A CONSULTORIA COMO METODOLOGIA DE ENSINO NA
GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA
FRIZZO, Débora – Faculdades FTEC
[email protected]
MUNHOZ, Luis Paulo Soares – Faculdades FTEC
[email protected]
Eixo Temático: Didática: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho consiste do relato de uma experiência de ensino ocorrida nos cursos de
graduação tecnológica da Faculdade Ftec – Bento Gonçalves/ RS, cujo objetivo foi propiciar
aos alunos dos cursos tecnológicos uma aprendizagem que fosse além do mero entendimento
teórico dos conceitos relativos à gestão. A graduação tecnológica caracteriza-se por ser focada
na atuação profissional do aluno e é voltada para a capacitação do mesmo para o mercado de
trabalho. Neste contexto, o desafio dos docentes é oportunizar experiências de aprendizagem
que desenvolvam, eficazmente, as competências exigidas pelo mercado de trabalho atual,
cada vez mais dinâmico e complexo. A partir deste desafio, elegeu-se como metodologia de
ensino, a prática da consultoria. Uma turma de alunos exerceu o papel de clientes e, outras
turmas, o papel de consultores. Os clientes foram os alunos da disciplina de Business Plans do
curso de Processos Gerenciais. Nesta disciplina os alunos devem elaborar um Plano de
Negócios, ou seja, montar e elaborar um empreendimento. Para tal, contaram com o auxílio
dos alunos do Curso de Gestão da Qualidade, Gestão de Recursos Humanos e Análise e
Desenvolvimento de Sistemas, que atuaram como consultores nas suas respectivas áreas.
Interagindo ao longo do semestre no exercício destes papéis, com a constante supervisão dos
professores, os alunos se apropriaram de conceitos teóricos relativos a várias disciplinas e
desenvolveram habilidades comportamentais importantes para sua futura atuação no mercado
de trabalho. Além disso, esta experiência propiciou uma maior integração entre acadêmicos
dos diferentes cursos da instituição e o aprendizado do trabalho multidisciplinar.
Palavras-chave: Graduação tecnológica. Consultoria. Didática.
Introdução
Este trabalho é um relato de uma experiência de ensino ocorrida no contexto da
formação superior tecnológica. Os Cursos Superiores Tecnológicos, cuja duração é de 2 anos,
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possuem como foco a aprendizagem para o mercado de trabalho e tem como objetivo formar
profissionais aptos a coordenar e realizar atividades pertinentes a função gestora, no mercado
de trabalho do setor produtivo, comercial e de prestação de serviços. Este mercado, na
atualidade e em virtude de todas as transformações sociais políticas, culturais e tecnológicas
do mundo moderno, exige, cada vez mais, flexibilidade, excelência e competitividade dos
seus gestores. Cada vez mais os profissionais são requisitados a apresentar, no desempenho de
suas tarefas, múltiplas competências, tanto técnicas como comportamentais. O foco dos
Cursos Superiores é, portanto, oferecer aos alunos as ferramentas conceituais indispensáveis
para sua capacitação e adaptação a este cenário. Os alunos dos Cursos Superiores de
Tecnologia, em sua maioria, já estão inseridos no mercado de trabalho e vêem ao curso
buscando aprender sobre a resolução de problemas que enfrentam em seu cotidiano e,
também, o aprimoramento de suas competências e habilidades para o trabalho. Então, a
questão norteadora da experiência aqui relata foi: qual a metodologia de ensino mais eficaz
para dar conta desta proposta de ensino do curso tecnológico? Este questionamento nasceu da
convicção de que através das tradicionais metodologias de ensino não é mais possível
alcançar os objetivos da educação tecnológica que, para “ensinar a fazer”, necessita lançar
mão de outras metodologias de ensino além das tradicionais. As abordagens instrucionistas,
calcadas na idéia de que os conhecimentos e valores são transmitidos pelo professor, que é o
centro do processo, são incompatíveis com a proposta construtivista do ensino tecnológico,
segundo a qual o aluno deve aprender a aprender e aprender a fazer. No ensino tecnológico, o
aluno assume um papel ativo, de autor do seu processo de aprendizagem (Gadotti, 1995).
A busca por respostas a esta questão norteadora passou por duas vertentes teóricas: o
que e como devemos ensinar e qual o cenário onde estes alunos irão atuar.
Como referem Del Prette & Del Prette (2003) é desejável que a formação de terceiro
grau tenha como escopo, respeitadas as especificidades dos diferentes cursos, pelo menos três
classes gerais de capacitação: a capacidade analítica: conjunto de habilidades cognitivas e
meta-cognitivas que implicam o raciocínio, o pensamento crítico, o domínio de
conhecimentos teóricos específicos a um determinado campo e áreas afins, bem como
habilidade de lidar com a automotivação para aprender, resolver problemas e tomar decisões,
procurar e organizar informações; a capacidade instrumental: domínio das técnicas específicas
que caracterizam o exercício da atividade profissional, incluindo as habilidades de produção
de conhecimento na área, por exemplo, a experimentação; e a competência social: conjunto de
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desempenhos sociais que atende às diferentes demandas próprias dos vários contextos de
trabalho, embora não circunscritas a estes.
Paralelo a esta questão do desenvolvimento destas habilidades, existem, ainda, os
preceitos da andragogia. O perfil dos alunos dos cursos tecnológicos é o de alunos em idade
adulta, que já possuem uma trajetória pessoal e profissional que deve ser levada em conta no
momento da aprendizagem. A aprendizagem experencial, por exemplo, é um dos preceitos da
andragogia (QUINTAS, 2008), uma vez que pressupõe que a bagagem experencial do aluno é
levada em conta no processo educativo e que este processo vai além da mera educação
teórica. É o viver o que está sendo aprendido, para saber e saber fazer.
Além destas questões, as características do cenário onde os alunos dos cursos
tecnológicos irão atuar como profissionais também devem ser levadas em conta. No campo da
gestão, uma tendência atual e forte é a da consultoria. Conforme relatam Donadone &
Sznelwar (2004), a partir da década de 90, diante dos movimentos de reorganização das
empresas, as consultorias, que contemplam os vários setores das empresas, ganham espaço no
mundo da administração. Os consultores surgem como vetores de difusão e implantação de
formas de gestão mais ágeis, com sua capacidade de produzir e difundir conhecimentos e
implementar mudanças organizacionais. Logo, cabe a um curso tecnológico desenvolver
competências para que seus alunos possam atuar como futuros consultores. De acordo com
Leite (2006), a consultoria tem sido o modelo encontrado pelas organizações em resposta às
necessidades do processo evolutivo da administração. Trata-se de um novo recurso que
contribui para a mudança, para a criação de um olhar novo sobre a organização e adquire,
cada vez mais, um papel educativo e estratégico dentro das empresas. A consultoria tem sido
encarada como uma ferramenta de mudança organizacional diante das complexidades e
velocidades dos cenários contemporâneos nos quais as diferentes organizações estão
inseridas. Logo, cabe a um curso de formação de tecnólogos – profissionais voltados
essencialmente para o saber fazer nas organizações – oportunizar aos seus alunos a
experiência teórica e vivencial desta importante ferramenta de gestão, de modo que estes
possam implantá-la efetivamente quando da sua inserção no mercado profissional.
Tendo como embasamento tais considerações, as coordenações dos cursos
tecnológicos da área de gestão da Faculdade Ftec - Bento Gonçalves reuniram-se e
elaboraram o Projeto Integrador dos Cursos Tecnológicos.
O Projeto Integrador
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O Projeto Integrador foi elaborado com o objetivo de promover a interação e a
integração entre os alunos e os professores das unidades curriculares dos cursos tecnológicos,
além de
proporcionar uma experiência de construção coletiva do conhecimento e
estimuladora do desenvolvimento de competências profissionais fundamentais para os futuros
gestores. Através dele pretendeu-se, também, criar processos dinâmicos para a condução das
aulas e oportunizar momentos de aprendizado experenciais e criativos. O Projeto Integrador
agrega uma série de atividades baseadas no seguinte foco: de um lado, alunos desempenhando
o papel de empreendedores, que estão constituindo uma empresa; de outro, alunos que
desempenham o papel de consultores, de diferentes áreas, que assessoram os alunos
“empreendedores”, estabelecendo-se entre eles uma parceria de prestação de serviços –
consultoria. A partir das necessidades emergentes do processo de criação da uma empresa
(pelos alunos empreendedores), os alunos consultores devem criar e oferecer soluções inéditas
e específicas nas suas áreas de atuação.
Para a implantação do Projeto, dois processos foram considerados fundamentais, a
comunicação entre os participantes e o acompanhamento por parte do corpo docente:
- Comunicação entre professores e alunos intra-disciplina: este processo de
comunicação iniciou o processo. No início do semestre, em cada disciplina participante, o
professor propôs o projeto integrador e estabeleceu os pontos de controle e o sistema de
motivação;
- Comunicação entre os professores das várias disciplinas participantes: este processo
de comunicação propiciou o início da comunicação entre os grupos de alunos das disciplinas.
O professor da disciplina Business Plans iniciou o processo, passando aos professores das
demais disciplinas, os requisitos iniciais das empresas a serem desenvolvidas, ou seja, um
modelo do Plano de Negócios;
- Comunicação entre os grupos de alunos inter-disciplinas: após o contato entre os
professores, os grupos de alunos definiram quais grupos de consultores iriam prestar serviços
para quais clientes e iniciou-se um processo de comunicação, presencial e virtual (emails,
ambiente de aprendizagem virtual da faculdade, sites de relacionamentos) entre estes grupos,
visando a prestação da consultoria e a criação de uma relação cliente/fornecedor e
fornecedor/cliente.
- Processo de acompanhamento e controle: durante o desenvolvimento do projeto,
houve um sistemático acompanhamento da comunicação entre os grupos inter-disciplinas.
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Este processo foi tarefa dos professores das disciplinas, que receberam do professor de
Business Plans relatórios do andamento dos trabalhos dos grupos. Os professores das
unidades curriculares participantes incluíram em seus planos de ensino as atividades do
Projeto, estabelecendo-o como um item de avaliação, bem como forneceram suporte aos
alunos, através de supervisões semanais.
Participaram do Projeto o Curso de Processos Gerenciais, que trabalha com a criação
de Planos de Negócios na disciplina Business Plans. Os alunos desta disciplina
desempenharam o papel de clientes. No papel de consultores estavam alunos de várias
disciplinas de outros cursos, ou seja, existiram consultores de várias especialidades: gestão de
pessoas, gestão da qualidade e TI.
O Projeto Integrador teve seu desenvolvimento ao longo do primeiro semestre de
2009, sendo concluído no final do mês de junho. Participaram diretamente do Projeto 05
docentes e 68 alunos, sendo 22 alunos como clientes e 46 alunos como consultores das áreas
de recursos humanos, tecnologia da informação e qualidade.
No final do semestre aconteceu a entrega dos produtos/serviços pelos consultores nos
prazos estabelecidos. Ao final, os produtos entregues pelos alunos clientes e consultores
foram:
Na disciplina de Business Plans, um Plano de Negócios;
Na disciplina Programação WEB, a estrutura de um site;
Na disciplina Redes de Computador, a estrutura de uma rede;
Na disciplina Modelos Avançados em RH, um planejamento de recursos humanos;
Na disciplina Projetos em Qualidade, um projeto de gestão da qualidade.
Em cada disciplina foi realizada uma avaliação de todo este processo. Esta avaliação
teve vários momentos: a avaliação na respectiva disciplina do aluno, uma avaliação entre os
grupos e uma auto-avaliação dos professores das disciplinas participantes. O objetivo destes
momentos avaliativos não foi somente atribuir uma nota quantitativa aos alunos, mas
sim,estabelecer feedbacks recíprocos de modo a mapear a atividade para aprimorá-la. Tendo
em vista os objetivos do projeto integrador - interação e integração entre os alunos e os
professores das unidades curriculares dos cursos tecnológicos, construção coletiva do
conhecimento e desenvolvimento de competências profissionais fundamentais para futuros
gestores, foram levantados aspectos positivos e aspectos a serem melhorados para o próximo
semestre.
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Dentre os aspectos a serem melhorados, destacou-se a interação e integração entre os
grupos de clientes e consultores, que poderia ter sido mais intensa desde o início do semestre.
A busca por soluções, pelos alunos-clientes, e a preocupação em fornecê-las, pelos alunosconsultores, intensificou-se na medida em que o semestre avançou, sendo necessária a
constante estimulação e motivação dos docentes. Este é o aspecto mais relevante a ser
aprimorado e acredita-se que sua origem esteja na novidade da metodologia utilizada. Talvez
os alunos continuem esperando aulas tradicionais, nas quais o discente recebe passivamente
um conhecimento pronto e inquestionável vindo do professor. Uma metodologia diferente,
que os lança para algo novo, exige uma nova atitude que ainda precisa ser aprendida, e este
parece ser justamente um dos pontos mais positivos da experiência – desconstruir um papel
tradicional de ensino e aprendizagem e reconstruir criativamente outro. Como refere De Masi
(2000), esta criatividade e inovação deve perpassar a pedagogia dos nossos tempos.
Por outro lado, em termos de desenvolvimento de competências profissionais nos
alunos, a avaliação do projeto foi extremamente positiva. As demandas que a atividade
apresentou aos alunos-clientes e aos alunos-consultores instigaram os mesmos a estudarem,
buscarem conhecimentos teóricos (sala de aula e extra-classe), buscarem no mercado
experiências reais bem sucedidas e integrar todas estas fontes, construindo um novo
conhecimento. Como diz Setzer (1999), desenvolveram-se competências, que significam
integrar dados, informações e transformá-las em algo real, em uma solução para o mundo real.
Neste sentido, o projeto alcançou seus objetivos. A experiência de construir um conhecimento
compartilhado, convivendo com colegas de diferentes especialidades, com jeitos de ser
diferentes e necessitando alcançar um objetivo em comum, exigiu dos alunos o desempenho
de diferentes habilidades sociais (comunicação, assertividade, auto-controle, auto-disciplina).
Estas habilidades são fundamentais no repertório comportamental do profissional para que ele
seja socialmente competente no mundo do trabalho (Del Prette & Del Prette, 2008).
Considerações Finais
A experiência, relatada neste trabalho, de utilizar o modelo de consultoria como uma
estratégia de ensino que promove o desenvolvimento de competências pessoais e profissionais
mostrou-se eficaz e uma alternativa viável para a dinamização de aulas. Souza (2009), ao
revisar o que autores propõem sobre o papel do aluno no século XXI, refere que o mesmo
deve se apropriar do seu processo de aprendizagem. Ele deve ser considerado e tratado como
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um ser ativo, com uma bagagem vivencial que deve ser considerada. A experiência aqui
relatada procurou ir ao encontro desta proposta. Com as atividades do projeto integrador a
sala-de-aula se transformou num espaço que simula a realidade (no caso em tela, o mercado
de trabalho) e propicia uma aprendizagem muito além da teórica. É uma experiência que, por
outro lado, exige que o corpo docente, ultrapasse o papel tradicional de transmissor de
informações. O papel do professor inclui acompanhamento constante dos discentes,
estimulação dos mesmos, criatividade, envolvimento e avaliação constante do processo. Além
disso, inclui respeito pela inovação e criatividade do aluno, pelo seu potencial criador. Por
outro lado, de acordo com a percepção dos docentes participantes, os objetivos de promover o
aprendizado de competências importantes para a formação profissional foram atingidos. A
experiência aqui relatada não foi perfeita, obviamente. Por sua especificidade, também não se
propõe a generalizações, não tem como objetivo servir de um modelo a ser copiado, até
porque a proposta desta metodologia é justamente a de que não existem modelos prontos para
nada, deve-se sim aprender a criar. Trata-se apenas de uma experiência que pode ser
inspiradora para outros docentes, de outras instituições, para que os mesmos possam criar
práticas adequadas às suas especificidades e necessidades.
REFERÊNCIAS
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trabalho: treinamento de habilidades sociais com universitários. Estudos em Psicologia, v.8,
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DEL PRETTE, A & DEL PRETTE, Z. A. P. Psicologia das relações interpessoais. Rio de
Janeiro, Vozes, 2008.
DE MASI, D. O ócio criativo. Rio de Janeiro, Sextante, 2000.
DONADONE, J. C. & SZNELWAR. Dinâmica organizacional, crescimento das consultorias
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2004.
GADOTTI, M. História das idéias pedagógicas. São Paulo: Ática, 1995.
LEITE, L.A.M.C., CARVALHO, I.V., OLIVEIRA, J.L.C.R. & ROHM, R. H. D. Consultoria
em gestão de pessoas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.
QUINTAS, H.L.M. Educação de Adultos: vida no currículo e currículo na vida. Agência
Nacional para a Qualificação, I.P.1ª edição, Agosto 2008.
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QUINTAS, H.L.M. Educação de Adultos: vida no currículo e currículo na vida. Agência
Nacional para a Qualificação, I.P.1ª edição, Agosto 2008.
SETZER, V. W. Dado, informação, conhecimento e competência. Edição traduzida e
ampliada da versão 6 em inglês, de 17 de fevereiro de 1999, publicada em DataGramaZero Revista de Ciência da Informação - n. zero dez/99 ARTIGO 01, disponível em
http://www.dgz.org.br/dez99/F_I_art.htm.
SOUZA, K. S. M. O sujeito da educação superior: subjetividade e cultura. Psicologia em
estudo, v.14, n.1, p. 129-135, 2009.
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