técnica do programa, cujos entrevistados foram selecionados intencionalmente, por representar o grupo de profissionais do PBF no município. Essa escolha intencional é justificada por GOLDENBERG (2004, p.53) ao afirmar que: Não é o critério numérico que expressa a representatividade da amostra e dos dados na pesquisa qualitativa, mas, sim, a capacidade de possibilitar a compreensão do significado e a descrição densa dos fenômenos estudados em seus contextos. Além disso, a seleção desses profissionais deve-se ao fato de que são as principais responsáveis pela mediação e articulação entre os governos federal, estadual e municipal, com mais condições de informar sobre a descrição e caracterização do PBF, no Município de Muriaé/MG. Ressalta-se que a pesquisadora esteve atenta à questão da ―hierarquia de credibilidade dos informantes‖, o que indica que geralmente são entrevistados os profissionais que estão nos níveis superiores de uma organização e que parecem saber mais sobre o problema investigado (BECKER, s.d. apud GOLDENBERG, 2004). Não se considerou que essas profissionais sabiam mais sobre o PBF que os outros que atuavam em sua implementação, mas, por participarem com mais frequência de cursos de capacitação oferecidos pelo MDS, poderiam fornecer informações mais abrangentes sobre o programa, desde as orientações do MDS até a operacionalização do PBF no município. Após contato com a equipe técnica do PBF e de posse das listas das famílias beneficiárias e egressas, foram mapeadas as unidades familiares que, no período do trabalho de campo, ou seja, nos meses de outubro e novembro de 2013 estavam recebendo o benefício, também aquelas que haviam sido desligadas. Finalmente, procedeu-se a um sorteio para compor a amostra das famílias beneficiárias, representadas preferencialmente pelas mães. Na impossibilidade dessa opção, como segunda alternativa optou-se por entrevistar as avós que cuidavam dos netos e que residiam na mesma casa (que foi o caso de apenas uma família). A participação das mulheres na pesquisa como representante das famílias teve como justificativa o fato de que as mesmas são as representantes de suas famílias junto ao PBF, responsáveis por receber o benefício financeiro. Para realizar o sorteio das famílias, utilizaram-se os nomes daqueles que responderam e enviaram de volta os 70 bilhetes, que somaram 49 famílias, entendendo que estas estavam dispostas a participar da pesquisa. Importa destacar que o critério para escolha da amostra foi o fato de a família estar cadastrada no Programa e ser beneficiária, ou seja, que estava recebendo o benefício, não importando o valor recebido, residentes na zona urbana, no território de abrangência dos CRAS no município de Muriaé, com filhos matriculados na escola dos bairros, no período da coleta de dados, durante os meses de outubro e novembro de 2013. Num primeiro momento acreditou-se que seria viável realizar as entrevistas nos CRAS, mas após a condução de uma entrevista-piloto, percebeu-se que naquele ambiente havia sempre muito barulho, com grande circulação de pessoas, especialmente vinculadas ao CRAS, o que poderia inibir os entrevistados ou influenciar as respostas e a expressão da percepção das famílias. Diante disso, compreendeu-se que seria enriquecedor realizar visitas domiciliares, para observar o contexto familiar dos beneficiários: suas condições materiais (aspectos físicos das moradias, da infraestrutura de serviços disponíveis etc.), aspectos de sua vida social e afetiva (os conflitos, os hábitos, os relacionamentos entre as pessoas), entre outros aspectos. Para um aprofundamento do contexto familiar, trabalhou-se com 25 famílias/mães, que representam 51% do total amostrado porque foi considerado que as famílias beneficiárias do Programa não apresentavam as mesmas características e não estavam no mesmo estágio de pobreza e de exclusão social, como se fossem um grupo homogêneo. Além disso, Deslandes (2002) apontou que a pesquisa qualitativa não se baseia no critério numérico para garantir sua representatividade, uma vez que busca uma visualização mais detalhada da realidade pesquisada. Por outro lado, Escorel (1999), Castell (1997) e Paugan (2001), apontam que esses fenômenos são processos e estados multifacetados e variados, que resultam de trajetórias diferentes; ou seja, a pobreza e a exclusão social tomam forma em cada arranjo familiar, de acordo com vários aspectos, como: composição da família, chefia da família, ciclo de vida, doenças, desemprego etc. Buscou-se compor o perfil socioeconômico das famílias, bem como identificar o acesso que tinham a serviços de saúde, educação, as suas condições de moradia, dentre outros aspectos. O contexto de cada unidade familiar, com seus inúmeros 71 aspectos, contribuiu para elucidar situações de pobreza e de exclusão social variadas. 3.4. A construção dos indicadores: categorias e variáveis de Análise As três categorias de análise deste estudo - pobreza, exclusão social e cidadania foram ―objetivadas‖ a partir de indicadores que foram construídos em função dos fundamentos teóricos trazidos, principalmente, por Amartya Sen (2000), Martins (2002, 2007) e Da Matta (1987). A partir do pressuposto de que não é apenas a transferência de renda às famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família que pode contribuir para superar as situações de pobreza e de exclusão social, com fortalecimento da cidadania, desmembraram-se as categorias analíticas em indicadores e elegeram-se aqueles avaliados como importantes para avaliação das mudanças nas situações de pobreza e de exclusão vividas pelas famílias, bem como para examinar a prática cidadã destas após o ingresso no Programa. A construção dos indicadores de pobreza, fundamentada em Sen (2000), baseouse, assim, em critérios que permitissem avaliar as privações de capacidades e não apenas a pobreza de renda. Nessa lógica de compreensão da pobreza, elegeram-se indicadores que permitissem verificar se o PBF trouxe modificações às situações de pobreza para o grupo beneficiado. Foram eleitos como indicadores os seguintes fatores: pobreza de renda (inexistente, insuficiente ou baixa); fome (falta de alimentos, número de refeições por dia); condições de educação (anos de escolaridade, serviços de educação oferecidos); condições de cuidar da saúde (serviços de saúde oferecidos); condições de habitação (situação de acesso, materiais utilizados na construção etc.); e participação em cursos de capacitação. Para a análise da exclusão, utilizaram-se, basicamente, os mesmos fatores de pobreza, considerando também os vínculos e as redes de parentesco, de amizade, de vizinhança e de religião. A escolha dos indicadores de exclusão social foi ancorada nas contribuições de José de Souza Martins (2002, 2007), que entendeu que há inclusões marginais e não apenas uma única forma de exclusão social, sendo os principais aspectos afetados as condições de trabalho, de consumo e as relações entre as pessoas. Não se teve a pretensão de avaliar o indicador fome considerando o aspecto nutricional na perspectiva da Segurança Alimentar, porque se baseou na percepção das famílias, ou 72 seja, na percepção que as famílias tinham sobre situações de fome e o acesso a alimentos, antes e depois da participação no PBF. Justificou-se a análise das relações sociais considerando que a exclusão social é um fenômeno mais abrangente, marcado, inclusive, por ruptura de vínculos sociais. Os indicadores selecionados foram: condições de trabalho (tipos de trabalho e atividades desenvolvidas); condições de consumo (tipo de bens consumidos, bens mobiliários e imobiliários, consumo de roupas, remédios e alimentos, formas de pagamento); e relações sociais (vínculos e redes com vizinhos, parentes, amigos e religiosos). Com relação à categoria cidadania, a pesquisadora apoiou-se nas contribuições de Marshall (1967) e Da Matta (1987) e na Constituição Federal do Brasil de 1988, para verificar o acesso e exercício das práticas cidadãs das famílias beneficiárias. Buscou-se verificar o acesso e o exercício de alguns serviços e direitos por parte das famílias, observando se depois do ingresso no Programa houve o fortalecimento de práticas cidadãs; ou, ao contrário, a política do favor, assistencialista, reproduzida nas políticas governamentais de corte social, que não caminham na consolidação de um direito, reforçando mecanismos seletivos, como forma de ingresso das demanda sociais, além de acentuar o caráter eventual e fragmentado das respostas dadas à problemática social. A partir de um conjunto de direitos, elegeram alguns indicadores para verificar se o ingresso e participação no PBF havia incentivado e reforçado as práticas cidadãs. Portanto, os indicadores escolhidos foram: desemprego (tipos de ocupação/trabalho, estratégias de sobrevivência, tempo de desemprego), escolaridade (nível de escolaridade), condições de cuidar da saúde, satisfação com o atendimento), atividades de lazer (tipos de atividades de lazer no bairro e participação das famílias em atividades de lazer), segurança (preocupações e percepções das famílias ligadas à segurança, em termos de violência, circulação e consumo de drogas). É importante considerar que um mesmo indicador pode estar implicado em várias dimensões da vida e, portanto, ligado tanto à pobreza quanto à exclusão e à cidadania. Então, esta análise global visou considerar os indicadores sempre voltados para as três categorias centrais - pobreza, exclusão e cidadania. Além disso, no contorno deste estudo o interesse nas condições de desigualdade social, pobreza, e empoderamento das famílias beneficiárias está diretamente ligado às mudanças de suas condições provocadas pelo Programa Bolsa-Família. Portanto, a análise dessas categorias esteve sempre associada às ações do PBF voltadas para as famílias beneficiárias, em nível local. 73 3.4.1 – Variáveis de Análise Na análise documental, examinou-se as seguintes categorias de análise: leis, decretos, portarias e instruções normativas para implementação do PBF, além de número de beneficiários e cobertura do Programa Bolsa Família, número de famílias desligadas do programa; recursos transferidos; acompanhamento de condicionalidades; indicadores de gestão descentralizada; entre outros. Quanto à caracterização socioeconômica das famílias, foram consideradas as seguintes variáveis: Idade: idade dos entrevistados em anos completos na data da entrevista. Estado Civil: solteiro, casado, viúvo ou separado (entram nessa categoria indivíduos desquitados, abandonados, união estável e outros). Tipo de família: família nuclear (pai, mãe e filhos), mono parental (pai ou mãe e filhos), extensa (pai, mãe, filhos e outros parentes), composta (pai, mãe e outros membros não familiares) e outros (crianças sem a presença dos pais). aprovação. trabalho, ou desenvolvida pelo respondente; Número de filhos: quantidade de filhos vivos na data da entrevista. Nível de Escolaridade: obtida em função da série e do maior grau concluído com Ocupação principal: ocupação do entrevistado registrado em sua carteira de Sem ocupação: desempregados, vivem de favor, doações e outros. Renda mensal: valor do PBF somados a outros rendimentos declarados Estrutura Familiar: nº de pessoas que residem na mesma casa, o status e papel de cada membro. Para o dimensionamento do empoderamento, foram analisados: mudanças das relações familiares, em termos de acesso a novas redes sociais 22, tanto formais quanto informais, que podem contribuir para a melhoria das relações familiares e comunitárias; 22 Há diversos conceitos sobre redes. De acordo com Capra (1996), rede é vida. Para outros autores, as redes são um conjunto de relações interpessoais voltadas para um objetivo comum (Lopes e Moraes, 2000). Whitaker (1993, p. 41) classifica redes como um sistema de nós e elos, capaz de organizar pessoas e instituições, de forma igualitária e democrática, em torno de um objetivo comum. Para Castells (1999, p. 499), rede é um conjunto de nós (organizações, departamentos, pessoas) interconectados. São estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós, desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmo códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho). 74 novos conhecimentos e capacidades (cursos realizados), com geração de renda; participação em organizações, associação social e política; elevação da autoestima, poder de decisão, autoconfiança, oportunidades sociais e controle sobre suas vidas. No que concerne aos impactos do programa, foram analisados o perfil das famílias egressas, causas do desligamento e influências do benefício em suas vidas. 3.5 – Procedimentos de Análise dos Dados Para descrever o desenho do Programa Bolsa-Família, em nível nacional (em termos dos programas que o compõem, suas metas e princípios), referenciou-se em uma pesquisa documental feita ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. As informações pesquisadas constituíram-se da história dos programas de transferência de renda, relação entre o PBF e a promoção de cidadania e definição do Programa em termos de superação de pobreza e exclusão social, além dos conteúdos gerais contidos na legislação pertinente. Para caracterizar o PBF em Muriaé, a partir dos gestores e das famílias beneficiárias, realizaram-se entrevistas semiestruturadas com a Secretária Municipal de Desenvolvimento Social e com o gestor do PBF, em Muriaé, bem como entrevistas semiestruturadas com as famílias beneficiárias. As informações principais pesquisadas constituíram-se da história e fase do processo de implementação do Programa Bolsa-Família em Muriaé; ações e programas complementares que a Prefeitura Municipal de Muriaé oferecia às famílias beneficiárias do PBF e alterações nas condições de vida das famílias beneficiárias pelo Programa. Para caracterizar o perfil socioeconômico das famílias atendidas pelo Programa Bolsa-Família, utilizaram-se como técnicas de coleta de dados: entrevistas semiestruturadas, com levantamento dos dados socioeconômicos das famílias beneficiárias, observação das condições de moradia e registros fotográficos. Buscaram-se, principalmente, as seguintes informações: aspectos da composição das famílias (grau de parentesco, idade, sexo, estado civil, escolaridade, raça/cor); condições de saúde e de educação, ocupação, trabalho, emprego e renda dos membros das famílias; tipo de imóvel (casa, apartamento, cômodos etc.), características do imóvel, condições de consumo, vínculos de amizade, parentesco e de vizinhança. 75 Para identificar a percepção que as famílias beneficiárias, egressas e os gestores municipais tinham do Programa Bolsa-Família e as mudanças sentidas no que diz respeito à diminuição da pobreza e empoderamento das famílias, utilizaram-se como técnica de coleta: entrevistas semiestruturadas com as mulheres beneficiárias e egressas além da observação das condições de moradia, juntamente com anotações no diário de campo, além de registros fotográficos das moradias. Aos profissionais foram dirigidas entrevistas semiestruturadas. Escolhemos as mães para serem entrevistadas representando as famílias, porque são consideradas pelo Programa como membros preferenciais para receber o benefício. Buscaram-se as seguintes informações: como as famílias definem o Programa Bolsa-Família; se se consideram que o recurso monetário transferido pelo PBF altera as condições de vida; como e em que o recurso monetário é utilizado; o que consideram positivo e negativo no Programa; as mudanças sentidas depois do ingresso ao PBF; o que pensam sobre o cumprimento de condicionalidades, expectativas em relação ao futuro de suas famílias e outras informações. Para analisar os dados contou-se com as contribuições de Minayo et al. (2005) que sugerem um trabalho cuidadoso de organização, análise e interpretação dos dados. Sendo assim, parte dos dados foram organizados e processados com base na análise quantitativa, nos termos da estatística descritiva, a qual fornece um perfil das características do grupo estudado e da distribuição dos eventos nesse grupo (MINAYO, 2005), Outra parte dos dados foi analisada considerando a interpretação dos sentidos, proposta por Minayo et al. (2005), visando extrair dos dados coletados as informações necessárias para responder aos questionamentos da pesquisa, conforme os objetivos estabelecidos. Essa forma de análise pressupõe seguir as orientações teóricas sobre o tema estudado, que deram origem à história oral, sem perder de vista a descrição da pesquisa. O caminho percorrido teve início com a organização dos dados coletados, sendo o primeiro passo transcrever as entrevistas e as anotações do diário de campo, incluindo as observações de características para linguísticas, como choros, risos, silêncios e etc. Para cada família deu-se um código F1, F2... representando, respectivamente, família 1, família 2 e, assim por diante; e os sujeitos pesquisados receberam nomes fictícios para preservar a sua identidade. As anotações do diário de campo incluíram aspectos das condições de moradia, dos relacionamentos entre as pessoas da família e situações 76 que surgiram durante as entrevistas. Essas observações foram importantes para compor o quadro de referências das respostas, pois permitiram contextualizar as falas. Após a transcrição do material coletado, retomaram-se os objetivos da pesquisa, fazendo inúmeras leituras do material, com o intuito de ter uma visão de conjunto e, ao mesmo tempo, destacar as particularidades. Essa leitura compreensiva foi orientada pelo referencial teórico, que permitiu olhar para os dados de forma contextualizada. Em seguida, elaboraram-se as estruturas de análises, que consistiam em ―partes ou gavetas‖ para classificar, agrupar e dividir o material, observando as ideias que estão implícitas nos textos. Tratava-se da etapa da construção das inferências, na qual é importante a construção de quadros com as ideias implícitas presentes nos depoimentos. O material foi organizado conforme os atores: de um lado as entrevistas das famílias e de outro as entrevistas das profissionais do PBF. Primeiro, realizou-se a análise estatística descritiva, para compor o perfil socioeconômico da amostra. Em seguida, organizaram-se as estruturas de análise compreensiva, dividindo e agrupando os dados conforme os objetivos da avaliação. O mesmo procedimento foi feito com as entrevistas das profissionais, quanto à parte de análise compreensiva. A partir do procedimento analítico indicado por Minayo et al. (2005), teve início a descrição dos dados; em seguida, realizou-se a análise (que pressupõe decompor um conjunto de dados); e, por fim fez-se a interpretação de sentidos (que visa buscar sentidos das falas e das ações dos sujeitos para alcançar a compreensão ou explicação para além do que é descrito e analisado). Minayo et al. (2005) destacaram que a simples exposição dos dados apenas reafirma as opiniões dos entrevistados, o que constitui o construto de primeira ordem. A interpretação é uma etapa que cabe ao investigador fazer inferências e estabelecer o diálogo entre a teoria e a leitura compreensiva dos aspectos observados junto com as falas e seus contextos. 77 IV - RESULTADOS E DISCUSSÃO Nesta parte, buscou-se caracterizar o PBF em Muriaé, em termos dos processos pertinentes à sua implementação e da percepção que os seus gestores têm acerca do funcionamento do programa. Em seguida, foi examinado o contexto familiar e o perfil socioeconômico das famílias bem como a percepção que as mesmas tinham sobre o programa. E, finalmente, procurou-se analisar se, após a participação no programa, houve diminuição da pobreza e da exclusão, com estímulo ao exercício da cidadania e inclusão social por parte das famílias atendidas. A articulação entre a transferência de renda e outras ações paralelas não fazia parte do contexto das famílias beneficiárias do PBF de Muriaé/MG; logo, a possibilidade de melhoria da situação econômica e social ficava limitada pelas condições educacionais e psicossociais dos próprios beneficiários, o que também foi revelado na pesquisa coordenada por Silva et al. (2006). Os resultados também são compatíveis com os da pesquisa de Macedo e Brito (2004) sobre os Programas PETI e Bolsa-Escola, em termos de uma proposta efetiva que associe trabalho, capacitação e transferência de renda para absorver os desempregados. Conforme foi manifestado por alguns entrevistados, ―todo dia a gente tem uma luta‖, e como foi possível observar a luta dessas famílias era para sobreviver e resistir. Luta essa que não era, nem é diferente das famílias beneficiárias do PBF residentes nas Regiões Norte e Nordeste do país. A pobreza e as exclusões não afligem somente as famílias de lá, da região da ―velha exclusão‖, pois assolam também essas famílias, que possuem alguma escolaridade, alguma experiência de trabalho e que não são extensas, isto é, as famílias da ―nova exclusão‖. 4.1. O Programa Bolsa-Família no município de Muriaé O PBF em Muriaé tem sua origem no início de 2001, com o Programa BolsaEscola. Atualmente atende um total de 5.249 famílias, embora o número de famílias cadastradas à espera do benefício contabiliza 8.116. Inicialmente os cadastros eram realizados apenas na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social- SMDS. Em 2003, após o surgimento do Cadastramento Único, os cadastros passaram a ser realizados também nos CRAS. Segundo a Equipe Técnica do PBF de Muriaé, muitos 78 cadastros foram preenchidos com informações falsas, possibilitando o acesso ao benefício de famílias não aptas ao recebimento. De acordo com a equipe técnica o setor de cadastramento tem que reparar e anular alguns cadastros, uma fez que a renda da família é auto declaratória. Em 2003, com a unificação de todos os programas e o surgimento do BolsaFamília, as famílias participantes dos outros programas tiveram que migrar para ele. Em Muriaé, a adesão do município ao PBF aconteceu somente em setembro de 2005. A partir daí, todos os anos, as famílias (mães) têm de realizar o recadastramento junto à equipe do programa na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social. Caso isso não aconteça, o beneficio é bloqueado, mesmo para as famílias cadastradas que ainda não receberam o benefício. Em caso de mudança de município, a pessoa deve solicitar a transferência, já que cada pessoa (família) tem um número de identificação social - o NIS. Com essa transferência, é realizado um novo cadastro, passando a prevalecer o mais atual. Para se cadastrar, a pessoa tem que solicitar o cadastro na SMDS, momento no qual é realizada uma pequena entrevista para analisar se a família se enquadra no perfil de beneficiário do PBF, que é estabelecido de acordo com a renda per capita da família. Somente depois dessa etapa a equipe do PBF faz uma visita à família com o objetivo de observar as condições da casa, checar a carteira de trabalho de todos os maiores de 18 anos e observar as condições de vida das famílias. O cadastro, propriamente dito, é feito na casa da família. A realização do cadastro, no entanto, não significa que a pessoa vá receber o benefício. A família passa a fazer parte de uma lista, em uma fila de espera que é organizada pelo MDS. A suspensão do beneficio pode ocorrer por falta de cumprimento das condicionalidades de saúde, por infrequência escolar, quando o cartão de vacina não está em dia, quando a renda per capita está acima do limite e, ainda, por duplicidade de cadastramento. De acordo com a coordenadora do PBF, a maioria dos bloqueios em Muriaé é por falta de recadastramento, sendo possível liberar no município mesmo. Contudo, quando o MDS já cancelou o cadastro, não é possível reverter o cancelamento no município. Em até 60 dias de bloqueio do benefício é possível reverter a situação no próprio município. Depois disso, só através de preenchimento de formulário-padrão, que é enviado para Brasília. No entanto, esse é um processo muito demorado, visto que a família volta para a lista de espera. 79 4.1.1- Estrutura de funcionamento do Programa Neste tópico são apresentados os aspectos relacionados à estrutura de funcionamento do PBF em Muriaé, como: a equipe de trabalho, as ações desenvolvidas e os cursos complementares idealizados e desenvolvidos. A equipe é formada pela gestora do PBF, que tem sob sua coordenação: um entrevistador, os cadastradores (contratados desde dezembro de 2005), um digitador, uma Assistente Social- supervisora de campo. Além de coordenar a equipe, a gestora do PBF atende as famílias, faz planejamento de projetos e ações sociais e acumula outras funções dentro da SMDS; portanto, não tem dedicação exclusiva ao Programa BolsaFamília. Mas é a primeira vez no município que o Índice de Gestão DescentralizadaIGD23 é gerido de forma descentralizada e Inter setorial junto à saúde e educação, sendo realizadas ações de inclusão social, entendida como a implementação de cursos de capacitação para o trabalho. Há um Conselho Municipal de Assistência Social que representa a Instância de Controle Social, que é constituído por profissionais das áreas de saúde, educação, assistência social, segurança alimentar e por representantes da sociedade civil. Segundo a gestora e a coordenadora, o conselho municipal obedece às exigências de intersetorialidade e paridade entre governo e sociedade previstas pela legislação. As reuniões do conselho ocorrem mensalmente, e um das suas principais funções é colaborar com o acompanhamento do Programa, compartilhando as responsabilidades e as decisões sobre o seu funcionamento, conforme apontou a gestora municipal. Os cursos e programas paralelos ao PBF ainda não foram desenvolvidos no município para atender a uma parcela maior de famílias beneficiárias. No município ocorreram apenas alguns cursos para um grupo menor de famílias beneficiárias com ações bastante pontuais. Apesar disso, a gestora do PBF reconhece que o oferecimento de cursos é importante para as famílias e aponta o princípio de funcionamento para eles: 23 Índice de Gestão Descentralizada é um número indicador que varia de 0 a 1 e mostra a qualidade da gestão do Programa Bolsa Família (PBF) no âmbito municipal, além de refletir os compromissos assumidos pelos municípios no Termo de Adesão ao Programa Bolsa Família (Portaria GM/MDS nº 246/05). 80 Reconheço a importância destes cursos para as famílias e para o próximo ano será umas das prioridades como ações complementares junto às famílias (gestora do PBF). Segundo a equipe 1 do PBF, outros cursos estão idealizados, como o de eletricista e o de pedreiro, porém ―ainda faltam ajustes para a operacionalização‖. As dificuldades de oferecimento dos cursos de geração de renda e inclusão ao trabalho foram associadas, na sua fala, a questões de ordem burocrática, especificamente referentes à contratação de pessoal e compra de material permanente. No caso da contratação de pessoal, a legislação atual estipula que só pode haver contrato de trabalho de seis meses. Segundo a gestora, essa norma ―impede a formação de uma boa equipe e o desenvolvimento de um bom trabalho, já que, após esse período, há interrupção das atividades, afetando sobremaneira o trabalho com as famílias‖. Na fala da gestora municipal, ―recursos não faltam, o IGD é repassado, a dificuldade está em conseguir comprar material permanente e a questão da contratação de pessoal.‖. Este ponto está compatível com o que Silva et al. (2006) apontam a respeito de uma limitação importante, que está ligada à articulação da transferência monetária com outras políticas/programas sociais em desenvolvimento. Em pesquisas realizadas com outros programas de transferência de renda, Silva et al. (2006) afirmam que os próprios técnicos responsáveis revelam não haver uma efetiva articulação, de modo que, com frequência, não há atendimento das pessoas encaminhadas ou, quando ocorre, se dá de forma insatisfatória. Para esses autores, os motivos que impedem articulação entre programas são de ordem burocrática. 4. 2 O significado do PBF na percepção da equipe técnica Em relação aos significados que os profissionais entrevistados atribuíram ao PBF, foi possível identificar que estas reconhecem o Programa enquanto uma via imediata para a sobrevivência de algumas famílias e apontam que os efeitos esperados só serão alcançados em médio e longo prazo. Reconhecem que o programa necessita de ajustes para melhorar, inclusive quanto ao incentivo ao trabalho. A Equipe Técnica destacou que o Programa atinge as famílias de forma diferenciada, porque, para 81 algumas, o beneficio é utilizado para a família e, para outras, a presença de dependência química impede o uso do dinheiro para melhorar a situação do grupo familiar. Na sua fala, pode-se constatar as limitações do PBF ao afirmar que: Sou a favor do PBF, não sou contra, mas penso que o programa deve ir além da transferência de renda. Em minha opinião, precisamos fazer alguns ajustes no programa, a ideia é boa, mas precisa ser melhorada, principalmente quanto ao incentivo ao trabalho, porque só receber aquele dinheiro não altera as condições de vida das famílias. Eu acredito no Bolsa-Família; porém, na minha visão a inclusão tem que ser pensada para médio e longo prazo, não podemos ser imediatistas. O imediato é a transferência de renda, a inclusão não acontece de hoje para amanhã. O programa está no início, falta ainda completar, comprar material como eu falei a gente não consegue tudo e em pouco tempo, mas eu acredito no Programa. O problema é que o sofrimento das famílias é tão grande que elas querem e precisam de tudo muito rápido, e no Bolsa-Família o mais rápido é o dinheiro (Equipe 1). Essa opinião é compartilhada por outro membro da equipe técnica, ressaltando que: Eu acho que o PBF contribui para mudar a vida das famílias sim, principalmente porque a criança tem que ir para a escola, porque senão será bloqueado o benefício, a criança tem que frequentar a escola. (...) Para algumas famílias o programa contribui para a inclusão sim, porque elas sabem utilizar o beneficio, compram as coisas para os filhos, alimentos, calçados e roupas, mas tem outras (famílias) que continuam na mesma situação, não sei o que acontece, a maioria das vezes é o vício mesmo (Equipe 2). Assim, segundo opinião dos envolvidos com o programa, principais limitações do PBF, referem-se a alguns aspectos, como: situação e perfil das próprias famílias; relação entre receber o beneficio e parar de trabalhar; questões de ordens burocráticas e de falhas em algumas etapas de funcionamento do programa; e falta de informação e articulação com outros atores sociais e secretarias municipais. De acordo com uma das entrevistadas, o perfil de muitas famílias, associado a problemas psicológicos, de saúde e dependência, que também foi apontado por algumas famílias, impede melhorias nas suas condições de vida. Isso significa dizer que, em alguns momentos, as profissionais ―culpam‖ as famílias pela permanência de suas condições de pobreza e de exclusão. Para elas, inclusive, algumas famílias não apresentam condições mínimas de participar de um curso que lhes possibilite inserção no mercado de trabalho e inclusão social. As falas da equipe1 indica a necessidade de 82 profissionais, como psicólogo e assistente social, para preparar as pessoas em situações mais difíceis de falta de saúde, principalmente psicológica: No último mês, mobilizamos a equipe dos CRAS para iniciar um trabalho de preparação das pessoas, as que estiverem em situações mais difíceis, como depressão, problemas com vícios e outros problemas. Têm situações que não permitem as pessoas nem fazerem um curso, por isso, precisamos trabalhar com elas numa recuperação e preparação para o trabalho (Equipe 1). Nós temos muitas denúncias de gente que deixa os filhos passar fome, e bebe muito, muitas pessoas viciadas (Equipe 3). Nós temos nos CRAS quatro assistentes sociais e quatro psicólogos, eu acho que tem que trabalhar com as famílias, porque sem os cursos, o Bolsa-Família não anda. Tem que ter os cursos de orientação e geração de renda (Equipe 2). A percepção das profissionais, bem como das famílias dos problemas de dependência química é compatível. Assim como algumas mulheres beneficiárias problematizaram o uso do benefício para consumo de drogas e apontaram a necessidade de apoio psicológico para orientar algumas pessoas quanto ao uso do beneficio em prol da família, as profissionais também perceberam esse quadro e a necessidade de orientação de algumas famílias. Outro aspecto apontando como um limite do programa em Muriaé, na percepção das profissionais, foi a ausência de critérios de seleção no início do cadastramento das famílias, o que faz com que muitas destas fornecessem informações falsas no momento do cadastramento, como relatado a seguir: (...) a gente sabe que a pessoa está mentindo, que trabalha, a gente conhece e não pode fazer nada. E a falta de documentos também, agora é exigido que toda pessoa acima de 16 anos tenha documentos (título ou CPF), e as famílias e as mães não têm. O que a gente quer é acabar com esse povo que está recebendo sem necessidade, porque a nossa vontade é trabalhar com o povo que precisa mesmo, mas para isso a gente precisa de ajuda, de denúncias, porque não tem como o município fazer isso sozinho. Acham que essa função é do município, mas é muito difícil para o município (Equipe 1). Assim como as profissionais, as famílias também percebem a ausência de critérios de seleção no cadastramento, o que foi evidenciado nos relatos sobre fraudes, 83 desvios, variação do valor como pontos que a maioria delas considera negativo no Programa. Membros da equipe técnica problematizaram a relação entre o PBF e o trabalho. Na ótica dessas profissionais, o Programa precisa ser repensado ou precisa de ajustes para impedir a acomodação por parte de algumas famílias, as quais se contentam com o valor transferido, se ele permitir fazer uma compra de alimentos ou pagar algumas contas. Nesse caso, o Programa cria uma dependência, e a família não se sente motivada a buscar novas fontes de renda. Esse aspecto foi apontado pela gestão do PBF e também por algumas famílias pesquisadas. Os cursos de geração de renda são vistos como uma necessidade do PBF, mas a gestão do Programa aponta a postura das famílias, como acomodação, como um dos entraves à implementação dos cursos: O negativo é que as famílias acomodam muito com o beneficio, se der para fazer uma compra, então não precisa trabalhar, não quer saber de trabalhar, só fica naquilo. (Equipe 3) O ponto fraco é sem dúvida a questão do trabalho, as pessoas acomodam com pouco, não sei se é o desespero e a falta de esperança, mas tem famílias que acham que precisam trabalhar só para comer, e é isso que nós precisamos modificar. Atuar nesse sentido, mostrar para as pessoas a importância do trabalho, o quanto faz bem trabalhar, conversar com outras pessoas, trocar experiências, crescer enquanto pessoa. Afinal: o trabalho dignifica o homem. É por aí (Equipe 1) A falta de orientação em relação ao funcionamento do PBF é também apontada como sendo uma limitação do Programa. De acordo com a gestora, algumas famílias não têm orientação suficiente sobre o Programa, inclusive para ajudá-las a entender como devem agir em relação a ele: Algumas famílias não têm orientação, às vezes o beneficio está bloqueado e ao invés de vir aqui, elas esperam no outro mês, e o beneficio acaba sendo cancelado. Outros vêm aqui e a gente já olha na hora e tenta solucionar, vê qual é o motivo por estar bloqueado (Equipe 2). Na percepção da equipe técnica, atualmente foi possível realizar uma melhor articulação entre o PBF com as outras secretarias (de saúde e educação) para a adoção de medidas informativas, como campanhas e palestras que esclareçam mais sobre o funcionamento do Programa à população, embora elas se comuniquem para tratar de assuntos relacionados às condicionalidades do PBF. 84 Também foi apontado pela profissional do PBF que há dificuldades de articular ações entre o governo municipal e empresas privadas no município, visto que o setor privado teme ―trabalhar e colaborar‖ para apenas a prefeitura ser reconhecida pelas ações desenvolvidas. Nesse embate, o que se percebe é que os gestores do PBF ora responsabilizam as famílias (as suas características e condições de vida) pelo não cumprimento das condicionalidades e pelos limites encontrados na implementação do PBF e, consequentemente, pela não-melhoria de suas condições de vida; ora culpam os entraves burocráticos impostos pela própria legislação do PBF, a qual impede o desenvolvimento de ações de inclusão social mais eficazes, que resulte em melhorias das condições de vida para as famílias. O Programa é visto por ambos os lados famílias e profissionais como aquele que se resume a transferências monetárias com a contrapartida de saúde e educação por parte das famílias. Os cursos complementares previstos na legislação e que têm como objetivo promover a inclusão e fortalecer a cidadania ainda não foram ofertados para esse grupo de famílias. Diante disso, reconhece-se que a gestão do Programa é restrita apenas à transferência de renda, não conseguindo atingir a meta de inclusão social e de fortalecimento da cidadania através do desenvolvimento das capacidades das famílias, com condições de reduzir a exclusão e a pobreza. Os cursos são vistos como possibilidades de inclusão no trabalho. Sem eles, o ―PBF não vai para frente‖, já que ficará limitado apenas às transferências mensais, que são importantes - já que o sofrimento das famílias é intenso e, por isso, elas precisam de algo rápido, como o dinheiro transferido, para evitar situações de fome. No entanto, elas são insuficientes para atingir todas as metas do PBF. Os cursos e programas complementares ao PBF são considerados importantes para incentivar o trabalho, mas precisariam de ajustes na atual proposta do governo federal, segundo a gestora. Entretanto, mesmo sem os cursos complementares, a transferência monetária é percebida pelas profissionais como uma via muito importante, que impede situações de fome, assim como as condicionalidades de saúde e educação, que possibilitam mudanças positivas na vida das famílias beneficiárias. Além disso, de forma implícita, através das condicionalidades de educação, espera-se retirar as crianças e adolescentes das ruas, de situações de trabalho infantil e outras situações de ociosidade que permitam o envolvimento e consumo de drogas, prostituição e violência, segundo as profissionais. Esse aspecto, para a equipe técnica, é positivo porque condiciona o recebimento do 85 dinheiro à obrigatoriedade de frequência escolar e, portanto, minimiza o envolvimento das crianças e adolescentes nas situações descritas, enquanto incentiva o estudo e a formação para o futuro, o que também foi apontado pelas mulheres beneficiárias. Como foi apontado, a maioria das famílias beneficiárias percebe o cumprimento das condicionalidades de saúde e educação como um aspecto importante. Na avaliação da profissional entrevistada, é importante refletir sobre a qualidade da educação e dos serviços de saúde para a população pobre, pois ‗apenas frequentar a escola não garante que os objetivos do programa voltados para a inclusão e para a diminuição da pobreza estejam sendo atingidos‘. Afirma que: A criança tem que ir para a escola, porque senão será bloqueado, a criança tem que frequentar a escola. Agora a saúde é meio complicada, o PSF já vai de porta em porta, quase nem tem que sair de casa. A educação é mais interessante, porque a criança tem que ir para a escola, então ajuda sim (Equipe 1). Quanto à saúde e educação, acho importante sim, o aumento de unidades do PSF (Programa Saúde da Família) melhorou muito para as famílias. Quanto à educação, condicionar o recebimento à frequência escolar é um incentivo, mas a qualidade do ensino ainda precisa melhorar, não basta mandar para a escola. (Equipe 1). Embora as condicionalidades sejam vistas como importantes, em razão do nãocumprimento destas, muitas famílias constantemente têm seus benefícios cancelados. De acordo com a coordenação do Programa, apenas no mês de setembro/2013, em Muriaé, 390 famílias tiveram seus benefícios cancelados. A falta de organização e o desconhecimento das condicionalidades do PBF pelas famílias são vistos como os grandes responsáveis pelo cancelamento, como destaque um dos entrevistados: A saúde evoluiu muito, depois do PSF. É a secretaria que mais tem funcionários, eu acho que é falta de organização deles mesmo - das famílias! Não é possível, todo bairro tem agentes de saúde. Na educação tem reuniões com os pais. Aí é mais complicado, porque as mães vêm aqui chorando e dizendo que os filhos não querem estudar, que eles saem de casa, mas não vão para a escola (Equipe 2). Conforme os relatos da entrevistada, muitas mães sabem da importância das condicionalidades, inclusive sabem que o não cumprimento leva ao cancelamento do benefício, mas alguns filhos não querem estudar e enganam as mães, dizendo que vão 86 para a escola e ficam na rua. Provavelmente são os filhos adolescentes que conseguem ter autonomia para agir dessa forma. Diante do número de 390 famílias que tiveram seus benefícios cancelados em setembro de 2013, foi apontado não haver nenhuma medida ou estratégia das secretarias de Educação, Saúde e Assistência Social para informar as famílias, tampouco nenhum trabalho voltado para os adolescentes. O trabalho conjunto das referidas secretarias municipais poderia ser um ponto positivo do Programa. A percepção dos profissionais e das famílias beneficiárias sobre o PBF indica que o Programa é uma ajuda importante porque minimiza situações de fome e, através das condicionalidades, incentiva a frequência escolar e os cuidados com a saúde da família. Entretanto, como as profissionais percebem o Programa ainda não contribui para o fortalecimento da cidadania e para a inclusão das famílias, porque os cursos complementares à transferência de renda não foram ofertados no município para um grupo maior de famílias - apenas para um grupo restrito de famílias de um único bairro. Portanto, para as famílias, como elas recebem apenas a transferência de renda condicionada, a maioria percebe o PBF como o Bolsa-Escola. 4.3- Características socioeconômica das famílias beneficiárias do PBF Nesta parte do trabalho, buscou-se descrever os contextos familiares, bem como delimitar o perfil socioeconômico das famílias atendidas pelo PBF. Denominou-se ―perfil socioeconômico‖ a caracterização do grupo de famílias estudadas, composta por informações acerca da faixa etária dos pais e dos filhos, cor declarada pelas famílias, estado civil, escolaridade, trabalho e estratégias de sobrevivência, tipo e tamanho/composição do grupo familiar, formas de vínculos e redes, condições de habitação e acesso a serviços e bens e condições materiais das famílias (posse de bens, tempo e forma de aquisição de bens). Para tanto, considerou-se importante primeiramente realizar uma descrição dos contextos vivenciados pelas famílias pesquisadas. 4.3.1- Perfil socioeconômico das famílias A caracterização das famílias beneficiárias do PBF foi construída a partir de três grupos de análise: características das famílias (perfil socioeconômico); condições do 87 habitat familiar; além das condições materiais (posse de bens, tempo e forma de aquisição de bens). 4.3.2- Características das famílias do PBF Para a análise do perfil socioeconômico das famílias, foram entrevistadas mulheres na faixa etária de 27 a 59 anos; sendo que mais da metade se encontrava na faixa entre 31 e 40 anos. Seus companheiros, por sua vez, estiveram na faixa etária de 28 a 74 anos. O número médio de filhos das famílias entrevistadas foi de 2,6. A maioria das mulheres entrevistadas era casada, embora houvesse quatro que viviam em união consensual, duas separadas e duas solteiras (Quadro 3). Quadro 3 - Síntese de características do perfil socioeconômico dos membros familiares do PBF Muriaé/MG, 2013. Características Escolaridade Analfabetos 1ª a 4ª série 5ª a 8ª série Ensino médio Ensino superior Mulheres (64) Entre 27 e 59 Anos 2 36 15 10 1 Etnia (declarada) Branca 32 Negra 20 Parda 12 Estado civil Casado 27 Separado 12 União Consensual 14 Solteiro 11 Fonte: Pesquisa de Campo, 2013. Homens (64) Entre 28 e 74 Anos 5 33 14 12 Filhos (192) Entre 1 e 19 Anos 63 42 27 (vinte oito crianças ainda não estão em idade escolar e Trinta e dois adolescentes já concluíram o ensino médio) 42 20 2 27 23 14 Quanto ao nível de escolaridade, a maioria das respondentes sequer concluiu o ensino fundamental: duas não tinham nenhuma instrução do ensino formal, dezesseis 88 estudaram entre a primeira e a quarta série, cinco estudaram entre a quinta e a oitava série do ensino fundamental. Com um nível maior de instrução no ensino formal apenas duas: dona Ana, que estava cursando o ensino médio, e dona Célia, que tinha o ensino superior completo. Entre os homens, prevaleceu o mesmo padrão: dezoito não haviam concluído o ensino fundamental, dois concluíram a 8ª série do ensino fundamental e apenas um atingiu o ensino médio. De modo geral, conforme Quadro 3, verificou-se baixa escolaridade entre os adultos, com grande concentração de pessoas em torno de no máximo quatro anos escolares - aspecto que tem ligação direta com as condições de pobreza. Na análise que Pochmann e Amorim (2003) fazem sobre a nova e a velha exclusão, eles apontam que a ―velha exclusão‖ é marcada por situações brutais de fome, famílias numerosas em situação de grave pobreza e forte incidência de analfabetismo características que não constatamos nesse grupo. O fato de existir duas pessoas analfabetas e a baixa escolaridade esteve associado, na maioria dos depoimentos, às consequências da pobreza que atravessava as gerações, impondo a necessidade de interromper os estudos para trabalhar e ajudar os pais na reprodução da família, conforme os seguintes relatos: Eu comecei trabalhar muito nova, de empregada doméstica e na casa da minha mãe, porque eu precisei ajudar a cuidar dos meus irmãos, mas eu quero que minhas filhas estudem primeiro, e depois elas vão poder trabalhar (M14). Eu já trabalhava com nove anos, de empregada doméstica e também na lavoura, tinha que ajudar os meus pais, não tinha outro jeito. A gente precisava trabalhar (M12). Na roça a gente começa a trabalhar quando é criança. Eu e meu marido também, com dez anos a gente já ia pra lavoura. Os pais precisavam de ajuda, porque não dava pra pagar companheiro, então os filhos tinham que ajudar no trabalho. Aí não dava pra estudar não, mas pra roça tá bom (cursou até a 4ª série) (M25). Em relação à conformação das famílias, constatou-se uma predominância de famílias nucleares (59 famílias), compostas por pai, mãe e filhos. Os outros modelos são de famílias monoparentais femininas, compostas por filhos e mãe, e apenas uma família ampliada residindo na mesma casa - três gerações (avós, filhos e netos). Na amostra não foi encontrada nenhuma família reconstituída, caracterizada por pessoas que mantêm união estável, com presença de filhos de uniões anteriores. Verificou-se, portanto, que 89 na amostra predominou o modelo de famílias formadas por pai, mães e filhos. A maioria (58 famílias) tinha entre três e cinco componentes residindo na mesma moradia; apesar de ter sido constatado que em vinte três unidades familiares a constituição era de três componentes; em vinte cinco unidades, de quatro componentes; e em dez unidades, de cinco componentes (FIG. 3) Figura 3 – Composição das famílias, segundo o número de residentes na mesma casa. Fonte: Dados da pesquisa, 2013. Enquanto nas regiões Norte e Nordeste do país constata-se a ―velha exclusão‖, marcada pela pobreza com predomínio de famílias extensas em situações de fome e analfabetismo, na localidade pesquisada observam-se traços da ―nova exclusão‖: famílias pequenas, com alguma presença de atividade assalariada e algum grau de escolaridade. Das 64 famílias pesquisadas, apenas quatro não tinham nenhuma renda mensal. Essa realidade as levava a criar, frequentemente, diferentes estratégias de sobrevivência para tentar suprir (precariamente) suas necessidades. Contavam com a ajuda de parentes e da família e de benefícios sociais, como o PBF. Vinte dois tinham renda mensal variando entre R$100,00 e R$339,00 (meio salário mínimo); dezoito famílias tinham a 90 renda mensal variando acima de meio salário até um salário mínimo; dezesseis tinham renda mensal entre R$400,00 e R$678,00; e quatro apresentavam renda mensal de dois salários mínimos ou mais. Vale ressaltar que para o cadastro no PBF a renda observada é a per capita. Assim, são eleitas as famílias com renda mensal per capita de até R$70,00 (extrema pobreza) e famílias com renda mensal per capita de R$77,00 a R$154,00 (situação de pobreza). Por exemplo, a família que tem renda mensal de R$1.500,00 (a maior renda de nossa amostra) é composta por sete pessoas; logo, a renda per capita é de R$214,28. Com esse rendimento, essa família não poderia estar recebendo o benefício do PBF, conforme os critérios de elegibilidade deste. De acordo com uma das entrevistadas, dona Mariana, isso ocorre porque à época do cadastro a renda da família era mais baixa, visto que ela e o filho mais velho estavam desempregados. Das 64 famílias, apenas em dez unidades familiares havia um dos membros trabalhando no mercado formal de trabalho, contribuindo com o orçamento da família. Destes, as funções desempenhadas eram: atendente de loja (quatro); vigia noturno, pedreiro, agricultor, empregada doméstica, motorista de viação urbana, auxiliar de serviços gerais. O Quadro 4 abaixo especificado mostra a renda obtida pelas famílias, sem considerar a transferência do PBF. Vale mencionar que o salário mínimo vigente na época da coleta de dados era de R$ 678,00. Quadro 4 – Número de famílias pesquisadas por faixa de rendimentos, Muriaé/MG, 2013. Faixa de Rendimento Nº de famílias Sem renda 4 Entre R$100,00 e R$339,00 (meio salário mínimo) 22 Entre R$339,00 e R$678,00 (um salário mínimo) 18 Acima de um salário mínimo até R$ 678,00 16 Acima de dois salários mínimos 4 Fonte: Dados da pesquisa, 2013. Com o nível de escolarização que apresentam, a maioria conseguia trabalho somente em atividades que não exigiam maior qualificação: trinta e dois deles trabalhavam como trabalhador informal, doze estavam trabalhando como 91 pedreiro/servente em obras, dois como vigia noturno, cinco na função de motorista de viação urbana e um como estofador de sofás (trabalhador autônomo). Seis deles não estavam trabalhando: quatro estavam aposentados e dois estavam desempregados. A ocupação das mulheres obedecia ao mesmo padrão. Os dados mostraram que, das 64 mulheres entrevistadas, 30 (48%) estavam desempregadas e procurando trabalho há mais de seis meses; as demais trabalhavam na prestação de serviços, principalmente de forma informal, sem carteira assinada: cinco como empregadas domésticas, seis como faxineira, três como babás. Apenas quatro mulheres disseram que não estavam procurando trabalho, pois cuidavam da casa e dos filhos pequenos. Doze delas trabalhavam em atividades domésticas: seis mulheres trabalhavam, junto com os maridos. No que se refere à ocupação dos filhos, a maioria era estudante. No entanto, alguns deles, juntamente com a frequência à escola, desenvolviam algumas atividades que tinham o caráter de ajuda à família, como: trabalhar em casa (varrer, lavar roupas, limpar o quintal, cuidar da horta, recolher roupas do varal) e na rua (buscar lenha, vender picolés, catar latas e sucatas). Vale ressaltar que as mães não falaram explicitamente que os seus filhos desenvolviam essas atividades. Acredita-se que essa atitude se deveu ao receio de terem cortados os benefícios sociais, já que uma das exigências do PBF é a frequência à escola e, por consequência, a erradicação do trabalho infantil. As mães, no entanto, viam no trabalho dos filhos uma forma positiva de retirá-los das ruas e de criar o gosto pelo trabalho. Nas suas falas, diziam que os filhos podiam trabalhar ―em serviços leves‖. Assim, apontaram que às vezes solicitavam ajuda aos filhos para realizar atividades consideradas por elas leves e sem riscos, como varrer, tirar roupas do varal, catar latinhas e sucatas, ajudar a buscar lenha nas matas próximas etc. Assim, observou-se que muitas famílias preferem que os filhos trabalhem ―em algum serviço leve‖, como os citados, para evitar o tempo ocioso na rua. Pode trabalhar depois que chegar da escola, pode fazer um serviço leve, vender um picolé, mas levar pra roça pra plantar eu não sou de acordo não! (M11). Pode varrer um terreiro, uma coisinha leve, tirar uma roupa do varal, é melhor que ficar na rua (M4). Pode fazer um serviço em volta de casa sim, cuidar de uma horta, aí tira da rua e evitar de muita coisa (M22). 92 No cotidiano das famílias, o medo dos perigos que a rua oferece fazia com que valorizassem o trabalho como uma forma de diminuir o tempo dos filhos na rua, diminuindo assim as chances de envolvimento com atividades ilícitas, como o tráfico e o consumo de drogas, além da violência. De outro lado, não se pode desconhecer o fato de que o trabalho exercido pelos filhos significa também o aumento da renda da família, mesmo para as famílias que recebem o beneficio do PBF. O medo da rua pelas famílias também foi apontado em relação à falta de opções de lazer no bairro. A maioria das famílias disse que a falta de divertimento causa preocupações porque os filhos podem se envolver com drogas e bebidas mais facilmente, pois não têm outra ocupação na rua. A maioria afirmou não ter nenhuma atividade de lazer para as famílias se divertirem, e os depoimentos tinham tons de queixas e reclamações sobre a insuficiência de renda para a família se deslocar para outros bairros e para o centro da cidade para participar de alguma festa ou outra atividade de lazer. Em razão disso, o uso da televisão foi apontado por todas as famílias como o principal meio de divertimento e lazer. A minoria das famílias apontou festa junina na escola e forrós, que acontecem raramente no bairro. Os depoimentos selecionados mostram como as famílias percebem as atividades de lazer no bairro: Eu assisto televisão, agora a turma vai toda pro boteco, é mulher, é netos... (M3). Tudo é caro, tudo tem que pagar, se for a família toda fica muito caro e eu não tenho coragem de deixar as crianças, então a gente não sai (M2). Aqui não tem nada. A gente só assiste televisão (M16). Nada, nada pra se divertir, a gente assiste televisão e vai na igreja (M 17). Pra divertir? Tem a festa junina da escola né (M1). Portanto, após o PBF não houve mudanças quanto ao oferecimento de atividades de lazer para as famílias, pois a maioria afirmou continuar sem opções de lazer e divertimento. Como foi apontado, as famílias beneficiárias têm poucos recursos financeiros, o que impede o acesso a outras opções de lazer, em outros bairros e outras Cidades. Verificou-se que não há incentivo para a realização de atividades culturais no bairro, estimuladas por programas complementares à transferência de renda, com objetivo de fortalecer a cidadania. Percebe-se que as estratégias de sobrevivência apontadas pelas famílias figuram em torno de atividades como: fabricar sabão (para vender e para consumo próprio), 93 fazer faxina, fazer colchas e tapetes de retalhos, cuidar de crianças, de parentes ou de vizinhos e vender hortaliças. Essas atividades são, predominantemente, exercidas por mulheres. Para os homens, destacaram-se: atividades em obras, como servente de pedreiros, fazer reformas em casas ou apartamentos, pintura de casas ou apartamentos, capinar e limpar jardins. Conforme observado, as formas de trabalho e ocupação e as estratégias de sobrevivência dessas famílias lhes proporcionavam um retorno financeiro considerado baixo, comparativamente ao salário mínimo vigente e, sobretudo, considerando a satisfação das necessidades das famílias. Por isso, essas famílias se enquadraram no perfil de famílias a serem beneficiadas pelos programas sociais do governo, como acontece no PBF. Contudo, mesmo com o beneficio transferido pelo PBF, as famílias, em sua maioria, têm necessidades de diferentes tipos que não são atendidas pela renda total delas. Diante disso, na análise das condições sociais e materiais dos beneficiários do PBF foi importante entender o relacionamento entre as famílias, amigos e vizinhos: os vínculos e os conflitos que mantêm e estabelecem entre si. Nesse contexto, compete analisar a existência dos vínculos, o funcionamento das redes sociais (familiares, amizade, vizinhança, entre outras), enquanto importantes elos explicativos da sobrevivência das camadas populares, e os conflitos existentes no contexto do PBF. Apesar de as políticas públicas terem como função, ao menos em princípio, mediar as relações entre o Estado e os cidadãos, o conjunto social necessita de outros mediadores, principalmente os segmentos da população atingidos pela pobreza ou por situações que acentuam suas condições de exclusão social. Entre os diversos mediadores presentes na sociedade civil e que se colocam a serviço da população marginalizada, o circuito de sociabilidade acionado, por exemplo, pelo associativismo voluntário se constitui numa importante forma de amenizar a realidade cotidiana das famílias em situações de precariedade (MOREIRA, 2007). As redes sociais também funcionam como mediadores que estão a serviço das famílias pobres e excluídas, sobretudo as redes de família, de amigos e de vizinhos. Logo, para entender o relacionamento entre famílias, amigos e vizinhos na perspectiva da rede social, a pesquisa ancorou-se em Castells (2000), que define a rede social como um conjunto de nós interligados por diferentes linhas, que podem ser compostas por indivíduos, grupos de indivíduos ou instituições, com a estrutura ativa e a configuração flexível. A rede não possui um centro, mas nós de diferentes dimensões 94 e com relações que podem ser simétricas ou assimétricas. Ou seja, indivíduos, famílias e grupos que se articulam e estabelecem relações de trocas entre si, fortalecendo uns aos outros. Para Mance (2000), as redes sociais têm a seguinte estrutura: Trata-se de uma articulação entre diversas unidades, que, através de certas ligações, trocam elementos entre si fortalecendo-se reciprocamente. Estas podem se multiplicar em novas unidades, as quais, por sua vez, fortalecem todo o conjunto na medida em que são fortalecidas por ele, permitindo-lhe expandir-se em novas unidades ou manter-se em equilíbrio sustentável. Cada nódulo da rede representa uma unidade e cada fio um canal por onde essas unidades se articulam através de diversos fluxos (MANCE, 2000, p. 24). Portanto, a articulação entre as famílias marginalizadas se faz necessária e lhes permite trocas de diversos tipos e densidades que as auxiliam na reprodução do grupo familiar, uma vez que as carências - de ordem financeira e material - são presentes e intensas no cotidiano delas. Moreira (2007, p.8), ao abordar a importância de experiências associativas, aponta para a religação dos laços comunitários, que reativam a solidariedade e a inserção social, afirmando: ―A solidariedade, a confiança e a ajuda-mútua se configuram em elementos importantes de produção de capital social, que contribuem para o aumento da visibilidade social e da organização política‖. Em situações cotidianas de múltiplas carências, as relações de trocas variadas entre as pessoas evitam a intensificação e expansão do sofrimento e das condições de carências vividas, decorrentes da pobreza e da exclusão social. As famílias estabelecem diferentes tipos de rede - de parentesco, de amizade, de vizinhança e outras - com base na troca e mediadas pelo espírito de solidariedade. Neste estudo, observou-se a seguinte configuração sobre os vínculos entre as famílias e seus familiares (Quadro 5). Quadro 5 - Vínculos estabelecidos pelas famílias beneficiárias do PBF, com parentes, Muriaé/MG, 2013. Vínculos com os familiares Nº Com todos os familiares em todas as dificuldades 20 Com os pais sogros em todas as dificuldades 13 Com os familiares nos casos de doença e fome 14 Com um familiar apenas 3 Sem vínculo 14 Fonte: Pesquisa de campo, 2013. 95 A intensidade dos vínculos variava conforme as famílias e as relações estabelecidas entre elas, mas houve a presença de um vínculo forte entre vinte das famílias, ou seja, podiam contar com o apoio dos familiares em todas as dificuldades, conforme ilustram os relatos: Qualquer coisa que eu precisar, eles (familiares) me ajudam (M 3). Eles (familiares) ajudam com qualquer coisa. Eu não tenho telefone, e às vezes eu posso usar o celular deles, com alimentos também minha mãe ajuda a gente (M 7). Qualquer ajuda eu posso contar com eles (familiares), minha sogra me ajuda muito com as crianças também (M 9). Para tudo que a gente precisar pode contar, meus pais ajudam a gente muito e minha sogra também (M 25). Para quatorze famílias entrevistadas, a ajuda era acionada esporadicamente, em situações extremas de necessidade, ou seja, em situações de fome e doenças-quando a família não tinha nenhum alimento ou quando alguém da família era acometido por alguma doença. Acredita-se que, possivelmente, a baixa frequência das famílias em acionar ajuda junto aos familiares deve-se à situação de pobreza vivida também pelos parentes. Nesse sentido, a precariedade das condições vividas dos parentes era impedimento às situações de ajuda, principalmente financeira, conforme os relatos a seguir apresentados: Essa filha aqui sim, ela me ajuda (mora em outro bairro). Coitada, ela vai ter que amputar a perna, ela tem um problema na perna, ela não tem recurso pra me ajudar coitada, e sai lá da casa dela carregando esse menino, só pra ver como é que eu tô, isso já é uma ajuda, já é alguma coisa, né? (M 4). A ajuda que eles (familiares) podem dar é só conselho (M 23). Se precisar eles ajudam sim, mas só em caso de doença (M 1). Só favorzinho, ajuda grande eles não podem dar não. De pedir alguma coisa emprestada, favor pequeno sim, tudo bem (M 6). Os da minha família ajudam só em caso de doenças, com remédios (M 16). Com dinheiro não tem jeito deles ajudar não, mas com outras coisas sim, levar para o hospital (M 9). 96 Se precisar acho que sim, ajuda muito grande não, só se for pra comprar um remédio, né? (M 19). Essas narrativas permitiram dimensionar o valor da ajuda e da solidariedade entre familiares, pois verificamos que a maioria das famílias pesquisadas solicita e recebe ajuda de familiares com intensidades variadas, conforme as condições que as pessoas dispõem para ajudar. A maioria apontou que a ajuda financeira é mais difícil, porém a ajuda em caso de falta de alimentos, em situações de doenças e troca de favores é mais comum. Na dinâmica das ajudas familiares, percebeu-se que a rede social firmada entre as famílias pesquisadas e seus familiares se mostra como um conjunto de indivíduos que tem nós de diferentes dimensões e com relações de diferentes intensidades, que podem ser simétricas ou assimétricas; entretanto, de qualquer forma, as trocas e as ajudas fortalecem todo o conjunto, conforme expõem Castells (2000) e Mance (2000). Observa-se que a possibilidade de ajuda é seletiva e não depende dos vínculos consanguíneos, pois, para muitos, a possibilidade de ajuda se coloca conforme os vínculos de maior ou menor proximidade afetiva. Portanto, as pessoas selecionam a quem podem pedir ajuda: a um irmão e não a outro, aos cunhados e não aos irmãos, ao sogro e à sogra e não ao pai e à mãe; em alguns casos, os amigos são mais solicitados e ajudam mais do que os familiares. Sobre a relação entre vínculos consanguíneos e afetividade, Bourdieu (1996) afirmou que é possível ter um grupo familiar real unido por intensos laços afetivos devido ao trabalho prático e simbólico, que transforma a ―obrigação de amar‖ em ―disposição amante‖ e que produz o ―espírito de família‖. Também apontou que é plenamente possível o contrário; ou seja, famílias nas quais inexiste o espírito de família, pois o campo doméstico é também um espaço de lutas internas, com forças de fusão e forças de fissão entre os membros do grupo familiar. Com relação a confiança que a família sentia em relação aos familiares, 51 entrevistadas disseram ―confiar muito ou totalmente‖ nos familiares; duas disse que ―confiava mais ou menos‖; seis disseram que ―confiavam pouco‖; e cinco ―não confiavam‖. Importa destacar que nos depoimentos verificou-se que o nível de confiança se dava conforme o tipo e a frequência de ajuda que recebiam, bem como os vínculos de convivência que eram estabelecidos. Das quatorze famílias pesquisadas que não mantinham nenhum vínculo familiar, cinco também não confiavam nos familiares. As vinte que contavam com a ajuda de 97 todos os familiares diante de qualquer dificuldade disseram que podiam confiar muito ou totalmente neles. Três mulheres que disseram ter vínculo apenas com o irmão também manifestaram que confiavam nele totalmente. As treze que contavam com qualquer ajuda, embora apenas de pais/sogros, confiavam muito ou totalmente nestes. Das quatorze mulheres que disseram que só recebiam ajuda dos familiares em casos de doenças e fome, uma disse que confiava neles mais ou menos; uma confiava muito ou totalmente, porque a ―ajuda recebida era muito importante‖; dez confiavam pouco, apesar de receberem ajuda; e duas não confiavam, pois para elas ―ajuda é uma coisa, e confiança é outra‖. No conjunto das falas, emergiu a relação entre o nível de confiança e o tipo de ajuda. Assim, ―confiar totalmente‖ significa que pode contar com qualquer tipo de ajuda: Eu confio totalmente nos familiares, porque qualquer coisa que eu precisar eles me ajudam (M 4). Eu confio demais, porque eles (familiares) ajudam com qualquer coisa (M 8). Olha qualquer tipo de ajuda que a gente precisar eles ajudam, então a gente tem que confiar totalmente, né? (M 18). É confiança total, porque eles ajudam de acordo com o que podem ajudar, não é porque não querem ajudar (M 20). Sim, a gente confia demais porque pode contar com qualquer ajuda, de dinheiro emprestado também. Mas a gente paga tudo, vira e mexe a gente precisa, mas sempre vai lá e paga. Por isso a gente confia muito mesmo neles (M 25). A relação de não-confiança se estabelece quando não há ajuda, e o confiar mais ou menos e o confiar pouco também se constituem em função da pouca ajuda e da forma com que são ajudados. Essa percepção se estabelece em função da ajuda recebida, com boa vontade ou não. Eu não posso contar com eles não, então não dá pra confiar (M 21). Não confio na minha família não, porque não me ajudam com nada, nada. Mas na do meu marido sim, qualquer tipo de ajuda eles ajudam, confio totalmente neles (M 18). Eu não confio em ninguém. Não dá não, ninguém ajuda a gente, não tão nem aí pra gente (M 15). 98 Confio totalmente na minha mãe porque se tiver faltando alguma coisa aqui em casa e se eu pedir ela me ajuda, com qualquer coisa. Mas meus irmãos, eu confio mais ou menos neles, porque me ajudam pouco, nem sempre tem boa vontade (M 13). Apesar de ser meio esquisito, eles ajuda com cara feia, os parente né? A gente confia um pouco, acho que dá pra contar com qualquer ajuda (M 24). Conforme Quadro 6, no tocante aos vínculos entre os vizinhos, constatou-se que oito famílias podiam contar com os vizinhos em todas as dificuldades; ou seja, para ajudas com pagamentos de contas, nos casos de falta de alimentos, empréstimo de objetos, doenças, ajudas com conselhos e diálogos, cuidado dos filhos e outras. Seis apontaram que só podiam contar com a ajuda de vizinhos em caso de doenças; duas disseram que só recebiam ajuda com alimentos, para evitar situações de fome; três apontaram que existia apenas troca de favores e que, ―quando recebiam ajuda, ajudavam também‖. Seis delas, no entanto, disseram não manter nenhum vínculo com os vizinhos evitando, inclusive, até as conversas, para impedir conflitos. Quadro 6 - Vínculos estabelecidos pelas famílias beneficiárias do PBF, com vizinhos; Muriaé/MG, 2013. Vínculos com os Vizinhos Nº Sem vínculo 38 Em todas as dificuldades 14 Principalmente em casos de doença e fome 7 Apenas para troca de favores 5 Fonte: Pesquisa de campo, 2013. A intensidade da confiança é estabelecida em função da ajuda que recebem dos vizinhos, assim como ocorre com parentes. Contudo, é importante observar que em muitas famílias os vizinhos são também os parentes. As falas apresentadas a seguir referem-se à relação entre a ajuda em qualquer situação e o nível máximo de confiança que se estabelece entre vizinhos: Confio totalmente nos meus vizinhos, eles são amigos. Se a gente precisar eles ajudam, eles confortam, igual quando eu tava com dificuldade me ajudaram muito, pra fazer essa coberta (telhado) aqui eles me deram telha, dinheiro (M 22). 99 Meus vizinhos são muito bons, são meus amigos. Tem uma vizinha que lê receita pra mim, vê que remédio eu tenho que tomar, outras vem aqui me ver, conversar comigo. São tudo muito bom pra mim, me ajudam muito. Eu confio muito mesmo neles (M 3). Eu confio totalmente, porque os meus vizinhos são meus parentes também. Eles ajudam muito, sempre que a gente precisa, minha sogra me ajuda com os meninos, minha mãe também (M 2). Confio totalmente porque, além de ser vizinhos, é minha família. Então qualquer coisa que eu precisar eles me ajudam, com a minha filha, com as coisas que faltam, minha irmã leva ela (a filha) ao médico e ao dentista pra mim, leva pra escola, minhas sobrinhas ajudam com dever de casa, se precisar de um remédio eles ajudam também (M 4.). Em alguns vizinhos eu confio totalmente, porque eu já passei por uma situação difícil, e eles me ajudavam, com as coisas, com alimentos e com uma conversa amiga (M 17). A troca de favores entre os vizinhos está baseada na reciprocidade das trocas. Ou seja, a ajuda é mantida à medida que a reciprocidade acontece. Esse princípio, que regulamenta as trocas, estabelece, pois, um limite às famílias que não têm condições de devolver a ajuda na medida em que a recebem: Meus vizinhos são muito bons, quando a gente precisa de gelar uma água, uma carne eles guardam lá pra gente, porque eu não tenho geladeira. Eu faço sabão junto com essa vizinha do lado de cá, mas eu busco a lenha pra nós duas, pra mim e pra ela. Por isso eu confio um pouco neles né, mas dá pra contar com a ajuda deles sim (M 1). A gente confia em alguns, se precisar pode contar com a ajuda deles sim. Por exemplo, um dia desses a vaca do vizinho ficou atolada no brejo, então todos os vizinhos ajudaram a puxar e tirar o animal. A gente ajuda e eles ajudam, com esse tipo de ajuda e em caso de adoecer. Não é de dar as coisas, nem ajuda financeira (M 24). Se precisar de ajuda, em caso de doença, de dinheiro emprestado, nunca me negaram, mas também vai da gente ajudar, e se não pagar, não empresta mais (M 20). Foi constatado que trinta e oito famílias não possuíam vínculos com a vizinhança, e também não confiavam. Nas falas verificamos que o fato de necessitar de ajuda aponta para a posição de inferioridade, constrangimento e humilhação em relação aos outros, principalmente outro, próximo e igual. Já quem ajuda se põe numa posição de superioridade. Portanto, muitas pessoas que não têm condições de estabelecer a reciprocidade preferem não solicitar ajuda aos vizinhos. Por causa disso, se isolam, para 100 não ter que expor a situação cotidiana de sua família. O conjunto das falas a seguir expressa o significado presente no fato de não solicitar ajuda aos vizinhos. Eu acho que não confio em nenhum vizinho. Nunca pedi ajuda, graças a Deus (M7). Nunca pedi ajuda deles, porque eu não confio neles (M 5). Acho que confio muito sim. Mas poder contar com a ajuda eu não sei, nunca pedi. Mas, se eu vejo alguém precisando, eu ofereço ajuda. Minha casa já encheu de água e ninguém nunca me ajudou, nem ofereceram ajuda pra nada (M 5). Não confio. Eu não peço ajuda, não gosto de amolar ninguém (M 15). Não confio neles, têm alguns sim, mas outros não. Não ajudam não, a gente nem precisou também, mas já sabe que não dá contar com ajuda deles (M 8). A gente conhece os vizinhos, mas, por exemplo, ir um na casa uns dos outros não, só na casa da minha sogra e da minha cunhada que a gente vai (M 9). Amigos e vizinhos se confundem. Os amigos, para grande parte das famílias, são também os vizinhos e alguns parentes. Com os amigos, dez entrevistadas disseram que podiam contar com o apoio deles em todas as dificuldades, e em nove famílias existia confiança total nos amigos. Além dos vizinhos, é comum entre as famílias em situação de vulnerabilidade social ativar as redes de amigos, como pode ser visualizado no Quadro 7 Quadro 7 - Vínculos estabelecidos entre as famílias beneficiárias do PBF e os amigos Vínculos com os amigos Contam com a ajuda deles em casos de doenças e falta de Nº 25 alimentos Sem vínculo 23 Contam com a ajuda deles em todas as dificuldades 16 Fonte: Pesquisa de campo, 2013. Em torno de 25% das famílias informaram que podem contar com a ajuda dos amigos diante de qualquer dificuldade, como expressam os relatos: 101 Alguns amigos ajudam sim né, confio totalmente porque eles me dão força, às vezes eu adoeço, me ajudam. Me ajudam com muita coisa, cuida da minha saúde, vem aqui em casa (M 3). Em alguns sim, dá pra confiar muito mesmo, com ajuda financeira, alguns já ajudou a gente bastante também (M 16). Vinte Cinco das mulheres pesquisadas disseram que podiam contar com os amigos apenas em caso de doenças e quando faltavam alimentos; a confiança variava nessas circunstâncias. As falas selecionadas exprimem essa relação: Em alguns sim, confio um pouco só. Não sei, amigos pra confiar, pra valer, eu não sei, mas ajuda em caso de doença sim, pode até falar depois que ajudou, mas a gente pode contar (M 19). Em alguns amigos sim, confio muito, se precisar de ajuda financeira não pode contar não, mas em caso de doença, ajudam sim (M 17). Confio um pouco e posso contar com a ajuda deles, se alguém passar mal né... (M 2). Alguns sim a gente pode contar e confiar, eles ajudam com alimentos (M 7) Pode confiar em alguns sim, se precisar de alimento, em caso de doença pode contar com a ajuda deles sim (M 8). Em alguns a gente confia, mas é difícil confiar, porque o homem não pode confiar em outros homens, a Bíblia fala né, mas se precisar de ajuda, em caso de doença ajudam sim (M 20). Vinte e três mulheres afirmaram não ter amigos, apontando para algumas características e posturas, como inveja e falsidade, as quais geraram situações de conflito, que resultaram em decepção em relação às pessoas que elas consideravam amigas. Não confio e não posso contar. Amizade de verdade tá muito difícil, hoje não tem amigo sincero, muito difícil, eu não tenho amigos (M 4). Hum... Difícil... Tem amigos e amigos. Amigo de verdade eu não sei se tenho. Amigo não prejudica ninguém, não é mesmo? Eu confio um pouco e não posso contar com a ajuda deles pra nada. As vezes você pensa que é amigo, mas não é (M 5). Eu não tenho amigo nenhum. Meu único amigo é só Deus. Amizade até tem, a gente conhece os outros, mas esse negócio de ficar pra lá e pra cá eu não tenho não. Você acha que é amigo e logo levanta falso sobre você (M 6). 102 Eu tenho só conhecidos. Amigos não. Alguns até dá pra contar com ajuda, mas eu nunca procurei nenhum deles pra nada, então eu não sei se vão poder me ajudar, mas eu acho que em caso de doença pode contar com a ajuda deles sim (M 9). Em alguns sim, a gente confia, mas hoje eu não confio totalmente, amizade sempre com o pé atrás, porque muitas pessoas que eu achava que era meu amigo, eu vi que não é. Pessoas que eram mais chegadas me decepcionaram, eu pensava que era amigo. Eu não posso contar com a ajuda deles não, de ninguém (M 21). As redes construídas pelas famílias através da religião foram apontadas também pelas mulheres como vínculos importantes para obtenção de ajudas espirituais e materiais. As ajudas recebidas dessas redes de religião variavam, desde apoio psicológico e conforto até doação de cestas de alimentos. As falas selecionadas expressam os tipos de ajudas e como as entrevistadas as compreendiam. Eu fiquei vinte dias de cama, muito doente de depressão, aí o pessoal da igreja veio aqui e rezaram pra mim e cantaram, isso me fez tão bem, que eu já tô me sentindo melhor. Aí me deram esse CD de música da igreja, que eu gosto de ouvir bem alto, eu acho que me faz bem, eu esqueço os problemas (M 2). Eu dependo da Conferência pra eu alimentar. Eu tô precisando comer com a ajuda da Conferência da igreja, eu não precisava disso não, mas agora eu dependo da Conferência (M 3). A alimentação melhorou muito esse ano porque a gente recebe ajuda para alimentar, da Conferência da igreja (M 7). Eu e meu marido participamos de encontros de reflexão para o casal, na igreja, é muito bom, a gente conversa com outros casais, faz muito bem pra gente (M 16). Eu participo do grupo de reflexão na igreja, é muito bom, faz muito bem pra mim e eu levo os meninos também, eu moro tão perto da igreja (M 22). A gente é muito religioso, então a gente vai sempre na missa e pede muito a Deus pra melhorar as coisas, porque na roça tá muito seco, e assim não dá nada, nada cresce. Meu filho quer ser padre, ele também é muito religioso (M 24). Verificou-se, portanto, que na dinâmica cotidiana das famílias beneficiárias do PBF as redes sociais têm significativo papel fortalecedor, de suporte frente aos diversos problemas e às adversidades decorrentes; ou seja, apenas com as condições de que cada família dispõe não seria possível solucioná-los. ―Poder contar com a ajuda‖ de alguém, 103 quer seja ele um parente, um vizinho ou um amigo, tem enorme importância para a maioria das famílias pesquisadas. Assim, as reflexões aqui apresentadas reforçam a importância da rede social em seu papel de colaboração solidária na vida das famílias, principalmente as que têm em seu cotidiano situações precárias de diversas ordens, como é o caso das famílias pesquisadas neste estudo. Dessa forma, os vínculos de amizade, de parentesco, de vizinhança e religiosos são fundamentais para a maioria das famílias, pois a partir da articulação entre os diversos nós, com diferentes dimensões e com as relações sociais simétricas (ajudas recíprocas) ou assimétricas, as famílias se fortalecem, conforme a definição de rede social de Castells (2000). Apesar de observar a presença e o funcionamento das redes no grupo pesquisado, observou-se que as situações de conflito também estiveram presentes. Entre as situações de conflitos observadas entre as famílias beneficiárias do PBF, ficou evidente uma grande disputa entre as famílias pelo benefício do Programa BolsaFamília. Referem-se a situações, portanto, de desconfianças, delação, trocas de acusações e de disputas entre beneficiários que influenciavam os vínculos de solidariedade e comunitários. Essas situações, para muitos, acabam empobrecendo os vínculos de amizade e de vizinhança, já muito frágeis. Ou seja, o PBF, em alguns casos, contribui para desestruturar as redes sociais mantidas pelo grupo de famílias pesquisadas, agravando as situações de pobreza, uma vez que a participação no programa é motivo de conflitos. 4.3.2.1 – Condições do Habitat Familiar das Beneficiárias do PBF As residências das famílias estavam localizadas na zona urbana, cuja tipologia habitacional variava entre casas e barracos, com predomínio das primeiras (22). Em relação ao tempo de residência das famílias no município, 25 mulheres disseram residir em Muriaé há mais de cinco anos, dezoito sempre moraram e vinte uma residiam no município entre três e cinco anos. Quanto ao tempo de residência na casa, 17 famílias residiam nas mesmas casas há mais de cinco anos, vinte três moravam na mesma casa entre três e vinte quatro anos e quatro entre seis meses e três anos. Os dados referentes aos aspectos habitacionais estão dispostos, de forma sintética, no Quadro 8. 104 Quadro 08- Aspectos relativos à moradia, serviços básicos e infraestrutura das famílias do PBF, Muriaé/MG, 2013. Características Moradia Localização: urbana Tipo Casas Barracos Situação/Posse Próprio Emprestado Alugado Serviços Básicos e Infraestrutura Energia Elétrica Acesso à água tratada Escoamento Sanitário Rede Pública Fossa Séptica Nº 64 42 22 45 12 7 64 64 38 26 Fonte: Dados da pesquisa, 2013. O tipo de material predominante utilizado nas construções era a alvenaria (tijolos e blocos de cimento); nos barracos, observou-se a presença e reaproveitamento de outros materiais, como madeira, papelão e plásticos. A maioria das residências, a maioria das moradias tinha sido construída ao longo de muito tempo (grande número delas ainda inacabado), sem planejamento em relação a tamanho, distribuição do espaço ou disposição dos cômodos. Os dados revelaram que, de modo geral, a maioria das famílias tinha acesso aos serviços básicos de infraestrutura, especialmente em relação à água tratada e energia elétrica. No que se refere ao acesso à energia elétrica, todas as famílias a possuíam. Quanto ao tipo de escoamento sanitário, constatamos que em 38 casas (60%) havia escoamento da rede pública; em vinte seis, o escoamento se dava por meio de fossa séptica. A totalidade das casas visitadas na zona urbana tinha abastecimento de água fornecido pela rede pública. Já na zona rural o abastecimento de água era feito através de poços ou nascentes. Mais da metade (70%) dos imóveis visitados era de propriedade das famílias, e o restante era emprestado (20%) ou alugado (10%). Verificou-se também que, apesar de não morarem no mesmo imóvel que os pais, grande parte das famílias morava próxima de seus familiares, sobretudo dos pais. Quando perguntados sobre a situação da moradia, oito mulheres disseram que moravam em casas emprestadas pelos pais. 105 Portanto, por falta de recursos para arcar com os custos de um lote, grande número de famílias dividia o quintal com os pais, construindo junto à casa paterna. Os pais ajudavam nesses momentos com a doação de parte do quintal e, por isso, as construções são muito próximas umas das outras, o que provavelmente implica impedimentos para a regularização do imóvel na prefeitura. Mesmo assim, o sonho da casa própria, mesmo que seja no quintal dos pais, leva as famílias a construir suas residências sem considerarem as questões legais que lhes conferem, inclusive, a posse legal do imóvel. Frequentemente, trata-se de casas muito simples, inacabadas e precisando de reformas. São projetos que as famílias vão adiando por não terem como arcar com os custos dessas despesas. Nos trechos selecionados fica nítida a ajuda dos pais aos filhos em relação ao empréstimo ou doação de parte do lote e na construção das casas: A casa, minha mãe ajudou a gente a construir, o lote é dela (M 7). A gente vai vivendo, mas aqui a terra é do pai dele e a casa também. A gente queria comprar nosso pedaço de terra, viver no que é nosso (M 24). Essa casa a minha mãe me ajudou a construir e o lote é dela. Eu queria melhorar a casa, porque minha menina dorme comigo na cama, os dois mais velhos dorme em outra cama, eu queria fazer quartos direito (M 8). Eu quero comprar uma casa por que essa é da minha mãe, tá no quintal dela né (M 5). Muitas entrevistadas explicitaram que a opção por construir suas próprias residências, mesmo que no lote dos pais, em vez de coabitarem na casa dos pais, era uma forma de evitar conflitos com os familiares decorrentes de um convívio muito próximo, conforme pode ser observado nos relatos: Melhorou o relacionamento na minha família, porque quando a gente mora na casa dos outros, ou na casa de mãe ou de sogro, a gente não tem liberdade para corrigir os meninos, porque eles não deixam (M 23). Não dá certo morar na mesma casa, dá muita briga, ah não, cada um tem que ter suas coisas e sua vida. Isso aqui eu sei que é meu, é pequenininho, mas é meu (M 4). Ter uma casa própria - nesse caso, uma casa muito próxima à residência dos pais - pode acirrar conflitos com os familiares. A proximidade física - uma vez que os lotes não são grandes e as construções ficam muito próximas - gera conflitos de diferentes tipos em relação à educação das crianças, à alimentação, à divisão das tarefas 106 domésticas, aos custos e pagamentos de contas, aos dramas familiares vividos pelas famílias (como os problemas com drogas, alcoolismos), que acabam extrapolando os limites de cada núcleo familiar. Além disso, o fato de os pais receberem em suas casas as famílias dos filhos os coloca numa posição de superioridade em relação a estes, uma vez que aqueles, na maioria das vezes, também são os principais responsáveis pelas despesas da moradia. Por causa disso, muitos querem se mudar, construir uma casa maior, ter mais privacidade e serem donos da sua própria casa. É o sonho da casa própria, que está presente também para aquelas famílias que pagam aluguel da moradia. Eu queria muito comprar uma casa fora daqui, porque eu não me sinto segura, por que meu sogro bebe muito, bate na mulher, então eu tenho medo, ele vem aqui, já quebrou porta, fala coisas que não existe (M 21). Nosso sonho é ter uma casa melhor. Isso aqui é da mãe dele, não é nosso (M 12). Meu sonho era ter uma casa com duas janelas na frente (moram em um barraco construído no quintal da sogra) (M 2). Agora eu me sinto segura, porque o primo do meu marido comprou essa casa e falou que a gente pode continuar morando aqui, ele fez de depósito em cima, e a gente continua morando, antes eu tinha medo de ter que sair a qualquer hora, era aluguel, então... Mas meu sonho é comprar a minha casa (M 18). Portanto, prevalece o ‗sonho da casa própria‘ como projeto para muitas famílias, que, por se tratar de um projeto maior, demanda uma disponibilidade financeira também maior para realizá-lo; como, na maioria das vezes, para essas famílias, acumular um montante financeiro é muito difícil, tal projeto vai se transformando em sonho. No entanto, outros projetos familiares que incluem a aquisição de bens materiais variados são mais acessíveis, como será visto nas condições materiais das famílias. 4.3.2.2. Condições materiais (posse, tempo e forma de aquisição de bens) A análise das condições materiais das famílias foi importante para compor o seu perfil e para perceber se houve inclusão delas no sentido da ampliação das possibilidades de acesso ao consumo. 107 Para a maioria das famílias, a preocupação diária está na garantia das necessidades básicas (alimentos e remédios) para os seus membros. Relatam que a situação de ―entrar em loja‖ e ―comprar roupa‖ é uma realidade muito distante, sendo apontada como uma situação rara, por vinte seis entrevistadas; dezoito mulheres disseram que ―nunca compraram roupas e nem sapatos, pois sempre receberam doações de roupas e calçados para suas famílias‖. Para outro grupo (vinte mulheres), o consumo de roupas, sempre com pagamento a prazo, até acontecia, mas também não era frequente porque ―tinham medo de dívidas ou o dinheiro não sobrava para comprar roupas‖. No Quadro 09 estão resumidas as formas de aquisição de remédios, roupas e alimentos das famílias pesquisadas após o ingresso no PBF. Quadro 09 - Formas de aquisição de roupas, alimentos e remédios pelas famílias beneficiárias do PBF, Muriaé/MG, 2013. Formas de aquisição Compra à vista Compra a prazo Compra raramente Nunca compra, recebe doações TOTAL Roupas 0 34 22 8 64 Bens Alimentos 13 37 0 14 64 Remédios 16 32 0 16 64 Fonte: Dados da pesquisa, 2013. Os relatos selecionados apontam as doações, como forma de aquisição de roupas e calçados. Roupa, eu nunca comprei, nem roupa, nem calçado. Só ganhado, só ganha (M 3). Eu não compro roupa, só ganho, pra nóis e pros meninos. É só ganhado, graças a Deus (Riu) (M 2). Roupas a gente não compra, ganha muito (M 23). Eu nunca comprei roupa, é só ganhado. Roupa e sapato é só ganhado (M 7). Constatamos que, quando a maioria das famílias aponta que o ato de comprar roupas é impossível diante da realidade financeira que as cerca, há manifestações de revolta por algumas e de vergonha por outras: 108 E roupa a gente quase nem compra, ih é difícil... a gente só ganha mesmo. É difícil ir em loja, porque não tem dinheiro pra comprar, entrar em loja pra quê? Só se for pra olhar né... (M 6). O que me agrada eu não posso comprar, só vou em lojas em último caso. Tentei comprar um sapato de R$60,00, pra eu comprar tinha que abrir uma ficha e tinha que pagar 50%. Se eu queria dividir, como que eu tinha 50%? Eu saí de lá chateada, a moça que atendeu foi péssima. Então, se eu não posso comprar, nem vou (M 5). Outras falaram que raramente compram roupas, porque geralmente a renda familiar não permite esse tipo de gasto e temem, portanto, contrair dívidas para esse fim: Agora roupa é muito difícil comprar, porque o medo da dívida fala mais alto, quase nunca eu compro roupa (M 5). De vez em quando a gente compra roupa, mas tem que ser fiado, dividido, pra ir pagando aos poucos, né. Tudo a gente compra fiado (M 11). Roupa a gente quase não compra, é muito difícil, não dá. É apertado, então só compra umas três vezes no ano e olhe lá (M 17). Roupa eu quase nem compro, mas quando compra é fiado mesmo (M 15). Roupas é muito raro comprar (M 19). Roupas a gente ganha muita, mas às vezes precisa comprar alguma coisa de roupa, mas a gente pensa na alimentação primeiro, então não sobra (M 21). Outras famílias afirmaram que, se o pagamento não for parcelado, não é possível adquirir roupas: Não tem jeito de comprar à vista (Riu) (M 14). Se não tiver crédito, não veste, né? A gente não tem dinheiro pra comprar a vista, então tem que dividir (M 13). Tem que dividir sim, tudo, roupa, quando compra, também é dividido (M 4). A compra com pagamento a prazo é um recurso usado por grande parte das famílias para vários dos itens relacionados ao consumo básico da família, como alimentos e remédios. No caso dos alimentos, para 37 das 64 famílias, prevalecia à compra a prazo. A compra à vista acontecia raramente entre as famílias. Quatorze das famílias não compravam alimentos com frequência, por falta de condições financeiras, e recebiam doações de cestas básicas - para duas destas, a única renda que a família 109 tinha era o benefício do PBF. Muitos contavam com a ajuda de parentes próximos - os pais ou sogros - para garantir que os compromissos do final do mês fossem honrados. A gente é carente e recebe doações de comida, da igreja, por motivo de carência (M 1). Eu tô precisando comer com a ajuda da Conferência, eu não precisava disso não, eu dependo da Conferência pra eu alimentar (M 3). Comida, a gente ganha cesta e compra um pouco. Se a conta ficar alta, a minha mãe paga pra mim e depois eu pago pra ela (M 7). Os depoimentos selecionados mostram que a maioria utiliza o pagamento parcelado para aquisição de alimentos. Não tem jeito de comprar a vista (Riu) (M 14). Só alimentos e remédios a gente compra fiado (M 9). Pobre tem que comprar fiado, a gente divide tudo. Eu compro no mercado em Silvestre, ele divide, sempre que entra um dinheiro a gente vai lá e dá o que pode, ele não cobra juros (M 5). Só compra alimento fiado, tem que ser fiado, né? (M 6). Ah sim, alimentos e remédios a gente compra na conta, pra pagar depois (M 8). Sim, tudo a gente divide (M 25). Portanto, para o pagamento de bens alimentícios, prevalece no grupo de famílias pesquisadas a condição de pagamento a prazo, parcelado em função da baixa renda familiar. Em relação à aquisição de remédios, todas as famílias apontaram que primeiro procuravam os remédios de que precisavam na policlínica ou posto de saúde ou, ainda, na farmácia popular; só se não tivesse nesses locais é que elas compravam. A maioria comprava a prazo, sendo que dezesseis famílias não compravam, dependendo inteiramente de doações da prefeitura, porque não tinham como comprar: Eu ando muito atrás de remédio, às vezes eu até pago, mas quase sempre eu vou lá na policlínica ou no posto buscar, porque eu não posso ficar comprando remédio (M1). Eu não compro remédio não, eu ganho lá no posto, a médica me dá (M 3). Se não tiver remédio e exame pelo posto, a gente espera chegar (M 5). A gente precisa de hospital e médico de graça, e remédio também né, não sobra dinheiro (M 20). 110 Eu procuro no posto porque eu preciso, mas às vezes eu vejo que o atendimento é bom, outras vezes é ruim, as pessoas falam com muita agressividade, de um jeito, fica falando que tinha que ter vindo mais cedo, umas coisas assim, com muita agressividade. Tem dia que eles falam com a gente com carinho, mas tem dia que é um azedume só (M 19). Conforme o último depoimento, mesmo quando não se sentem bem tratadas, algumas famílias não têm outra opção para comprar o remédio de que estão necessitando. Segundo as famílias que compram remédios com pagamento a prazo: Consulta a gente nunca paga né, sempre espera, mas às vezes tem que fazer algum exame e comprar algum remédio, aí a gente divide né (M 4). A gente divide remédio também, a vista não dá pra pagar (M 24). Às vezes a gente compra e divide pra pagar (M 25). Quando não tem no posto a gente compra sim, tem que comprar fiado (M 22). A gente não gosta de comprar fiado, mas não tem outra saída (M 21). Diante disso, pode-se dizer que a aquisição de alimentos e a compra de remédios também são realizadas pela maioria das famílias na condição de pagamento parcelado, uma vez que indicam que a renda familiar não permite o pagamento à vista. Em relação aos bens duráveis, conforme Figura 4, em ordem decrescente, as famílias possuíam: televisão (23 famílias) tanquinho para lavar roupas (17 famílias), geladeira (11 famílias), telefone celular (12 famílias). Apenas uma família possuía computador e máquina de lavar roupas. Neste grupo, 10 das famílias possuíam aparelho de DVD. Os meios de transporte utilizados pelas famílias eram bicicletas (64%) e transporte coletivo urbano (76%); nenhuma família possuía automóvel. Para as famílias que residiam na região periférica, as bicicletas eram alternativas econômicas e necessárias para o transporte. Quanto ao tempo e forma de aquisição dos bens, a maioria foi adquirida há mais de dois anos, exceto em relação ao DVD: 90% das famílias tinham adquirido o aparelho há menos de um ano. Cinco famílias adquiriram o aparelho de televisão há menos de um ano. Quanto ao tempo que possuíam telefone celular, deparou-se com uma dificuldade por parte das mães em precisar há quanto tempo possuíam o aparelho, 111 porque na maioria dos casos não foram elas que compraram ou trocaram o aparelho, sendo usado por mais de um membro da família, como os filhos e companheiros. Figura 4 – Posse de bens pelas famílias do PBF, Muriaé/MG, 2013. Fonte: Dados da pesquisa, 2013. A compra a prazo era um recurso usado por grande parte das famílias, sobretudo para compra de bens, como televisão, aparelhos de DVD, ventilador etc. Algumas mulheres reconheceram que o pagamento parcelado implicava juros e, portanto, ao final, pagavam mais pelo produto. No entanto, assumiam que não tinham outra opção, devido à insuficiência da renda. Nos depoimentos, percebeu-se que as mulheres que disseram comprar a prazo sabiam que a opção para pagamento à vista é mais interessante do ponto de vista da economia dos recursos da família. Mas, afirmavam também a necessidade de comprar a prazo, devido às condições financeiras que apresentavam. Na concepção das famílias desse grupo, mesmo acessando o Programa Bolsa Família elas não se consideram pobres e a referência é a condição em que se encontra o outro. Sempre existem pessoas com mais necessidades do que as vivenciadas por elas. Existe uma concepção generalizada de que o pobre é aquele que não está em condição de satisfazer, mesmo minimamente, suas necessidades básicas, como alimentar-se e ter uma casa para morar. A casa própria é fundamental para não se considerarem pobres. A pobreza também foi vista como algo demoníaco, ruim. É difícil qualificar-se utilizandose uma terminologia tão impregnada de negatividade. As beneficiárias têm consciência 112 tanto das suas necessidades como das dificuldades de atendê-las; mas, mesmo assim, definir tal situação se autodenominando pobres é não considerar que outras pessoas vivenciam necessidades superiores às suas. O discurso das beneficiárias que se consideraram pobres foi incisivo. As suas falas retratam os seus sentimentos que, na sua maioria, depende da situação em que se encontram no momento. Para Valquíria, ser pobre é não ter renda suficiente para atender suas necessidades conforme seu relato: ser pobre é um pouco complicado, né? Eu acho assim, que eu me acho pobre necessidades conforme seu relato:―[...] ser pobre é um pouco complicado, né? Eu acho assim, que eu me acho pobre porque às vezes falta coisa e não tem dinheiro pra comprar na hora [...] compra as coisas na barraca pra pagar com um mês com dois, e aí é assim. O acesso ao benefício como uma fonte de renda também definiu a condição de pobreza, como é o caso de Alzira: eu me acho uma pessoa pobre porque eu não tenho de onde tirar outra coisa é só esses noventa e cinco reais que eu recebo do Bolsa Família. O trabalho dobrado para conseguir melhorar a renda também foi elemento definidor da condição de pobreza de Francisca, como ela afirmou: eu sou pobre sim. Eu tenho que trabalhar dobrado para conseguir uma rendinha a mais, hoje mesmo eu vou tirar umas consultas lá no Centro Social para uns dois rapazes do interior e aí eu ganho hoje para poder comer amanhã. Eu sempre estou dando um jeito de arrumar um servicinho porque eu não tenho ninguém, é só eu mesmo. Eu lavo roupa eu cozinho eu faço qualquer coisa. A falta de uma casa para morar associada a outras necessidades foram fatores que Helena se utilizou para se definir como uma pessoa pobre, conforme seu discurso: eu sou pobre sim, porque eu tenho precisão de uma coisa e não tenho dinheiro prá comprar [...] comprar remédio, comprar sapatos pros meninos [...] é ter uma casa porque eu vivo na casa da minha mãe. Neste grupo estavam às famílias com uma situação econômica mais grave do que as do grupo que não se consideraram pobres. São famílias que enfrentavam problema de saúde com algum membro familiar e se encontravam impotentes diante de tal situação. A maioria também não tem casa própria ou vive em casas alugadas ou na casa de algum parente. Daí o fator renda ter sido tão enfatizado nos seus discursos. A 113 renda, pela gravidade da situação de vulnerabilidade que estão passando no momento, como a impossibilidade de trabalhar por terem que cuidar dos familiares doentes ou por estarem com problemas de saúde, se apresentou como fator importante para que se considerassem pessoas pobres. A sua condição de pobreza foi associada também a outros fatores como não possuir residência própria, por exemplo. De uma maneira geral, a renda das famílias em geral, não é um valor fixo, oscila muito, oscilando consequentemente a renda per capita familiar o que torna importante o benefício por ser a única fonte de renda fixa. A fala de Alzira é ilustrativa, ela não trabalha e depende da ajuda dos filhos que não estão mais morando com ela: é o único certo [...] quem vai chegando traz alguma coisa [...] a gente vai levando só com estes R$ 90,00 (noventa reais) aí tem que segurar pra dar [...] porque dinheiro pouco é a gente saber controlar ele [...] comprei um fardo de arroz de R$30,00 (trinta reais) para dar o mês todinho [...] primeiro eu compro um caderno, um lápis e esta pasta pros dentes porque não pode ficar sem esta pasta, dois quilos de feijão [...]‖.Falta o remédio, a alimentação, enfim como muitas definiram,:‖falta tudo‖. Quanto à alimentação, esta é precária e depende do momento, da situação em que estão passando. Nos casos extremos, as famílias passam fome, visto que nem sempre fazem as três refeições diárias. O discurso de Alzira permite que se entenda tal situação: porque o feijão tá aí, a gente come, mas do meio-dia pra tarde era tão bom se tivesse outra coisinha pra gente comer.... assim um suco... se eu pudesse comprar um bolo, fazer um bolo era tão bom porque eu aguento ficar sem comer à noite e de dia eu já quase não aguento comer arroz e feijão duas vezes, então às vezes eu não janto... carne minha irmã é muito caro. As necessidades são tantas que as famílias sentem dificuldade de enumerá-las. Na fala de Socorro, que tem uma casa de barro coberta de lona, isto foi percebido: é na comida.. porque cada dia que passa a comida aumenta... necessidade é na hora do remédio, remédio é mais necessário até porque agora mesmo eu estou doente, eu estou com quinze dias com... eu não sei nem explicar direito, hoje era pra mim marcar a consulta lá no PSF, porque eu estou com depressão...imagina me consultar e na hora de comprar remédio? ... tem o bairro também que é bom mais é muito violento.. e isto me incomoda... já quiseram até entrar aqui em casa só por causa desse DVD e dessa televisão. A existência de pessoas doentes na família intensifica a situação de pobreza a que as famílias estão submetidas, e isto somado a outros agravantes, como a falta de 114 uma casa própria, define sua situação de pobreza extrema. O caso de Lurdes é ilustrativo. Ela recebe R$ 119,00 (cento e dezenove) do Programa e sustenta uma casa com nove pessoas, com a ajuda de três filhos, dois pequenos que vendem lanche na rua e um filho mais velho que recebe cerca de R$ 200,00 (duzentos reais) por mês como ajudante de pedreiro. Lurdes vivencia esta situação depois que o marido sofreu um acidente e não pôde mais trabalhar: eu não tenho casa, a comida tá difícil, eu estou ruim mesmo. Preciso de casa, comida, remédios... meu marido tá aqui prostrado numa rede já faz cinco meses e cada vez mais é pior, eu já levei ele aqui no hospital, e ninguém resolve... agora mesmo ele tá gemendo de dor porque eu não tenho dinheiro pra comprar o remédio pra dor...a coisa aqui tá dura nem a casa aqui é nossa, é alugada, eu pago R$ 200,00 (trinta reais), só são esses três cômodos aqui, a gente dorme uns por cima dos outros[...]‖. A situação de doença na família, somado à instabilidade de renda intensifica ainda mais a situação de vulnerabilidade, como Gorete afirmou: agora mesmo essa menina tá doente tá com hepatite então, eu preciso de remédio, de alimentação [...] eu queria pelo menos um empreguinho de zeladora [...] porque às vezes chega a ENERGISA, sobe pra cortar a luz da gente [...] a gente tá lutando pra pagar mas eles não entendem isso [...] às vezes a pessoa não é assalariada e não tem o dinheirinho todo mês e atrasa, isto não é culpa nossa porque agente tenta [...]‖. O valor do benefício não resolve as diversas carências sentidas e não é suficiente para que as famílias possam fazer escolhas mais apropriadas diante de propostas de trabalho, pelo baixo nível de escolaridade e pouca qualificação profissional. Se por um lado não permite escolhas de trabalhos mais dignos, por outro lado, permite que muitas mulheres se limitem ao cuidado da casa, não desenvolvendo atividades fora do lar, ou por serem muito cansativas, ou por não terem como deixar seus filhos, como é o caso de Helena: eu mesmo não tenho marido... às vezes lavo roupa e só ganho dez reais é muito pouco e minha mãe não pode cuidar dos meus dois filhos... o dinheiro do Bolsa Família é pouco mais me ajuda muito, se não fosse ele não sei como eu ia fazer para trabalhar e cuidar dos meninos. O valor do benefício é muito baixo para possibilitar mudanças substanciais nas condições de vida destas famílias. Tal valor, portanto, é um dos limites que o Programa Bolsa Família enfrenta (SILVA, 2007). Ao mesmo tempo em que se utilizam de estratégias para driblar as inúmeras necessidades, o benefício é utilizado nas necessidades básicas diárias, como: comprar alimentos, roupas, calçados, educação, 115 material escolar, pagamento de água e luz; enfim, utilizam conforme as necessidades sentidas, como é o caso de Neuza: Esse dinheirinho minha amiga eu estico ele o máximo que eu posso. Eu pago uma água eu compro um remédio compro alimentação, compro roupa quando precisa [...]‖. Todas reconhecem que mesmo sendo pouco representa uma renda no final do mês. A fala de Francisca é ilustrativa de tal afirmativa:―[...] eu acho certo o governo tá dando esse dinheiro... é uma ajuda certa pra muita gente que não tem condição.. já sabe o dia certo de tirar e comprar o que falta para o filho...porque aqui todo dinheiro vai pra panela [...]‖. A maioria está satisfeita com o benefício, mas gostaria que o governo aumentasse porque não supre suas necessidades. Na fala de Isaura fica evidenciado a relação entre satisfação por estar recebendo o benefício e valor do benefício que não satisfaz as necessidades materiais: é bom, mas, eu acho pouco...porque quando a gente vai prá uma livraria fazer compras não dá, a pessoa fica devendo quatro cinco meses e é porque não compra nem a metade das coisas porque só os cadernos é um absurdo, vinte, trinta reais, e são quatro no colégio, e todos precisam de material escolar... eu acho pouco[...]‖. Lúcia acredita que o governo deveria pagar um salário para poder satisfazer algumas das necessidades de sua família composta por ela o marido e um filho: o que dava mesmo era um salário pra uma família se manter, viver. Não dá prá comprar tudo... porque uma pessoa doente pra comprar remédio não dá, só dá pra comprar comida e manter o filho na escola. O valor do benefício é insuficiente para satisfazer mesmo que minimamente as suas necessidades calóricas diárias, o que representa uma violação do Direito Humano à Alimentação, conforme Zimmerman (2006). Isto nos leva a duas reflexões: em que medida o valor do benefício seria suficiente para atender as necessidades destas famílias? Do ponto de vista orçamental, o Governo Federal teria condições de elevá-lo de modo a atender à situação de pobreza destas famílias? Acredita-se que esta seja uma discussão que deve envolver governo sociedade e principalmente as famílias beneficiárias. O benefício, para algumas entrevistadas, representa a única fonte de renda. Para todas as beneficiárias, representa uma ajuda e torcem para que não deixem de recebê-la, mas, se isto acontecer, encontrarão formas de sobrevivência, como sempre fizeram como afirma Ester: 116 eu sempre trabalhei... seria mais difícil mais a gente sempre arruma um jeito eu vivia sem ele. 4.4 – Percepção das Famílias acerca do PBF Neste tópico é apresentada a percepção das famílias sobre o programa, a fim de contemplar um dos objetivos da pesquisa: identificar como as famílias veem o programa em termos das mudanças que este trouxe às suas condições de vida. Na abordagem de Amartya Sen (2000) sobre desenvolvimento é sugerido que o foco dos diagnósticos e das políticas públicas deve ser ―como as pessoas conseguem viver de fato? E que tipo de vida elas levam?‖ Ou seja, os principais atores sociais são as próprias famílias que recebem os benefícios, os quais podem apontar como vivem e o que o PBF representa. Por isso, reconhecer a importância do papel das famílias beneficiárias na avaliação do programa é coerente com a proposta de Sen (2000), que julga fundamental ter a preocupação com a capacidade e a liberdade das pessoas, além da renda, no contexto de desenvolvimento social. Nessa perspectiva, buscou-se entender como as famílias percebem o programa e os significados contidos nos depoimentos acerca do papel, dos aspectos positivos e negativos do Programa Bolsa-Família na vida das famílias, bem como as preocupações e as expectativas que elas têm de melhorias de vida. 4.4.1- O significado do PBF segundo as Famílias Beneficiárias De modo geral, a tendência do grupo foi de considerar o benefício do PBF uma ajuda importante. Sobre os pontos positivos, os aspectos apontados pelas respondentes foram: um meio de evitar situações de fome, inclusive de crianças; um meio de ajuda em situação de desemprego; um auxílio para pagar as contas; e um meio de substituir um salário. Conforme relatos, o PBF foi associado a ―um meio importante de se evitar situações de fome, principalmente pelas crianças‖: O programa ajuda bastante, porque pelo menos eu não fiquei sem dinheiro pra comprar pão pro menino comer, pra comprar uma coisinha pra ele comer (M 1). Diminui o sofrimento das crianças, eu já tive caso de pegar esse dinheiro e fazer uma compra, e chegar em casa alegre e falar para os filhos, eu recebi e comprei isso. Quem tem filhos sabe do que estou falando. É uma salvação (M 14). 117 Só de ajudar na alimentação das crianças né, porque quando eu morava na rua, eu não tinha Bolsa-Família e pagava aluguel, não tinha ‗aquela‘ alimentação porque ganhava pouco. Uma vez meu filho ficou internado sete dias por falta de alimentação, agora aqui, a gente recebe o Bolsa-Família e o menino tem uma saúde... Ele era dessa finurinha, agora, hoje quem olha. Eles gosta muito de refrigerante e suco, e não falta isso pra eles hora nenhuma (M 22). Outro aspecto positivo relacionado ao PBF foi a ajuda que o Programa oferece às famílias que passam por situações de desemprego, ou seja, garante, através da transferência de renda, pelo menos um mínimo de alimentação e um mínimo financeiro para o pagamento de contas de serviços essenciais, como energia elétrica e água. Enfim, dois aspectos positivos muito citados encontram-se praticamente indissociáveis no cotidiano das famílias, pois envolvem ajuda em situações de desemprego e auxílio para pagamento de contas. Ano passado meu marido perdeu o emprego dele, que era de carteira assinada, eu fiquei quase doida, com três menino. Agora ele faz ‗bico‘ de servente de pedreiro e a gente recebe o Bolsa-Família também, graças a Deus (M 2). Eu sempre trabalhei muito minha filha, comecei cedo com sete anos. Depois trabalhei em casa de família, mas aí quando mataram meus dois filhos, minha cabeça ficou muito ruim, eu comecei a ter umas coisa que eu nunca tive, o médico falou que era depressão. Depois disso, eu nunca mais consegui fazer nada, eu só fico em casa e tomo muito remédio. Ele (marido) aposentou e as crianças recebe o Bolsa-Família, não dá pra pagar todas as contas não, mas dá uma ajudazinha (M 3, avó). Eu comecei a trabalhar com catorze anos em casa de família. Meu último trabalho foi em 1996, de doméstica, agora eu faço umas faxinas, mas não é sempre que tem serviço não. Faxina é muito ruim, eu preferia trabalhar numa casa só. Mas eu não estudei, então não dá pra fazer outra coisa né. Mas aí meu marido trabalha, ele é pedreiro e a gente tem o BolsaFamília, é pouco, mas ajuda a pagar as contas (M 5). Aqui em casa ninguém trabalha não. Eu parei de trabalhar em 1989, eu era doméstica. Ele (marido) parou de trabalhar em 2001, porque ficou doente, ele tem problema de coração, não pode trabalhar mais na roça. Então nós só tem esse BolsaFamília mesmo, que ajuda a pagar as contas, né? (M 7). É uma ajuda muito grande, porque antes do meu marido arrumar serviço, essa era a única renda que a gente tinha (M 9). As categorias nativas que emergiram nas falas das famílias associadas ao PBF foram ajuda importante, ajudinha ou ajuda insuficiente, incentivo para o estudo os filhos e direito das famílias. Para a maioria, o PBF representa uma ―ajuda importante‖ em 118 vários sentidos, sobretudo em períodos de desemprego e porque ―não permite que as famílias passem por situações de fome‖. É muito importante, pra mim tá bom, tá me ajudando muito, ainda mais agora que ele (marido) tá desempregado, fazendo bico. Às vezes ele ganha 100,00 por semana, e até menos, depende do lugar, mas tem lugar que paga só R$15,00 por dia, não é garantido não, então me ajuda demais (M 2). Hoje ninguém tá passando fome. Evita de passar fome mesmo. O pobre tá comendo (M15). Dá pra comprar alguma coisinha, a gente tá ganhando tem que agradecer, né? (M 6). É muito importante, porque se eu tivesse um serviço meu, eu passava pra aquele que precisa, mas por enquanto eu não posso fazer isso. Eu não trabalho, meu marido também não e os meninos ainda não. Eu preciso do Bolsa-Família (M 7). É uma ajuda muito grande, porque antes do meu marido arrumar serviço, essa era a única renda que a gente tinha (M 9). Meu marido não me dá dinheiro para nada, então se não fosse esse dinheiro... (benefício) (M 9) [Nesse momento se emocionou, ficou pensativa e chorou]. A identificação das famílias do Programa como algo importante e positivo é associada a outras falas (das mesmas famílias e de outras) como uma ajuda pequena e irrisória, conforme foi constatado nas formas de referência ao benefício. Os termos dinheirinho, ajudinha e ajudinha para comprar coisinhas em lugar de benefício aparecem com muita intensidade nos depoimentos. Essas formas de referência carregam os significados do benefício como algo pequeno e insuficiente para atender às necessidades das famílias. Entretanto, ao mesmo tempo, as famílias apontam para a importância do Programa, o que significa que suas falas são marcadas por ambiguidades. Em alguns momentos referem-se ao benefício como algo irrisório, em outros, se referem ao Programa como algo importante, porque impede que muitas famílias passem fome ou porque o recurso foi importante para a família em situações de desemprego de um ou mais de seus membros. As ambiguidades presentes nas falas das mães são reveladoras das dificuldades de administração dos parcos recursos e de sobrevivência do grupo familiar, que, muito frequentemente, está associada a situações extremadas de conflitos e de dramas familiares, associados a desemprego, doenças, alcoolismo e outros problemas sociais por que passam as famílias. A mãe que faz referência ao benefício recebido como uma 119 ajuda importante, como a única renda da família, também se refere a ele como uma ajuda insuficiente. Tais falas são compreensíveis, já que apenas o benefício não é suficiente para todas as despesas mensais de uma família. No entanto, há uma tendência nas falas do grupo de se remeterem ao beneficio como uma ajuda importante, principalmente porque impede situações de fome, fundamental durante períodos de desemprego. Essas ambivalências presentes nas falas das entrevistadas também foram percebidas nas pesquisas de Macedo e Brito (2004) e de Silva et al. (2006). Esses pesquisadores fizeram referência à forte tendência por parte das famílias a subestimar o auxílio transferido, devido à insuficiência para satisfação de todas as suas necessidades, assim como igualmente perceberam uma valorização ―da ajuda‖ para atender às necessidades imediatas. Além das ambiguidades presentes nos depoimentos em função da dificuldade de administrar os limitados recursos das famílias, as mães também atribuíam importância ao benefício, conforme o valor que recebiam, pois aquelas que recebem valores mais altos apontam que a ajuda é importante e aquelas que recebem os valores mais baixos dizem que se trata de uma ajuda pequena, insuficiente, ajudinha para pagar o gás e as contas. Por isso, aquelas famílias que migraram do Programa Auxílio-Gás, por exemplo, continuaram atribuindo a importância do beneficio apenas para a aquisição do gás. Portanto, a ideia de ajudinha, seja para a alimentação ou para a compra de gás e outras coisinhas, também esteve presente na percepção que as famílias beneficiárias tinham do programa. Os depoimentos selecionados permitem compreender a ideia de ajudinha, que variava conforme o valor recebido e o que permitia comprar: Esse programa é uma ajudazinha, dá pra comprar comida, mas eu ainda dependendo da Conferência da igreja pra comer, porque ele ajuda só com alguma coisinha (M 3). Quem recebe o Bolsa-Família mesmo, ajuda sim, mas pra mim é uma ajudinha. Porque o meu era o auxílio-gás, eu nunca recebi o Bolsa Família. Tem poucos meses que passou para o Bolsa-Família. Eu sempre recebi R$15,00 para ajudar no gás (M 4). Com essa ajuda dá pra comprar um gás, os R$45,00 dá mais pra comprar um gás mesmo, né? (M 11). Algumas entrevistadas reconhecem na política pública um direito das famílias que vivem em situações de carência. 120 Todo carente tem direito ao Bolsa-Escola, agora é BolsaFamília. Eles arrumaram esse ‗Bolsa Família‘ é por motivo de carência. Mas no caso da gente trabalhar e ter salário, era melhor ter boa saúde e trabalhar e receber (M 1). É um direito né, das famílias pobres, só que às vezes estão embolsando esse dinheiro, sendo que outras pessoas pobres precisam (M 18). Os aspectos negativos do PBF percebidos e mais citados pelas famílias se referem à variação do valor, diminuição ou suspensão do benefício, fraudes e desvios. Nos depoimentos ambíguos, ora a ajuda é importante, ora é insuficiente, mas também os valores mais baixos do benefício são vistos como uma injustiça pelas famílias. Tal injustiça é realçada, sobretudo, porque algumas famílias recebem mais do que outras. A maioria questionou a variação do benefício e apontou suspeita de fraudes. Elas consideravam injusto que algumas famílias recebessem mais e outras menos e duvidavam que todas as famílias que recebiam o benefício se enquadrassem no perfil do cadastro. Os questionamentos sobre a variação do benefício e suspeitas de fraudes estiveram associados à falta de conhecimento acerca do funcionamento do Programa, uma vez que a maioria das famílias desconhece que há um controle do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em relação à fila dos beneficiários, que é feito em função da idade limite dos filhos, recadastramento, mudança de cidade e o cumprimento pelas famílias das condicionalidades. Algumas mulheres falaram explicitamente sobre as ―injustiças ou fraudes‖ que elas percebem, mas outras disfarçaram e falaram que ―viram na televisão ou que aconteceu em outro bairro‖. Em algumas falas, as desconfianças e o descontentamento são percebidos assim: A gente não tem nada com a vida dos outros não, mas aqui no bairro tem casal que não tem filho na escola, que recebe (M 3). Tem gente que tem emprego bom, e recebe o beneficio. E tira a oportunidade de uma família carente, de uma criança carente. Isso, pra mim, é negativo sim (M 4). Muitas pessoas que não precisam recebem, a gente vê reportagem na televisão dessa forma, como todo sistema do governo tem desvio né... Eu acho isso (M 10). Eu nem converso com ninguém que recebo beneficio. Igual quando eu conversei com minha irmã, ela falou que o meu beneficio ia ser cortado igual o dela. Mas ela tem marido, que é pedreiro, com carteira assinada, ganha bem, não precisa mesmo. Eu nem gosto de conversar com ninguém sobre isso (M 13). 121 Tem gente rica recebendo, que tem carro, terreno. Tem gente que recebe até mais que a gente (M 18). Os valores transferidos obedecem ao critério que observa a composição da família e a situação da sua renda, de modo que famílias em situação de pobreza com renda per capita mensal de R$77,00 até R$154,00 recebem: ocorrência de crianças/adolescentes 0-15 anos, gestantes e nutrizes: com um membro - recebe um benefício variável: R$42,00; com dois membros - recebe 2: R$84,00; com três ou mais membros - recebe 3: R$126,00. Famílias em situação de extrema pobreza com renda per capita mensal de até R$77,00: sem ocorrência de crianças/adolescentes 0-15 anos, gestantes e nutrizes - recebe o benefício básico: R$77,00; com ocorrência de um membro - recebe o básico mais um benefício variável: R$119,00; com ocorrência de dois membros - recebe o básico mais duas variáveis: R$161,00; com três ou mais membros recebe o básico mais 3 variáveis: R$203,00. De acordo com a Medida Provisória (28/12/2007), as famílias beneficiárias do Programa Bolsa-Família que têm na sua composição adolescentes de 16 e 17 anos poderão receber adicionalmente o Benefício Variável Jovem (BVJ) no valor de R$42,00, até o limite de dois benefícios por família. O valor máximo total do benefício das famílias poderá chegar a R$231,00. Em relação a essa disputa pelo beneficio e às desconfianças quanto aos critérios de cadastros e recebimento por parte das famílias, Lavinas (2004) pondera que é necessário por parte dos programas de transferência de renda atender à demanda potencial para impedir disputas entre pobres. Nesse contexto que explica as relações de disputa, ressalta-se que as famílias não têm informações suficientes sobre o funcionamento do Programa. O acesso a informações sobre o programa tenderia a diminuir as trocas de acusações e a disputa entre beneficiários, prejudiciais aos vínculos de solidariedade e comunitários, principalmente as redes de amizade, de vizinhança e de parentesco. A falta de informações e a suspeita de fraudes trazem muita revolta entre os beneficiários, conforme evidencia o relato a seguir: O meu beneficio era R$ 126,00 e diminuiu, ninguém explica nada, só ameaça. Tem que fiscalizar mais, às vezes tira de alguém que precisa e quem não precisa recebe. Tem gente que tem sítio, tem carro, com renda de mais de mil reais, vende leite e recebe. É falta de fiscalização. É muito desigual, é injusto (M 8). Nesse grupo que apontou insatisfação com a variação do valor do benefício e suspeitas de fraudes, também foi apontado por algumas famílias que determinadas 122 pessoas que recebem o benefício o utilizam de forma indevida para manutenção de vícios, principalmente para o consumo de álcool. Aqui na minha casa minha filha, eu não tenho sossego não, nem pra dormir, é só violência e vício que tem aqui dentro da minha casa, minhas portas são tudo estragadas, só violência, muito cigarro, bebida, pó... O velho fuma muito... É muita bebida, mulher (filha), netos (M 3). Eu acho que deveriam partir pra uma política de combate aos vícios, tem muitas famílias que usam álcool e drogas, e as crianças passam fome. Falta um apoio psicológico, uma política de assistência de combate aos vícios. No recadastramento, tinha que ter um exame para saber se a mãe ou outras pessoas da família têm vícios, para os filhos não sofrer. Tem muita mãe com vício, que bebe. Eu acho que ajudaria a orientar no uso desse dinheiro (M 14). Pra mim ele (benefício) já ajuda muito, mas pra outras famílias não ajuda em nada, porque pai e mãe vai pro bar e gasta tudo com vício. Usam o dinheiro pra sustentar o vício, pra pagar cachaça em boteco (M 15). O Programa não tem nada de ruim não, o que tem de ruim são as pessoas que não sabem multiplicar o dinheiro do Bolsa-Família, para os filhos, deixam de comprar as coisas para os meninos e gastam o dinheiro com palhaçada, com bebedeira (M 18). Outro ponto considerado negativo, citado por poucas famílias, foi o incentivo negativo que o PBF oferece às pessoas para pararem de trabalhar. Ou seja, algumas entrevistadas disseram que algumas pessoas se acomodaram e pararam de trabalhar e, atualmente, dependiam inteiramente do benefício do Programa. Eu acho que o governo tinha que incentivar políticas de emprego, porque muita gente faz o contrário, pára de trabalhar (M 14). O problema que tem gente que acha que não precisa mais trabalhar, o governo ta tratando, essa parte não foi tão boa... Tem gente que pensa assim: - Pra que eu vou trabalhar se o governo vai dar? (M 15). Ruim é que muita gente fica acomodado com o BolsaFamília né, vai receber e pra que vai trabalhar? Quem recebe R$126,00 deixa de trabalhar, desiste do trabalho. Eu procuro melhorar, eu faço tapete pra vender, pra ajudar. Mas quem recebe os R$112,00 pára de trabalhar e acabou (M 19). Um número significativo de famílias não percebia nada de negativo no Programa. De outro lado, constatou-se que as famílias beneficiárias tiveram receio de apontar os aspectos negativos associados ao PBF. Esses receios estiveram associados, frequentemente, ao medo de alguma punição e à perda do benefício. Para elas, o 123 Programa só tem coisas boas porque ajuda as famílias, demonstrando sentimentos de agradecimento por terem acesso a essa política pública. Essa percepção das famílias de que o Programa não tinha nenhum aspecto negativo ou o medo manifestado por algumas famílias em apontar o que era negativo nele, em certa medida, é reveladora da dependência da assistência que o programa oferece. Tal dependência é compreensível diante das dificuldades de diversas ordens vivenciadas pelas famílias pobres e, ou, excluídas. No entanto, Demo (2002) questiona a dependência de ajuda, que pode se transformar em dependência irreversível. Ele considera que a assistência e a ajuda, principalmente das políticas sociais, deveriam ser passaporte para a autonomia, porque todo processo emancipatório requer ajuda, e dispensar a ajuda recebida é tão importante quanto recebê-la. Algumas percepções em relação a aspectos negativos foram manifestadas de forma tímida, umas ao final da entrevista, outras durante, mas fazendo-se referência a outra realidade social, distante da sua. Essas situações aconteceram, eventualmente, quando os entrevistados trouxeram alguns exemplos transmitidos pela televisão: Não tem nada de negativo. Eu não concordo com uns receber um valor e outros mais. E eu não tenho coragem de denunciar, mas eu sei de muita gente que recebe sem precisar. Mas se denunciar dá confusão, dá briga. Se alguém me denunciasse eu não ia achar bom. (M 3). Negativo assim, não tem não. Muitas pessoas que não precisam recebem, a gente vê reportagem na televisão dessa forma, como todo sistema do governo tem desvio, né? (M9). A percepção das famílias beneficiárias sobre o Programa também foi avaliada no tocante ao conhecimento que elas tinham sobre o funcionamento do PBF e sobre a relação entre receber o benefício e suas obrigações ou condicionalidades, em relação aos cuidados com a saúde da família e ao acesso à escola. É importante para o sucesso do PBF que as famílias o conheçam, saibam de suas obrigações, os critérios de cadastramento e recebimento do benefício, bem como a variação do valor e as causas de bloqueio, desligamento e/ou cancelamento. Por isso, primeiro verificou-se se as famílias conheciam o funcionamento do Programa em relação ao cumprimento das condicionalidades, que são suas obrigações para receber o benefício. Foi constatado que a maioria conhecia parcialmente suas obrigações para manterem-se vinculadas ao PBF; dezenove famílias disseram que as obrigações das famílias resumiam-se em manter os filhos na escola. 124 Trinta e um relacionaram aos cuidados com a saúde da família e a educação escolar dos filhos e apenas quatro famílias disseram ―não saber o que tinham que fazer.‖ Dez famílias apontaram o recadastramento que tem que ser feito todo ano, além das obrigações de saúde e de educação. Na percepção das famílias sobre a relação entre receber o benefício e cumprir as condicionalidades de saúde e educação, verificamos que a tendência do grupo foi a de perceber o funcionamento do PBF de modo parcial, prevalecendo à ideia de Bolsa-Escola; portanto, não consideravam ou não tinham conhecimento da amplitude do PBF, em relação ao grupo familiar. Na pesquisa realizada pelo IBASE (2010), Repercussões do Programa Bolsa Família na segurança alimentar e nutricional das famílias beneficiadas, 74% dos informantes disseram não saber por que as famílias recebem valores diferentes, embora a maioria (78%) afirme nunca ter tido dúvidas sobre o Programa. Foi constatado também que existe um grande desconhecimento das famílias beneficiárias com relação às regras do programa, que gera uma atmosfera de incompreensão e desconfiança por parte de beneficiários, gestores e membros de instância de controle social. As falas selecionadas indicam que as mães pesquisadas conheciam o funcionamento do PBF de modo parcial, pois para algumas suas obrigações eram apenas manter os filhos frequentando a escola e cuidar da saúde deles, como manter o cartão de vacinação em dia. Ir pra escola, se ficar sem ir na aula, corta o benefício. Pesar direto, se precisar de médico, tem que levar. É importante porque igual se a gente machuca quando tá trabalhando tem que avisar o patrão, então tem que ser direito com o governo que paga os alunos pra estudar, se faltar tem que avisar porque direito é direito (M 7). Sim, ir pra escola, pesar direto, a vacina em dia. É muito importante, no nosso tempo não tinha isso não (M 8). Sei, cuidar da saúde e nutrição das crianças e manter na escola. Eu acho certo, porque receber um dinheiro sem obrigação nenhuma, não teria sentido. Se não controlar a nutrição das crianças e a frequência escolar, não faria sentido, se o governo não cobrar, acho que o dinheiro iria pra outro lugar. Em alguns casos, isso já acontece, casos de vícios dos pais (M 14). Há uma preocupação maior com as crianças, o que não está errado no contexto do PBF, mas está limitado, uma vez que as obrigações das famílias são mais extensas e referem-se ao grupo familiar, incluindo os adultos também. Ou seja, cuidar da saúde e da frequência escolar dos filhos são algumas das recomendações da legislação do PBF para as famílias. No conjunto das responsabilidades das famílias estão presentes o 125 cuidado com a saúde da família, incluindo os adultos; atenção com a educação de toda a família; e participação em cursos com o objetivo de fortalecimento e inclusão social. Além disso, o recadastramento anual é uma obrigação das famílias para que não sejam excluídas do Programa, por defasagem de dados. Para vinte nove famílias, suas obrigações resumiam-se em garantir a frequência escolar dos filhos, e algumas reforçam que o dinheiro recebido tem que ser para os filhos. Quando perguntadas sobre quais eram suas obrigações para continuarem a receber o beneficio, as respostas foram: Sei sim, ele não pode faltar de aula (M 1). Manter as crianças na escola. Para ter boa educação e o futuro dela. Para ter um bom futuro, tem que estar na escola (M 4). Ir pra escola, é certo porque sem estudo não acha nada, só serviço pesado igual de pedreiro (M 6). Ir na escola. É bom (M 11). Sim, continuar na escola. Eu acho certo porque isso é o melhor pra eles mesmo, o futuro deles depende disso (M 10). Sim, usar o dinheiro com os filhos, frequentar a escola. É certo sim, mesmo se não tivesse bolsa família, lugar de menino é na escola, ainda mais eu que nunca tive essa oportunidade. Nossa Senhora (M 18). Sim, ir pra escola e usar o dinheiro com os filhos. Ir para a escola é muito bom, importante (M 17). Sim, levar os filhos pra escola e usar o dinheiro com eles (M 15). Assim, percebe-se que permanece arraigada a ideia de Bolsa-Escola, o que pode ser explicado pelo fato de muitas famílias terem migrado para o Bolsa-Família. O Programa Bolsa-Escola é baseado na transferência monetária condicionada à frequência escolar e visa, principalmente, possibilitar o acesso e a permanência de crianças na escola e contribuir para o combate do trabalho infantil através da educação. Então, como muitas famílias recebiam o benefício do Programa Bolsa Escola antes da unificação dos programas no PBF, é compreensível que as famílias continuem relacionando o benefício apenas à frequência escolar dos filhos. Isso refletia o desconhecimento parcial que as famílias tinham sobre o funcionamento, as condições de acesso e os objetivos do PBF. Esse desconhecimento sobre o funcionamento do Programa, por parte das famílias, também foi revelado na pesquisa de Macedo e Brito (2004). 126 Como o próprio nome sugere (Bolsa-Família), o Programa destina-se à proteção da família como um todo, apoiado na articulação de três dimensões: promoção do alívio imediato da pobreza, por meio da transferência direta de renda à família; reforço ao exercício de direitos sociais básicos nas áreas de saúde e educação, por meio do cumprimento das condicionalidades, o que contribui para que as famílias consigam romper o ciclo da pobreza entre gerações; e coordenação de programas complementares, que têm por objetivo o desenvolvimento das famílias, de modo que os beneficiários do Bolsa-Família consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. Entretanto, as famílias demonstraram não saber exatamente em que se baseia o Programa, pois na percepção da maioria delas prevalece a ideia de Bolsa-Escola. Conforme observado em outro momento, o PBF reuniu vários programas sociais (Auxílio-Gás, Programa Bolsa-Alimentação, Cartão-Alimentação e o Bolsa Escola). Na percepção que as famílias têm sobre as condicionalidades, a questão da relação entre o Bolsa-Escola e o cuidado e a educação com os filhos é muito presente no âmbito do PBF. Na realidade das famílias, buscou-se entender como estas se posicionaram diante da relação entre o estudo e o trabalho de crianças e adolescentes, pois uma das metas implícitas do PBF é a erradicação do trabalho infantil através da educação, uma vez que ele incorporou o programa Bolsa-Escola. Verificou-se que o grupo de famílias percebia a relação entre trabalho e estudo de formas diferenciadas: vinte seis famílias acreditavam não haver problemas em crianças e adolescentes trabalharem; vinte e duas faziam restrições ao trabalho de crianças, mas não ao trabalho dos adolescentes; e dezesseis disseram que nem crianças nem adolescentes poderiam trabalhar. Os motivos apontados pelo grupo que concorda com o trabalho de menores referem-se ao aprendizado de um ofício e a uma forma de se evitar o contato e uso de drogas, violência, roubo; enfim, ―para tirar das ruas‖, como elas apontaram. A rua representa perigo se não tiver um objetivo ligado ao trabalho - por exemplo, a mãe que aponta que vender picolé na rua é um bom serviço para seus filhos, também afirma que ―ficar na rua à toa‖ é muito perigoso, reforçando que a ociosidade dos filhos na rua, na comunidade em que moram, está ligada às drogas e à violência. A percepção da rua como perigo por parte das famílias também foi evidenciada na pesquisa de Gonçalves (2006) sobre os significados do trabalho infantil no contexto do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI). Esse trabalho analisou a percepção e a representação do trabalho infantil e a relação com a educação e inclusão social num 127 contexto que considera a infância e a adolescência, principalmente, no plano cultural. Em sua dissertação, a pesquisadora verificou que as famílias consideravam o espaço da rua perigoso, quando os filhos não tinham uma ocupação, que para eles significava trabalho. Para entender os significados da rua e da casa, a pesquisa reportou-se a Roberto Da Matta (1997), em ―A casa e a rua‖, quando trata dos dois espaços e seus aspectos, como sendo um par de opostos. Na rua espera-se que vivam os malandros, os pilantras e marginais, mesmo que esses sejam em casa bons pais de família. Estabelece-se a dicotomia: na rua está o profano, na casa o sagrado; na rua está a individualização e a luta, na casa está o grupo, a recuperação e a hospitalidade. O medo da rua por parte das mães está vinculado ao envolvimento com marginais, drogas e violência; por outro lado, a rua também oferece ocupação aos filhos, através de algum trabalho. Nos relatos, as famílias que aprovavam um trabalho leve, um ―servicinho‖, como carregar lenha, plantar uma hortinha, trabalhar de babá, ajudar nas tarefas domésticas, vender picolé, entre outras atividades, entendiam que trabalhar era importante para o futuro dos filhos. No contexto do PBF, as mulheres beneficiárias, em sua maioria, sabiam da condição imposta pelo governo ligada à frequência escolar para continuar recebendo o benefício e, inclusive, permanecia forte a ideia de Bolsa-Escola. No entanto, a maioria atribuía grande importância ao trabalho desenvolvido por seus filhos. Vale mencionar que, embora tenha sido apontada a complementação da renda da família através do trabalho dos filhos, a ênfase foi dada ao valor do trabalho enquanto instrumento disciplinador, de formação ética e moral e que impede o envolvimento com drogas, violência e práticas de roubos. Os relatos selecionados evidenciam esses significados que o trabalho de crianças e adolescentes tinha para o grupo das famílias que acreditavam não haver problemas em crianças e adolescentes trabalharem: Deve trabalhar para aprender e para nunca sair do trabalho. Pode e deve (M 1). Pode, porque não quer que trabalha, por isso que rouba. Estudar e trabalhar pode sim, tem que fazer os dois, as crianças e adolescentes precisam ter o dinheiro deles, e se não trabalhar vai roubar (M 2). Sinceridade eu acho que pode estudar e trabalhar. Para tirar das ruas né. A criança não pode ficar solta na rua, porque a violência tá demais. Se já estudou, e tem um tempinho, pode, mas não é explorar. A minha filha, eu prefiro ela dentro de 128 casa, varrer um terreiro, uma coisinha leve, tirar uma roupa do varal, é melhor que ficar na rua (M 4). Tem que trabalhar com certeza, ter um serviço mais leve. Igual eu na idade de 8 anos já trabalhava em roça, hoje ninguém faz isso mais. Eu ensinaria pra eles isso, é importante trabalhar sim (M 13). As famílias que faziam restrições ao trabalho de crianças, mas não ao trabalho dos adolescentes, apontavam que as crianças não tinham condições físicas nem psicológicas para trabalhar, como os adolescentes, podendo se machucar. Entretanto, para os adolescentes, apontaram a necessidade de uma ocupação para evitar os perigos da rua, enfatizando a importância do trabalho na formação dos filhos. Adolescente pode trabalhar sim, por exemplo, em oficina de bicicleta pode. Criança não, porque não tem inteligência pra isso. Criança é diferente (M 3). Adolescente tem que trabalhar sim, de 12 anos pra cima sim. Um trabalho que tivesse capacidade pra fazer, pra evitar drogas. A gente quando era criança, trabalhava, na roça. Dar uma ocupação pra eles e um dinheirinho também né, por que se procura bandido é porque tá querendo dinheiro. Só que se mandar fazer qualquer coisinha tá explorando. Já criança não sabe fazer nada (M 5). Adolescente pode trabalhar sim, criança não, acho que tem que estudar até 10 ou 12 anos (M 21). Dependendo do serviço, adolescente pode sim, porque dá muita bandidagem na rua e um serviço perto de casa, com os pais presentes, é bom né? (M 22). Para o grupo que não concorda com trabalho de crianças e adolescentes, as justificativas estiveram associadas ao comprometimento do estudo e do desenvolvimento infantil, ―à perda da infância‖ e aos perigos de acidentes. Só pode estudar, porque menino não tem muito juízo e é perigoso machucar e queimar. Não sabe lavar roupa, fazer uma comida, se deixar a casa sozinha, depois acontece alguma coisa, uma tragédia e a gente leva a culpa (M 6). Não pode não, porque trabalhar atrapalha estudar (M 8). Não pode trabalhar não, só estudar e brincar. Eu comecei trabalhar muito nova, porque eu precisei ajudar a cuidar dos meus irmãos, mas eu quero que minhas filhas estuda primeiro, e depois elas vão poder trabalhar. O tempo livre é pra brincar (M 14). Embora a maioria das famílias percebesse o PBF enquanto Bolsa-Escola, o trabalho infantil era tido como importante meio de formação moral e ética, além de ser 129 disciplinador. Os pais percebiam o trabalho desenvolvido por seus filhos como um modo de se evitar o envolvimento destes com os perigos da rua. O trabalho, para a maioria das famílias, era visto como positivo, principalmente para ocupar o tempo dos filhos. A partir de uma análise geral, observou-se que a maioria das famílias percebia o PBF enquanto um ajuda importante, sobretudo porque era um meio de se evitar situações de fome, inclusive de crianças, além de ser uma das principais ajudas em situações de desemprego. A maioria conhecia parcialmente suas obrigações ou condicionalidades para manterem-se vinculadas ao PBF, prevalecendo à ideia de frequência escolar, com maior intensidade e, em seguida, a questão dos cuidados apenas com a educação e saúde dos filhos. A percepção das famílias sobre parte do conteúdo do PBF mostra que o conhecimento que elas tinham sobre o Programa a que estavam vinculadas era parcial, o que é entendido como negativo, uma vez que este tem como metas centrais a diminuição da pobreza e da exclusão, o reforço da cidadania e a promoção da inclusão social das famílias atendidas. Quanto mais informadas sobre o programa de que estão obtendo os serviços, as famílias tenderiam a participar e se envolver mais nele, fortalecendo-o no sentido de alcançar as metas propostas. Assim, na percepção das famílias sobre o PBF, em muitos pontos há coerência com a percepção das profissionais, principalmente com respeito à maneira como percebem os problemas de cadastramento; as limitações o processo de administração do benefício por famílias, que vivenciam problemas de dependência química; além da acomodação e na acomodação por parte de algumas famílias, que param de trabalhar quando começam a receber o benefício do PBF. 4.5 Implicações do PBF no Empoderamento Familiar Em razão do objetivo proposto, que foi analisar se o Programa Bolsa Família é capaz de reduzir a pobreza e a exclusão social, enfatizando se ele tem proporcionado condições de empoderamento e incentivo a práticas cidadãs às famílias beneficiárias, destacou-se que as categorias analíticas estão entrelaçadas; ou seja, é possível observar se a pobreza e, ou, a exclusão diminuiu através de um mesmo indicador. Assim, procurou-se verificar as categorias pobreza, exclusão e cidadania, em alguns indicadores empíricos, que foram expostos no decurso do estudo e baseados no referencial teórico, 130 conforme justificado nos procedimentos metodológicos, considerando tanto as famílias atuais quanto as egressas do programa. 4.5.1- Descrição dos Contextos familiares Para descrição dos contextos familiares, foram compostos quadros de referências dos sujeitos a partir das anotações do diário de campo, que foram consideradas importantes para enriquecer as análises qualitativas. Denominam-se quadro de referências um conjunto de informações adquiridas através de observação e da própria fala dos sujeitos pesquisados, que conferem maior sentido às informações prestadas, uma vez que ampliam o entendimento do contexto social. Os dados enfocaram as condições de vida, trabalho, habitação das famílias, bem como as condições das entrevistas. Para preservar a identidade dos informantes, utilizamos nomes fictícios. A identificação do contexto social em que as famílias se inserem, contribui para a reflexão de suas percepções acerca de suas condições materiais, socioafetivas e culturais. O material foi organizado por ordem das famílias pesquisadas representadas pelas mães entrevistadas. Das 64 famílias, 25 foram caracterizadas por meio de descrições contextuais, em que se buscou mesclar trechos narrativos da pesquisadora em situação de entrevista e trechos de depoimentos das mulheres entrevistadas. Utilizamos os registros fotográficos para compor as condições habitacionais, fotografadas quando as famílias permitiram. Assim, em alguns casos foi feito apenas o registro da fachada das habitações. Esses registros foram dispostos no final do trabalho, para preservar a identidade das famílias. Convém destacar que não é objetivo deste estudo apresentar conclusões acerca das vivências das famílias com base em interpretação de material fotográfico. O objetivo que norteou a sistematização desse material foi analisar, de forma conjunta e contextualizada, anotações do diário de campo, depoimentos das mães entrevistadas, fotografias para compor as condições de habitação e quadros de referências. Família 1 A família de dona Maria é composta por ela e dois filhos. Pedro, o mais novo deles, tem 12 anos e mora com a mãe; José, o filho mais velho, tem 22 anos e mora com 131 outra família, desde que brigou com a mãe. Trata-se de uma família monoparental feminina, chefiada por dona Maria, que se separou do marido, desde que ele a espancou. A família morava anteriormente em São Paulo e se mudou para Muriaé há 18 anos. O barraco de três cômodos em que moram é cedido. O primeiro contato com essa família se deu numa quarta-feira, às 14 horas, quando dona Inês preparava o almoço num fogão à lenha, instalado fora da cozinha, na entrada da casa. Na minha chegada, fui convidada a entrar na casa e a sentar na única cadeira que lá havia. No momento da entrevista, mãe e filho sentaram-se em latas de tinta vazias, que eram usadas como cadeiras. Havia grande precariedade nas condições da habitação. A casa se resumia a três cômodos: quarto, banheiro e cozinha. Na cozinha havia um fogão a gás velho, usado como depósito de revistas velhas, latas, panelas, potes de margarina vazios e outros objetos, uma pia e uma mesa cheia de garrafas vazias de refrigerantes. No quarto, uma cama de casal, caixas de papelão com roupas e sapatos dentro, duas bicicletas velhas, um ferro elétrico no chão e duas mochilas velhas. A permanência da única janela da casa fechada fazia com que o ambiente ficasse escuro (mesmo durante o dia), além de evitar a renovação e ventilação do ar. A precariedade das condições habitacionais podia ser notada também nas rachaduras e na tinta desgastada das paredes, na ausência de cobertura para o piso (o chão era de cimento grosso, que naquele dia estava salpicado de restos de alimentos e de terra) e pela presença de ratos que transitavam na casa. No momento do almoço, foi possível observar não somente a precariedade das condições de vida da família (observada na pouca diversidade do almoço servido: arroz, bolinho de farinha de trigo frito e couve), como também a presença de redes de vizinhança: na hora do almoço, o filho recorreu ao vizinho para pedir a doação de uma garrafa plástica de água gelada, para oferecer à visita. A única renda fixa da família era a transferência do PBF, já que dona Maria não pode trabalhar desde o ano de 2006, quando foi vítima de um atropelamento, e ainda sente muitas dores nos braços. Para complementar a renda, ela economizava com a compra de gás, usando a lenha para cozinhar os alimentos. Assim, ela deixava de comprar a lenha para retirá-la de matas - ela tinha autorização do dono. Nessa mesma perspectiva, juntava latas e ferro velho para vender e fazer sabão. Também, quando conseguia, trabalhava ocasionalmente como faxineira. 132 Família 2 Dona Margarida morava com o marido Adão e três filhos: Fernando, Sérgio e Lucas, respectivamente com 8, 7 e 1 ano e 8 meses. Residiam em um barraco de alvenaria e outros materiais. As telhas eram de amianto. O barraco foi construído com a ajuda da sogra e da mãe dela, no quintal da casa da sogra. A prefeitura também colaborou com alguns materiais. Ao todo eram três cômodos e um banheiro, com poucos móveis e muito velhos. No momento de minha chegada as crianças estavam brincando com uma bola velha e com pedras na rua. Observou-se que as condições de moradia geravam constrangimento na família: logo que cheguei, dona Margarida se desculpou por não me convidar para conhecer a casa porque que ‗estava com medo do marido brigar com ela, já que ele e ela tinham vergonha do barraco onde moravam‘. No entanto, após um tempo de conversa na rua, ela me convidou a ‗entrar só para ver‘, e, quando solicitei sua permissão para o registro fotográfico, dona Margarida concordou, dizendo que ‗queria ajudar com a minha pesquisa‘. A entrevista, no entanto, não aconteceu na casa e sim na rua, sentadas na calçada. A ausência de um trabalho fixo do marido era motivo de preocupação de dona Margarida, já que ele estava fazendo ‗bico‘ de servente de pedreiro, porque havia sido despedido de um emprego com carteira assinada. A condição financeira da família era agravada por problemas de saúde de dona Margaria, que sofria de depressão e problemas neurológicos, o que a impedia de trabalhar, além do fato de ter que cuidar dos filhos. Assim, a saúde de dona Margarida a impedia de ter autonomia inclusive para sair de casa. Segundo seu depoimento, ela não podia sair sem acompanhante: ―Eu gasto R$8,00 toda vez que eu vou na rua. São quatro passagens de ônibus, eu não posso andar sozinha, porque eu desmaio‖. A renda da família girava em torno de R$300,00 mensais mais R$54,00 do PBF, totalizando R$354,00 por mês, o equivalente a menos de um salário mínimo para cinco pessoas. A rua é um dos espaços da socialização das crianças. Nesse espaço, observou-se manifestações de uma rede de apoio para o cuidado dos filhos entre os vizinhos. Tal manifestação se colocou no decorrer da entrevista, que aconteceu em meio à circulação e brincadeiras das crianças da vizinhança com os filhos de dona Margarida. Assim, em vários momentos, interrompemos a entrevista para que ela pudesse ―socorrer‖ as suas crianças e as dos vizinhos de alguns perigos, como colocar pedras na boca ou jogar 133 pedras uns nos outros, impedi-las de entrar em lotes com matos e espinhos e até mesmo separar as crianças em situações de conflito. Percebeu-se também seu cuidado e carinho nesses momentos. No seu relato, ela disse que uma cunhada estava passando por uma situação de depressão pós-parto e estava rejeitando a filha, e que ela e as vizinhas estavam ajudando muito, cuidando, dando banho e mamadeira, porque estavam com muita pena da mãe e, principalmente, do bebê. Família 3 Dona Silvia, de 38 anos, era solteira e morava com os dois filhos: André, de 19 anos, e Marília, de 8 anos. Os três moravam em uma casa pequena, que fora construída no terreno da mãe, muito próximo à casa de uma irmã que também havia construído sua casa no mesmo lote. A casa era composta por dois quartos sem porta, separados por um tecido, uma cozinha e um banheiro. A casa era limpa e organizada e possuía móveis novos misturados com alguns velhos. O acesso à casa própria era razão de muito orgulho para dona Silvia. Durante a entrevista, repetia que a casa era sua e que havia sido construída com muito trabalho e economia. Apesar de muito pequena, ela pretendia ampliá-la, construindo um quarto para seu filho mais velho e um banheiro. O desejo de consumo por uma habitação mais ampla e com mais conforto se verificava nos modos de se referir ao seu banheiro, como ―banheirinho miniatura‖, e na comparação que estabelecia com os banheiros das casas onde trabalhava, onde via ―banheiros lindos‖. O conhecimento dessas outras realidades trazia nela a vontade de construir um banheiro naqueles moldes em sua casa, sendo um sonho atual que adiava, visto que não possui condições de realizá-lo. Dona Silvia trabalhava como empregada doméstica em duas casas. Percebemos em seu depoimento que o trabalho e o estudo eram vistos como uma possibilidade de ascensão social. Ela se mostrou bastante otimista em relação ao futuro e disse que trabalhava muito para oferecer oportunidades de estudo, saúde e boa alimentação para os filhos, o que muitas vezes lhe faltou. A renda da família vinha dos seus salários, que à época somavam em torno de R$500,00, acrescidos do salário do seu filho, que recebia um salário mínimo, e dos benefícios sociais advindos do PBF (R$42,00). 134 Família 4 A família de dona Francisca, de 59 anos, era composta por oito pessoas. Além de dona Francisca, moravam na casa o marido, o senhor Antônio, de 63 anos, a filha Ana, de 28 anos, e cinco netos: Marta (21 anos), João (20 anos), Marcos (15 anos), Nívea (11 anos), Ricardo (9 anos). Os netos, Nívea e Ricardo, são filhos de Ana e recebiam o benefício do PBF. O cuidado dos outros três netos estava associado a duas tragédias familiares. Dois dos netos, João e Marcos, são filhos de uma filha do casal e foram morar com eles desde que a mãe, filha de dona Tereza, foi assassinada, durante uma briga com um cunhado. Outra tragédia familiar também fez com que o outro neto viesse a morar com os avós: o outro filho de dona Francisca foi assassinado, tendo sido encontrado morto no asfalto. O acesso a sua casa era difícil, piorando na presença da chuva. A casa era própria, muito simples, pequena, bastante desgastada, parte do telhado era coberto com telhas de amianto, com furos grandes, e a outra parte era coberta com laje, sem telhado, o que causava muitas infiltrações no interior da casa. Já o chão era recoberto de cimento grosso. Na sala, decorada com poucos móveis, havia um móvel antigo, onde ficavam a televisão e um ferro elétrico, um sofá antigo, de dois lugares, e um de três lugares, em condições precárias. Os móveis, de modo geral, eram muito velhos e desgastados e os cômodos muito pequenos. As janelas pequenas faziam o ambiente escuro e com pouca ventilação. A família recebia cesta básica; segundo ela, o que mais a incomodava no momento eram as brigas, o uso de drogas e bebidas alcoólicas por parte das pessoas de sua família. Apesar de Ana ser a mãe de Nívea e Ricardo, era dona Francisca, quem cuidava das crianças. Dona Francisca queixou-se de que só podia contar com a ajuda de uma vizinha para ler as receitas médicas para ela e de uma outra filha que morava em outro bairro, porque seus netos, seu marido e sua filha, que moravam na mesma casa que ela, não a ajudavam. A renda da família era, no momento da entrevista, a metade da aposentadoria de senhor Antônio mais o beneficio de R$154,00 do PBF de dois netos, totalizando a época R$466,00, menos de um salário mínimo, para oito pessoas. 135 Família 5 Esta família é a de dona Claudete, que morava com o companheiro Roberto e dois filhos: Carlos e Daniel, respectivamente com 14 e 9 anos. Este já é o segundo casamento de dona Claudete. Da primeira união ela teve Paulo, de 21 anos, que mora com a sua mãe na casa ao lado. Dona Claudete é divorciada e mantém com o atual companheiro uma união consensual. A casa, simples, fora construída no quintal da casa da mãe; era pequena, com quatro cômodos ainda por terminar: o chão tinha uma parte de cimento bruto e outra parte de pedra de ardósia. As paredes eram de tijolos e blocos, sem reboco. A exiguidade do espaço fazia com que alguns móveis fossem alocados em outros ambientes: a geladeira ficava no quarto, porque não havia espaço para ela na cozinha. Além da sobreposição das funções dos cômodos, a falta de espaços também fazia com que a disposição dos objetos se fizesse de forma desorganizada e misturada. A casa contava com poucos móveis. As janelas pequenas tornavam a casa muito escura e quente. No quintal, uma tábua de madeira servia de apoio a panelas e pratos, que, depois de lavados, eram expostos e secos ao sol. O marido era pedreiro e ela fazia faxina duas vezes por mês; a renda mensal do casal era de R$625,00 e recebiam do PBF R$42,00. Segundo dona Claudete, significava uma ―ajudinha‖ para os filhos estudar e também dava quase para comprar um gás. Dona Claudete trabalhava como faxineira, quando conseguia alguma faxina. A falta de trabalho e a desvalorização da atividade eram motivos de queixa e revolta de dona Claudete. Segundo seu depoimento, o seu trabalho ―era pouco valorizado‖. No entanto, mostrava resignação, pois, segundo ela, com o ―pouco estudo, ela não tinha outras opções de trabalho‖. As condições de vida da família eram vistas por ela com revolta, que se manifestava especialmente em relação à situação da moradia, que, conforme observado, estava localizada muito próxima a um córrego, o qual, em dias de sol, exalava um odor desagradável; segundo dona Claudete, em épocas de chuvas, a água inundava a casa. Família 6 Dona Ana morava com o marido Denilson e três filhos: Tânia (18 anos), Tiago (17 anos) e Tales (13 anos). A casa era nova e havia sido construída há quatro anos, mas 136 ainda não havia sido terminada: faltava reboco em algumas paredes, pintura e algumas portas internas. Na parte interna, no entanto, estava quase terminada. Tratava-se de uma casa grande, com dez cômodos. Estava organizada quanto à disposição dos móveis e dos objetos, limpa e bem arejada. A família havia se mudado para a casa antes de terminar a construção, porque não ―aguentava‖ mais pagar aluguel. Antes de ter os filhos, dona Ana trabalhava como empregada doméstica. Segundo ela, o fato de ser doente (tinha depressão e muitas dores de cabeça) impossibilitava-a de trabalhar fora. Atualmente se ocupava dos cuidados dos filhos e das tarefas domésticas. A renda da família vinha do marido, o qual trabalhava como vigia noturno e recebia dois salários mínimos, somados ao beneficio do PBF (R$42,00), que ela considerava muito pouco. Família 7 A família de dona Fátima era composta por ela, seu marido Augusto e os quatro filhos do casal: Vitor (18 anos), Renato (15 anos), Augusto (14 anos) e Cristiane (12 anos). Nenhum dos cônjuges trabalhava: o marido tinha problemas cardíacos e há alguns anos não trabalhava. Antes dos seus problemas de saúde, ele trabalhava na roça. O último trabalho dele foi em 2001, e o dela, em 1989. Ela antes trabalhava como empregada doméstica. A família morava em um barraco, dividindo o mesmo lote da mãe, ao lado de sua casa. Para construir o barraco, a família contara com a ajuda da prefeitura, especialmente na construção do banheiro. Constatou-se a ausência de mobílias, roupas de cama, o piso ainda sem revestimento (o chão era de cimento grosso), as paredes sujas, sem tinta e rabiscadas, o ambiente era escuro devido às janelas pequenas e, em alguns cômodos, pela falta delas. As roupas estavam espalhadas pela casa, e a família convivia na casa com animais domésticos, o que revelava a precariedade das condições habitacionais da família, a desorganização do ambiente, bem como a cultura popular. Nas paredes, a mistura de símbolos religiosos evidenciava a religiosidade da família e os novos símbolos da atualidade na cultura popular: desenhos, quadros de times de futebol, de santos, escritas em vermelho do grupo Comando Vermelho, uma cruz e inscrições compunham a decoração do ambiente. Os problemas familiares relacionados à família se colocavam na ordem da violência doméstica entre o casal, entre o casal com os filhos e entre os filhos. Há 137 problemas de saúde e alcoolismo do marido, além de tráfico de drogas. O marido, apesar de doente cardíaco, bebia muito e a espancava. Os filhos, pré-adolescentes e adolescentes, brigavam muito entre si, tanto que ela temia deixá-los sozinhos e, numa situação de briga, ferirem-se. Essa situação, segundo ela, impedia-a de sair para trabalhar fora de casa e era a origem do quadro de depressão pelo qual estava passando. Além dessas preocupações, o envolvimento do filho mais velho com o tráfico de drogas no bairro era motivo de aflição e tristeza para dona Fátima, agravando ainda mais seu quadro de depressão. A renda declarada da família foi de R$154,00, do PBF. Segundo dona Fátima, para complementar essa renda, ela cultivava uma horta de ervas de chá, que às vezes vendia, e também costurava à mão colchas de retalho para vender. Família 8 A família de dona Aline era composta por ela, seu marido, senhor Cleyton, e quatro filhos: Tamara (17 anos), Fábio (12 anos), Danilo (9 anos) e Patrícia (5 anos). Antes de virem para a zona urbana, os seis moravam em um sítio alugado na zona rural. Vieram para a cidade porque julgaram que os filhos ficavam muito sozinhos na roça. Há um ano alugaram uma casa no bairro Aeroporto. Apesar dos poucos objetos e móveis, a casa tinha um aspecto de limpeza, organização e tranquilidade. No dia da entrevista, dona Aline estava trabalhando como faxineira; enquanto aguardava sua chegada, fiquei conversando com seu marido. Pude observar que ele cuida das crianças, auxilia nas tarefas da escola e prepara a alimentação dos filhos na ausência da esposa. O marido era motorista aposentado e a esposa fazia faxina. A renda da família era de R$445,00, do casal, e R$161,00, do PBF, totalizando R$606,00 para seis pessoas, e ainda precisavam pagar o aluguel da casa. Família 9 Dona Ilza morava com a família, marido e dois filhos em um imóvel emprestado pelo sogro, no andar superior ao dele. Seu marido, o senhor Pedro, trabalhava como motorista de ônibus urbano. Seus dois filhos, Gabriel, seis anos, e Carlos, quatro anos, estudavam na escola do bairro. Dona Ilza voltou a estudar porque tinha vontade de conseguir um emprego. Segundo ela, só conseguiria um trabalho se melhorasse seu nível de escolaridade. No momento, estava cursando a 8ª série. 138 A casa tinha dez cômodos, possuía vários móveis e eletrodomésticos, alguns novos; as paredes aparentavam terem sido pintadas recentemente, e havia um aspecto de limpeza. Segundo dona Ilza, o cadastro no programa do ‗Auxílio-Gás‘ foi feito há alguns anos, na época em que o marido estava desempregado e a família estava passando por muitas dificuldades financeiras. Assim, ―naquela situação de desemprego, a única renda da família era o beneficio do auxílio-gás, que depois passou para o PBF‖. A renda da família era composta pelo salário de senhor Pedro, de R$680,00, e do benefício do PBF, de R$ 154,00, totalizando R$ 834,00. Família 10 A família de dona Marina era composta por ela, seu marido, senhor Paulo, e dois filhos: Maísa, de 14 anos, e Mateus, de 9 anos. Eles moravam em uma casa que pertencia ao sogro, no andar superior ao dele. A casa apresentava várias rachaduras nas paredes, e o chão era revestido de cerâmica. A casa estava limpa e organizada, com poucos móveis e bastante desgastados, exceto a televisão e o aparelho de DVD, que eram novos. O Sr. Paulo trabalhava como pedreiro e recebia em torno de R$625,00 mensais. Ela estava desempregada, e às vezes, fazia faxina. Antes, trabalhava como empregada doméstica e recebia em torno de R$200,00 por mês. Do PBF a família recebia R$154,00. A renda total era de R$829,00, para quatro pessoas. Família 11 A família de dona Rosa era composta por ela, o Sr. Josué (marido) e os três filhos do casal: Ismael (11 anos), Leonardo (10 anos) e Breno (8 anos). A família morava em uma casa simples, de alvenaria, que pertencia à sogra de Luzia. Ele trabalhava como pedreiro e ela como doméstica, mas à época das entrevistas os dois estavam desempregados. No momento, dedicavam-se à igreja evangélica, na qual Rosa é pastora. A casa tinha cinco cômodos pequenos e um banheiro. Estava localizada em uma rua periférica do bairro. As janelas pequenas faziam com que a casa, mesmo durante o dia, ficasse muito escura. O imóvel já estava bastante desgastado, com as paredes evidenciando algumas partes sem reboco e sem pintura. As portas e as janelas haviam sido reaproveitadas de outra construção. A renda que a família tinha acesso no momento 139 das entrevistas era proveniente do benefício do PBF, R$231,00, e de algumas atividades esporádicas, como ajudante de pedreiro do marido. Nessas ocasiões, ele recebia, por dia de serviço, em torno de 30 a 50 reais. Ela exercia a função de pastora da igreja evangélica, sem receber pagamento por essa atividade. Família 12 Dona Solange estava recém-separada do marido e, na ocasião, morava com os dois filhos: Fabíola (13 anos) e Felipe (11 anos). A casa em que moravam era própria, porém estava inacabada. O início da construção tinha sido há oito anos e foi interrompido por falta de recursos financeiros. A casa estava sem pintura e muros, além de precisar concluir a instalação dos portões. Os poucos móveis estavam dispostos de forma organizada; haviam sido emprestados pelo seu irmão, que tinha ficado viúvo. Segundo dona Solange, aos nove anos de idade, os pais a colocaram para trabalhar como doméstica, o que na sua avaliação ―foi bom, porque aprendeu a trabalhar cedo‖; mas ―por outro lado, foi muito ruim, porque era muito sacrifício‖. Depois de um período sem conseguir arrumar trabalho, há um mês havia voltado a trabalhar como empregada doméstica. A renda da família era de R$150,00, proveniente do seu trabalho como doméstica somado, ao beneficio do PBF, de R$77,00. A situação financeira da família estava muito difícil, sobretudo após a separação, há alguns meses, do marido. Ele, por sua vez, não estava ajudando com pensão para os filhos. O quadro de instabilidade econômica da família era razão de muita preocupação para dona Elisa; algumas vezes, a rede de ajuda na vizinhança era acionada. Essa situação fez emergir em dona Solange um quadro depressivo. Família 13 Dona Rosely morava com o marido Valter e três filhos do casal: Jéssica, Aline e Vitor, com idades de 12, 8 e 1 ano, respectivamente. O Sr. Valdir era pintor e recebia um salário mínimo, enquanto ela trabalhava como doméstica; no momento, estava desempregada, porque, segundo ela, precisava cuidar dos filhos, principalmente de Vítor, de 1 ano. Além da renda do marido, a família recebia do PBF, R$77,00. A renda da família era complementada todo mês pela mãe, que ajudava comprando alguns itens da alimentação das crianças. 140 As precárias condições de vida da família eram logo percebidas na localização da casa, que ficava em uma rua de difícil acesso, em um morro muito inclinado e escorregadio, numa rua periférica do bairro. A família morava em uma casa própria, construída nos fundos da casa da mãe de dona Rosely. Junto com um irmão, Rosely havia construído uma casa que fora ‗dividida ao meio‘, e ambos residiam com suas respectivas famílias, de forma independente. O terreno pertencia aos pais dela. A obra do irmão estava parada por falta de dinheiro: faltava reboco nas paredes e pinturas, as janelas não tinham vidros, mas, mesmo nessas condições, ele havia se mudado com a família. A casa de dona Rosalva estava pintada, porém as janelas também estavam sem vidros. Como o terreno era em declive, a construção foi feita numa parte mais baixa do terreno e as janelas acabaram ficando muito próximas do chão. Essa proximidade faz com que dona Rosely tenha medo de que, em épocas de chuvas fortes, a água invada a casa pelas janelas. Os móveis eram poucos e muito velhos, exceto a televisão e o aparelho de DVD, que eram novos. Família 14 Dona Célia morava com o ex-marido, o Sr. Manoel, e três filhos: Julia (14 anos, filha dela), Sandro (8 anos) e Júlia ( 6 anos). O casal estava separado, porém, segundo ela, por falta de recursos para o ex-marido se mudar, ele continuava residindo na mesma casa. A casa está em nome de dona Célia e dos filhos, e ainda não havia sido concluída por falta de recursos financeiros: faltava terminar o telhado, pintar as paredes e colocar as portas internas, além de fazer muro em volta da casa. Poucos móveis compunham os ambientes. O marido recebia aposentadoria e, desta, era descontado um empréstimo que ele havia feito; assim, ele recebia R$270,00, acrescido de R$154,00 do PBF. As contas da casa eram divididas entre ela e o marido: ela pagava a conta de água e fazia uma compra para o mês com o dinheiro do PBF; e ele pagava a conta de energia, de telefone e também comprava alguns mantimentos. A situação financeira da família foi agravada pelos problemas de saúde do ex-marido e da filha. Junto com a enfermidade do exmarido, a filha mais nova também adoeceu (problemas neurológicos). Esse quadro de enfermidades trouxe, além de mais gastos à família, a impossibilidade de dona Célia trabalhar, já que depois dos problemas da filha ela também entrou num quadro 141 depressivo e ―nunca mais conseguiu ser a mesma pessoa‖. Por causa disso, a situação financeira do grupo piorou muito, com drástica redução da renda. Família 15 Dona Raimunda morava com o marido Júlio e dois filhos: Célio (12 anos) e Marcela (9 anos), em uma casa construída por eles, porém inacabada. Num andar superior à casa em que viviam, ela e o marido construíram uma outra residência para fins de aluguel, com o objetivo de ajudar nas despesas da família. A casa não havia sido terminada por motivos financeiros: estava sem reboco e sem tinta nas paredes, o chão era de cimento grosso e a laje não tinha telhado; era escura e com pouca ventilação. Os móveis e objetos da família aparentavam estar velhos e desgastados, e alguns estavam quebrados. Dona Raimunda trabalhava como empregada doméstica numa mesma família, desde os 15 anos. O marido não trabalhava fora, nem nunca tinha trabalhado num emprego formal. Em função disso, ele se ocupava dos cuidados com a casa e dos filhos e, às vezes, plantava hortaliças e legumes no quintal deles. A renda da família era de R$625,00 do salário de dona Raimunda mais R$154,00 do PBF, totalizando R$779,00 por mês. Família 16 A família de dona Maria José era composta por cinco pessoas: ela, o seu marido Anderson e quatro filhos: Rafaela (19 anos), Sandra e Samira (gêmeas de 14 anos) e Pedro (9 anos). Na casa moravam três dos quatro filhos, porque uma das gêmeas morava com a avó, numa casa ao lado. A ida da filha para a casa da avó se deu em razão de a mãe de dona Maria José necessitar de alguém para ajudá-la com o serviço doméstico e lhe fazer companhia. Com isso, as despesas na casa diminuíram, o que foi um aspecto positivo da mudança. A casa tinha quatro cômodos de dimensões muito pequenas e um banheiro; apenas um deles era quarto. A edificação era de blocos de cimento, sem reboco e sem tinta nas paredes, o telhado era de telhas de amianto e não estava com a construção finalizada. A casa tinha sido construída no quintal da mãe, muito próximo à casa da mãe 142 e das irmãs, que também construíram no lote da mãe. Havia grande precariedade nas condições de habitação e vários objetos espalhados pela casa. Na sala havia um sofá rasgado, um móvel com uma televisão e um aparelho de DVD mais novos, um rádio e alguns enfeites. O marido era lavrador e recebia um salário mínimo. Recebiam do PBF R$154,00. Dona Maria José trabalhava em casa, cuidava dos filhos e também ajudava no cuidado de dois sobrinhos. Foi observada, na ocasião da entrevista, a evidência dessa rede de ajuda entre os parentes. No dia da entrevista, dois sobrinhos de dona Maria José ficaram sob seus cuidados e das suas filhas. Segundo ela, as crianças estavam doentes e mal cuidadas porque seu irmão, o pai das crianças (que não trabalhava fora), não cuidava bem delas. Sua cunhada trabalhava o dia todo fora de casa e, portanto, não tinha como ocupar-se delas. As crianças só voltavam para a casa à noite, depois que a mãe retornava do trabalho. Esses cuidados eram feitos sem que dona Maria José cobrasse nada do irmão e da cunhada, uma vez que ―eles não tinham como pagar mesmo‖. Ela cuidava das crianças porque tinha medo de acontecer algum acidente ou de ficarem desnutridas. O irmão, por sua vez, ajudava com alimentos, para os filhos passarem o dia na casa dela. Família 17 Dona Laurinda e seu marido Antônio tinham cinco filhos: Joel (18 anos), Ana (17 anos), Talita (14 anos), Luma (13 anos) e Wendel (11 anos). Todos na casa estudavam, inclusive ela e o marido cursavam o ensino médio. A família morava em uma casa de sete cômodos que fora emprestada pelo cunhado dela. Antes de o cunhado comprar a casa, eles tinham que pagar aluguel. O marido era estofador e trabalhava no andar superior da casa, enquanto ela trabalhava como babá. O filho mais velho também trabalhava, como atendente em uma loja. A renda da família variava porque o marido não tinha um salário fixo. Ele recebia de R$ 400,00 a R$700,00 reais, a depender do volume de trabalho que ele tivesse no mês. Ela recebia R$350,00 e o filho R$190,00, do PBF recebia R$77,00, equivalente a um salário mínimo. No caso dessa família, não foi observada rede de ajuda entre os parentes. Esse fato talvez se explique, em parte, porque dona Laurinda não mantinha com a família do marido relações de proximidade. Segundo ela, esse distanciamento foi motivado por sua descendência afro, que não é bem aceita pela família do marido. 143 Família 18 Dona Gláucia morava com o marido Aldo e três filhos: Luam (12 anos), Henrique (9 anos) e Eliana (5 anos). O casal trabalhava como caseiro em um sítio na zona rural de Viçosa. Nessa situação de trabalho, eles moravam em uma casa que pertencia ao proprietário do sítio em que trabalhavam: ela se ocupa dos cuidados com a casa e ele, com o quintal. A construção era de alvenaria e a família tinha poucos móveis e eletrodomésticos; mas, de modo geral, a casa apresentava um aspecto de muita organização e limpeza. A renda da família era de um salário mínimo (R$380,00), que eles recebiam como caseiros do sítio, e R$77,00 do PBF. O desejo de aumentar a renda da família levou dona Gláucia a comprar uma máquina de costura. No entanto, como não é alfabetizada, diz que só consegue fazer consertos pequenos. Segundo ela: ―para costurar uma peça de roupa precisa saber ler e escrever, para anotar o nome das partes depois que corta‖. Família 19 Dona Cleonice morava com o marido José e os dois filhos, Lúcia (10 anos) e Vitor (5 anos), em um sítio onde trabalhavam como caseiros. O casal veio morar em Muriaé há quatro anos, quando o marido conseguiu esse trabalho para administrar a propriedade e cuidar de uma granja de galinhas. A casa era muito simples, feita de tijolos, sem reboco e sem pintura nas paredes. Era pequena, com pouca ventilação, coberta com telhas de amianto. A família tinha poucos móveis: alguns velhos e quebrados e outros mais novos. Em termos gerais, a casa estava bastante organizada (quanto à disposição dos objetos da família) e limpa. Antes de morarem no local, a família morava em Divino, e, segundo dona Cleonice, nessa época, a família chegou a passar fome, porque pagavam aluguel e sempre tiveram gastos com a saúde dela, que é hipertensa. Sem dinheiro, não tinham de onde tirar alimentos. No entanto, agora morando em um sítio, eles podiam plantar cultivar uma horta, criar pequenos animais e, assim, podiam evitar os gastos com vários itens da alimentação. Para ela, estavam agora ―morando no paraíso, porque não faltavam alimentos para a família‖. 144 Família 20 A família de dona Ana era composta por ela, o Sr. Renato e a filha do casal, Vânia, de 12 anos. A família morava num pequeno sítio, de sua propriedade. A casa tinha, ao todo, cinco cômodos de dimensões muito pequenas. Tratava-se de uma construção que, apesar de antiga, ainda não havia sido terminada: o chão era de cimento grosso e algumas paredes internas estavam bastante sujas e rachadas. Compondo o ambiente, poucos móveis, alguns muito velhos e quebrados. A renda da família era proveniente de uma aposentadoria no valor de R$760,00 de seu Renato, que era marceneiro aposentado. Dona Ana trabalhava como dona-decasa. Além da aposentadoria do marido, recebem R$77,00 do PBF; segundo eles, ―um dinheiro para comprar as ‗coisinhas‘ da filha‖. Família 21 A família de dona Joana era composta por ela, o marido, oSr. Antônio, e dois filhos: Sandra, de sete anos, e Júlio de três. A casa em que a família morava erado sogro de dona Joana, num sítio da zona rural. Tratava-se de uma casa antiga, de sete cômodos, que apresentava muitas infiltrações. Por causa delas, as paredes estavam mofadas e sujas. O telhado, recentemente reformado, era de laje com cobertura de telhas de amianto. Poucos móveis compunham o ambiente. Dona Joana não gostava do trabalho nem de viver na roça e, por causa disso, procurava, há algum tempo, um trabalho fixo na cidade. Atualmente, ela já trabalhava como garçonete nos fins de semana61. Morando na casa do sogro, dona Joana disse que não estavam felizes morando lá, porque o sogro frequentemente batia na porta deles e mandava desocupar a casa. Por isso, ela sonhava em ter uma casa própria. Essas situações aconteciam sempre que o sogro, que era alcoólatra, bebia, causando uma situação de grande constrangimento na família. O marido fazia bico não tinha renda fixa mensal, variando entre R$100,00 e R$120,00 por mês. A renda de dona Joana era esporádica - quando conseguia trabalho como faxina, ela recebia R$30,00. O benefício social do PBF que a família recebia era de R$120,00. 145 Família 22 Dona Luciana morava com o marido Jaime e os dois filhos: Fernando (8 anos) e César (6 anos). A renda da família vinha do trabalho do Sr. Jaime como agricultor em lavouras de café, recebendo R$300,00 por mês, e do beneficio do PBF, de R$154,00 por mês. Dona Luciana trabalhava como dona-de-casa e se encarregava do cuidado com a casa e com os filhos. A família morava numa casa cedida pela prefeitura; antes de se mudar para esta casa a família vivia em condições de extrema precariedade, em um barraco sem energia elétrica ou água encanada, com risco de desabamento. Na época, segundo o relato de dona Luciana, a família viveu dias de ―inferno‖: era período de chuvas e chovia sempre no interior da casa, os dois filhos estavam doentes, um deles, inclusive, tinha sido vítima de atropelamento. Diante disso, um amigo da família, padrinho de um dos filhos, por compaixão da família, ajudou a encontrar outro espaço para morar, contribuindo com o aluguel. Embora as condições habitacionais também fossem precárias: sem vidros nas janelas, com as paredes apresentando muitas rachaduras e com a pintura desgastada, a família se diz vivendo muito bem e feliz, quando comparado com a moradia anterior. Quando se mudaram, dona Luciana e o marido receberam alguma ajuda em dinheiro e em materiais para a reconstrução do telhado. A família ganhou também, do patrão do marido, móveis, eletrodomésticos e outros objetos usados. Além disso, recebia frequentemente a ajuda de várias pessoas com produtos alimentícios. Nessas condições, a casa tinha o caráter de provisoriedade e da improvisação: numa grande sala de aula, a organização dos móveis compunha os ambientes. Assim, alguns móveis e um guarda-roupa definiam o espaço do quarto e da sala. Ao todo, a família ‗montou‘ sete cômodos - um quarto, duas salas, uma cozinha, dois banheiros (que ainda mantinham as placas de masculino e feminino de quando a escola funcionava) e uma área de serviço. Apesar disso, dona Luciana relatou que a família estava vivendo uma fase muito ‗boa e feliz‘, principalmente porque agora eles ‗estavam morando num lugar só para eles, com privacidade, diferente das experiências anteriores, de quando moravam na casa de parentes‘. Dona Luciana também relatou que tinha problemas relacionados à depressão e que fazia acompanhamento médico, com uso de vários medicamentos. 146 Família 23 Na casa de dona Jaqueline morava apenas ela e a filha adotiva Márcia, de oito anos. Dona Margarida nunca havia frequentado a escola e trabalhava como faxineira em uma casa próxima à sua, recebendo pelo seu trabalho o valor de R$100,00 mensais, que era somado ao valor do beneficio do PBF, de R$77,00. Dona Jaqueline era solteira, mas mantinha uma relação amorosa com um senhor aposentado pela Prefeitura, que era também o proprietário da casa onde ela morava com a filha. Segundo ela, apesar de aquela não ser uma situação desejável, já que o namorado era casado, 63 precisava do companheiro para se manter e ajudar na criação da filha, que, inclusive, o reconhecia como pai. A condição de construção recente e inacabada e a falta de recursos para investir na habitação eram perceptíveis nas condições da moradia: nos blocos de cimentos aparentes, sem reboco e sem tinta nas paredes, nas janelas usadas. Internamente, a casa não tinha portas, nem a parte elétrica havia sido concluída, o teto ainda estava sem forro e as paredes ainda não tinham recebido pinturas. A maioria dos móveis e eletrodomésticos pertencia ao namorado. O convívio com animais domésticos (gatos, cachorros e galinhas) na casa e a presença de objetos pessoais associados a restos de comida e terra nos cômodos davam à casa um aspecto de muita desorganização. Família 24 Na casa de dona Laide moravam, ela, o marido Rodrigo e os filhos Tiago e Aline, com 14 e 11 anos, respectivamente. A casa em que a família morava era muito simples, com poucos móveis, e tinha sido construída no terreno do sogro de dona Laide, inclusive com sua ajuda financeira. Apesar das muitas rachaduras nas paredes ou ausência de tinta nas paredes, a casa tinha um aspecto de limpeza e organização. Percebia-se o cuidado inclusive pelas várias plantas decorando a casa. Marido e esposa reclamaram que na roça a situação era muito difícil, porque tudo o que vendiam era muito barato, mas o que eles tinham que comprar na rua era caro demais para eles. Seu Osvaldo, que era agricultor, recebia em torno de R$150,00 por mês, e do PBF recebiam R$154,00. 147 Família 25 Dona Regina morava com o marido Carlos e os dois filhos, Ailton, de dez anos, e Gustavo, de seis, em uma casa de oito cômodos, construída no terreno do sogro. O marido era trabalhador informal, lidava com vendas. Dona Regina trabalhava como dona-de-casa. Dona Regina já trabalhou como empregada doméstica antes de os filhos nascerem, mas, depois disso, parou de trabalhar para poder cuidar deles. A renda da família era de R$170,00 do trabalho informal e R$154,00 do PBF. A casa em que a família morava tinha aspecto de muita organização e limpeza. Muitos dos móveis que compunham o ambiente tinham o aspecto de serem novos, principalmente os móveis da cozinha. Os relatos das famílias acima descritos retratam o processo histórico que engendra a pobreza. Desde o nascimento até a chegada do contexto de direitos sociais, as famílias podem ser vistas como ―Desfiliadas‖ da sociedade capitalista, mediante a negativa do Estado de não intervir por meio das políticas sociais para reduzir as desigualdades e enfrentar a pobreza. Distante das condições do mercado de trabalho e da proteção social, as estratégias das famílias em situação de pobreza surgem enquanto mecanismos de reprodução social, em face à ausência de intervenção pública, quando recorrem à recursos e solidariedades primárias ligadas ao grupo familiar, vizinhança e instituições de cunho religioso para que possam viabilizar, de alguma forma, a satisfação das suas necessidades básicas. Ou seja, de acordo com as entrevistas e o referencial teórico de análise, observou-se que mesmo prevalecendo os recursos materiais, as estratégias transitam entre o material e o simbólico, numa junção de solidariedades e práticas. Assim, seja por meio do trabalho formal ou informal ou pela articulação com a rede de ajuda (famílias, parentes e políticas sociais), as famílias fazem uso de estratégias de sobrevivências, criadas ou adaptadas. A precariedade das condições de vida corroboram para readaptação das estratégias, uma vez que as famílias não apresentam uma estratégia inovadora, como compor grupos associados, economia solidária, dentre outras. Suas ações são ―comuns‖, na maioria dos casos, indicando seu frágil perfil criativo e associativo, revelando, mais uma vez, o grau de precariedade em que se encontram, uma vez que as estratégias empregadas vêm de práticas recorrentes, o que tende a colocar em risco sua sobrevivência. 148 O trabalho tem sido o principal recurso acionado pelas famílias, enquanto estratégia de sobrevivência, mesmo não sendo formal. No entanto, em virtude de contratos precários de trabalho, subalternidade e submissão, há um predomínio das condições de vulnerabilidade social e risco. Essa situação tem feito com que as famílias recorram às solidariedades primárias, praticadas pelas igrejas e instituições filantrópicas, visando atender suas necessidades mais elementares, como o comer e morar. Para todas as famílias entrevistadas, a solidariedade dos familiares e conterrâneos colabora para a mudança e diminuição dos impactos da pobreza sobre suas vidas, por meio da provisão de recursos materiais. Entretanto, existe uma fragilidade em termos dos recursos simbólicos (confiança, laços de amizade) que poderiam fortalecer as relações de uma forma mais duradoura. O que fica deste percurso analítico é a clareza de que a pobreza, é multidimensional, estando revestida de analfabetismo, baixa renda e moradia precária, o que condiciona as pessoas à situações de vulnerabilidade e risco social. Outro fator a ser ressaltado foi que a regularidade no repasse do benefício pelo PBF possibilitou o planejamento dos gastos com consequente modificação do padrão de consumo. Todavia, o estudo também observou que, mesmo tendo ocorrido, a partir do recebimento do benefício, o aumento na quantidade e na variedade dos alimentos, o programa por si só não garante uma melhoria da qualidade de vida, em razão do nível de pobreza estrutural mais amplo das famílias beneficiárias. Isto porque a situação de pobreza estrutural limita o acesso das famílias aos bens públicos básicos, como esgotamento sanitário e atendimento à saúde, que interferem diretamente no padrão de vida. Observa-se que os pobres permanecem excluídos da cidadania em duplo sentido: formal e material. Em sentido material, pela ausência de trabalho e renda regulares e por vínculos coletivos limitados ao mundo familiar. Em sentido formal, muitos deles não possuem sequer carteira de identidade o que impossibilita até o ingresso no cadastro de vários programas sociais (REGO, 2013). Telles (2006), ao parafrasear Schwarz (1986), coloca que a ―pobreza é horrível‖, referindo-se a situação de milhões de famílias, que têm que lidar com multiplicidades de privações, convivendo com ausência de alimento, luz, água, trabalho, renda, entre tantas outras necessidades não atendidas e furtadas por detrás de discursos oficiais e técnicos. Não obstante passam a ser prisioneiras das ―armadilhas da pobreza‖, uma vez que 149 desenvolvem dependência, resignação, desesperança, subordinação, entre tantas outras marcas de subalternidade (BRONZO, 2009). 4.5.2 Mudanças e Permanências com o PBF, na percepção das Famílias Beneficiárias A análise do empoderamento, na percepção das famílias beneficiárias, permitiu constatar que, em relação às mudanças percebidas pelas famílias nas suas condições de vida após o ingresso no PBF, ocorreram melhorias nas condições de alimentação (o aspecto mais citado); melhoria das condições de moradia e vestuário, seguida do cuidado com a saúde da família (aspecto que está diretamente ligado ao funcionamento do PSF - Programa Saúde da Família, no bairro); além de maior possibilidade de aquisição de bens, maior nível de escolaridade e de relacionamento entre os membros da família. A renda foi citada uma única vez como aspecto que melhorou, embora esteja implícito que ela tem sido vista como condição fundamental para o acesso das demais melhorias apontadas. O acesso a alimentos é citado pela maioria das mães, principalmente o acesso a frutas, carnes, biscoitos, leite e derivados para os filhos. Todas as mães disseram que, após a participação no Programa, suas famílias não passaram por momentos de falta de alimentos. Embora nosso foco não fosse a Segurança alimentar e nutricional, durante as entrevistas foi destacado que o dinheiro recebido era usado primeiro com a alimentação da família, para evitar a falta de alimentos em casa. Mas, considerando o conceito de Segurança alimentar e nutricional, apontado pelo IBASE (2010): ―Segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todas as pessoas ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente‖, não é possível afirmar qual é a qualidade e quantidade de alimentos consumidos pelas famílias pesquisadas. Os dados coletados nos permitem afirmar apenas que houve diminuição de situações de fome das famílias beneficiárias do PBF, porque, segundo as mães, com o dinheiro do PBF podem comprar mais alimentos e itens que antes não podiam comprar, como iogurtes, frutas, doces e biscoitos, para os filhos. Na pesquisa realizada pelo IBASE (2010), quando perguntados sobre o que ocorreu com a alimentação da família após o Programa Bolsa-Família, os titulares do cartão disseram que aumentou a quantidade de alimentos que já consumiam (74%); a variedade de alimentos (70%) e a compra daqueles que as crianças gostam (63%). 150 Figura 5 – Principais aspectos que melhoraram, após a participação das famílias beneficiárias, Muriaé/MG, 2013. Fonte: Dados da pesquisa, 2013. De acordo com a pesquisa do IBASE (2010) foi constatado ainda que: ―apesar do aumento declarado no consumo de alimentos, parcela significativa dos beneficiários (21%, representando 2,3 milhões de famílias, perfazendo um total de cerca de 11,5 milhões de pessoas) encontrava-se em situação de insegurança alimentar grave (fome entre adultos e, ou, crianças da família); outros 34% (ou 3,8 milhões de famílias, perfazendo um total de cerca de 18,9 milhões de pessoas) estavam em situação de insegurança alimentar moderada (restrição na quantidade de alimentos na família, de acordo com a EBIA - Escala Brasileira de Insegurança Alimentar); 28% (ou 3,1 milhões de famílias, perfazendo um total de cerca de 12,5 milhões de pessoas) apresentavam insegurança alimentar leve, em que não há falta de alimentos, mas preocupação em relação ao consumo no futuro; e 17% (ou 1,9 milhão de famílias, perfazendo um total de cerca de 7,4 milhões de pessoas) situavam-se em estado de segurança alimentar e nutricional‖. Para o IBASE (2012), mesmo com a percepção de aumento na quantidade e variedade dos alimentos a partir do Programa Bolsa-Família, a situação de insegurança alimentar é alta. O PBF é importante para melhorar as condições de vida das famílias, 151 embora, por si só, não garanta índices satisfatórios de segurança alimentar, questão associada a um quadro de pobreza mais amplo. Observando outros aspectos que melhoraram com o PBF, a maioria apontou melhorias em relação à situação financeira da família, apesar de existirem algumas que não conseguiram perceber nenhuma melhoria significativa. Importa destacar que nem todas que apontaram que a situação atual estava melhor faziam associações ao PBF. Em algumas falas, foi apontado que nesse período conseguiram manter o emprego ou conseguiram um trabalho melhor (em relação ao trabalho dos maridos ou o trabalho delas próprias) e, através deles, tinham a garantia do salário. Esse fato trouxe melhoria às suas condições de vida. No que diz conforme as principais preocupações das famílias observou-se um percentual mais elevado com respeito às drogas, seguido de situações de violência, tanto na rua quanto em casa (Figura 6). Figura 6 – Principais preocupações apontadas pelas famílias, Muriaé/MG, 2013. Fonte: Dados da pesquisa, 2013. As situações de violências estiveram associadas aos problemas de dependência de álcool e drogas apontados por 90% das famílias. No entanto, apenas três famílias destacaram que vivenciavam esse tipo de problema na sua própria casa. As preocupações das mães se manifestaram de forma gradual, conforme a proximidade dessas situações com suas vidas, grau de parentesco ou afetividade em relação aos 152 envolvidos. Em se tratando, por exemplo, de mães que tinham filhos adolescentes, elas expressaram muita angústia e medo em relação a essas situações; já as mães de filhos ainda crianças manifestaram preocupação com o tema, mas ainda com certo distanciamento. Nas famílias, em que os adultos (maridos e filhos) estavam diretamente envolvidos, os dramas revelados eram maiores. Numa das entrevistas, por exemplo, uma das mães relatou-nos que estava muito triste porque seu filho adolescente estava sendo ―usado‖ por traficantes para ―buscar drogas‖ e que ―essa era a sua maior tristeza‖. Além disso, ela também enfrentava o drama do marido alcoólatra, que espancava a família. Conforme seus relatos: Eu fico muito triste, porque aqui no bairro tem umas pessoas, um homem que usa os filhos da gente pra buscar umas porcaria de droga. Eu já falei, já chorei pra ele não fazer mais isso. Leva pro caminho perigoso e errado, é gente ruim, homem perigoso, que anda com faca na cintura. Até separar briga dele com a mulher dele meu filho já foi se meter (M 7). Eu só fico dentro de casa, é muita briga. Ele (marido) fala assim: - Deixa esses meninos comigo uma semana que eu conserto eles tudo. Mas eu sei que se deixar, ele bate até matar, por que ele bebe muito. As pessoas falam comigo que ele não pode me espancar, então ele que tem que ir embora (M 7). Outro fator problemático vivenciado pelas famílias em situação de vulnerabilidade social está associado ao desemprego. Na pesquisa em questão, duas famílias encontravam em situação de desemprego: na primeira nenhum membro da família trabalhava, dependendo inteiramente do beneficio do PBF; na segunda, apenas o marido era aposentado. Nas análises de Amartya Sen e José de Souza Martins, o desemprego é apontado como um elemento importante para a avaliação da pobreza e da exclusão. Ele contribui para a ―multiplicidade de dolorosas experiências cotidianas de privações, de limitações e de anulações‖ das famílias, como colocou Martins (2002, 2007). Além disso, o desemprego não é meramente uma deficiência de renda que pode ser compensada por transferências do Estado, conforme apontou Sen (2000), é também uma fonte de efeitos debilitadores muito abrangentes sobre a iniciativa e liberdades dos indivíduos e, nos casos das referidas famílias, gerou problemas de saúde e violência. Assim, na relação entre desemprego e programas de transferência de renda, Sen (2000) destacou que se a perda de renda fosse tudo o que o desemprego acarreta, ela poderia ser, em grande medida, suprimida mediante o auxílio-renda. Mas, se o desemprego tem outros efeitos graves sobre a vida dos indivíduos, causando privações de outros tipos, a melhora graças ao auxílio renda seria, nessa medida, limitada. 153 Trazendo para a realidade das famílias beneficiárias do PBF que recebem o auxíliorenda, realmente foi possível perceber que apenas a renda é um componente limitado para a superação da pobreza e da exclusão que acomete as famílias. Diante disso, é compreensível que as maiores preocupações das mães estejam associadas à violência e ao consumo de drogas, haja vista que, para grande parte das famílias, o cotidiano é marcado por situações dramáticas e violentas, que não podem ser solucionadas apenas com a transferência de renda do Programa. A transferência de renda é reconhecida pelo grupo como ajuda, às vezes importante, outras nem tanto, mas o aspecto monetário por si só é insuficiente para reduzir as situações de pobreza e exclusão vividas pelas famílias beneficiárias. Além de observar as expectativas e as preocupações das famílias, a fim de compor a avaliação sobre as mudanças percebidas por elas, buscou-se verificar se, após o ingresso ao Programa, houve participação das famílias em cursos e programas complementares à transferência de renda do PBF, conforme consta na legislação deste. Justifica-se essa avaliação porque, no conjunto de dados que representam de fato as capacidades e liberdades das pessoas, segundo a abordagem de Amartya Sen (2000), os ―funcionamentos sociais‖ vão desde questões básicas, como estar alimentado e com boa saúde, até questões mais complexas como ser respeitado, participar da vida social como consumidor e trabalhador, entre outras. Mas os funcionamentos dependem das características pessoais e dos arranjos sociais, a exemplo das políticas públicas e, nestes últimos, estão incluídas as políticas públicas. Em Amartya Sen (2000), as capacidades são entendidas como base das liberdades que enriquecem a vida humana. A liberdade global de uma pessoa depende do conjunto das liberdades instrumentais, entre elas as liberdades de oportunidades sociais e disposições nas áreas de saúde, educação etc. No PBF, esses itens estão relacionados às condicionalidades de saúde e educação, ou seja, para participar, além da transferência de renda e cumprir as contrapartidas de saúde e educação para a família, o Programa prevê cursos complementares que têm como objetivo a emancipação das famílias. Nessa perspectiva, a legislação do Programa prevê e enfatiza que a inclusão social das famílias se dê mediante a articulação da transferência escolar com o acompanhamento médico para a família e frequência escolar dos filhos e também com a participação em cursos complementares de capacitação para o trabalho e acesso ao conhecimento. 154 Considerando esse aspecto, foi indagado às mulheres sobre a sua participação em cursos ligados ao PBF, e todas responderam que nunca haviam participado de nenhum curso promovido pelo PBF no município. Para esse grupo de beneficiários, ainda não haviam sido ofertados cursos de educação e qualificação profissional, conforme previsto na legislação 24 . Ou seja, nesse formato, as famílias teriam chances de adquirir novos conhecimentos e habilidades, de obter renda através do trabalho desenvolvido como consequência da qualificação que receberam e, portanto, com mais capacidade para o empoderamento. Mais da metade das mulheres, no entanto, gostaria de voltar a estudar. Os motivos relacionados a esse desejo foram os mais diversos. Grande parte via no estudo a possibilidade de: ascensão social e realização pessoal, acesso ao trabalho, melhoria da renda, melhoria do cuidado da família, melhor exercício da vida religiosa e ser mais respeitado. No grupo de mulheres que manifestaram não querer voltar a estudar, o principal motivo citado foi à idade e o ritmo de vida que levavam o que, segundo elas, era incompatível com os estudos, considerando que tinham filhos, casa, trabalho e, portanto, não era possível conciliar tudo isso. E duas disseram que não gostavam de estudar. A maioria gostaria de participar de cursos ou aprender alguma atividade extra. As razões estiveram relacionadas a fatores econômicos (para melhorar a renda da família), acesso ao mercado de trabalho, melhoria dos cuidados da família ou de melhoria da vida social (para a mulher seria a possibilidade de sair de casa e conversar com outras pessoas). No entanto, no âmbito do PBF no município, conforme foi apontado pela equipe técnica, ainda não são ofertados cursos complementares às famílias, de modo mais abrangente, o que limita o empoderamento familiar, pela limitação de nossos conhecimentos e habilidades, que interferem de forma direta na geração de trabalho/renda, novos hábitos de comportamento e novas satisfações com a vida. Conforme apresentado na construção dos dados, os resultados da pesquisa indicaram que a maioria das famílias beneficiárias não percebeu mudanças significativas em suas condições de vida, no que tange à diminuição da pobreza e da 24 Lei 12817/2013- Prevê a realização de cursos de educação e qualificação profissional como: cursos para cultivo de hortas ou pomares familiares, educação alimentar e nutricional, profissionalizantes: cabelereiros, manicure, culinária, informática, panificação, corte e costura. 155 exclusão, e tampouco percebeu também alterações ligadas ao fortalecimento da cidadania como decorrência do PBF. Após o ingresso no Programa, o modo de viver e de driblar as privações cotidianas não foram alterados significativamente, exceto quanto às situações de fome, pois, após a ―ajuda‖ ou a ―ajudinha‖ vinda do PBF, as famílias apontaram que não passaram mais por essas situações. Portanto, analisando apenas o indicador fome, o Programa tem contribuído para diminuir a pobreza das famílias, uma vez que está impedindo o sofrimento das pessoas pela falta de alimentos. No entanto, como esta análise não se restringe apenas a esse indicador, nem tampouco à renda das famílias (conforme a abordagem de Amartya Sen), outros indicadores precisam ser analisados para responder ao problema central desta pesquisa. A transferência de renda pode ser reconhecida como elemento positivo no que se refere ao auxílio na alimentação e no poder que oferece aos beneficiados em recusar condições repugnantes de trabalho, como o trabalho escravo, uma vez que garante uma renda mínima. Suplicy (1992) advogou em favor da transferência monetária, apontando que ela não influencia o abandono do trabalho, mas permite que as pessoas possam escolher o tipo de trabalho que querem desenvolver. Essa consideração vai ao encontro da abordagem de Amartya Sen, que enfatizou a importância do poder de escolhas pelos cidadãos. Embora o foco na renda seja importante, é insuficiente para alterar as situações de pobreza e de exclusão social. A avaliação da pobreza e da exclusão social de forma mais abrangente e completa deve acontecer no espaço que enfatiza as privações que impedem o desenvolvimento das pessoas, pelo conjunto de liberdades instrumentais e capacidades para atuar na sociedade. Saciar a fome das pessoas que se encontram em situações de pobreza e de exclusão e elevar a renda dessas famílias é importante, mas insuficiente, uma vez que a pobreza tem uma dimensão que ultrapassa a carência de renda, e a exclusão social é marcada por múltiplas experiências cotidianas de privações e de limitações mais intensas ainda que a pobreza. Pobreza e exclusão são constituídas de várias pobrezas, por exemplo, a pobreza política, que Demo (2002) ponderou ser um grande limite à emancipação e inclusão social. Para ele, considerando apenas o contexto da sobrevivência, impedir situações de fome é fundamental, mas é apenas um primeiro passo. Nas famílias pesquisadas, o primeiro passo do PBF tem sido dado, conforme as famílias percebem e apontam; no entanto, como afirmou o referido autor: ―Não se 156 resolve o problema da fome apenas matando a fome, mas construindo as condições necessárias para dar conta dela com a devida autonomia‖ (DEMO, 2002, p. 35). Esse passo que sucede a satisfação da fome e a elevação da renda não tem sido realizado através do PBF dentro da realidade das famílias beneficiárias pesquisadas, porque o Programa se restringe ao oferecimento do benefício monetário e à oferta dos serviços de educação para crianças e adolescentes e serviços de saúde para a família. Se o PBF no município restringe-se apenas à obrigatoriedade por parte das famílias, da frequência escolar dos filhos, essa forma de ação restrita reforça a percepção da maioria das famílias do Programa Bolsa-Família como Bolsa-Escola. 4.5.3- As Famílias Egressas do PBF e suas Percepções Pode-se constar que as famílias egressas eram preferencialmente nucleares (70%), com uma média de 4 filhos, estando em fase de maturação (45% ) do ciclo de vida. Quanto à composição familiar dos grupos familiares analisados, o número de residentes no mesmo teto era, em sua maioria, constituído de 4 a 6 pessoas, representando 50% do total. É importante destacar que as famílias com um número elevado de membros compõem uma situação de precariedade por que a renda familiar per capita tende a ser baixa, demonstrando assim a gravidade das condições de precariedade em que estes grupos estão expostos. Os motivos para a saída do programa são os mais variados como, por exemplo, o não cumprimento de condicionalidades na área de educação e saúde (32 famílias), revisão cadastral não concluída (15 famílias). Houve apenas duas egressas que se retiraram por não dependerem mais do programa, porque com o aumento de suas rendas per capita não se enquadravam mais na atual faixa de pagamento do benefício, destinado a grupos com renda mensal de até R$77,00 por pessoa ou rendimento individual mensal na faixa que vai de R$77,00 a R$154,00. Ao entrevistar dois antigos beneficiários do programa que puderam se emancipar do auxílio do Estado. Observaram-se relatos de famílias que conquistaram aumento de renda e qualidade de vida. As histórias de vida dessas famílias não é um milagre, mas uma construção realista quando famílias que enfrentam a pobreza em seus múltiplos aspectos – econômica, educacional, médico, social – recebem amparo e orientação para transformar vocações profissionais em fonte de renda: 157 Há quatro anos, fiz um curso oferecido pelo SEBRAE e pelo município e abri um ateliê em casa para artesanato. O negócio cresceu e hoje tenho uma lojinha, na avenida principal do bairro. Nós fomos os primeiros a entregar o cartão, aqui na cidade. A gestora ficou admirada. (Relato família 3) . Outro exemplo é o D. Maria, mãe de quatro filhos, 42 anos, é uma das exbeneficiária deixou o Bolsa Família após melhorar sua condição de vida. Na época em que fazia bicos como doméstica, e o marido como pedreiro, era beneficiária do Auxílio Gás, Bolsa Escola e Bolsa Família. Depois de construir sua casa, a diarista decidiu devolver o cartão que garantia o benefício. Pensei assim: da mesma forma serviu para os meus filhos, vai ajudar outras pessoas. Acho muita covardia a pessoa não necessitar e ficar recebendo. Entreguei o cartão na mão da gestora. Atualmente, esta senhora, trabalha como faxineira, fez curso de manicure nos últimos anos e costura para uma confecção da região. A exemplo das duas famílias, segundo dados do MDS (2014), a maioria do 1,7 milhão que devolveu o cartão do programa se tornou microempreendedor individual. Atualmente, 290 mil ex-bolsistas sustentam suas famílias trabalhando no setor de serviços. Outros 760 mil receberam orientação e ajuda para conseguir microcrédito e abrir pequenos negócios. De tanto oferecer cursos aos chefes de família e permanecer com vagas abertas, o governo percebeu que focar as ações do programa nas mulheres multiplicava os resultados. Hoje, 93% dos titulares são do sexo feminino e o mercado privado começa a oferecer cursos às beneficiárias. Entre tantos passos intermediários na consolidação do programa, tem-se como certo que em 2006, quando teve início a formação do Cadastro Único, para verificar a situação social das famílias de todo o País, foi possível atravessar uma fronteira capaz de separar o assistencialismo convencional daquilo que se considera uma política social atualizada e efetiva, cuja base é um esforço pela autonomia dos cidadãos e não pela preservação de sua dependência. Contudo, um dos pilares do Programa Bolsa Família deveriam ser as políticas públicas estruturantes que, em conjunto com os programas complementares dotariam ao longo prazo essas famílias de capacidades, de tal forma que conseguissem por si mesmas a reprodução social da unidade familiar, alterando as suas bases históricas de fragilidades. 158 O mito segundo o qual os pobres não alteram suas conjunturas por falta de mobilização individual, por não adesão aos programas políticos se desfaz quando as bases históricas desta sociedade são ratificadas (ABRANCHES, 1998). E no caso do estudo em questão, é possível afirmar que 50% das famílias analisadas sobrevivem praticamente com a renda da Bolsa Família. Essas famílias ao estarem em descumprimento de condicionalidade encontram-se mais vulneráveis à reprodução da exclusão social; ou seja, se a unidade familiar está recebendo o Bolsa Família (PBF), significa afirmar que todas as outras políticas públicas foram-lhe insuficientes ou não acessadas e, neste sentido, podem fazer parte do grupo de famílias em situação de vulnerabilidade social, negligência ou abandono, situação de rua e/violência doméstica. A inclusão no PBF se dá pela exclusão de outras políticas públicas. Portanto, de acordo com Sawaia (2008), a sociedade exclui o sujeito quando o mesmo não consegue ter acesso a determinados direitos e o inclui em outros, o que é característico de uma sociedade marcada pela desigualdade, em que a inclusão se dá pela exclusão. Pesquisa do IPEA, discutida por Weissheimer (2010), destaca que as políticas sociais inclusivas deveriam se pautar nas seguintes diretrizes: a) maior igualdade de oportunidades para que haja acesso a capacidades produtivas, informações e meios de produção; b) política educacional que promova a expansão da escolaridade e redução das desigualdades educacionais; c) tratamento mais equitativo no mercado de trabalho, reduzindo tanto as práticas discriminatórias quanto as diferenciações de remunerações para trabalhadores igualmente produtivos; c) maior acesso ao mercado de trabalho e geração de qualidade; d) construção de um sistema tributário socialmente justo; e) reforçar a rede de proteção social, para maior efetividade das políticas de transferência de renda, combate à pobreza e empoderamento familiar. Com respeito às percepções das egressas sobre o empoderamento, inicialmente foi indagado sobre os seus significados, sendo visto preferencialmente, como: mais acesso ao crédito, liberdade, mais acesso à saúde e alimentação. Das 49 egressas, 96% (47) foram desligadas do PBF por questões de não atendimento às condicionalidades, conforme citado anteriormente, sentindo-se, portanto não empoderadas. Muitas das famílias entrevistadas relatam que a partir do momento em que começaram a receber o Bolsa Família conseguiram crédito nos mercados, lojas, nos quais fazem habitualmente suas compras. Observou-se que o termo ―crédito‖, vai além do valor econômico e remete à dimensão da confiança e confiabilidade, que 159 representam importantes passos na dignificação da pessoa, como destacam os seguintes relatos: O cartão do Bolsa Família foi a única coisa que me deu crédito na vida antes não tinha nada (Relato da Família 1) Com o Bolsa Família tive mais acesso aos médicos e assistência a saúde; o Bolsa Família é um favor porquê ninguém fez isso antes (Relato da família2). Esses resultados são coerentes com uma pesquisa sobre avaliação do PBF feita junto a 4000 beneficiários pelo Núcleo de Pesquisas Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), citada por Weissheimer (2010). Dos 53 municípios pesquisados, 27 foram as capitais dos estados, sendo a maioria dos entrevistados composta por mulheres (93,9%), de 25 a 44 anos, com escolaridade muito baixa, donas de casa, predominantemente pardas, seguidas de brancas e negras, indicando que o programa está chegando a quem de fato precisa dele. Os recursos do programa, gastos basicamente com alimentação (76,4%) e material escolar (11,1%), melhoraram a autoestima e o acesso ao crédito, o que aumentou a possibilidade dessas famílias avançarem na direção da construção de redes locais de sociabilidade e para a construção de estratégias para a saída da exclusão social (WEISSHEIMER, 2010). Desse modo, o PBF cria pelo menos um vínculo de pertença à comunidade, mas, faz-se necessário uma política de educação cívica voltada a uma maior integração entre os sujeitos, ou melhor, que se mobilizem na defesa de seus direitos, com aumento do sentimento de pertença, como discute Rego (2013). Algumas famílias, quando questionadas, nãos sabiam o sentido do termo ―cidadão‖ e, portanto, não se viam como cidadãs, como membros de uma comunidade que faz parte do seu município de vivência ou da sua realidade política de referência. 160 V- CONSIDERAÇÕES GERAIS Situações que configuram a pobreza e a exclusão social e suas inúmeras consequências atingem milhares de famílias, de modo a impedir a ampliação da cidadania através de maior participação cidadã nos diversos âmbitos da sociedade. Em razão disso, uma tendência contemporânea passou a guiar a política social de muitos países que se pautam em princípios democráticos, inclusive o Brasil, como as políticas de transferência de renda condicionada, no caso do PBF, ao cumprimento por parte dos envolvidos de determinadas exigências relacionadas a questões de saúde e educação. Esses programas também são desenhados com a perspectiva de se articularem com outros programas complementares. Em razão disso, procurou-se neste estudo investigar em que sentido o Programa Bolsa-Família tem repercutido nas condições de pobreza e de exclusão social em que vivem as famílias beneficiárias, influenciando o empoderamento das mesmas. Para tanto, buscou-se um aporte teórico que fornecesse subsídios para entender a relação entre a permanência da pobreza no Brasil e o tipo de capacidades prevalecentes, para identificar os tipos de pobreza e suas diferenças, bem como a relação entre pobreza e exclusão social. Entende-se que esses fenômenos, embora bastante próximos, apresentam particularidades que precisam ser entendidas e consideradas se a pretensão é problematizá-los. Nesse sentido, foram contextualizados historicamente os programas de transferência de renda, descrevendo o desenho do PBF em nível nacional a partir da proposta da legislação federal e caracterizando o Programa no Município de Muriaé, a partir de sua execução em dois dos bairros de maior representatividade; considerando as percepções dos profissionais responsáveis pela implantação do PBF em nível local, bem como das famílias beneficiárias. A percepção das famílias beneficiárias sobre o PBF e suas condições de vida após a participação no Programa foi fundamental para atender ao objetivo principal deste estudo. Como foi possível perceber pelo ―olhar‖ das famílias beneficiárias do PBF, o Programa apresenta aspectos positivos à medida que proporciona uma renda que pode ser empregada na compra de alimentos, impedindo que muitas famílias passem por situações de fome. No entanto, o PBF em Muriaé não contribui para situações de inclusão social, inclusive aquelas previstas no próprio Programa, como a promoção de cursos de profissionalização. 161 Nesse sentido, a promoção de cursos complementares à transferência monetária possibilitaria o desenvolvimento de ―liberdade e capacidades humanas‖, na perspectiva de Amartya Sem. Dessa forma, haveria coerência com o desenvolvimento humano que Amartya Sen propõe, baseado nas liberdades substantivas e nas capacidades, em que as pessoas podem escolher um modo de vida entre os possíveis. As famílias beneficiárias teriam possibilidades de inclusão social em mercados de trabalho. Entretanto, na realidade pesquisada não havia articulação entre a transferência monetária e os programas paralelos com o objetivo de promoção de inclusão ao mercado de trabalho. Dessa limitação decorre que as condições reais de autonomização das famílias beneficiárias do PBF, com vistas à inclusão e incentivo a práticas de cidadania fiquem dificultadas, não contribuindo para a superação da pobreza e de situações de exclusão em que vivem. Muitas famílias, quando perguntadas, não sabiam o sentido do termo empoderamento ou cidadão, portanto não se viam como tal, como membros de uma comunidade mais ampla, conscientes, de sua força, poder e direitos. Desse ponto de vista, o PBF cria um vínculo de pertença a uma comunidade, porém, faz-se necessário uma política de educação cívica voltada a uma maior integração dos sujeitos, ou melhor, à formação de sentimentos de estarem ligados a uma comunidade mais ampla, a nação. O principal aspecto percebido como positivo no âmbito do PBF, tanto pelas famílias quanto pelas profissionais, foi a transferência de renda que alivia, de forma imediata, situações de fome. A oferta de cursos e programas paralelos que tenham como objetivos incentivar a ampliação da cidadania e a superação da pobreza e da exclusão social não fazia parte da realidade local. Apesar de a maioria considerar o PBF como positivo e como importante ajuda, o Programa foi percebido também como ajuda insuficiente para a solução dos problemas de diversas ordens que vivenciavam. Essas ambivalências referentes à percepção do PBF são compatíveis com os resultados da pesquisa realizada por Brito e Macedo (2004) e por Silva et al. (2006), quando fazem referência à forte tendência por parte das famílias a subestimar o auxílio transferido, devido à insuficiência para satisfação de todas as necessidades das famílias, assim como igualmente perceberam uma valorização ―da ajuda‖ para atender às suas necessidades imediatas. A superação da pobreza e da exclusão entre gerações através da educação e do acesso a serviços públicos de saúde só será visível a médio e longo prazos quando pesquisas apurarem exatamente se as crianças e adolescentes de hoje foram incluídos 162 na vida social com acesso aos direitos de cidadania. Considerando que o desenho do PBF se pauta em uma concepção de saúde relacionada à prevenção e imunização e de educação como acesso e frequência, parece pouco provável que, dessa forma, a pobreza e a exclusão, sejam superadas. Isso porque não basta apenas exigir que as famílias cumpram tais exigências, se o PBF não for complementado por ações que aumentem a autonomia das famílias e a possibilidade de integração ao mercado de trabalho, ampliando a capacidade de geração de renda para seus membros e contribuindo para o combate estrutural da pobreza e para a melhoria das condições de vida do grupo familiar, conforme consta na proposta do Programa. Nesse contexto a realidade do PBF em Muriaé, MG, da forma como está sendo desenvolvido, objetiva o atendimento das necessidades básicas imediatas das famílias, não apresentando elementos para fortalecê-las de forma mais significativa; ou seja, o alívio imediato da pobreza se dava por meio da transferência direta de renda às famílias, mas a promoção da inclusão social das famílias que viviam em situação de pobreza e de extrema pobreza não tem sido contemplada. O valor transferido às famílias que vivem em meio às diversas situações de pobreza e de extrema pobreza é relativamente baixo, quando é considerado o amplo quadro de carências que apresentam. Tal constatação revela que é de fundamental importância oferecer condições paralelas à transferência de renda para o empoderamento das famílias, através, principalmente, de preparação para o trabalho. Considera-se que a formação e capacitação diretamente proporcionadas pelo PBF poderão contribuir para o exercício das liberdades, como ter renda proveniente do trabalho, fazer escolhas de consumo e de formas de pagamento, fazer escolhas de serviços de saúde e de educação, ter acesso e usufruir dos direitos e dos serviços de cidadania, enfim, contribuiria para o fortalecimento das diversas liberdades humanas e para o empoderamento familiar. Mas, para isso as pessoas em condição de pobreza e de exclusão social necessitam de que algumas oportunidades lhes sejam proporcionadas, além da assistência à sobrevivência. Esse princípio fortalecedor das famílias pobres e excluídas norteia a legislação do PBF, significando que o discurso legal não se concretiza em sua prática, na realidade pesquisada. O exposto nos permite ainda rebater afirmações produzidas no contexto do senso comum de que as famílias beneficiárias do PBF não gostam de trabalhar e se acomodam com o pouco que recebem, que consideram a situação de dependência da transferência monetária cômoda porque preferem receber um valor monetário parco em vez de 163 investir maior esforço em busca de melhores condições de vida. Alguns casos pontuais revelaram, no universo desta pesquisa, que a transferência monetária conferia segurança para que as pessoas que trabalhavam antes de serem beneficiados pelo PBF parassem de trabalhar. No entanto, na amostra pesquisada esses casos são insuficientes para afirmam que Programas, como o PBF, produzam desestímulo em relação ao trabalho, embora na percepção equipe técnica do PBF o Programa precisa ser repensado para impedir a acomodação em relação ao trabalho por parte de algumas famílias beneficiárias no Município de Muriaé O contato com o universo familiar forneceu bases para explanar que a maioria das famílias beneficiárias precisava realizar diversas estratégias de trabalho, geralmente atividades árduas que demandam muito esforço físico, situadas no mercado de trabalho informal e com remunerações muito baixas. Muitas pessoas estavam vivenciando períodos de desemprego, alguns deles desencadeados por problemas de saúde. Percebemos que as conseqüências do desemprego aumentavam ainda mais o sofrimento das famílias, pela intensificação da violência e dos conflitos domésticos, por exemplo. Algumas famílias têm projetos de vida simples, mas que são difíceis de serem desenvolvidos em função de uma série de privações, a começar pelas carências de formação educacional e de comprometimentos de saúde física e mental. Essas privações originam outras, como não poder desenvolver um trabalho que forneça renda e que proporcione o desenvolvimento das liberdades da pessoa, o acesso a informações e condições que promovam o bem-estar pessoal e familiar. O empoderamento das famílias egressas foi limitado em função do número significativo de famílias se encontrarem em descumprimento de condicionalidades na saúde ou educação, ou ainda por cadastros desatualizados. Observou-se uma ausência de informação sobre seus deveres enquanto beneficiárias do programa, muitas desconheciam a palavra empoderamento e atribuições, logo, não se sentiam empoderadas. Partindo desse pressuposto, de que a maioria das famílias beneficiárias convive com diversas privações, inclusive com a insuficiência de alimentos, é imprescindível assegurar um mínimo de subsistência aos que necessitam, especialmente em sociedades cuja estrutura social se firma nas desigualdades geradas. Diante dessa realidade, as ações do Estado através de intervenções baseadas em distribuição de renda são reconhecidas como legítimas para que todos os cidadãos tenham acesso a um padrão mínimo para sobreviver. O desenho do PBF pauta-se na superação da pobreza e da 164 exclusão, via transferência monetária articulada com outras medidas. No entanto, há falhas na implantação do Programa, ou seja, há um descompasso entre os pressupostos da legislação e sua execução em nível local, tendo em vista que a prioridade é dada apenas à transferência monetária. A hipótese que norteou este estudo, de que a pobreza e a exclusão têm contornos multidimensionais, a superação ou minimização delas, através do Programa BolsaFamília, só será possível mediante um plano estratégico multidimensional e que concilie a transferência de renda com a promoção de capacidades, foi confirmada. Sem o oferecimento de oportunidades sociais, as famílias pobres e excluídas têm poucas chances de romper com a pobreza e com a exclusão, porque esses processos são abrangentes, e a transferência de renda é uma ação insuficiente nesse contexto. Por fim, diante dos resultados no contexto municipal da experiência do PBF, considerou-se pertinente a exposição de algumas recomendações aos profissionais ligados ao Programa na realidade de Muriaé. Considerando que cursos complementares às famílias, com o objetivo de capacitá-las e incentivá-las a entrar em mercados de trabalho, por exemplo, não têm sido oferecidos no município de forma expressiva, sugere-se que essa meta seja colocada em primeiro plano. Para tanto, visualiza-se a necessidade de conscientização de todos os profissionais envolvidos com o PBF e, sobretudo, que os beneficiários sejam ouvidos, para que possam expor suas privações, anseios e expectativas. Essa parceria e integração entre; é vista como essencial para a efetividade do PBF. Sugere-se também que sejam realizados encontros ou grupos de discussão e orientação para explicar às famílias, aos profissionais de educação e aos profissionais de saúde a proposta do PBF, com o objetivo de integrá-los para que a implementação do PBF caminhe perpassando por uma maior eficácia de todos os seus objetivos, não ficando restrito apenas à transferência de renda. Por fim, salienta-se a necessidade da adoção de práticas de monitoramento e avaliações pelos próprios profissionais responsáveis pelo PBF no município, acreditando que, dessa forma, seja mais fácil perceber os rumos que o Programa está tomando, tendo em vista a possibilidade de correções e a efetivação de suas metas. Quanto às possibilidades de estudos sobre essa temática, indica-se o desenvolvimento de estudos avaliativos que aprofundem nos impactos do PBF na vida das famílias beneficiárias e das famílias desligadas do Programa, buscando identificar aspectos 165 ligados à emancipação das famílias e à diminuição das condições de pobreza que apresentam como consequência da passagem pelo Programa. Outro tipo de avaliação possível é a de metas que visem um exame sistemático das etapas e funcionamento do Programa, para contrapô-los às metas prescritas na legislação, que demanda intensa observação e maior contato com a equipe de profissionais do Programa. Diante disso, as limitações do PBF devem ser reconhecidas; no entanto, não podem constituir entraves definitivos quanto às oportunidades de inclusão social para as famílias em situação de pobreza e de exclusão social, pois a qualidade da cidadania enquanto práticas cotidianas depende inteiramente da reversão dos quadros de privações e, portanto, da qualidade na implementação das políticas públicas sociais. Entende-se que tão importante quanto a entrada das famílias pobres e excluídas no Programa é a saída delas pelas portas da inclusão social. Ou seja, o PBF tem chances de ser considerado ―portas de saída da pobreza e da exclusão social‖, se suas estratégias de ação voltadas para as famílias extrapolarem a simples transferência de renda em nível municipal. Em princípio, suas estratégias deveriam conduzir as famílias beneficiárias a novos caminhos, nos quais o peso da pobreza e da exclusão, corporificados nas experiências vividas, dessem lugar às experiências de práticas cidadãs num contexto de inclusão social. Percebe-se uma relação entre autonomia econômica e autonomia moral do indivíduo, como se a primeira fosse percebida pelos usuários como condição para efetivação da segunda. A condição de indigência e de falta de independência econômica se traduz na sensação de que a própria personalidade permanece incompleta, inacabada, ou seja, conforme Sen, o fato de não alcançá-las faz com que o indivíduo perca a autonomia e a liberdade, mas também envolve perda de dignidade e até humanidade, como salienta Nussbaum através da experiência de ―caçar comida‖, coloca a pessoa perto dos animais. Somente o alcance de certa independência econômica torna os seres humanos mais dignos, e não simples representantes da espécie em busca incessante de nutrição e abrigo. Sendo assim, ao garantir a sobrevivência, o PBF contribui para a humanização de seus destinatários, a qual representa um passo necessário e decisivo no seu processo de empoderamento. A reflexão desenvolvida neste trabalho, atrelada ao problema de pesquisa, à hipótese e aos objetivos definidos, atendeu a um recorte, necessário a todo trabalho de pesquisa. O caminho que foi trilhado ao pesquisar o Programa Bolsa-Família se justifica por vários fatores, mas esse é sem dúvida apenas parte de um longo e importante 166 caminho que abarca a discussão e a pesquisa sobre programas sociais, famílias, pobreza; empoderamento e cidadania. Por isso, este estudo vem compor a literatura sobre a realidade dos programas de transferência de renda, reforçando a tese de que a pobreza e a exclusão social só podem ser enfrentadas mediante um conjunto de medidas articuladas que não se caracterizem como assistencialistas, mas que reforcem os direitos de cidadania. Em tese, essa é a proposta do PBF. 167 VI_ REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ABRANCHES, S. H. Política Social e Combate à Pobreza: A teoria da prática, in Política Social e Combate à Pobreza. 4. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1981. BALSA, Casimiro, et. al. Conceitos e dimensões da pobreza e da exclusão social: uma abordagem transnacional. Lisboa: Unijui, 2006. BALSA, Casimiro. A teorização em sociologia : sistematização dos modos de produção e de expressão da pobreza através de tipologias. Plano de aula. Provas de agregação em Sociologia Geral. Universidade Nova de Lisboa. 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(Dados quantitativos) ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 2. Fale sobre o processo de implementação do PBF em Muriaé/MG (agentes envolvidos, dificuldades, operacionalização, procedimentos, reuniões, preparação/capacitação das pessoas envolvidas etc.). ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 3. Como funciona a coordenação do PBF no município? (funções, contato com as famílias etc.). ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 4. Quais são as funções específicas do coordenador do PBF? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 5. E as funções do gestor do PBF? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 6. Quais são as etapas do cadastro e recebimento do benefício? (para uma família ser cadastrada e receber?) (comprovação de renda, visita domiciliar...). ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 7. As famílias recebem visitas da equipe do PBF no domicílio? Com que frequência e finalidade? O que é observado? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 175 ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 8. Quais são os motivos que levam à suspensão do benefício? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 9. E quais são motivos que levam à variação do benefício? (aumento ou diminuição do valor?).________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 10. As famílias beneficiárias recebem algum aviso de que o benefício será cancelado ou que terá aumento ou diminuição no valor? Como são avisadas? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 11. A senhora acredita que o cumprimento das condicionalidades (responsabilidades) de saúde e educação contribui para mudanças na vida das famílias beneficiárias? Por quê? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 12. São oferecidos cursos de capacitação e geração de renda para as famílias beneficiárias do PBF? (Se sim: que tipo de cursos? Onde? Em que bairros?) (Se não: Por que ainda não são oferecidos, se a legislação aponta a necessidade destes cursos para a promoção das famílias? Existe algum projeto neste sentido?). ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 13. Somente a transferência de renda contempla os objetivos do Programa? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 14. Em sua opinião, qual a importância de se oferecer cursos de capacitação e geração de renda às famílias beneficiárias? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 15. A senhora acredita que o PBF altera as condições de pobreza e de exclusão social das famílias beneficiárias? O programa contribui para a promoção, inclusão e desenvolvimento de capacidades e habilidades dos membros das famílias? Por quê e Como? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 16. Quais são os pontos fortes ou positivos do PBF? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 176 17. Quais são os pontos fracos ou negativos do PBF? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 18. Quais são as principais dificuldades de trabalho e conflitos vivenciados em sua coordenação? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 19. Ouve-se muito falar sobre o empoderamento das famílias, como meta dos programas sociais. Diga 3 palavras que tem remetem ao significado de empoderamento: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 20.Como tem sido o processo de desligamento das famílias? Acredita que se encontram autônomas ou ―empoderadas‖, no momento do desligamento? Explique sua resposta: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 21.Caso negativo, o que estaria faltando? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 22. Comente sobre os novos programas criados para ampliar a abrangência do PBF, como o Benefício Variável Jovem (BVJ) e o Programa Brasil Carinhoso e se estes tem contribuído para o empoderamento familiar. Além desses programas que outras mudanças tem passado o programa e quais seus reflexos na qualidade de vida das famílias? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ PARTE II 1. Como funciona a gestão do PBF no município? (funções, mobilização e contato com as famílias, etc.). ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 2. Quais são as funções específicas do gestor do PBF? Fale sobre a sua preparação para assumir a função de gestora do município. (Fale sobre o processo de implementação do PBF em Muriaé (agentes envolvidos, dificuldades, operacionalização, procedimentos, reuniões, preparação/capacitação das pessoas envolvidas etc.). ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 177 3. E as funções do coordenador do PBF? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 4. Quais são as etapas do cadastro e recebimento do benefício? (para uma família ser cadastrada e receber?) (comprovação de renda, visita domiciliar.). ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 5. As famílias recebem visitas da equipe do PBF no domicílio? Com que frequência e finalidade? O que é observado? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 6. Fale sobre o controle social e a forma de participação da sociedade, especificamente dos beneficiários do PBF. ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 7. A senhora acredita que o cumprimento das condicionalidades (responsabilidades) de saúde e educação contribui para mudanças na vida das famílias beneficiárias? Por quê? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 8. São oferecidos cursos de capacitação e geração de renda para as famílias beneficiárias do PBF? (Se sim: que tipo de cursos? Onde? Em que bairros?) (Se não: Por que ainda não são oferecidos, se a legislação aponta a necessidade destes cursos para a promoção das famílias? Existe algum projeto neste sentido?). ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 9. Considera que somente a transferência de renda contempla os objetivos do Programa? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 10. Em sua opinião, qual a importância de se oferecer cursos de capacitação e geração de renda às famílias beneficiárias? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 11. A senhora acredita que o PBF altera as condições de pobreza e de exclusão social das famílias beneficiárias? O Programa contribui para a promoção, inclusão e desenvolvimento de capacidades e habilidades dos membros das famílias? Por quê e Como? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 12. Quais são as principais dificuldades de trabalho e conflitos vivenciados em sua coordenação? ______________________________________________________________________ 178 ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 13. Quais são as dificuldades do município para cumprir as determinações da legislação do PBF? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 14. Quais são os pontos fortes ou positivos do PBF? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 15. Quais são os pontos fracos ou negativos do PBF? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 16. O que significa o PBF para as famílias beneficiárias? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ _____________________________________________________________________ 17. Ouve-se muito falar sobre o empoeiramento das famílias, como meta dos programas sociais. Diga três palavras que tem remetem ao significado de empoderamento: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ Como tem sido o processo de desligamento das famílias? Acredita que se encontram autônomas ou ―empoderadas‖, no momento do desligamento? Explique sua resposta: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ Caso negativo, o que estaria faltando? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ Comente sobre os novos programas criados para ampliar a abrangência do PBF, como o Benefício Variável Jovem (BVJ) e o Programa Brasil Carinhoso, e se estes tem contribuído para o empoderamento familiar. Além desses programas que outras mudanças têm passado o programa e quais seus reflexos na qualidade de vida das famílias? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 179 APÊNDICE II : ROTEIRO DE ENTREVISTA DAS FAMÍLIAS BENEFICIÁRIAS DO PBF I –IDENTIFICAÇÃO Entrevistador: Entrevistado: Local de Residência: Telefone para contato: Nº de controle: Data da entrevista: Hora inicial e final: PERFIL SÓCIO-ECONOMICO DA MÃE OU BENEFICIADO DO PBF Idade (nº anos): Estado Civil: Raça: Sexo: ( )F ( )M ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ( ) Solteiro ) Casado ) Divorciado ) Separado ) Viúvo ) Amasiado ) Branca ) Parda ) Amarela ) Negra )Indígena Trabalha (Sim/Não): _________ Caso negativo (Porque): ( ) menos de 1 S.M. ( ) 1 a 3 S. M Renda: ( ) 3 a 4 S. M. ( ) 5 a 10 S.M ( ) mais de 10 S.M. ( ) Analfabeto Escolaridade: ( ) Alfabetizado ( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Ensino Fundamental Completo Nº Anos ( ) Ensino Médio Incompleto Estudo: ( ) Ensino Médio Completo _________ ( ) Ensino Superior Incompleto ( ) Ensino Superior Completo ( ) Pós Graduação ( ) Ateu ( ) Católico Religiões Evangélicas ( ) Outros Religião: Qual: ............... TRABALHO/OCUPAÇÃO Posição da Condição Ocupação Tipo de Ocupação (especificar) ( ) Empregado ( ) Por conta própria ( ) Empregador ( ) Fixo ( ) Eventual PERFIL FAMILIAR Tipo de Família ( ( ( ( Outros Membros da Família ) Nuclear ) Extensa Ciclo de Vida Familiar ) Monoparental ) Outro Idade Escolaridade Trabalha (nº anos) (nº anos) (Sim/Não) Tamanho da Família (Nº): ( ( ( ( ) Formação ) Maturação ) Dispersão ) Ninho vazio Ocupação (especificar) Renda Familiar (salário mínimo) Renda per capita: 180 II. CARACTERÍSTICAS DO DOMICÍLIO E DA COMUNIDADE 2.1 Tipos: ( )Casa ( ) Apartamento ( )Barracão ( )Outros 2.2 Números de cômodos:______ 2.3 Condições: ( )Acabado ( )Semi acabado ( )Sem acabamento 2.4 Números de quartos:_____ 2.5 Domicílios tem documentação: ( )Sim ( ) Não Qual: ( )Escritura ( )Recibo ( )Outros: _____________ 2.6 Este domicílio é: ( )Próprio pago ( ) Próprio financiado ( ) Alugado ( ) Invadido ( ) Cedido por empregador ( ) Cedido por terceiros ( ) Outros:_______________________ 2.7 Como a água chega a residência: ( )Carregada a mão ( ) Retirada do Rio ( ) Bica ou Chafariz ( ) Cisterna ( ) Nascente ( ) Poço ( ) Rede da concessionária ( ) Outros:________________________ 2.8 Como armazena a água na residência: ( )Recipiente com tampa ( ) Recipiente sem tampa ( ) Em tanques ( ) Caixa d’água se ta pa Caixa d’água co 2.9 Ferve água para consumo: ( ) Sim ( ) não ta pa 2.10 Tem filtro na residência: ( ) Sim ( ) não 2.11 Esgoto: ( )Rede ( ) Fossa ( ) Vala ( )Outros:_____________________________________ 2.12 Instalação Sanitária: ( )Exposto ( ) Enterrado ( ) Fossa / Latrina ( ) Sanitário fora de casa ( )Sanitário dentro de casa ( ) Outros: ________________________________________________ 2.13 Energia Elétrica: ( )Sim ( ) Não 2.14 Rua: ( )Asfalto ( ) Calçamento ( ) Terra ( )Outros: ________________________________________________________________________________ 2.15 Lixo: ( ) Exposto ( ) Enterrado ( ) Queimado ( ) Colocado em lata de lixo e coletado ( ) Coleta seletiva ( ) Outros: _______________________________________________________________________________ 2.16 Frequência de coleta do lixo: ( )Nenhuma ( ) Poucas vezes / ano ( ) Poucas vezes / mês ( ) Uma vez / mês ( ) Uma vez / semana ( ) 2 a 3 vezes / semana ( ) Todos os Dias ( ) Outros:______________________________________________________________________ 2.17 Tipo de construção: Tijolo/alvenaria ( ) Madeira ( ) Material aproveitado ( ) Taipa ( ) Outro ( ) 2.18 Meio de transporte mais utilizado pela família: Automóvel ( ) Moto ( ) Bicicleta ( ) Transporte coletivo ( ) Outro meio de transporte?_________________________________________ 2.19 Serviços Comunitários no seu bairro: ( )Escola Pública Municipal ( ) Igreja Católica 181 ( )Escola Pública Estadual ( ) Igreja Evangélica ( )Escola Particular ( ) Parque recreativo ( )Creche ( ) Quadras desportivas ( )Pré-escolar ( ) Praças ( )Escola Fundamental 1ª a 8ª ( ) Ponto de Táxi ( )Cursos Técnicos e Profis. ( ) Telefone público ( )Ensino Médio ( ) Transporte coletivo ( )Ensino Superior ( ) Lojas e vendas ( )PSF ( ) Padaria ( )Agentes comunitários ( ) Supermercado ( )Hospital ( ) Bancos ( )Posto de Saúde ( ) Correio ( )Farmácia ( ) Delegacia ( ) Associações ONG’s e Fu dações ( )Associação de Moradores ( )Instituições Portadores de Deficiência ( )Asilo ( )Instituições de atendimento a Criança e Adolescente ( )Distribuição de gás ( ) Sindicatos ( ) Iluminação pública ( )Posto Policial ( ) Acesso a internet( ) Outros:__________________________________________________________________________ 2.20 Há quanto tempo a família mora no município? Menos de 1 ano ( ) De 1 a 3 anos ( ) De 3 a 5 anos ( ) Mais de 5 anos ( ) 2.21. Sempre morou no município ( )Sim ( )Não Tipo de localidade: Urbana ( ) Rural ( ) 2.22 Por que o senhor (a) e a sua família vieram morar aqui? __________________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________________ 2.23 Se o imóvel for de sua propriedade, como o senhor (a) comprou ou construiu? Precisou de ajuda? De quem? Que tipo de ajuda? ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ 182 2.24 Se não for de sua propriedade, de quem é o imóvel? __________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2.25 O senhor (a) pretende se mudar daqui? Por quê? 2.26. LISTAGEM DE ALGUNS BENS DURÁVEIS EXISTENTES NO DOMICÍLIO: I Item Quantidade Há quanto tempo possui a- Menos de 01 ano b- De 01 a 02 anos Formas de Aquisição a- Compra a vista b- Compra a prazo c- Doação ou troca c- Mais de 02 anos Fogão a gás Freezer Geladeira Microondas Batedeira Liquidificador Tanquinho Televisão Rádio Aparelho de Som Máquina de lavar roupas Ferro Elétrico Aparelho de DVD Máquina de Costura 183 Chuveiro elétrico Antena Parabólica Automóvel Bicicleta Caminhão Microcomputador Telefone Fixo III - REDES E VÍNCULOS O senhor (a) e sua família participam de algum grupo, movimento religioso: ( ) Não ( ) Sim Qual? _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Frequentam alguma igreja? Que tipo de ajuda o senhor (a) e sua família recebem através da igreja? _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ O senhor (a) confia em seus amigos? Confio totalmente e posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Confio muito e posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Confio um pouco, mas posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Não confio e não posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Pode contar com a ajuda deles? Sim ( ) Não ( ) Com que tipo de ajuda? _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ O senhor (a) confia em seus vizinhos? Confio totalmente e posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Confio muito e posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) 184 Confio um pouco, mas posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Não confio e não posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Pode contar com a ajuda deles? Sim ( ) Não ( ) Com que tipo de ajuda? __________________________________________________________________ O senhor (a) confia em seus familiares? Confio totalmente e posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Confio muito e posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Confio um pouco, mas posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Não confio e não posso contar com a colaboração/ajuda deles ( ) Pode contar com a ajuda deles? Sim ( ) Não ( ) _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ O senhor (a) ajuda os seus familiares? Como? _____________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________ O senhor (a) acredita que suas redes se ampliaram após o acesso ao PBF? ( ) sim ( ) Não. Caso positivo, como?________________________________________________________________________________ Especifique as redes ativadas, tanto formais quanto informais e sua frequência, em função do acesso ao PBF: Redes Formais: ____________________________________________________________________________________ Redes Informais: ____________________________________________________________________________________ IV - EXPECTATIVAS E MUDANÇAS APÓS O PBF O que mais preocupa o senhor (a) e sua família atualmente? Alimentação da família ( ) Atendimento médico para a família ( )Estudo dos filhos ( ) Violência/ agressões entre os membros da família ( )Violência na rua ( ) Consumo/envolvimento dos filhos com drogas ( ) Outros ( ) O que o senhor (a)/seus filhos gostariam de fazer, que a renda da família não permite: (a principal) Aulas de natação ( ) Curso de Inglês ( ) Academia ( ) Viajar ( ) Ter um plano de saúde ( ) Estudar em escola particular ( ) Comprar uma casa 185 ( )Comprar um sítio ( ) Comprar um automóvel ( ) Outros ( ) Como à senhora avalia a situação/condição financeira da sua família quando comparada com a Na mesma ( ) Pior ( ) situação anterior ao beneficio do PBF? Muito melhor ( ) Melhor ( ) Muito pior ( ) Se melhorou, responda: Em que aspectos (principais) a vida da família melhorou? Quanto à moradia ( ) Alimentação ( ) Vestuário ( ) Aquisição de bens ( ) Melhores condições de cuidar da saúde ( ) Melhores condições de estudo ( ) Melhorias com relação à autoestima e projeto de vida ( ) Melhorias nas condições de trabalho ( ) Melhorias no relacionamento e organização familiar ( ) Maior participação na comunidade ( ) Maior integração com a escola ( ) O que poderia melhorar na vida da família? Saúde das pessoas ( ) Educação ( ) Trabalho ( ) Condições de moradia ( ) Renda maior ( ) O relacionamento entre as pessoas da família ( ) Outro: ( ) ______________ Atualmente (depois que passaram a ser beneficiários do PBF) o senhor (a) e sua família usam crédito / fiado/ caderneta para comprar remédios? Sim ( ) Não ( ) Atualmente (depois que passaram a ser beneficiários do PBF) o senhor (a) e sua família usam crédito / fiado/ caderneta para comprar alimentos? Sim ( ) Não ( ) Atualmente (depois que passaram a ser beneficiários do PBF) o senhor (a) e sua família usam crédito/ fiado/ caderneta para comprar roupas? Sim ( ) Não ( ) As condições de alimentação mudaram depois que o senhor (a) e sua família passaram a receber o beneficio do PBF? A família do senhor (a) passa por situações de falta de alimentos? _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ As condições de cuidar da saúde mudaram depois que o senhor (a) e sua família passaram a receber o beneficio do PBF? O que mudou? Como? Sua família tem gastos com saúde?_______________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ As condições de estudos mudaram depois que o senhor (a) e sua família passaram a receber o beneficio do PBF? O que mudou? Além das crianças e dos adolescentes, os adultos estão estudando? 186 _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ O senhor (a) sabe ler e escrever? Sim ( ) Não ( ) Responda se a resposta anterior for não: Se o senhor (a) fosse se alfabetizar, qual seria o motivo principal? É importante para: Trabalho ( ) Renda ( ) Auto realização ( ) Religião ( ) Progredir na vida ( ) Ser mais respeitado ( ) Minha família ( ) Responda se a resposta anterior for sim: O senhor (a) tem vontade de voltar a estudar? Se voltasse a estudar, qual seria o motivo principal? É importante para: Trabalho ( ) Melhorar a renda ( ) Auto-realização ( ) Religião ( ) Progredir na vida ( ) Ser mais respeitado ( ) Cuidar da minha família ( ) O senhor (a) gostaria de aprender alguma atividade? Fazer cursos? SIM ( ) NÂO ( ) Se a resposta for sim, responda: Para quê? Melhorar a renda da família ( ) Para sair de casa e conversar com outras pessoas ( ) Conseguir um emprego/trabalho ( ) Melhorar meu salário ( ) Me sentir mais valorizado e respeitado ( ) Que tipos de atividades de lazer têm no bairro? A família participa de quais atividades? ____________________________ Depois do PBF aconteceram atividades esportivas e culturais (gincanas, festas, teatro e etc) para as famílias aqui no bairro? Quais?__________________________________________________________________________ Quais são as principais atividades que a família pratica nos fins de semana? Assistir televisão ( ) Assistir filmes em DVD ( ) Festas ( ) Praticar esportes ( ) Visitar amigos ( ) Visitar parentes( ) Igreja ( ) Passear ( ) Viajar ( ) Outras atividades: ___________________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________ O senhor (a) acha que crianças e adolescentes podem trabalhar ou somente estudar e brincar? Por quê? O que significa o trabalho dos seus filhos? Eles podem trabalhar em casa e na rua? O trabalho é importante ou é prejudicial para os seus filhos?_____________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________ Sua família é beneficiária de outros programas transferência de Renda, como o Benefício Variável Jovem (BVJ) e o Programa Brasil Carinhoso? Sim ( ) Não ( ) Quais?______________________________________________________________________________________________ 187 Como esses programas influenciaram a vida das familiar? _____________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________________ Em que ano tomou conhecimento do Programa Bolsa Família? _______________________________________________ E quando se inscreveu? (ano)_____________________________________________________ Através de quem? Prefeitura ( ) Escola/creche ( ) Amigos ( ) Parentes ( ) Vizinhos ( ) Posto de saúde ( ) Televisão/Rádio Valor do benefício que sua família recebe do Programa Bolsa Família? (R$) _________ O senhor (a) considera que o recurso monetário transferido pelo PBF altera a vida da família? Sim ou não? Por quê?_________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ O senhor (a) sabe o que sua família tem que fazer em troca do benefício? O que o senhor (a) pensa sobre isso? É importante ou não? _____________________________________________________________________________________________ Seria melhor receber um salário maior no trabalho ou receber para sempre o recurso monetário do PBF? A senhora prefere ter uma renda de outro trabalho ou continuar recebendo o Bolsa Família? O que o senhor (a) prefere? Por quê? _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ O que o Programa Bolsa-Família significa para o senhor (a)? Explique. _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ O senhor (a) e sua família são orientados pela equipe do Programa Bolsa-Família? Quais orientações? _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ O dinheiro que o senhor (a) e sua família recebem do Bolsa Família é suficiente para ajudar nas despesas da família? É usado para comprar o quê? _____________________________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________________________ O que o senhor (a) considera positivo no Programa? _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ O que o senhor (a) considera negativo no Programa? _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Depois de cadastrados no PBF, o senhor (a) ou alguém da sua família já participou de cursos e oficinas de capacitação e geração de renda e outros cursos, oferecidos pela prefeitura municipal de Muriaé? Quais? 188 _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ V EMPODERAMENTO FAMILIAR 5.1.Ouve-se muito falar sobre o empoderamento das famílias, como meta dos programas sociais, como é o caso do PBF. Diga 3 palavras que tem remetem ao significado de empoderamento: _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ 5.2. Você considera que o PBF tem proporcionado condições à família para seu empoderamento ou autonomia? Explique sua resposta: _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ 5 3.Caso negativo, o que estaria faltando? _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ 2.4. IMPLICAÇÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO EMPODERAMENTO FAMILIAR Você acredita que o seu envolvimento no PBF alterou a vida familiar, proporcionando condições para um maior empoderamento, em termos dos tópicos abaixo relacionados? Explique sua resposta. ►Geração de Trabalho/Renda _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ► Novos conhecimentos e capacidades (cursos realizados) _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ► Novo Padrão de Hábitos de Comportamento, em termos de: ▪Mais liberdade, Independência e proativa: 189 _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ▪Maior controle sobre suas vidas, sobre os recursos e poder de decisão: _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ▪Maior possibilidade de ações e participação política e social (organizações/associação): _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ► Funções e Papéis: Na família _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ Na sociedade: _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ► Conscientização sobre sua força, poder e direitos: _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ► Participação em outras atividades, até então, não realizadas: _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ►Aumento da autoconfiança e da Autoestima: _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ► Melhores oportunidades sociais e maior Satisfação com a vida: _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ 190 APENDICE III- FAMILIAS EGRESSAS DO PBF PERFIL SÓCIO-ECONOMICO DA MÃE OU EX-BENEFICIADO DO PBF Idade(nº Sexo: ( )F ( )M ( ) Analfabeto anos): Escolarida ( ) Alfabetizado ( ) Solteiro de: ( ) Casado ( ) Ensino Fundamental Incompleto ( ) Divorciado ( ) Ensino Fundamental Completo Estado Civil: ( ) Separado ( ) Ensino Médio Incompleto Nº Anos ( ) Viúvo ( ) Ensino Médio Completo Estudo: ( ) Amasiado _________ ( ) Ensino Superior Incompleto ( ) Branca ( ) Ensino Superior Completo ( ) Parda ( ) Pós Graduação ( ) Amarela ( ) Ateu ( ) Católico Raça: ( ) Negra Religiões ( ) Outros Religião: ( )Indígena Evangélicas Qual: ............... TRABALHO/OCUPAÇÃO Trabalha (Sim/Não): _________ Posição da Condição Caso negativo (Porque): Ocupação __________________ ( ) menos de 1 S.M. ( ) 1 a 3 S. M Ren da: ( ) 3 a 4 S. M. ( ) 5 a 10 S.M ( ) mais de 10 S.M. ( ) Empregado ( ) Por conta própria ( ) Empregador Tipo de Ocupação (especificar) ( ) Fixo ( ) Eventual PERFIL FAMILIAR Tipo de Família Outros Membr os da Família ( ) Nuclear ( ) Formação ( ) Extensa ( ) Maturação Ciclo de Vida Familiar ( ) Monoparental ( ) Dispersão ( ) Outro ( ) Ninho vazio Idade Escolarida Trabalha Ocupação Renda Familiar (nº anos) de (Sim/Não) (especificar) (salário mínimo) (nº anos) Tamanho da Família (Nº): Renda per capita: 191 II - EMPODERAMENTO FAMILIAR 2.1.Ouve-se muito falar sobre o empoderamento das famílias, como meta dos programas sociais, como é o caso do PBF. Diga 3 palavras que tem remetem ao significado de empoderamento: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 2.2.Como e porque ocorreu o seu processo de desligamento do PBF? Acredita que se encontrava autônoma ou “empoderada”, no momento do desligamento? Explique sua resposta: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 2. 3.Caso negativo, o que estaria faltando? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 2.4. IMPLICAÇÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA NO EMPODERAMENTO FAMILIAR Você acredita que o seu envolvimento no PBF alterou a vida familiar, proporcionando condições para um maior empoderamento, em termos dos tópicos abaixo relacionados? Explique sua resposta. ►Geração de Trabalho/Renda:___________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ► Novos conhecimentos e capacidades (cursos realizados): ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ► Novo Padrão de Hábitos de Comportamento, em termos de: ▪Mais liberdade, Independência e pró ativa:________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ ▪Maior controle sobre suas vidas, obre os recursos e poder de decisão: _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ ▪Maior possibilidade de ações e participação política e social (organizações/associação):_______________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ 192 ► Funções e Papéis: Na família: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ Na sociedade: ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ► Conscientização sobre sua força, poder e direitos: ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ► Participação em outras atividades, até então, não realizadas: ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ ►Aumento da autoconfiança e da Autoestima: ______________________________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________________________ ► Melhores oportunidades sociais e maior Satisfação com a vida: ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ III- FAMÍLIAS E POLÍTICAS PÚBLICAS: Possuem acesso às políticas públicas? ( ) não ( ) sim Quais? ( ) saúde ( ) educação ( ) assistência social ( ) habitação ( ) alimentação ( ) outra: ______________________________________________________________________ De que maneira ocorre esse acesso? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ Com que frequência ocorre o atendimento ou o acesso das políticas públicas? ( ) diário ( ) semanal ( ) quinzenal ( ) mensal ( ) ocasionalmente / datar__________________ Qual o benefício que está trazendo para a família e para a comunidade? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ Participam de algum projeto de geração de emprego e renda? ( ) não ( ) sim/qual:_________________________________tempo de participação:_________ 193 Mudanças advindas desse projeto: Você teve acesso a outros programas de transferência de renda, como o Benefício Variável Jovem (BVJ) e Programa Brasil Carinhoso? ( )Sim ( ) Não Caso positivo, Qual? ______________________________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________________________ Como repercutiram no empoderamento familiar? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ O que mudou na família com o desligamento do Programa Bolsa família e demais programas sociais? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ Na sua percepção, o desligamento provocou redução ou aumento das redes sociais ativadas (formais e informais)? Porque? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ 4.1. VIVÊNCIAS E CONTRIBUIÇÕES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA Quem é a pessoa que tinha a posse do cartão do PBF? ( ) homem ( ) mulher ( ) outro :_______________________ Quem decidia/gerenciava o que fazer com o valor recebido pelo PBF? ( ) homem ( ) mulher ( ) outro :_______________________ Onde e quanto a família investia o dinheiro do PBF? ( ) alimentação/__________ ( ) lazer/___________ ( ) educação/__________ ( ) saúde/__________ ( ) vestuário/__________ ( ) transporte/____________ ( ) habitação/móveis/utensílios domésticos/__________ ( ) aluguel/__________ Tempo de beneficio do PBF?_________(Número de anos) Porque deixou de receber o benefício do PBF?____________________________________________ Qual era a renda mensal antes do programa bolsa família? ( ) 30,00 ( ) 50,00 ( ) 70,00 ( ) 90,00 ( ) 110,00 Como era obtida? _________________________________________________ 194 Depois da inserção no PBF: (progressão da renda) Primeiro trimestre (quanto aumentou): ( ) 20,00 ( ) 40,00 ( ) 60,00 Primeiro semestre: ( ) 20,00 ( ) 40,00 ( ) 60,00 Primeiro ano: ( ) 20,00 ( ) 40,00 ( ) 60,00 Depois do PBF a sua condição de vida: ( ) piorou; ( ) manteve-se a mesma; ( ) melhorou pouco; ( ) melhorou; ( ) melhorou muito. Porque: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ No que modificou: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ CONDIÇÕES SOCIAIS: Auxílio de programa, projeto ou serviço da PNAS? ( ) Nenhuma ( ) Bolsa Família ( ) Cesta Básica/Mutirão Social ( ) BPC Local Atendimento: ______________ Valor Benefício em Salários Mínimos: _______ Comunidade/famílias estão em processo de exclusão? ( ) não ( ) sim/tempo:________________ NÍVEIS DE VULNERABILIDADE SOCIAL DO NÚCLEO FAMILIAR, SEGUNDO PNAS: ( ) Família que reside em domicílio com serviços de infraestrutura inadequado; ( ) Família com renda per capta inferior a ¼ Salário Mínimo; ( )Família com renda per capta inferior a ½ Salário Mínimo, com pessoas de 0 a 14 anos e responsáveis com menos de 4 anos de estudo; 195 ( ) Família na qual há uma chefe-mulher, sem cônjuge, com filhos menores de 15 anos e ser analfabeta; ( ) Família na qual há uma pessoa com 16 anos ou mais, desocupada (procurando trabalho), com 4 ou menos anos de estudo; ( ) Família na qual há uma pessoa com 10 a 15 anos que trabalhe; ( ) Família na qual há uma pessoa com 4 a 14 anos que não estude; ( ) Família com renda per capita inferior a ½ salários mínimos, com pessoas PNE (Portadoras de Necessidades Especiais). CONDIÇÕES NUTRICIONAIS: As famílias possuem condição de insegurança alimentar? ( ) sim ( ) não Estão permanentemente? ( ) sim ( ) não Quando saíram? ____________________________________________________ Como saíram?______________________________________________________ Sempre tem alimentos? ( ) sim ( ) não Em quantidade suficiente? ( ) sim ( ) não E com qualidade? ( ) sim ( ) não Quais são as formas de acesso à alimentação da família? ( ) caça ( ) pesca ( ) autoconsumo (produção de alimentos para o próprio consumo, como agricultura familiar e criação de animais) ( ) compra de alimentos no mercado ( ) alimentação na escola ( ) programas públicos de assistência alimentar ( ) doação de alimentos, de quem: ( ) parentes( ) Entidades Assistenciais ( ) poder público ( ) outra pessoa As famílias da comunidade produzem algo para o autoconsumo? Para a subsistência? ( ) não ( ) sim, o quê? ______________________________________________________________________ _________ Ocorrência de doença associada à insegurança alimentar: ( ) desnutrição ( ) obesidade ( ) deficiência de vitamina A ( ) bócio ( ) anemia ( ) diabetes ( ) colesterol alto ( ) doença celíaca ( ) hipertensão Existe fome entre pessoas adultas ( ) e/ou crianças ( ) da família? 196 CONDIÇÕES HABITACIONAIS: Tempo de moradia na comunidade ( ) até 1 ano ( ) 3 anos ( ) 5 anos ( ) mais de 10 anos Condição/forma de ocupação da terra: ( ) posseiros ( ) donos ( ) arrendatários ( ) cessionários Possui casa: ( ) cedida ( ) alugada ( ) própria ( ) financiada Tipo de residência ( ) alvenaria ( ) madeira ( ) mista Nº de cômodos: ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 3 ou mais Nº dormitórios: ( ) 1 ( ) 2 ( ) 3 ( ) 3 ou mais É suficiente p/ a família: ( ) sim ( ) não Porque: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ Banheiro: ( ) sim ( ) não Rede de esgoto/escoadouro sanitário: ( ) sim ( ) não Energia elétrica: ( ) sim ( ) não Água encanada: ( ) sim ( ) não/forma de escoamento:________________ Forma de abastecimento: _________________ Bens móveis: ( ) rádio ( ) geladeira ( ) freezer ( ) automóvel/moto ( ) TV ( ) DVD ( ) máq. de lavar roupas/tanquinho ( ) celular ( ) computador. Outros: (especificar) ______________________________________________________________________ __________ ______________________________________________________________________ __________ CONDIÇÕES DE SAÚDE: Tipo de Necessidade (Deficiência): ( ) Nenhuma ( ) Cegueira ( ) Mudez ( ) Surdez ( ) Mental ( ) Física ( ) Outra ( ) Tratamento: Tipo: ______Local: _________ 197 Tipo de Doença Crônica: ( ) Nenhuma ( ) C.A.: _________________ ( ) HIV/AIDS ( ) Renais ( ) Cardiopatia ( ) Hipertensão ( ) Diabetes ( ) Outro: ___________________ Tratamento: Tipo:________________________________Local: _____________________________________ Tipo de Dependência Química: ( ) Nenhum ( ) Álcool ( ) Droga:______________ ( ) Outro: ____ Tratamento: Tipo:________________________ Local:______________________ Há gestantes? ( ) Não( ) Sim. Meses: _____ Pré-natal: ( ) Não ( ) Sim Local: _____________________________ Houve situações de violência? ( ) Sim ( ) Não Tipo: ( ) física ( ) sexual ( ) psicológica Serviço procurado: ______________________________________________________________________ Atendimento realizado: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ CONDIÇÕES EDUCACIONAIS: As condições educacionais mudaram depois que o senhor (a) e sua família deixaram de receber o beneficio do PBF? Como? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ CONDIÇÕES DE TRANSPORTE E LAZER: Que tipos de atividades de lazer têm no bairro? A família participa de quais atividades? ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ 198 APÊNDICE V- REGISTROS FOTOGRAFICOS Registros fotográficos das moradias, durante os meses de outubro, novembro e Dezembro de 2013. Registro Fotográfico da Moradia I Registro Fotográfico da Moradia 2 199 Registro Fotográfico da Moradia 3 Registro Fotográfico da Moradia 4 200 Registro Fotográfico da Moradia 5 Registro Fotográfico de Moradia 6 201 Registro Fotográfico de Moradia 7 Registro Fotográfico de Moradia 8 202 APÊNDICE VI- Territorialização dos Serviços Socioassistenciais do Município de Muriaé/MG Áreas de abrangência dos CRAS: Aeroporto, Santa Terezinha e Santana. Fonte: Muriaé, Diagnóstico Social, 2010. 203