UNIVERSIDADE DE MARÍLIA – UNIMAR MESTRADO EM DIREITO FERNANDA MESQUITA SERVA PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS MARÍLIA 2011 2 FERNANDA MESQUITA SERVA PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação da Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira. MARÍLIA 2011 3 Autora: Fernanda Mesquita Serva Título: Parceria Público-Privada: efetividade dos serviços públicos Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob a orientação da Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira. Aprovada pela Banca Examinadora em ___/___/______ ________________________________________________ Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira Orientadora ________________________________________________ Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro _____________________________________________ Professor Doutor Pietro de Jesús Lora Alarcón 4 Dedico este trabalho aos meus pais, Márcio e Regina, razões da minha vida, que incondicionalmente estão comigo, na busca da minha vitória. 5 Ao final de mais uma etapa, agradeço a Deus, pela minha saúde, paz interior e por toda a minha vida; Agradeço ao meu pai, Márcio, pela minha vida, pelos seus ensinamentos, pelas noites mal dormidas, embasadas na preocupação comigo e, principalmente, pelo seu apoio incondicional em todos os momentos; À minha mãe, Regina, pela sua sabedoria, paciência e amor, que dão significado à minha existência, minha melhor amiga, de todas as horas, integrante essencial do sucesso educacional da nossa família; À minha vovó, Romilda, muito querida, que, compartilhando seus dias conosco, tornou nossa casa mais alegre; À minha irmã, Márcia, minha companheira de vida, conselheira atuante que, por sua torcida e apoio, torna mais fáceis os meus desafios; Ao meu sobrinho Júlio Cesar, pelos dias de incentivo, ao meu lado no escritório; Ao meu companheiro de todas as horas, Mario Fernando, pela paciência, compreensão e resistência nos momentos de minha ausência; À minha caríssima amiga e orientadora Professora Doutora Jussara, pela atenção, dedicação e amável recepção na valiosa orientação; Aos meus professores do Mestrado, pelos seus ensinamentos de vida e de Direito, que levarei comigo para sempre; Aos meus amigos do Mestrado, pela companhia durante e fora das aulas; Aos meus companheiros de trabalho, da nossa querida casa UNIMAR, pela compreensão nos momentos de ausência nas tarefas. 6 A melhor forma de motivar as pessoas a ajudá-lo a atingir suas metas é ajudá-las a atingir as delas. (Deepak Chopra) 7 PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS Resumo: O presente estudo volta-se às parcerias público-privadas no Brasil, como forma de efetivação dos serviços públicos, de maneira adequada e eficiente. A Constituição Federal, em seu artigo 175, estabeleceu o regime básico das concessões e permissões. Este regime trata de uma faculdade que possui o Poder Público de abrir mão da administração da atividade que é inerente à iniciativa privada, para que esta execute os serviços que serão colocados à disposição da sociedade, uma vez que a obrigatoriedade da regularidade dos serviços permanece inerente ao poder concedente, que deverá velar pelos mesmos em face do dever de fiscalização. O instituto da parceria público-privada nacional segue exemplos das parcerias no plano internacional. A Lei Federal das parcerias público-privadas, Lei no. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, foi sancionada após intenso debate civil e político, determinando que as parcerias público-privadas são aquelas enquadradas nos contratos públicos administrativos, sob regime de concessões, celebrados entre a iniciativa privada e a Administração Pública, com o objetivo de reunir esforços para aumentar a qualidade e a eficiência dos serviços públicos, suprir a insuficiência de recursos e das restrições de gastos do setor público e propiciar acesso às eficiências do setor privado. A pesquisa destaca os aspectos importantes apresentados pela Lei n.11.079/2004. Por fim, no contexto empírico, o trabalho aborda alguns exemplos de parcerias público-privadas nacionais, na educação e na assistência à saúde. No plano de pesquisa são utilizados os métodos dedutivo, sistemático, axiológico e teleológico com a investigação baseada em fontes doutrinárias, legislação, periódicos e revistas especializadas, com a finalidade de demonstrar a possibilidade de ampliação dos serviços públicos, com qualidade e eficiência, através das parcerias público-privadas, na modalidade administrativa. Palavras- chave: Parceria Público-Privada. Serviços Públicos. Efetivação. 8 PUBLIC-PRIVATE PARTNERSHIP: PUBLIC SERVICE EFFECTIVENESS Abstract: The present study focuses on public-private partnerships in Brazil, as a form of assuring public service properly and effectively. The Federal Constitution, on article 175, established basic standards for concessions and permissions. This regime is about the right the government has to give up the on the activity administration which is inherent to the private section, so that it can execute services which will be placed for the society, since the requirement of the regularity of services remains inherent the granting authority which should supervise them considering its supervision duty. The institute of the national public-private partnership follows examples of international partnership regime. The Federal Law of PublicPrivate Partnerships, Law. n.11.079 of December 30th 2004, was passed after intense civil and political debate determining that the public-private partnerships are those framed in public administrative contracts, under the regime of concessions, agreed between the private sector and public administration, with the objective of gathering efforts to increase the quality and efficiency of public services, compensate for the lack of resources and spending constraints in the public sector provide access to the efficiencies of the private sector. The research highlights the important issues presented by the Law n.11.079/2004. Finally, the empirical context, the paper addresses some examples of national public-private partnerships in education and health care. In terms of research deductive, systematic, teleological and axiological methods are used with research-based sources of doctrine, legislation, journals and magazines in order to demonstrate the possibility of expanding public services, quality and efficiency through the public-private partnerships, in administrative mode. Keywords: Public-Private Partnership. Public Services. Effective. 9 LISTA DE ABREVIATURAS CGP- Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal CVM- Comissão de Valores Mobiliários FGP- Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas FIES- Programa de Financiamento Estudantil JV- Joint Ventures LBD- Lei de Diretrizes e Bases NAO- National Audit Office PFI- Private Finance Initiative (Iniciativa para Financiamento Privado) PLP- Plano de Parcerias Público-Privadas PPP- Public Private Partnership PPPs- Parcerias Público-Privadas Prouni- Programa Universidade para Todos SCUT- Sem Custo para o Usuário SPE- Sociedade de Propósito Específico SUS- Sistema Único de Saúde 10 SUMÁRIO INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 11 1 DA PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA .............................................................. 13 1.1 ASPECTOS RELEVANTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, NO CONTEXTO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS .................................................................... 14 1.1.1 Os serviços públicos no Brasil ................................................................................ 15 1.2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ADMINISTRAÇÃO PRIVADA E A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA ...................................................................................................... 20 1.2.1 Os princípios norteadores dos contratos de parcerias público-privadas ................. 22 1.2.2 O perfil contemporâneo das parcerias público-privadas ......................................... 26 1.3 ANÁLISE COMPARATIVA COM O BRASIL .................................................... 28 2 A EVOLUÇÃO DO ESTADO E A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA......... 37 2.1 A TRANSIÇÃO DAS FORMAS ESTATAIS PRÉ-MODERNAS ....................... 37 2.2 O INÍCIO DO ESTADO MODERNO .................................................................... 40 2.3 O ESTADO LIBERAL ........................................................................................... 45 2.4 O ESTADO SOCIAL.............................................................................................. 47 2.4.1 A evolução das Constituições Sociais no Brasil ..................................................... 52 2.5 O ESTADO CONTEMPORÂNEO E O NEOLIBERALISMO ............................. 55 2.5.1 A Reforma do Estado .............................................................................................. 59 2.5.2 O Estado Democrático de Direito e a Constituição da República do Brasil ........... 63 2.5.3 O início das parcerias público-privadas no Brasil................................................... 67 3 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA ATUALIDADE ....................... 69 3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS.................................................................... 70 3.1.1 Modalidades de parceria público-privada ............................................................... 72 3.1.2 Sociedade de Propósito Específico ......................................................................... 76 3.1.3 Órgão gestor das parcerias público-privadas .......................................................... 78 3.1.4 Licitação e contratação das parcerias público-privadas .......................................... 80 3.1.5 Diretrizes da Lei Federal no. 11.079/2004 .............................................................. 85 3.2 86 DOS CONTRATOS DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA ............................... 11 3.2.1 Do valor contratual .................................................................................................. 90 3.2.2 Do controle dos contratos de parcerias público-privadas ....................................... 91 3.2.3 As garantias contratuais nas parcerias público-privadas ......................................... 91 4 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO, COMO FORMA DE GARANTIR A EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DISPONIBILIZADOS À POPULAÇÃO ..................................................................... 98 4.1 A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA EDUCAÇÃO ...................................... 100 4.1.1 A estrutura do Sistema Educacional ....................................................................... 101 4.1.2 A importância da iniciativa privada na educação: acesso ao ensino superior......... 103 4.1.3 A realidade das parcerias público-privadas na educação ........................................ 105 4.2 A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA SAÚDE ............................................... 108 4.2.1 O Sistema Único de Saúde ...................................................................................... 108 4.2.2 A importância das parcerias público-privadas na saúde ......................................... 110 4.2.3 A realidade das parcerias público-privadas na saúde .............................................. 110 4.2.4 A parceria público-privada, na modalidade administrativa, como forma de ampliar a prestação dos serviços públicos na área da saúde por particulares................................... 113 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 116 REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 123 12 INTRODUÇÃO O presente estudo científico tem como objetivo analisar as parcerias público-privadas (PPP) no Estado contemporâneo, com o enfoque na efetivação dos serviços públicos, em especial a assistência à saúde e o direito à educação. As parcerias público-privadas apresentam-se em um contexto de bastante relevância jurídica frente às dificuldades de gestão, no âmbito público. O propósito do trabalho é desvendar tais dificuldades, apresentando uma análise da dimensão do instituto, enfrentando a forma clássica de prestação de serviço público à apreensão do modelo de PPP. As parcerias público-privadas figuram no ordenamento jurídico brasileiro como uma possibilidade de efetivar os serviços públicos, que são postos à disposição da coletividade. As referências interdisciplinares entre o direito público e o direito privado trazem estudos preparatórios indispensáveis à investigação, considerando o perfil das parcerias no que se refere à atividade econômica e a gestão pública, em relação a um suposto novo perfil gerencial da modalidade demandando a compreensão da forma e das especificidades singulares. A investigação toma por base a principiologia, a constitucionalização e a dimensão dos princípios específicos norteadores das parcerias público-privadas, visando explicitar a estrutura negocial bem elaborada da categoria. O estudo específico do modelo como desenvolvido no ordenamento jurídico pátrio absorve a experiência internacional, observando mandamento constitucional e definindo regramento jurídico próprio. O estudo sistematizado dos modelos de Estado é importante, considerando o escopo de se compreender o início da necessidade de regulamentação das parcerias público-privadas. A Reforma do Estado redefine o papel do Estado como meio de organização social aprofundando a relação entre o Estado e a Sociedade e, sob uma nova ótica, o Estado reduz seu papel de executor ou prestador direto de serviços públicos para assumir um caráter de regulador, indutor e mobilizador dos agentes econômicos e sociais. Nesse contexto de transformação é que a parceria referida surge, como uma possibilidade de efetivação dos serviços públicos de qualidade, representada pela “Torre Trina” formada pelo potencial das PPPs tratando da parceria de possibilidades estruturantes entre o público e privado, onde a realidade negocial comparece reorganizada para reunir, através da mútua cooperação e solidariedade tais relacionamentos, tornando-se referência para os pactos complexos próprios do desenvolvimento econômico contemporâneo. 13 As PPPs podem ser consideradas como “marca documentada”, ideal por conjugar esforços, reaproximando o Estado e a iniciativa privada por meio de um dirigismo benéfico de ações racionais. Tal parceria permite o estímulo aos investimentos conjugados, devendo ser intensificados concretamente enquanto trilogia da pós modernidade (parcerias entre o público e o privado). As afinidades eletivas permitidas e legitimadas pelo modelo são condições que valorizam e estimulam a participação mais eficaz da esfera pública no contexto do trânsito negocial. A investigação aborda a eficácia do modelo, regulamentado pela Lei Federal no. 11.079/2004, tratando das interfaces indispensáveis à visibilidade plural do instituto. Neste particular, comparecem as correlações necessárias referentes à sua definição e modalidades, análise do compartilhamento de vantagens e riscos entre os envolvidos no contrato administrativo, verificação da Sociedade de Propósito Específico, o Órgão Gestor das parcerias público-privadas, licitação e contratação do instituto, responsabilização fiscal, prazo e valor contratual, garantias, diretrizes contratuais e segurança das partes envolvidas, entre outros aspectos. Por fim, no contexto empírico, o trabalho apresenta alguns exemplos de parcerias público-privadas existentes no país, apresentando-as como uma alternativa viável na efetivação e ampliação dos serviços públicos. Os modelos disponibilizados como materialização do instituto restringem-se, na forma e dimensões eleitas, à adoção e prática na assistência à educação e à saúde. Os dois segmentos foram selecionados por serem direitos fundamentais, garantidos pelo Estado Democrático de Direito, que definitivamente reconhece a necessidade da presença da iniciativa privada nesses segmentos. 14 1 DA PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA Atualmente, a Lei Federal que regula as parcerias público-privadas é a Lei no. 11.079/2004, que foi sancionada após um ano de intenso debate político e civil. Porém, muito antes do advento da Lei Federal, as parcerias na Administração Pública com a iniciativa privada já haviam tido início. O objetivo deste capítulo é demonstrar a importância de se inserir capital privado na gestão pública, através de parcerias, com o enfoque no atendimento aos interesses sociais. A doutrina é divergente nas versões que se referem à origem das PPPs no Brasil. Porém, o cenário, sem dúvida, é o de redução da participação do Estado na economia. Esta redução está ligada à escassez de recursos públicos e à ampliação de ofertas de atividades públicas para a atuação da iniciativa privada. Alguns doutrinadores afirmam, inclusive, que as relações entre o setor público e o setor privado sempre existiram, com o objetivo de concretizar empreendimentos de relevante interesse social. Nessa seara, a fim de demonstrar as parcerias entre os setores, desde o início do descobrimento do Brasil, José Virgílio Lopes Enei dispõe: As grandes navegações marítimas dos séculos XV e XVI – incluindo o descobrimento do Brasil por Portugal – foram financiadas por uma combinação de investimentos públicos, representados pela Coroa, e privados, por parte de banqueiros e comerciantes medievais.1 As parcerias entre Administração Pública e particulares estão presentes em todas as fases históricas governamentais. O capital privado sempre teve sua importância nas gestões públicas. É o capital privado em sintonia com as necessidades do povo. As prestações das atividades públicas feitas diretamente pela Administração Pública eram mais comuns e mais efetivas até a década de 80. Porém, a partir desse momento histórico, o cenário da Administração Pública sofreu grandes transformações, pois o setor público vivenciou o esgotamento dos recursos financeiros e a realidade de um fenômeno chamado Globalização. “A Administração Pública brasileira vive a partir da década de 80 um momento de reforma, acompanhando o movimento da globalização que vem tomando conta do mundo.”2 1 ENEI, José Virgílio Lopes. Parcerias público-privadas no setor elétrico. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.226. 2 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.28. 15 O fenômeno da globalização consiste em um processo de profunda integração econômica, social, cultural e política entre os países do mundo, impulsionando a economia mundial, o transporte e a comunicação global. A reforma do Estado é marcada como uma tentativa de transformar o Estado, principalmente na questão de racionalização do setor público. Nesse momento, fica evidenciada a necessidade de recursos da iniciativa privada, e pelo menos duas realidades são enfrentadas pelos governantes: a. uma primeira realidade é a situação de crise, especialmente crise financeira; e isso leva a uma constatação: a Constituição Federal atribuiu competências ao poder público que ele não tem condições de cumprir a contento, faltam verbas nas áreas de saúde, educação, previdência social, moradia, transporte, segurança; isso para falar apenas nas atividades essenciais; b. a segunda realidade é a procura desesperada por soluções; é a busca de institutos novos, de medidas inovadoras, que permitem ao Estado lograr maior eficiência na prestação dos serviços que lhe estão afetos.3 A crise do Estado constata insucesso da Administração Pública como gestora, e a parceria público-privada, objeto do presente estudo, é uma das alternativas encontradas para a redução do aparelho administrativo estatal. Outras formas de parcerias também são identificadas no ordenamento pátrio, podendo ser citadas a permissão, a autorização e a concessão tradicional de serviços públicos. A parceria público-privada é uma modalidade de concessão, com muitas peculiaridades a serem estudadas e, atualmente, sua atuação ainda encontra resistência pelos particulares e pelo Governo. 1.1 ASPECTOS RELEVANTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, NO CONTEXTO DA PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA A partir deste momento, serão expostas as questões relevantes da Administração Pública, no que se refere à prestação de serviços públicos, a fim de que seja encontrada a posição da iniciativa privada na esfera pública. No Brasil, a organização administrativa propõe duas divisões, quais sejam: a divisão vertical e a divisão horizontal. 3 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.29. 16 Na divisão vertical, encontram-se a Administração Federal, a Administração Estadual, a Administração do Distrito Federal e a Administração Municipal. Apesar da indicação, os entes de cada administração não estão subordinados uns aos outros. Na visão horizontal da Administração Pública, “cada uma dessas Administrações, quando o grau de complexidade admitir, reparte-se a Administração Pública em Administração direta e Administração indireta..”4 Tal sistematização de estrutura administrativa foi preconizada pelo Decreto- Lei 200/67. Ainda em âmbito estrutural da Administração Pública, dois conceitos estão presentes: a desconcentração e a descentralização. É através da descentralização administrativa que as parcerias público-privadas atuam na vida dos cidadãos. [...] a atividade da Administração Pública pode ser exercida diretamente, por meio de seus próprios órgãos (centralização administrativa ou Administração direta) ou indiretamente, por meio da transferência de atribuições a outras pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas (descentralização administrativa ou Administração indireta).5 A descentralização administrativa sugere a transferência de atribuições de uma das pessoas jurídicas do Estado (União, Estado, Distrito Federal ou Municípios) para outra pessoa jurídica. Vale destacar que a atuação da Administração, direta ou indiretamente, deve obedecer aos princípios constitucionais administrativos e consequentemente preservar o administrado. A atuação da Administração, em qualquer de suas formas, tem sempre a finalidade de atender satisfatoriamente às necessidades da coletividade. Desta forma, o estudo da parceria público-privada alia-se à análise dos dois segmentos, o setor público e a iniciativa privada, pois a iniciativa privada atua no âmbito público, através de uma possibilidade da própria estrutura da Administração Pública, que é a descentralização administrativa. 1.1.1 Os serviços públicos no Brasil O conceito de serviço público no Brasil ainda não se encontra em uniformidade na doutrina. Apresenta-se uma crise no conceito “amplo” de serviço público, que reunia toda a atividade administrativa pública. 4 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.55. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.43. 5 17 Em geral, os autores contemporâneos não tratam da matéria em sentido amplo nem em sentido orgânico, mas em sentido restrito e objetivo, procurando especificar o regime jurídico específico da atividade de serviço público e isolá-la no interior da atividade administrativa do Estado. Desta forma, o conceito jurídico de serviço público atual pressupõe uma análise complexa, referente ao regime jurídico específico proposto e a demarcação do campo material do objeto. Nesta seara contemporânea, a ilustre doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro dispõe que a conceituação de serviço público não é simples, tendo em vista as transformações desse instituto no decurso do tempo, seja nos seus elementos constitutivos, seja na sua abrangência e assevera o conceito de serviço público como “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.”6 Em companhia da doutrinadora Maria Sylvia, Celso Antonio Bandeira de Mello indica que a noção de serviço público não é simples e sistematiza escrevendo que, dentre o total das atividades ou serviços desenvolvidos em uma sociedade, alguns são privados, outros são públicos. Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público - portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.7 Complementando o conceito de Celso Antonio Bandeira de Mello, Marçal Justem Filho, conceitua serviço público como sendo: [...] uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público.8 Paulo Modesto indica que atualmente o termo “serviço público” deve ser compreendido da seguinte maneira: 6 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.102. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.671. 8 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010, p.692. 7 18 Pode-se definir serviço público, neste contexto, como a atividade de prestação administrativa material, direta e imediatamente a cargo do Estado ou de seus delegados, posta concretamente à disposição de usuários determinados ou indeterminados, sob regime de direito público, em caráter obrigatório, igualitário e contínuo, com vistas a satisfazer necessidades coletivas, sob titularidade do Poder Público.9 Desta forma, tem-se que os serviços públicos são as atividades que ofereçam comodidade material para os administrados, prestados pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob regime de Direito Público, instituído para atender os fins do Estado. A Constituição Federal, em seu artigo 175, trata da prestação dos serviços públicos, preceituando que: “Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”10 Em relação à prestação desse serviço, Marçal Justen Filho justifica que essa atividade é pública, uma vez que é prestada pelo Estado, não exclusivamente, já que este pode delegar o serviço aos particulares, sendo sempre o Estado o titular desse serviço. Cabe, ainda, ressaltar que a referida atividade é administrativa porque não abrange as atividades legislativas e nem jurisdicionais.11 A prestação de serviços públicos compete ao Estado, direta ou indiretamente, sob o regime de concessão ou permissão, que também atribui a cada ente da Federação a incumbência da prestação de um serviço público específico. Quando a prestação do serviço for de forma direta, a atividade será exercida diretamente pelo Estado, sem que haja a transferência a terceiros, e haverá uma coincidência entre o titular do serviço e a pessoa jurídica prestadora do serviço público. A prestação dos serviços públicos feita de forma indireta ocorre quando a prestação da atividade for transferida a terceiros, inseridos ou não na Administração Pública, de forma outorgada ou por delegação. A descentralização por outorga é a transferência da titularidade e da execução do serviço público, por lei, a terceiros, dentro da própria Administração. Já a descentralização por delegação é a transferência da execução do serviço público, por ato ou contrato, para a iniciativa privada, através de concessões, permissões e autorizações de serviços públicos. 9 MODESTO, Paulo. Reforma do Estado, formas de prestação de serviços ao público e parcerias públicoprivadas: demarcando as fronteiras dos conceitos de “serviço público”, “serviços de relevância pública” e “serviços de exploração econômica” para as parcerias público-privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.452. 10 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 11 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010, p.720. 19 Os serviços reservados para a Administração Pública estão elencados na Constituição Federal e são de responsabilidade do Estado. O próprio Estado estabelece qual atividade será considerada como serviço público. Isto significa que, na ausência de previsão normativa, a exploração do serviço ou atividade pela iniciativa privada será livre. Porém, a própria Constituição Federal permite que haja a atuação de particulares em determinados serviços, sob a especial fiscalização do Poder Público, como por exemplo, a atuação da iniciativa privada na educação, autorizada expressamente pelo artigo 209, e a atuação na saúde, determinada pelo artigo 199, entre outros. O fato de o Estado (União, Estado, Distrito Federal e Municípios) ser titular de serviços públicos, ou seja, de ser o sujeito que detém “senhoria” sobre eles (a qual, de resto, é, antes de tudo, um dever em relação aos serviços que a Constituição ou as leis puseram ou venham a por seu cargo) não significa que deva obrigatoriamente prestá-los por si ou por criatura sua quando detenha a titularidade exclusiva do serviço.12 Portanto, o Estado pode prestar os serviços públicos inerentes à função administrativa estatal ou ainda está autorizado a delegar estes serviços a entidades estranhas ao aparelho do Estado. Quando ocorrer a delegação do serviço, como no caso dos contratos de PPP, é imprescindível ressaltar a ideia principal, a saber, o atendimento do interesse público. É importante destacar que a Reforma do Estado, que será tratada no próximo capítulo, trouxe modificação na tratativa constitucional dos serviços públicos, através da Emenda Constitucional no. 19, de 1998, que instituiu um novo modelo de gestão na Administração Pública. A E.C. não alterou o artigo 175 da Constituição, porém introduziu práticas gerenciais no âmbito da Administração Pública, implantando novos conceitos na noção clássica de serviço público, como eficiência na sua prestação, presteza e agilidade, revertendo o foco para o usuário do serviço, o chamado usuário cidadão. A Reforma do Estado também trouxe inovações para o ordenamento jurídico do país, das quais pode-se citar: a Lei Federal das Concessões e Permissões, que foi sancionada em 1995 e passou a regulamentar a concessão de serviço público e a concessão de serviço precedida de obra pública, estabelecendo normas gerais do assunto; e a Lei Federal das parcerias público-privadas, que alvitra uma nova modalidade de concessão, representando uma alternativa positiva para a prestação de serviços públicos, pois o que se espera é que este modelo contribua com a eficiência e qualidade dos serviços disponíveis para a população, com um custo acessível para o Estado. 12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.681. 20 Alguns princípios são inerentes à prestação dos serviços públicos, como, por exemplo, o princípio da continuidade, o princípio da generalidade, o princípio da eficiência, o princípio da modicidade e o princípio da cortesia. O princípio da continuidade sugere que o serviço público deve ser prestado de maneira contínua, sem prejudicar o cidadão. A atividade pode ser interrompida somente em hipóteses previstas em lei ou em contrato. O princípio da generalidade, ou o princípio da impessoalidade, dispõe que os usuários dos serviços públicos devem ser tratados sem discriminação, privilégio ou abusos de outra ordem. É imprescindível que haja isonomia na prestação dos serviços públicos, perante todos os usuários. O princípio da eficiência indica que o Estado deve prestar suas atividades com a maior eficiência possível. Este princípio sugere que a Administração Pública mantenha-se atualizada tecnologicamente e transmita a maior eficácia nos seus compromissos públicos. O princípio da modicidade determina que as atividades públicas devem ser prestadas a preços razoáveis. Os serviços públicos devem ser instituídos de acordo com a capacidade econômica dos usuários, em consonância com as exigências do mercado. O princípio da cortesia sugere que os prestadores de serviços públicos tratem os usuários com urbanidade, educação e cordialidade. A doutrina abrange vários critérios de classificação para os serviços públicos. Desta forma, são considerados serviços públicos próprios aqueles que, por sua natureza atendem as necessidades coletivas, e sua execução é feita diretamente pelo Estado ou indiretamente, através de concessionários e permissionários. Já os serviços públicos impróprios são aqueles que, embora também atendam as necessidades coletivas, não são assumidos ou executados pelo Estado, seja de forma direta ou indireta, nestes casos, o Estado apenas autoriza, regulamenta e fiscaliza estes serviços. Em relação ao seu objeto, os serviços públicos podem se administrativos, comerciais ou industriais e sociais. Os serviços administrativos são aqueles que a Administração Pública executa para atender às suas necessidades internas ou prepara outros serviços que são prestados ao público, tais como os de imprensa oficial, das estações experimentais e outros.13 Os serviços públicos comerciais ou industriais são aqueles que a Administração Pública executa, direta ou indiretamente, para atender às necessidades coletivas de ordem 13 MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.353. 21 econômica, tais como os serviços de transportes, energias elétrica, telecomunicações, entre outros. Os serviços públicos sociais são aqueles que atendem as necessidades coletivas em que a atuação do Estado é essencial, mas que convivem com a iniciativa privada, são exemplos os serviços de saúde, educação, previdência, cultura, meio ambiente. Estes serviços estão elencados no capítulo da ordem social da Constituição Federal e objetivam atender aos direitos sociais do homem, considerados direitos fundamentais pelo artigo 6º. da Constituição.14 Outra proposta de classificação diz respeito à maneira como os serviços públicos concorrem para satisfazerem aos interesses sociais, e desta forma podem ser classificados como: uti singuli e uti universi. São considerados serviços públicos uti singuli aqueles que têm por finalidade a satisfação individual e direta das necessidades dos cidadãos. Estes serviços são prestados a todos os indivíduos, mas com possibilidade de identificação e individualização dos beneficiados, efetivos ou potenciais. Já os serviços considerados uti universi são aqueles prestados à coletividade, mas usufruídos apenas indiretamente pelos indivíduos, como por exemplo a defesa do território contra o inimigo externo. Por fim, mais um critério de classificação considera a exclusividade ou não do Poder Público na prestação do serviço, neste caso são considerados serviços públicos exclusivos ou não exclusivos do Estado. São considerados exclusivos, os serviços como o serviço postal e o correio nacional, os serviços de telecomunicações, entre outros. Já os serviços considerados não exclusivos são aqueles que podem ser executados pelo Estado ou pelo particular, através de autorização do Poder Público, como os serviços de saúde, previdência social, assistência social e educação. Destarte, os serviços públicos constituem-se em atividades essenciais disponibilizadas à sociedade, prestadas direta ou indiretamente pelo Estado, devendo, em qualquer das hipóteses, observar os princípios inerentes à atividade estatal. 1.2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ADMINISTRAÇÃO PRIVADA E A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA No início da análise do instituto da parceria público-privada, faz-se necessária a 14 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.111. 22 apreciação comparativa dos segmentos da Administração Pública e da Administração Privada. Encontra-se superada a clássica dicotomia do Direito Público versus Direito Privado existente no ordenamento jurídico pátrio, advinda do Direito Romano, com respeito ao conceito técnico, tendo em vista a nova realidade jurídica advinda com o fenômeno das PPPs. Carlos Ari Sundfeld resume a divisão tradicional e afirma que a doutrina propôs diversos critérios para diferenciar os dois grandes ramos do Direito. Entre os critérios utilizados pela doutrina, dois prevalecem: o do sujeito e o do interesse. Em relação ao sujeito, o autor dispõe “[...] o direito público é aquele que tem por sujeito o Estado, enquanto o privado é o que rege a vida dos particulares [...].”15 E em relação ao interesse, “seriam públicas as normas que tutelam interesses públicos, e privadas as normas que regulam interesses privados.”16 Ocorre que esta distinção não permite uma diferenciação perfeita dos segmentos e, ainda, não possui muitos efeitos úteis juridicamente. Esta separação é uma versão formal e, como não há critérios “mágicos” de separação dos dois segmentos, é necessário que se compreenda o regime jurídico de cada situação. Assim, bem público, relação de direito público, pessoa de direito público, interesse público e obrigação de direito público se distinguirão de seus correspondentes no direito privado pelo fato de se submeterem ao regime jurídico de direito público.17 Desta forma, pode-se afirmar que é necessária a análise dos regimes jurídicos de cada atividade a ser implementada, seja de Direito Público ou de Direito Privado. Os regimes jurídicos do Direito estão intimamente ligados aos princípios norteadores de cada área. A realidade trazida com as parcerias público-privadas rompe a summa divisio tradicional, e nos remete à releitura de uma summa divisio constitucionalizada. A nova summa divisio constitucionalizada no País é Direito Individual e Direito Coletivo. Trata-se de summa divisio constitucionalizada relativizada, pois no topo encontra-se o Direito Constitucional, representado pelo seu objeto formal, a Constituição, composta tanto de normas de Direito Individual, quanto de normas de Direito Coletivo.18 O critério clássico da divisão do Direito Público e do Direito Privado partilha os segmentos como distintos e seus elementos não se comunicam; porém, a superação da divisão 15 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.139. Op. cit., p.140. 17 Op. cit., p.142. 18 ALMEIDA, Gregório Assagra de apud FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; SERVA, Fernanda Mesquita; OLIVEIRA, Gisele Lopes de. A principiologia social do direito negocial contemporâneo. Disponível em: http://www.diritto.it/docs/30843-a-principiologia-social-do-direito-negocial-contemporaneo. Acesso em: 10 fev. 2011. 16 23 tradicional do Direito Público e do Direito Privado aproxima o individual (empresa privada) e o coletivo (o Estado). Veja os ensinamentos de Jorge Miranda: A unidade jurídica que o Estado constitui pode exprimir-se com recurso à noção de pessoa coletiva, distinta de cada uma das pessoas jurídicas que compõem a comunidade e dos próprios governantes e suscetível de entrar em relações jurídicas com outras entidades, tanto no domínio do Direito interno como no do Direito internacional, tanto sob a veste do Direito público como sob a do Direito privado.19 O Estado visto como pessoa coletiva rompe definitivamente a divisão “marcada” entre os ramos do Direito. A partir desta nova concepção, os princípios constitucionais norteadores das parcerias público-privadas devem ser aplicados de forma igualitária e justa entre os contratantes. Diante do exposto, constata-se que a summa divisio atual rompe a estrutura da divisão clássica entre os segmentos de Direito Público e Direito Privado, condicionando a possibilidade do instituto da parceria público-privada. 1.2.1 Os princípios norteadores dos contratos de parcerias público-privadas Os princípios administrativos estão constitucionalizados e, nesta perspectiva, segue a abordagem dos princípios constitucionais indispensáveis ao estudo da temática. É interessante lembrar que a presente análise dos princípios não tem a intenção de esgotar o cardápio principiológico; portanto, o estudo apresenta a harmonia dos princípios mais relevantes que informam as parcerias público-privadas. Na concepção de Jorge Miranda, os princípios constitucionais são substantivos e adjetivos ou instrumentais, subdistinguindo o primeiro em três grandes categorias: princípios axiológicos fundamentais, que se dispõem pelos limites transcendentais do poder constituinte, via de positivação do Direito natural, por exemplo, o direito de defesa; princípios políticoconstitucionais, que são os limites inerentes do Poder Constituinte, os signos específicos de cada Constituição material diante das demais, refletindo as opções de cada regime, por exemplo, o princípio democrático; e os princípios constitucionais instrumentais, que se constituem na estruturação do sistema constitucional quanto à sua racionalidade e operacionalidade.20 19 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.67. Op.cit., p.299-300. 20 24 Os princípios constitucionais instrumentais são princípios “fundamentalmente construtivos.”21 O estudo das parcerias público-privadas nos remete a uma avaliação relativizada dos princípios constitucionais, uma vez que há nos contratos de parceria dois segmentos teoricamente distintos, porém com objetivos, direitos e deveres comuns. Desta forma, os princípios inerentes às parcerias público-privadas devem ser observados em harmonia na gestão pública e privada. Até o presente momento, a doutrina não apresentou um estudo mais aprofundado da parceria público-privada, no âmbito principiológico que deve compor a releitura da dimensão dos princípios da Administração Pública e da Administração Privada. O princípio constitucional da legalidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, informa que a Administração Pública deve praticar atos determinados em lei; para a Administração Pública, a lei é o seu único parâmetro. O princípio da legalidade é um dos pilares que sustentam a concepção de Estado de Direito e do próprio regime jurídicoadministrativo. Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos, perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e impessoal, a lei, editada pelo Poder Legislativo – que é o colégio representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social – garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização da vontade geral.22 Desta forma, depreende-se que o ordenamento brasileiro não permite juridicamente qualquer possibilidade de edição de decretos ou regulamentos “autônomos” ou sem previsão legal. O princípio da autonomia da vontade das partes, presente nas questões de Direito Privado, autoriza os particulares a atuarem na maneira que lhes couber, desde que não haja proibição legal de seus atos. Veja o artigo 5o, II, da Constituição Federal, in verbis: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”23 Há de se destacar, portanto, que o próprio princípio da autonomia da vontade, norteador do Direito Privado, encontra-se em modificação, frente às novas concepções do Estado contemporâneo. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira e Cristiano de Souza Mazzeto ponderam a questão: 21 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.300. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.100 23 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 22 25 A transcendência de valores conduz à transcendência de conceitos. Alguns conceitos jurídicos assumem a face de sentenças de mármore. São perpetuados em sua rigidez e então congelam. Foi assim com a autonomia privada tida como poder absoluto do indivíduo para contratar. De fato, somente movimentos vigorosos e em conjunto, conseguem promover a ruptura com o velho paradigma para deixar entrar o novo. A autonomia privada, redefinida, assume expressão limitada, em conformidade com a necessidade de conduzir as relações contratuais ao plano do equilíbrio indispensável em razão do perfil negocial socializado.24 Assim, os autores demonstram a superação do congelamento dos conceitos jurídicos em um novo Estado democrático de Direito, em que não se permite o desequilíbrio contratual, frente a uma legislação estática. O princípio da autonomia da vontade encontra-se relativizado, como tantos outros, redefinindo uma composição de normas do país. O princípio da moralidade administrativa, previsto expressamente pelo artigo 37 da Constituição Federal, dispõe que a Administração Pública e seus servidores devem ter seus atos pautados pelos padrões éticos de conduta. Caso haja violação deste princípio, os atos, além de imorais, serão considerados inválidos para todos os fins de direito. Em relação à infração do princípio, Mello dispõe: “[...] Violá-los implicará violação ao próprio direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação [...].”25 O princípio da boa-fé objetiva se estende a todo o ordenamento jurídico, indicando normas aos contratos. O artigo 422 do Código Civil dispõe: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”26 O principio da boa-fé compreende o significado de cláusula geral, e neste sentido Judith Martins Costa afirma: A cláusula geral constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, de forma proposital, uma linguagem de tessitura ‘aberta’, ‘fluida’ ou ‘vaga’. Esta disposição é dirigida ao juiz que diante do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, que poderá fazer uso de elementos que estejam fora do sistema, o que evidencia a importância da fundamentação das decisões.27 O princípio da boa-fé sugere o equilíbrio contratual entre as partes, em todos os aspectos contratuais. 24 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; MAZETTO, Cristiano de Souza. Constitucionalização do Negócio Jurídico e Ordem Econômica. In: Argumentum – Revista de Direito da Universidade de Marília. v. 5. Marília: UNIMAR, 2005, p.83. 25 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.119. 26 BRASIL, Código Civil. 54. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 27 MARTINS COSTA, Judith. Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 26 Já o princípio da função social orienta os contratos para que estes não se tornem apenas instrumentos de circulação de riquezas, mas também de desenvolvimento social, devendo ser, portanto, expressão da racionalidade negocial contemporânea, voltado para a democratização em atendimento à indispensável sustentabilidade das atividades jurídicas. O princípio da função social potencializa o equilíbrio dos pactos em direção à summa divisio constitucionalizada, reorientando interesses individuais e interesses coletivos, viabilizando uma outra condição hermenêutica em relação à atividade judicial definida pela metódica civil-constitucional. O princípio da função social define, a um só tempo, limites e possibilidades tanto em relação à autonomia privada, quanto em relação à manifestação de vontade.28 Mais um importante princípio para o tema diz respeito ao princípio tradicional do direito administrativo, que é do princípio da preponderância do interesse público sobre o interesse do particular. A expressão “interesse público” pode ser associada ao bem de toda a coletividade. Odete Medauar indica a mudança do perfil deste tradicional princípio: [...] Mas vem sendo matizado pela ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação de interesses, com a minimização de sacrifícios.29 Nas parcerias público-privadas, o princípio da preponderância do interesse público sobre o particular deve ser analisado também de forma relativizada, com o objetivo de dispor parâmetros justos entre as partes contratuais. Em conjunto com o princípio da preponderância do interesse público sobre o interesse do particular, verifica-se o princípio da proporcionalidade, que determina que medidas adotadas pelos entes da Administração Pública devem ser proporcionais. “O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito, pois implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na obtenção de um resultado.”30 O princípio da livre concorrência, estabelecido na Constituição Federal, pressupõe uma economia de mercado dinamizada pelo modelo concorrencial, com ações efetivas do Estado, seja como agente regulador ou como agente direto da atividade econômica, como nos casos das parcerias público-privadas. Nos contratos de parcerias público-privadas, o princípio da livre concorrência busca um equilíbrio formal e material entre as partes. 28 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; SERVA, Fernanda Mesquita; OLIVEIRA, Gisele Lopes de. A principiologia social do direito negocial contemporâneo. Disponível em: http://www.diritto.it/docs/30843-aprincipiologia-social-do-direito-negocial-contemporaneo. Acesso em: 10 fev. 2011, p.5. 29 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.134 30 Op.cit., p.134. 27 O princípio da livre iniciativa se traduz também pelo ideal de liberdade econômica de um país. A afirmação deste princípio sugere o reconhecimento de uma ordem jurídica segura à coletividade na livre escolha das suas atividades econômicas e a atuação do Estado na economia restrita, com o escopo de garantir uma ordem econômica justa. Os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência caminham juntos, pois efetivam a liberdade de produção no mercado de trabalho aos indivíduos, em todo o sistema econômico. Estes princípios sustentam a ideologia de um país neoliberalista e garantem o desenvolvimento da economia de mercado. O princípio da eficiência foi acrescentado expressamente na Constituição Federal, durante a Reforma Administrativa, em 1998. Porém, antes mesmo do seu advento constitucional expresso, verifica-se tal princípio constante na Lei Orgânica do Município de São Paulo, no artigo 123, que dispõe que os serviços públicos constituem dever do Município, garantindo aos usuários, a sua prestação compatível com sua dignidade humana, com eficiência, regularidade, pontualidade, uniformidade, conforto e segurança, sem distinção de qualquer espécie; e na Lei Federal das Concessões e Permissões, que dispõe em seu artigo 6o que o serviço adequado é aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas. O princípio da eficiência determina que a Administração deve agir de modo rápido e preciso, a fim de atingir os interesses da coletividade. “Eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão – características habituais da Administração Pública brasileira, com raras exceções.”31 Um dos pilares que orientam as parcerias público-privadas é a busca pela eficiência encontrada na gestão privada. Portanto, este deve ser um princípio sustentador de qualquer objeto de PPP. As parcerias público-privadas são contratos administrativos que necessariamente devem estar norteados pelos princípios administrativos constitucionais, e os parceiros envolvidos devem aplicá-los, a fim de alcançar a administração plena das PPPs. 1.2.2 O perfil contemporâneo da parceria público-privada 31 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.133134. 28 A aplicação das parcerias público-privadas se fundamenta em dois grandes pilares: a falta de disponibilidade de recursos públicos financeiros e o aproveitamento da eficiência de gestão do setor privado. Nos contratos de parcerias público-privadas, a Administração Pública e a Administração Privada são colocadas lado a lado, a fim de atender as exigências do contrato e a finalidade da parceria. Peter Pfeiffer, citado por João Pinheiro de Barros Neto,32 desenvolveu uma tabela com as principais diferenças entre o público e o privado. Veja: Empresa privada -Limitada a determinados produtos e/ou serviços -Definida pela direção ou pelos proprietários Missão Visão -Baseada na missão e na análise do ambiente -Coerente com as próprias possibilidades Organização -Funcional -Linhas claras de decisão -Relativamente simples -Limitada ao campo de operação da empresa -Relação definida através de compra ou contrato -Realizar lucro -Cumprir missão Clientela Propósito atuação de Forma de atuação 32 -Tem de ser eficiente -Dinâmica Setor público -Ampla e não específica (muitas vezes implicitamente subentendida e não explicitamente definida) -Obrigatória na base de um mandato -Determinada pela política -Ampla e não específica -Muitas vezes incoerente com os recursos disponíveis -Parcialmente funcional -Superposição de funções e política -Complexa -Ampla e diversificada -Relações mal definidas -“Cliente” não visto como tal -Servir ao público -Servir à política informalmente -Não precisa ser eficiente -Geralmente lenta e burocrática PFEIFFER, Peter apud NETO, João Pinheiro de Barros. Parcerias público-privadas: um enfoque gerencial. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP Editora, 2006, p.114. 29 Após análise da tabela, observa-se que a Administração Pública e a iniciativa privada, ao celebrarem contratos de parcerias, devem orientar as cláusulas contratuais com linhas de atuação mais eficientes de cada setor, com o intuito de oferecer ao cliente um serviço público de qualidade. A lentidão, a burocracia e a ingerência políticas tão próprias da Administração Estatal devem ser superadas com as parcerias público-privadas, pois este instituto tem a finalidade de atender potencialmente os interesses públicos e privados de forma concomitante. Francisco Lacombe nos traz a ideia da desburocratização. Note: Desburocratização significa: 1.reduzir custos com procedimentos, papéis e atividades inúteis; 2.reduzir controles cujo custo seja superior ao custo do que é controlado; 3.melhorar o atendimento aos usuários ou consumidores; 4.proporcionar aos funcionários a oportunidade de desenvolverem sua iniciativa e criatividade; 5.agilizar o processo administrativo, pela descentralização de autoridade.33 A partir disso, pode-se dizer que desburocratizar significa encontrar meios efetivos de administração. A ideia de desburocratização está atrelada ao resultado planejado e, posteriormente, atingido. As parcerias público-privadas, apesar de quase uma década da existência da Lei Federal no. 11.079/2004, ainda estão em fase de aperfeiçoamento. O novo perfil gerencial deve ser consolidado pelas PPPs. Reengenharia é o repensar fundamental e a reestruturação radical dos processos empresariais que visam a alcançar drásticas melhorias em indicadores críticos de desempenho, como custos, qualidade, atendimento e velocidade.34 A afirmação de Lacombe a respeito da necessidade da reengenharia empresarial nos parece bastante familiar quando nos remetemos ao “por que” da busca do parceiro privado na gestão pública, que aparece com os mesmos propósitos: avaliação de desempenhos, diminuição de custo, o aumento de qualidade, atendimento eficaz e prazo adequado. É possível, então, afirmar que as parcerias público-privadas passam pelo processo de reengenharia, embasado pelos princípios da Administração Privada. Este novo perfil de contrato consolida as PPPs. 1.3 ANÁLISE COMPARATIVA COM O BRASIL 33 LACOMBE, Francisco. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Saraiva, 2009, p.249. Op.cit., p.267. 34 30 O legislador brasileiro, ao redigir as normas gerais para licitação e contratação das parcerias público-privadas no Brasil, rendeu-se mais uma vez ao direito estrangeiro. E neste sentido Maria Sylvia afirma que “o legislador brasileiro baixa normas sob a inspiração do direito estrangeiro, seja do sistema da common law (já que a parceria público-privada teve origem no direito inglês), seja no direito comunitário europeu, onde o instituto vem sendo também adotado, sem que haja um modelo único para parcerias.”35 A história da parceria público-privada está intimamente ligada às reformas de Governo em todo o mundo, na busca de maior atratividade para o setor privado em setores carentes de investimentos públicos. As primeiras experiências internacionais de parceria público-privada foram na Europa, mais precisamente no Reino Unido, onde a parceria surgiu como um resultado de uma reforma de gestão pública da prestação dos serviços de utilidade pública e, ainda, tendo em vista os crescentes déficits públicos aliados à ideia de potencializar sinergias e economias com a utilização da expertise da iniciativa privada. Verificou-se que a utilização desse tipo de parceria, em detrimento das formas tradicionais de contratação e prestação de serviços públicos, proporcionaria ganhos significativos para a sociedade em termos de qualidade dos serviços e eficiência de recursos.36 A versão inglesa das parcerias- a private finance initiative (PFI)- nasceu em 1992, por iniciativa do gabinete conservador de John Major, com o objetivo de estimular empreendimentos conjuntos, envolvendo os setores públicos e privados em um contexto de implementação da agenda liberal de Margareth Thatcher. A PFI foi, àquela altura, definida como um conjunto de ações para aumentar a participação do capital privado na prestação de serviços públicos.37 As principais semelhanças entre a Inglaterra e o Brasil encontram-se no quadro das reformas estruturais que precederam e sustentaram a adoção do modelo de parceria públicoprivada. O momento histórico marcado por estratégias de desestatização, de regulação e de flexibilização da gestão pública, assim como as mudanças no contexto jurídico nos dois países criaram um ambiente propício à adoção das parcerias público-privadas, como mais uma tática de atração de setor privado em setores tradicionalmente de domínio público. 35 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo:Atlas, 2009, p.143. 36 SHINOHARA, Daniel Yoshio; SAVOIA, José Roberto Ferrreira. Parcerias Público-Privadas no Brasil. Barueri, SP: Manole, 2008, p.11. 37 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.50. 31 Os dois princípios centrais para a PFI eram: o setor privado deveria assumir genuinamente o risco do projeto, sem garantia contra o prejuízo, bem como deveria estar demonstrada a observância do imperativo de good value for money.38 A private finance iniciative, como o modelo brasileiro, pode ser considerada uma forma de assegurar grandes investimentos de capital, sem o recurso imediato dos cofres públicos. O programa private finance iniciative aproxima-se do projeto brasileiro das parcerias público-privadas, pois é um programa de “iniciativa para o financiamento privado.” Antes de ser uma forma genérica de contratação, é um programa de governo que visa encorajar a realização de obras e a gestão de serviços públicos mediante o apoio de financiamento privado. No direito inglês, existem muitos modelos contratuais de private finance iniciative permitidos, impedindo uma classificação simples. Em termos de tipo contratual, fundamentalmente destacam-se três tipos de projetos na categoria das PFIs: projeto do tipo free-standing, joint ventures (JV) e projetos envolvendo serviços vendidos ao setor público.39 Os projetos do tipo free-standing, como a ponte Queen Elizabeth II, tratam de projetos autossustentáveis em termos de geração de receita. Em um modelo free-standing, o Governo fornece o planejamento inicial e suas diretrizes, bem como o arcabouço jurídico-normativo.40 O projeto do tipo free-standing inglês corresponde à concessão tradicional no direito brasileiro. O modelo joint ventures é feito por projetos em que o setor público e privado participam conjuntamente, mas nos quais o setor privado possui o controle dos procedimentos e das decisões relevantes. São requisitos para joint venture em uma PFI: a) a escolha do parceiro privado é feita por meio de concorrência, b) o controle da JV fica com o setor privado, e c) a contribuição do Governo deve ser claramente limitada e definida, bem como a alocação de custos, retornos e riscos, sendo a responsabilidade por estes últimos, mais uma vez, do setor privado.41 Já a terceira classificação refere-se a dos serviços vendidos ao setor público, como os tratamentos hospitalares, acompanhamento de idosos, entre outros serviços.42 38 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.54. 39 Op. cit., p.55. 40 Op.cit., p.55. 41 Op.cit, p.56. 42 Op. cit., p.57. 32 Desta forma, diferentemente do modelo brasileiro, o conceito das parcerias públicoprivadas inglesas permite que qualquer colaboração estabelecida entre organizações públicas e empresas privadas seja classificada como parceria. “No Reino Unido, as PPPs têm sido usadas para financiar todo tipo de projeto, não estando limitadas apenas a mega-projetos, tais como de transportes e de grandes infraestruturas.”43 Em 1997, o programa inglês de parcerias foi impulsionado pelo governo trabalhista Blair, aprofundando e renomeando-o como Public Private Partnership (PPP). Seu objetivo era mudar a forma de contratação de serviços de utilidade pública, introduzindo uma mentalidade de compra de serviços em vez de compra de obras.44 As alternativas de financiamentos dos projetos era o centro da questão; porém, o objetivo maior passou a ser a eficiência na contratação de serviços públicos. Em relação à auditoria dos contratos, os contratos referentes às parcerias britânicas são regularmente avaliados e auditados pelo Tesouro e pelo National Audit Office. O Nacional Audit Office é uma instituição independente do Governo, ligada ao Parlamento. Duas autoridades governamentais estão diretamente envolvidas no monitoramento das PPPs britânicas: o Tesouro (e, mais diretamente, sua força-tarefa especializada em PPP) e o National Audit Office (NAO), que audita as contas dos entes públicos. O NAO adota um procedimento objetivo com a finalidade de verificar a conveniência e a adequação do projeto que se apresenta sob forma de PFI desde uma série de aspectos operacionais e técnicos, opinando favoravelmente a ele ou não.45 Em relação ao modelo brasileiro, os contratos das parcerias público-privadas são monitorados pelo Tribunal de Contas da União. “Compete ao TCU acompanhar o processo de contratação das PPPs, desde o seu início até o seu término, com o intuito de conferir-lhe maior legitimidade e eficiência.”46 O modelo de parceria público-privada do Brasil importou, pelo menos em termos retóricos, três conceitos-chave do modelo inglês: o aumento de value for money; a transferência de riscos para o setor privado e a avaliação por resultado dos contratos. Todavia, apesar a importação dos conceitos para a legislação brasileira, é fato que a diferença substancial entre os países refere-se à falta de sustentabilidade e à reduzida potencialidade de aplicação do modelo no Brasil. 43 RITCHIE, Daniel. As PPPs no contexto internacional. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol, ANDRADE, Rogério Emilio de (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.15. 44 SHINOHARA, Daniel Yoshio. SAVOIA, José Roberto Ferreira. Parcerias Público- Privadas no Brasil. Barueri: Manole, 2008, p.12. 45 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.56. 46 ZYMLER, Benjamin; ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O controle externo das concessões de serviços públicos e das parcerias público-privadas. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.341. 33 Por sorte, o Brasil continua rendendo-se ao governo inglês, em busca de aperfeiçoamento para o nosso modelo. Recentemente, o coordenador das PPPs do nosso Governo Federal, Isaac Averbuch, visitou Londres e participou do “Workshop Parcerias Público-Privadas na área de Defesa” e, em entrevista, ressaltou a importância da experiência inglesa nas questões referentes às PPPs: O Reino Unido é o país que tem mais tradição e possui o maior repertório de experiências em PPP, no mundo. Agora estamos indo lá para conhecer alguns dos projetos desenvolvidos pelos ingleses na área de defesa, onde já existem muitos projetos em operação [...]. Alguns projetos que poderiam utilizar PPPs estão sendo discutidos no âmbito do Exército e o objetivo da viagem a Londres é conhecer melhor essas experiências para subsidiar as decisões e utilizar esses conhecimentos para fazer adaptações à realidade brasileira.47 Com base nas experiências positivas inglesas e de outros países de sucesso, o Brasil tem buscado o aperfeiçoamento do nosso modelo. Em relação ao modelo norte-americano, historicamente os Estados Unidos sempre presenciaram um relacionamento de interdependência entre os setores públicos e os setores privados. A iniciativa privada sempre esteve presente na vida do cidadão norte-americano. Diferentemente do caso inglês, as parcerias público-privadas norte-americanas vêm sendo utilizadas, há muito tempo, na prestação de serviços públicos e não somente na construção de infraestrutura. A utilização das parcerias nos serviços sociais é visivelmente intensa. [...] Esse tipo de relacionamento, de profunda interdependência, entre o Poder Público e operadores privados não necessariamente voltados para o lucro traduz uma concepção particular de parceria e, mais que isso, um tipo único de Estado de Bem- Estar e economia política.48 As parcerias público-privadas norte-americanas traduzem-se na questão política e do sistema de bem-estar dos Estados Unidos; em relação aos serviços sociais, a associação voluntária dos cidadãos antecedeu inclusive a organização do próprio Estado. Verifica-se a presença maciça das organizações não governamentais ou não lucrativas na prestação de serviços que, originalmente, deveriam ser prestados pelo poder público, como, por exemplo, educação e saúde. Na realidade, as organizações não lucrativas, setor chamado non-profit, desempenham um papel voltado para a satisfação de necessidades públicas tidas como não abrangidas pelo escopo de atuação do Estado e das empresas. 47 Notícias. Gov. Especialistas vão conhecer experiências inglesas de PPP em defesa. Disponível em: www.planejamento.gov.br/ noticia.asp? p=not&cod=6695 &cat= 165 &sec=1. Acesso em: 15 jan. 2011. 48 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.58. 34 Nos casos dos serviços públicos, o governo norte-americano e as organizações não governamentais assinam o contrato de parceria público-privada, os purchase-of-services contracts, que possibilitam ao administrador público remunerar o parceiro privado pelos serviços prestados à população. Em relação às áreas de construção e infraestrutura, os Estados Unidos também avançam significativamente. Atualmente, as parcerias mais relevantes são utilizadas nos setores de habitação e desenvolvimento urbano, de transporte e de água e saneamento. Uma pesquisa realizada pelo U.S. Council of State Governments revelou que os estados norte-americanos recorrem às parcerias com o setor privado devido, em ordem de importância, à redução de custos, à ausência de mão-de-obra especializada no setor público e à expertise do setor privado, à falta de suporte e apoio do Governo, ao excesso de procedimentos burocráticos, à necessidade de implementação rápida de projetos e de inovação e qualidade nos serviços. 49 Os Estados Unidos se mostram “abertos” às parcerias com a iniciativa privada, abrangendo várias modalidades de parcerias. Parcerias público-privadas são uma opção importante que pode ser utilizada em tempos de incerteza econômica e em períodos de prosperidade. Existe um nexo entre as necessidades do setor público e objetivos do setor privado. Governos locais e estaduais, particularmente de hoje, presentes em um desafio de tempos econômicos, precisam encontrar formas inovadoras para melhorar a infra-estrutura que faz sentido para o contribuinte. (Doug Domenech, Secretário de recursos naturais da República das duas nações de Virgini).50 A verdade é que o governo norte-americano realmente acredita nos seus parceiros privados e estes representam prosperidade para o país. O resultado da amplitude de contratos de parcerias da Administração Pública com a iniciativa privada é um Estado norte-americano pequeno, que constantemente se relaciona com o particular, a fim de proporcionar uma satisfação da coletividade em relação aos serviços públicos prestados e às obras de construção e expansão de infraestrutura. Em relação a Portugal, o país apresenta a menor renda per capita da zona do Euro da Europa, e recentemente vem adotando políticas públicas com o objetivo de reduzir o déficit orçamentário do governo. Em 2002, foi implantada uma reforma jurídico-institucional, com o 49 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007,p.62-63. 50 Public private partnerships are an important option that can be utilized in times of economic uncertainty and in periods of prosperity. There is a nexus between the public sector’s needs and the private sector’s goals. Local and state governments, particularly in today’s challenging economic times, need to find innovative ways to improve infrastructure that makes sense to the taxpayer. (Doug Domenech, Secretary of Natural Resource of the Commonwealth of Virgini). Disponível em http://www.ncppp.org/index.shtml. Acesso em: 09 dez. 2010. 35 objetivo de racionalizar a Administração Pública. O momento foi marcado pela extinção e reorganização de uma série de órgãos públicos.51 Porém, antes desse momento de reforma, as parcerias público-privadas portuguesas já haviam sido iniciadas. “A primeira PPP, no início da década de 90 do século passado, foi a construção da ponte “Vasco da Gama”, sobre o Tejo, uma das maiores do mundo.”52 Em Portugal, a implantação do programa de parceria do governo e a iniciativa privada também estão baseadas no excessivo “peso” do Estado e seu elevado endividamento. A falta de qualidade na prestação do serviço público por parte do Estado e a necessidade da eficiência na prestação dos serviços prestados aos cidadãos, igualmente, são fundamentos das PPPs. A legislação portuguesa dispõe que a parceria público-privada é um contrato ou a união de contratos, por via dos quais os parceiros privados se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade, com fulcro na satisfação de uma coletividade, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração serão, no todo ou em parte, do parceiro privado. A partir de 1997, as parcerias público-privadas portuguesas avançaram muito, fundamentalmente quanto às concessões no setor rodoviário. Porém, também se encontra no modelo contratual de parceria público-privada a construção de hospitais, escolas, entre outros segmentos. A construção da segunda pista na ponte sobre o Tejo é resultado de uma parceria público-privada, com um custo elevadíssimo, algo em torno de U$ 960 milhões. Uma parte dessa parceria está inserida na remuneração tipo “SCUT” (Sem Custo para o Usuário), O “SCUT” é uma característica particular das parcerias público-privadas portuguesas. [...] A particularidade do programa SCUT português diz respeito à forma de financiamento e remuneração do capital privado: adotou-se o chamado “pedágio-sombra” (shadow toll), em que o operador da estrada é remunerado pelo Poder Público (e não pelo usuário final) com base no número de veículos que utilizam a rodovia. Dos 1.800 km de rodovias portuguesas, dois terços têm pedágios (real toll) e um terço funciona sem pedágios, no modelo shadow toll [...].53 O modelo shadow toll sugere o investimento do setor privado no início da obra, e posteriormente, o governo paga contratualmente o investimento com verba pública, mediante o fluxo de veículos da rodovia. A grande crítica por este modelo de parceria consiste na impossibilidade de sustentação por muitos anos, pois há a possibilidade de um desequilíbrio 51 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.73-74. 52 Op.cit., p.74. 53 Op.cit., p.75. 36 fiscal enorme no governo português, tendo em vista os encargos financeiros que certamente restarão insustentáveis. E em razão da insustentabilidade financeira do projeto “SCUT”, o governo português mostra-se disposto a transformar o acesso às rodovias, com pedágios. Coutinho propõe alguns problemas ocorridos na experiência portuguesa para servir como lições para experiências nacionais: Atrasos, adiamentos e postergação do lançamento de obras públicas, excessivo impacto orçamentário, gastos governamentais imprevistos com as concessões, procedimentos excessivamente burocráticos (incluindo, especialmente, a obtenção de licenças ambientais e relativas ao patrimônio histórico), compartilhamento insuficiente e impreciso de riscos, necessidade de aumento no grau de rivalidade na obtenção das concessões (na fase de licitação) e de incrementar a redução, gestão e solução de controvérsias envolvendo os contratos e, sobretudo, a necessidade de reflexão sobre o desenho e a arquitetura dos projetos como um todo são exemplos de problemas e imperativos com que se defronta Portugal, no momento.54 O governo português tem anunciando mudanças institucionais, com a finalidade de extinguir os aspectos negativos das parcerias público-privadas implantadas no país. Uma mudança foi a criação de unidades gestoras de PPPs, ligadas ao Ministério da Fazenda, com a função de coletar, analisar e difundir informações, prover a expertise técnica para projetos, avaliar licitações e seus editais; além disso, essas unidades têm autonomia para negociar com os gestores privados.55 O mais importante é que Portugal presencia momentos de mudanças, a fim de alcançar o sucesso na implantação e gestão dos contratos de PPPs. As experiências chilenas com as parcerias público-privadas tiveram início em 1993, com incentivo do Ministério de Obras Públicas do Estado. Nesse período, o setor privado foi estimulado a investir na infraestrutura do país. Tendo em vista a necessidade de superar as deficiências em infra-estrutura do país, o programa chileno de PPP definiu três linhas de ação principais: infra-estrutura para integração social, infra-estrutura para a integração internacional e infra-estrutura para o desenvolvimento produtivo.56 O Governo chileno necessitava de investimentos privados por causa da falta de infraestrutura do país; o programa de parceria tinha a finalidade de reconstruir o país, que estava em pleno desenvolvimento. “Por ser pioneiro com relação a profundas reformas 54 COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais. In SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.76. 55 Op. cit., p.77. 56 SHINOHARA, Daniel Yoshio; SAVOIA, José Roberto Ferrreira. Parcerias Público-Privadas no Brasil. Barueri: Manole, 2008, p.13. 37 voltadas ao mercado latino, o Chile serve de referência para as nações interessadas em utilizar as parcerias público-privadas para garantir seu processo de desenvolvimento.”57 Em consonância com a tradição latino-americana, o modelo chileno segue o perfil das concessões, que garante a construção do empreendimento pela iniciativa privada, recuperando seu investimento em um período de tempo; posteriormente, a concessão é extinta e o projeto é expropriado pelo governo. Assim, verifica-se que as parcerias público-privadas são aplicadas de acordo com o país, com sua cultura e sua legislação. No Brasil, os projetos que envolvem as PPPs aumentam a cada ano e atualmente, verifica-se a incidência neste modelo contratual diretamente ligado a serviços públicos, como saúde e educação, sendo que antes estavam mais restritos à questão de infraestrutura. A forma de atuação do Estado se modifica com os períodos histórico-sociais, assim como a intensidade das parcerias entre a iniciativa privada e a Administração Pública também se altera no decorrer das décadas, até os dias atuais. 57 BARROS, Cleyton Miranda. Parcerias Público-Privadas: Um Breve Estudo sobre a Experiência internacional Recente. Disponível em: < http://www. azevedosette.com.br/ppp/download/artigos/breve_ estudo.doc>. Acesso em: 20 dez. 2010,p.1. 38 2 A EVOLUÇÃO DO ESTADO E A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA Primeiramente, faz-se necessária uma abordagem historicista acerca da evolução do Estado, com o escopo de observar as diferenças na postura estatal, principalmente em relação à intervenção do Estado na economia e, consequentemente, estudar os fenômenos da publicização e da despublicização (desestatização), resgatando o advento do instituto formalizado, conhecido como parceria público-privada. João Ribeiro Junior expressa a origem do Estado como uma organização política da sociedade: [...] É uma criação necessária da exigência de coexistência e cooperação entre os homens, que não pode realizar-se, de modo satisfatório, se o grupo social não se organiza sob uma autoridade, reconhecida por todos e com força de impor-se. Esta autoridade dá ao grupo o ordenamento jurídico indispensável para realizar a convivência pacífica e a atuação dos fins coletivos, garantindo, ainda que coativamente, a observância daquele ordenamento.58 Em relação aos modelos de Estado, Paulo Bonavides, supõe a sequência: Primeiro, o Estado liberal; a seguir, o Estado socialista; depois, o Estado social das Constituições pragmáticas, assim batizadas ou caracterizadas pelo teor abstrato e bem-intencionado de suas declarações de direitos; e de último, o Estado social dos direitos fundamentais, este, sim, por inteiro capacitado da juridicidade e da concreção dos preceitos e regras que garantem estes direitos.59 O estudo historicista iniciará do Estado Antigo, com o objetivo de apresentar o surgimento do Estado Liberal; portanto, as “formas estatais pré-modernas” serão abordadas de maneira sucinta, com o objetivo apenas de demonstrar a passagem do medieval ao moderno. 2.1 A TRANSIÇÃO DAS FORMAS ESTATAIS PRÉ-MODERNAS O Estado Oriental, ou Teocrático, caracteriza-se por “uma forma estatal definida entre as antigas civilizações do Oriente ou do Mediterrâneo, onde a família, a religião, o Estado e a organização econômica formavam um conjunto confuso, sem diferenciação aparente. Em consequência, não se distingue o pensamento político da religião, da moral, da filosofia ou de doutrinas econômicas.”60 58 RIBEIRO JUNIOR, João. Curso de teoria geral do Estado. São Paulo: Acadêmica, 1995, p.113. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.29. 60 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.23. 59 39 Características fundamentais do Estado Oriental são: a natureza unitária, inexistindo qualquer divisão interior ou territorial ou ainda de funções e a religiosidade, que está intimamente ligada ao Estado, sendo a autoridade do governante e as normas de comportamento tidas como expressão de um poder divino.61 O Estado Grego é marcado por uma participação efetiva de uma elite nas decisões do Estado nos assuntos públicos. As Cidades-Estado eram detentoras de soberania e autonomia administrativa e legislativa. A Pólis para Aristóteles era “um tipo de associação, e toda associação é estabelecida tendo em vista algum bem (pois os homens sempre agem visando a algo que consideram ser um bem).”62 Já o Estado Romano teve início com um pequeno agrupamento humano constituído pela cidade, a civitas, formada por famílias e tribos, que constituíam “as gentes”. A Civitas Romana tinha como características: uma base familiar de organização, a noção de povo restrita, compreendendo uma faixa estreita da população e os magistrados como governantes superiores.63 Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais conceituam as características das demais formas estatais da antiguidade: a) não eram Estados nacionais, ou seja o povo não estava ligado por tradições, lembranças, costumes, línguas e cultura, mas por produtos de guerra e conquistas; b) modelo social baseado na separação rígida das classes e no sistema de castas; c) governos marcados pela autocracia ou por monarquias despóticas e o caráter autoritário e teocrático do poder político; d) sistema econômico (produção rural mercantil) baseado na escravidão; e) profunda influência religiosa.64 A Idade Média, ou o Estado Medieval, surge com a decadência e a destruição do Império Romano do Ocidente, por volta do século V, em decorrência das inúmeras invasões dos povos bárbaros e das péssimas políticas econômicas dos imperadores romanos. O Feudalismo é considerado uma formação social e política que surgiu justamente do esfacelamento do antigo império romano do ocidente. O feudalismo desenvolve-se sob um sistema administrativo e uma organização militar estreitamente ligados à situação patrimonial. Ocorre, principalmente, por três institutos jurídicos: 1º) vassalagem (os proprietários menos poderosos a serviço do senhor feudal em troca da proteção deste); 2º) benefício (contrato entre o senhor feudal e o chefe da família que não tivesse patrimônio, sendo que o servo recebia uma porção de terras para cultivo e 61 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p..23. 62 ARISTÓTELES. A Política. Trad. Pedro Constantin Torres. São Paulo: Martin Claret, 2008, p.53. 63 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.23. 64 Op.cit., p.23. 40 era tratado como parte inseparável da gleba); 3º) imunidade (isenção de tributos às terras sujeitas ao benefício).65 O feudo era considerado uma unidade do sistema político e administrativamente descentralizado e as relações econômicas eram de produção agrícola para consumo imediato. As terras pertenciam aos senhores feudais, mas os trabalhadores podiam ocupar a terra e usufruir dela, pagando taxas sobre produtos e uso da terra e entregando o excedente da produção. Os trabalhadores não eram escravos, mas servos do senhor que os protegia em disputas e guerras. O poder era local e os feudos, uma unidade jurídica autônoma. “O senhor feudal detinha o poder econômico, o político, o militar, o jurídico e o ideológico sobre ‘seus’ servos.”66 O senhor feudal decidia sobre as relações socioeconômicas. A Igreja Católica detinha o monopólio cultural, portanto, havia uma cultura teocêntrica/dogmas. A Igreja era uma instituição proprietária de latifúndios e também era detentora de poderes patrimoniais. Destaque-se que os poderes estavam descentralizados, nas mãos dos feudos, da igreja e dos monarcas. O feudalismo europeu apresentou fases diversas. A primeira fase da era medieval é compreendida entre os séculos V e XI. É o período da “alta idade média”, que termina com a queda do Império Romano devido às invasões bárbaras. Verifica-se, neste tempo, um declínio das atividades produtivas que se depara com o desaparecimento da economia antiga. A partir dessa crise, surge uma forma de organização econômica, social, política e cultural baseada na terra e não no comércio. Este sistema firmou-se na Europa ocidental. O Império Bizantino, o Império Turco, os povos árabes e orientais não conheceram esta forma de organização social. No século X, o sistema ainda estava em formação e os laços feudais eram unidos apenas para os proprietários rurais e os antigos altos funcionários ou ministeriais, administradores da propriedade feudal em nome de um senhor. Dentre estes, destacamos os bailios (tomavam conta de uma propriedade menor) e os senescais (supervisionavam os vários domínios de um mesmo senhor). Entre os camponeses, existiam homens livres, os vilões, com propriedades menores independentes. A monarquia feudal não apresentava a rigidez que caracterizaria o regime monárquico posteriormente e a ética feudal não estava plenamente estabelecida. 65 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.25. 66 Op.cit., p.25. 41 A partir do século XI, o feudalismo entra em transformação: é a chamada “baixa idade média”. Neste momento, a exploração camponesa torna-se intensa, concentrada em certas regiões superpovoadas, deixando áreas extensas de espaços vazios; surgem novas técnicas de cultivo, novas formas de utilização dos animais e das carroças, o que permitiu a produção agrícola garantir um aumento significativo, surgindo, assim, a necessidade de comercialização dos produtos excedentes. Esse renascimento do comércio e o consequente aumento da circulação monetária reabilitam a importância social das cidades e suas comunas. Com as Cruzadas, esboça-se uma abertura para o mundo, quebrando-se o isolamento do feudo. O auge do sistema feudal deu-se no século XII. Verifica-se que, durante algum tempo, coexistiram antagonicamente duas relações econômicas diversas: as relações feudais e a relação capitalista mercantilista, conforme dispõem Lênio Streck e Bolzan Morais: Durante algum tempo, coexistiram dois tipos de relações em realidade pouco compatíveis: uma ordem de relações feudais fixas, em que as pessoas tinham distintos estatutos segundo sua posição de classe, e uma ordem de capitalismo mercantil, em que as pessoas valiam em função do que podiam comprar, independentemente de sua origem social.67 Já nos séculos XIV e XV, período conhecido como “idade média tardia”, o sistema feudal mostrou-se decadente e o crescimento do comércio/mercantilismo deu origem a uma nova classe social: a burguesia. Os grupos sociais deflagram o rompimento das práticas do feudalismo, por vontade de autonomia administrativa dos burgos e comércio com lucro (condenado pela Igreja). Estes grupos começaram a questionar o poder da Igreja. O século XVI é marcado pelo Renascimento, o momento de construção de novas bases sociais, políticas, filosóficas, com o objetivo de superação do período medieval. 2.2 O INÍCIO DO ESTADO MODERNO O Estado Moderno surge a partir do desmoronamento do feudalismo, com a diminuição da Igreja e o enfraquecimento do poder político feudal. Em relação ao surgimento do Estado Moderno, Lenio Luiz Streck e José Luiz Bolzan afirmam que o novo modelo era na forma de dominação baseada na ideia de soberania capaz de assegurar a unidade territorial dos reinos, levando as monarquias absolutistas a se apropriarem dos Estados como senhores absolutos, tal qual o faziam os senhores feudais na era medieval, sustentados na ideia de que o 67 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.26. 42 poder dos reis tinha origem divina, o que lhes garantia o exercício de uma autoridade absoluta.68 O rompimento da ordem feudal e o surgimento do Estado moderno caracterizam-se pela passagem da relação de poder do âmbito privado para a esfera pública. No Estado Moderno, o poder estava centralizado no soberano, sendo sua autoridade considerada divina, associada às considerações teórico-racionais novas que deviam convencer como doutrina.69 O homem passa a ser o referencial das ideias e do conhecimento. Norberto Bobbio refere-se ao Absolutismo, desenvolvido na Idade Média, como forma específica de organização do Poder, da seguinte maneira: [...] Surgido talvez no século XVIII, mas difundido na primeira metade do século XIX, para indicar nos círculos liberais os aspectos negativos do poder monárquico ilimitado e pleno, o termo-conceito Absolutismo espalhou-se desde esse tempo em todas as linguagens técnicas européias para indicar, sob a aparência de um fenômeno único ou pelo menos unitário, espécies de fatos ou categorias diversas da experiência política, ora (e em medida predominante) com explícita ou implícita condenação dos métodos de Governo autoritário em defesa dos princípios liberais, ora, e bem ao contrário (com resultados qualitativa e até quantitativamente eficazes), com ares de demonstração da inelutabilidade e da conveniência se não da necessidade do sistema monocrático e centralizado para o bom funcionamento de uma unidade política moderna.70 No Estado Absolutista, o Estado era personificado na pessoa do Rei, que centralizava o poder político e desconhecia totalmente os Direitos Fundamentais do Homem. A principal característica desse modelo era a forma de centralização do poder em torno de um soberano. Foi somente no começo da Idade Moderna, que o Estado surge como uma unidade de dominação, que atua de modo contínuo por meio de poderes próprios e delimitação pessoal e territorial. Neste sentido, explica Bobbio: [...] Uma tese recorrente percorre com extraordinária continuidade toda a história do pensamento político: o Estado, entendido como ordenamento político de uma comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva fundada sobre os laços de parentesco e da formação de comunidades mais amplas derivadas da união de vários grupos familiares por razão de sobrevivência interna (o sustento) e externa (a defesa). Enquanto que para alguns historiadores contemporâneos, como já se afirmou, o nascimento do Estado assinala o início da era moderna, segundo esta mais antiga e mais comum interpretação o nascimento do Estado representa o ponto de passagem da idade primitiva, gradativamente diferenciada em selvagem e 68 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 45. 69 SCHIERA, Pierangelo. Curso de Introdução à Ciência Política. Unid. III. Vol. 7. Brasília: Universidade de Brasília, 1982, p.22. 70 BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmem C. Varrialle. v.1, 5.ed. Brasília: Edunb, 1993, p.1. 43 bárbara, à idade civil, onde “civil” está ao mesmo tempo para “cidadão” e “civilizado” (Adam Ferguson).71 No Estado Moderno, o poder estatal se institucionaliza e evidencia a separação do poder político do poder econômico, com a atuação de cada um em sua esfera própria e, por consequência, a separação das funções administrativas, políticas e sociedade civil. [...] o novo modelo de produção em gestação (capitalismo) demandava um conjunto de normas impessoais/gerais que desse segurança e garantia aos súditos (burguesia em ascensão), para que estes pudessem comercializar e produzir riquezas (e delas desfrutar) com segurança e com regras determinadas. Assim, enquanto no medievo (de feição patrimonialista) o senhor feudal era proprietário dos meios administrativos, desfrutando isoladamente do produto da cobrança de tributos, aplicando sua própria justiça e tendo seu próprio exército, no Estado centralizado/institucionalizado esses meios administrativos não são mais patrimônio de ninguém.72 Desta forma, o Estado Moderno fortalece gradativamente a monarquia, iniciando o sistema político absolutista, com a concentração dos poderes legislativo, executivo e judiciário nas mãos do soberano. Nesse tempo, faz-se necessária a menção de alguns filósofos que influenciaram a construção dos Estados Modernos. Um dos responsáveis pelo fortalecimento do poder dos monarcas foi o filósofo Nicolau Maquiavel. Segundo Maquiavel, autor da obra O Príncipe, o homem era um ser egoísta, um ser competitivo e, para controlá-lo, o governante poderia usar de seu autoritarismo; além disso, os governantes deveriam proteger seus súditos e o Estado. Maquiavel defendeu a Centralização Política da Itália (monarquia), opondo-se ao modelo descentralizado do feudalismo. O filósofo foi uns dos inspiradores do modelo político da modernidade. O filósofo Thomas Hobbes influenciou a constituição do Estado Moderno com sua teoria contratualista. A cessão de direito, que procurou legitimar o poder do Estado Absolutista, parte da análise do homem em estado de natureza, por hipótese, detentor de um poder ilimitado sobre todas as coisas, para justificar a necessidade do estabelecimento de uma ordem capaz de limitar esse poder ou essa liberdade em face dos conflitos que se instalariam entre os homens, e ainda aponta para o estabelecimento de um contrato entre os membros de uma sociedade, segundo o qual todos se submetem a um poder exercido por um representante, quer seja um homem ou uma assembléia de homens. 71 BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010, p.73. 72 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.28. 44 Estado instituído é quando uma multidão de pessoas concordam e pactuam que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles – ou seja, de ser seu representante –, todos, sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões, a fim de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes homens. Deste Estado instituído derivam todos os direitos e faculdades daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido mediante o consentimento do povo reunido.73 Para Hobbes, a sociedade vive em constante competição, o homem é considerado um lobo para o próprio homem, o homem vive em sociedade por ter necessidade de assim estar e não por ser um homem social. O filósofo acreditava que a superação dos impasses da competição na sociedade estava intimamente ligada à presença soberana do Estado, que tinha a função de garantir a vivência em sociedade. O filósofo John Locke, em sua obra e argumentos contratualistas, dispõe sobre a necessidade da limitação do poder do soberano. O filósofo parte da concepção individualista do homem no estado de natureza, levando os homens a se unirem mediante um contrato social para constituir uma sociedade civil, também consolidando o entendimento de que somente o pacto social torna legítimo o poder do Estado. Contrapondo Hobbes, para Locke o poder estatal é essencialmente um poder delimitado. O erro do soberano não será a fraqueza, mas o excesso. E, em consequência, para isso, admite o direito de resistência. A soberania absoluta, incontrastável, do primeiro cede passo à teoria do pai do individualismo liberal, na qual ainda consta o controle do Executivo pelo Legislativo e o controle do governo pela sociedade (cernes do pensamento liberal). 74 Nesse contexto, inspirado nos pensamentos de Locke, Montesquieu, em sua obra De l’espirit des lois, demonstra a concepção da teoria da natureza dos três poderes. Os poderes do Estado ao qual Montesquieu se refere são, segundo a tradição, o poder legislativo, o executivo e o judiciário. Separação dos poderes significa, portanto, que o poder executivo deve ser separado do legislativo e do judiciário e assim por diante. Montesquieu diz que quando, numa mesma pessoa, o poder legislativo está unido ao executivo, “não existe liberdade”; assim, “não existe liberdade” se o poder judiciário não está separado do poder legislativo e do executivo.75 O contratualista Jean- Jacques Rosseau foi um crítico do absolutismo e de todas as formas de escravidão. Segundo o filósofo, a liberdade era o bem supremo. 73 HOBBES, Thomas. Levitã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2004, p.132. 74 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 36. 75 BOBBIO, Noberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait. 2 ed. São Paulo: Mandarim, 2000, p.68-69. 45 O homem rousseauniano só deve obedecer à consciência pública representada pelo estado, fora do qual não há mais do que consciências privadas ou individuais, que devem ser rechaçadas porque prejudiciais: “Para que o pacto social não se reduza a uma fórmula vazia, implica tacitamente o seguinte empenho, o único que pode dar força aos demais: aquele que se nega a obedecer à vontade geral, será obrigado a isso por todo o corpo; isto não significa outra coisa que obrigar-lhe a ser livre.”76 O contratualista Rosseau propôs uma educação livre de preconceitos e, assim, através dessa educação, se evitaria que as forças corruptas agissem sobre os homens que nasciam bons. O filósofo defendia a ideia de que o homem ao viver em sociedade sofre mudanças, individualmente contempla a si mesmo e na sociedade convive com outros valores. Na sociedade, o homem sofre privações e também vantagens, dessa forma, verifica-se o encontro da vontade individual com a vontade geral, sendo que esta deve prevalecer em nome do bem comum. O bem comum deve ser o motor do corpo social. Rosseau defendia que o vínculo entre o indivíduo e a sociedade nasce do que existe em comum entre interesses divergentes: cada indivíduo renuncia aos seus interesses pessoais em favor da coletividade. A soberania não era do monarca e sim do povo e os limites dos poderes do Estado estavam no contrato social, que os originou. Os contratualistas Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau tinham idealizações em comum: a busca por fundamentos para o Estado e o poder e a apresentação de mecanismo para alteração da convivência/relações sociais. Os filósofos acreditavam que o Estado seria uma criação humana resultante de um contrato da sociedade e cada um defendia um conteúdo diferente para o contrato social. Assim, fica evidente que, nessa fase histórica da humanidade, sob os aspectos filosóficos e jurídicos, os valores mais consagrados foram o direito de propriedade, liberdade e igualdade, como direitos naturais da pessoa humana, suprimindo definitivamente as limitações ao exercício da liberdade. As ideias desse momento histórico fundamentaram as Constituições do século XVIII e também as do século XIX, as quais normalmente limitaram-se à organização política do Estado, dando ênfase ao liberalismo e ao individualismo, princípios que repugnavam todo o tipo de intervenção na vida econômica e social dos indivíduos. Os mais significativos textos desta nova concepção são americanos e franceses – a Declaração de Direitos de Virgínia e a Declaração de Independência dos Estados Unidos, ambas de 1776, e a Declaração dos 76 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegra: Livraria do Advogado, 2010, p. 38. 46 Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, aquelas mais próximas do pensamento cristão, esta de um racionalismo laico.77 A Declaração dos Direitos da Virgínia se traduz em uma Declaração de Direitos, no contexto da luta pela Independência dos Estados Unidos da América. Vejamos seu artigo 1º, in verbis: Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança. 78 A Declaração dos Direitos da Virgínia foi inspirada no Iluminismo, assim como a Declaração de Independência dos Estados Unidos. Na Declaração de Independência dos Estados Unidos afirma-se: “Consideramos de per se evidentes as verdades seguintes: todos os homens são criaturas iguais; são dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis e, entre eles, acham-se a vida, a liberdade e a busca da felicidade [...].”79 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão também está no contexto de marcos da nova concepção. A Revolução Francesa foi o evento político extraordinário que rompeu a continuidade do curso histórico, assinalando o fim de uma época e o princípio de outra. Esses dois momentos têm como símbolos o dia 4 de agosto de 1789, quando a renúncia dos nobres aos seus privilégios assinala o fim do regime feudal, e o dia 26 de agosto, quando a aprovação da Declaração dos Direitos do Homem marca o princípio de uma nova era.80 Assim, marca-se o fim do Absolutismo e o início do modelo de Estado Liberal. 2.3 O ESTADO LIBERAL A consolidação do modelo de Estado Liberal deu-se a partir da Revolução Francesa, no século XVIII, mais precisamente no ano de 1789. “O primeiro Estado jurídico, guardião das liberdades individuais, alcançou sua experimentação histórica na Revolução Francesa.”81 77 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.32. Op. cit., p.32. 79 Op.cit., p.32. 80 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 11 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.113. 81 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.42. 78 47 Na mesma linha de Bonavides, Jorge Miranda indica o surgimento do Estado constitucional em consonância com o modelo de Estado Liberal: O Estado constitucional, representativo ou de Direito surge como Estado liberal, assente na ideia de liberdade e, em nome dela, empenhado em limitar o poder político tanto internamente, pela sua divisão, como externamente, pela redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade.82 O Estado Liberal foi uma transição do mercantilismo e é indicado como o apogeu do individualismo, com pouquíssimas limitações do Estado às atividades humanas. Nesse tempo, surge efetivamente o liberalismo preconizado por Adam Smith, que é considerado pai do liberalismo econômico. Smith defendia a liberdade do homem perante o Estado, a divisão de trabalho e a maior produção para gerar riquezas para os Estados. O liberalismo, em sua versão econômica como liberdade de mercado, tinha seu fundamento na “mão invisível” que representava o Estado Mínimo. Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais dispõem que conceituar o liberalismo é uma tarefa complexa, pois a doutrina liberal, historicamente, apresenta constantes transformações pela incorporação de novas situações, o que impõe utilizar o vocábulo no plural, considerando os diversos conteúdos sob a mesma roupagem. Apesar da dificuldade enfrentada, os autores apresentam um quadro referencial unívoco que caracteriza o movimento liberal: a “ideia de limites”, e citam Bobbio, finalizando que “o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus poderes quanto às suas funções.”83 O liberalismo clássico pode ser identificado em diversos núcleos, quais sejam: a) o núcleo moral: valores e direitos básicos, como a liberdade de expressão, de crença, de reunião, dignidade, vida, autorrealização, proteção individual contra o governo, mobilidade social, merecimento social, igualdade formal entre homens e mulheres; b) núcleo político: poder político consentido, representação popular, constitucionalismo, soberania popular, império da lei; c) núcleo econômico: propriedade privada, liberdade econômica, autoorganização do mercado, concorrência sem ou com pouco controle estatal, liberdade contratual plena.84 Desta forma, o objetivo do Estado Liberal era assegurar o desenvolvimento da economia, através da circulação livre do capital em favor do individualismo. As expressões para designar o Estado do século XIX são inúmeras, conforme preconiza a doutrina: Estado liberal, Estado censitário, Estado burguês, Estado nacional82 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.33. STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 56. 84 Op.cit., p.58. 83 48 burguês, État gendarme, Estado legislativo, Estado guarda-noturno, Estado neutro, Estadomáquina, Estado-aparato, Estado-mecanismo, Estado-catedral, Estado na potência e da razão, Estado garantista, Estado-autoridade, Estado abstencionista.85 No liberalismo, os indivíduos podiam exercer com liberdade qualquer atividade econômica, com vista ao lucro e ao próprio bem-estar, com a menor presença possível do Estado, situação que ficou marcada pela uma expressão francesa mencionada por diversos autores: “Laissez faire, laissez passer, lê monde va de lui-même” [Deixe fazer, deixe passar, o mundo caminha por si mesmo]. Neste período, verifica-se o fenômeno da despublicização, uma vez que a intervenção do Estado na economia era considerada desnecessária, pois a livre concorrência e a lei da oferta e da procura eram as forças responsáveis pelo destino da economia e encarregadas do estabelecimento do equilíbrio preconizado pela “mão invisível”. Em decorrência do individualismo exacerbado, a “plena liberdade” econômica entrou em crise, já que era nítido o descumprimento dos seus propósitos em relação à igualdade e à fraternidade. Estava evidente a concentração de riqueza nas mãos dos representantes da burguesia. As leis naturais da economia e do mercado não atingiram seu objetivo no que diz respeito a uma distribuição de riqueza mínima, produzida no mercado, com um nível suficiente para assegurar a todos uma existência digna. Destarte, a crítica ao modelo liberal consiste pela omissão do Estado em relação aos problemas de ordem social e econômicos, inclusive em relação à inexistência dos direitos sociais e econômicos no texto constitucional e na legislação infraconstitucional. 2.4 O ESTADO SOCIAL Na metade do século XIX, principiaram, então, as reações contra o Estado Liberal. Em meados do século XIX, começaram as reações contra o Estado Liberal, por suas consequências funestas no âmbito econômico e social; as grandes empresas tinham se transformado em grandes monopólios e aniquilado as de pequeno porte; surgira uma nova classe social – o proletariado – em condições de miséria, doença, ignorância, que tendia a acentuar-se com o não intervencionismo estatal pregado pelo liberalismo.86 O Estado Social tem os primeiros indícios com a decadência do liberalismo, após a primeira Guerra Mundial, momento em que o Estado passou a intervir em áreas que 85 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.78. 86 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.8. 49 anteriormente eram de competência exclusiva do setor privado, vindo a assumir a responsabilidade social. Surge o denominado ‘Estado Social’ para atender aos reclamos de índole assistencial da sociedade, que clamava por uma intervenção estatal que assegurasse condições mínimas àqueles incapazes de prover o seu próprio sustento. Efetivamente, ao se transformar em Estado prestador, automaticamente passa à condição de equalizador de um patamar social mínimo, realocando (ou pretendendo fazê-lo) aqueles que se encontrassem em situação inferior a esse mínimo para os patamares desejáveis.87 Paulo Bonavides afirma que não houve desaparecimento do Estado Liberal, mas a transformação do Estado Liberal no Estado Social, “[...] debaixo das pressões sociais e ideológicas do marxismo, o Estado Liberal não sucumbiu nem desapareceu: transformou-se. Deu lugar ao Estado Social.”88 Na mesma acepção, dispõem Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais: Em termos globais, o liberalismo do séc. XIX apresenta um registro importante em termos de surgimento e de institucionalização de direitos civis, direitos políticos e liberdades econômicas. Também foi notável pelo crescimento e o desenvolvimento sem precedentes da tecnologia e da produção, apesar dos numerosos infortúnios que continuavam a afligir os trabalhadores. As economias se fortaleceram; a população mundial começou a crescer rapidamente; comunicações...; cidades...; dinheiro...e novas práticas bancárias facilitaram as trocas. No fim do século, um fator novo foi injetado na filosofia- política liberal. Era a justiça social, antes referida, vista como a necessidade de apoiar indivíduos – estes não mais percebidos como seres isolados, mas agora como componentes de determinadas coletividades, [...]. Um novo espírito de ajuda, cooperação e serviços mútuos começou a se desenvolver, tornando-a mais forte com o advento do século XX, quando se inaugura a fase do Estado Social.89 E, nesta linha de definição, segundo Paulo Márcio Cruz: Estado de Bem-Estar é o produto da reforma do modelo clássico de Estado Liberal que pretendeu superar as crises de legitimidade que este possa sofrer, sem abandonar sua estrutura jurídico-política. Caracteriza-se pela união da tradicional garantia das liberdades individuais com o reconhecimento, como direitos coletivos, de certos serviços sociais que o Estado providencia, pela intervenção, aos cidadãos, de modo a proporcionar iguais oportunidades a todos.90 Neste mesmo sentido, grande parte dos doutrinadores garante que no Estado Social houve a conjunção dos princípios socialistas aos princípios liberalistas. 87 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006, p.57 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.72. 89 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.66. 90 CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p.163. 88 50 A passagem para um Estado Social foi uma transformação da estrutura do Estado Liberal, influenciada por importantes movimentos socioeconômicos. A Revolução Industrial e a aplicabilidade do Princípio da Livre Concorrência acarretaram para o trabalhador condições desumanas de vida e de trabalho, sem o reconhecimento dos direitos individuais do cidadão naquela época. Neste contorno, essa nova era da industrialização trouxe técnicas produtivas brutais de exploração do trabalho humano, em um período em que não existiam leis para resolver os problemas gerados pela relação de trabalho, trazendo desastrosas consequências, porque o direito já não podia atender aos novos fenômenos econômicos, vindo, com isto, a provocar a decadência do sistema. Sendo assim, o desenvolvimento do modelo de Estado de Bem-Estar Social está vinculado à luta pelos direitos individuais (terceira geração), pelos direitos políticos e pelos direitos sociais, e atrela-se também à transformação da sociedade agrária em industrial.91 A Revolução Russa marca o início da vigência do Estado Social, “a Revolução Russa de 1917 é o Estado Social, [...].”92 No âmbito constitucional, foi o advento da Constituição Socialista, de 1917, da Constituição do México, de 1918, e de Weimar, de 1919 (Alemã), que instituiu os direitos sociais. Vale destacar que os direitos sociais preconizados nessas constituições são base para os direitos sociais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Nessa mesma época, ocorreu a reconstrução da Alemanha, com o término da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Mexicana, resultando numa grande transformação pela qual passou o Estado Liberal clássico, fazendo parte da história do Estado de Direito. Este novo modelo de Estado assume as atividades puramente produtoras de bens e prestadoras de serviços, sempre nos casos de interesse público, diante do desamparo da legislação e da desigualdade entre os cidadãos. Intervenções são assumidas para manter os desamparados; oficinas públicas são mantidas para resolver o desemprego, legislação sobre o trabalho de menores, regulação da jornada de trabalho, leis relativas à segurança no trabalho [...] assim é que a liberdade contratual e econômica, símbolos da doutrina econômica liberal – o liberismo –, é fortemente reduzida pela participação do Estado como ator do jogo econômico, atuando no e sobre o domínio econômico, e, em um sentido mais amplo, do jogo social como um 91 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.79. 92 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.208. 51 todo, participando das mais variadas formas nas lutas, reivindicações e arranjos sociais como ator privilegiado.93 O Estado Social assume o papel intervencionista, a fim de delimitar o poder econômico e regular a atividade econômica, principalmente em relação ao contrato e, sobretudo, em relação à propriedade. No campo político, é relevante ressaltar a ocorrência das “experiências do nazifascismo na Europa Ocidental, e o chamado socialismo real na antiga URSS – desfeita após a queda do muro de Berlim, em 1989, e o desfazimento do chamado Bloco Soviético dos países do Leste Europeu”.94 Nesse contexto histórico, a doutrina apresenta um papel importante desempenhado pela Igreja Católica, pois foi a partir da Encíclica Rerum Novarum, inaugurada em 1891, de autoria do Papa Leão XIII, que a exigência do trabalho digno ao cidadão foi imposta como dever do Estado. Fica, então, evidente que os direitos sociais e trabalhistas estavam sobre a proteção do Estado. Foi um período fortemente marcado pelo protecionismo social. O intervencionismo estatal não se deu de maneira uniforme no Estado Social e esse processo intervencionista foi interpretado por fases, quais sejam: a fase inicial, conhecida como intervencionismo, que visava a solução de problemas concretos que surgiram e poderiam colocar em risco a manutenção do regime; em seguida, o dirigismo, em que a atuação estatal passa a se intensificar, com atos sistemáticos de ajuda e reforço à iniciativa privada, inclusive com objetivos político-econômicos predeterminados; e, por último, a planificação, o mais acabado estágio de atuação do Estado, com previsões que abrangem largo período temporal, e com análise econômica global.95 Contemporaneamente, a intervenção pode ser identificada com atuação direta na ordem econômica como agente de mercado, ou indiretamente por meio de regulação, fiscalização, planejamento. O Estado Social tem uma grande diversidade de denominações, tais como: Estado intervencionista, Estado-providência, Estado de bem-estar, Estado assistencial, Estado pluriclasse, Estado social-democrata, Estado de associações, Estado distribuidor, Estado nutriz, Estado empresário, Welfare State, Estado manager, Estado de prestações, Estado de 93 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.65. 94 Op. cit., p.71. 95 Op.cit., p.77. 52 organizações, Estado neocorporativo, Estado neocapitalista, Estado promocional, Estado responsável, Estado protetor, Estado pós-liberal, Estado telocrático.96 O Estado do Bem-Estar Social caracteriza-se como o Estado Intervencionista e garantidor de direitos como saúde, educação, lazer, habitação, alimentação, previdência e assistência social. Em comparação com os aspectos moral, político e econômico presentes no Estado Liberal, no Estado do Bem-Estar Social observa-se: no núcleo moral, foram acrescentadas novas gerações de direitos, como os sociais e os transindividuais, além dos direitos básicos de liberalidade individual; no núcleo político, foi consolidado o poder político consentido, à representação popular foram acrescentados instrumentos de atuação direta do cidadão nas decisões, constitucionalismo com instrumentos de controle de omissões do Estado diante de deveres jurídicos, soberania popular manifestada não somente nos parlamentos e também por meio de decisões produzidas na sociedade civil organizada (conselhos); no núcleo econômico: liberdade econômica, auto-organização do mercado com controle estatal, propriedade privada acrescida de função social, liberdade contratual, desde que se observe o equilíbrio efetivo dos contratantes, e que seja preservada a boa-fé, sendo que estas são consideradas normas de ordem pública.97 O perfil do Estado Social permite a afirmação de que se inicia a publicização da vida econômica e social por meio da intervenção. Neste sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo assevera: A denominada publicização compreende o processo de crescente intervenção estatal, especialmente no âmbito legislativo, característica do Estado Social do Século XX. Tem-se a redução do espaço de autonomia privada, para a garantia da tutela jurídica dos mais fracos. A ação intervencionista ou dirigista do legislador terminou por subtrair do Código Civil matérias inteiras, em alguns casos transformadas em ramos autônomos, como o direito do trabalho, o direito agrário, o direito das águas, o direito da habitação, o direito de locação de imóveis urbanos, o estatuto da criança e do adolescente, os direitos autorais, o direito do consumidor [...]. [...] É certo que o Estado social eliminou o critério de distinção tradicional, a saber, o interesse; o interesse público não é necessariamente o interesse social e os interesses públicos e privados podem estar embaralhados, tanto no que se considerava direito público, quanto no direito privado.98 O fenômeno da publicização do Direito Privado, trazido pelo Estado Social, indica um Estado intervencionista em áreas interessadas anteriormente apenas ao âmbito privado. 96 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.84. 97 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, 79. 98 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/507/constitucionalizacao-do-direito-civil. Acesso em: 30 de abril de 2010, p.1. 53 Pela principiologia do Estado de Bem-Estar Social, todo indivíduo teria o direito de um conjunto de bens e serviços. O fornecimento destas atividades seria garantido, através do Estado, direta ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação. Para suportar os objetivos do “gigante” Estado Social, as estruturas administrativas de apoio aos serviços sociais transformam-se em instituições de enorme complexidade. E por culpa da excessiva demanda, surgem, nesse momento, as empresas estatais, as fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e outras empresas sob o comando estatal a fim de atingir o escopo do Estado Social. A posição do Estado, como agente econômico, tem o objetivo de estimular o desenvolvimento econômico, “substituindo os particulares e tomando a si a tarefa de desenvolver atividades reputadas importantes ao crescimento: surgem as empresas estatais.”99 Porém, a realidade é que a maneira imperfeita de administração dos gastos públicos, o aumento das despesas governamentais, a inflação, a instabilidade econômica e social ocasionam uma crise fiscal do Estado e a decadência do modelo paternalista de Estado. Apesar do grande avanço, principalmente nos aspectos dos direitos sociais, este modelo de Estado trouxe algumas consequências negativas, como um grande crescimento do Estado, que passou a atuar em todas as questões da vida social dos cidadãos, e também a ineficiência no momento das prestações dos serviços à população. 2.4.1 A evolução das Constituições Sociais no Brasil No Brasil, o modelo constitucional para o Estado de Direito arquitetado como um Estado Mínimo, com limitação na atuação do Estado, aconteceu até 1930, conforme o princípio da legalidade e da constitucionalidade, que formalmente limitava a atuação do Estado. O presidente Getúlio Vargas, ao assumir o poder como líder civil da Revolução de 1930, inclina-se para a questão social e, no ano de 1934, nasce a primeira Constituição Social Brasileira. A Constituição Brasileira de 1934, promulgada pela Assembléia Nacional Constituinte, foi redigida para organizar um regime democrático que assegurasse à nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico: “[...] reunidos em 99 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.55. 54 Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico [...].”100 A Carta de 1934 perpetuou a liberdade econômica, mantendo o liberalismo, ainda que com profundas restrições de ordem social. Essa Constituição assegurou direitos sociais aos cidadãos, voto obrigatório para maiores de 18 anos, o voto feminino, prevendo com isso a criação da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral. A Constituição de 1934 apresentou para o Estado novas orientações e iniciou seu papel no mercado, determinando uma nova ordem a ser disciplinada: a Ordem Econômica e Social, em seu título IV: Da Ordem Econômica e Social Art 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica. Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida nas várias regiões do País. Art 116 - Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, asseguradas as indenizações, devidas, conforme o art. 112, nº 17, e ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes locais [...].101 Na ocasião, a atuação intervencionista do Estado controlava e limitava a liberdade econômica, com garantias protecionistas para os cidadãos. Em 1937, o Brasil recebe a sua segunda Constituição por poderes autoritários, que claramente concentra o poder nas mãos do chefe do executivo. Getúlio Vargas a outorga no mesmo dia em que estabelece o Estado Novo, regime ditatorial sob o seu comando. Durante esse período, o texto constitucional de 1937 constou expressamente a função intervencionista do Estado na ordem econômica do Brasil. “[...] A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da gestão direta.”102 A Constituição de 1946, promulgada por uma Assembléia Nacional Constituinte, é conhecida como a Constituição redemocratizadora, pois foram retomadas as ideias da Constituição de 1934, em relação ao bem-estar dos cidadãos, às liberdades públicas e ao fortalecimento da federação. 100 BRASIL. Constituição (1934). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 101 BRASIL. Constituição (1934). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 102 BRASIL. Constituição (1937). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 55 A Carta de 1946 inicia seu Título V, “Da Ordem Econômica e Social”, da seguinte forma: “Art. 145 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.”103 Nota-se o caráter social da Constituição de 1946, pois ela elenca a proteção e a valorização do trabalho humano, o interesse público e os direitos fundamentais em garantias constitucionais. Em pleno Regime Ditatorial, a Constituição de 1967 foi outorgada com participação de um Congresso Nacional submisso ao Poder Executivo. Naquele momento histórico, foi aprovado o Texto Constitucional imposto pelo Governo, a Emenda Constitucional de 1969 e o Ato Institucional nº 5, de lamentável memória para o povo brasileiro. Vale ressaltar que essa Constituição inseriu também a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional. Essas leis garantiram ao Presidente poderes praticamente ilimitados. A Emenda Constitucional de 1969 concedia poderes extraordinários e exclusivos ao Presidente, tais como poderes na criação de cargos, funções ou empregos públicos, aumento de vencimentos da despesa pública, fixação ou modificação dos efetivos das Forças Armadas, organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoais da administração do Distrito Federal, organização judiciária, administrativa e matéria judiciária dos territórios, questões relativas aos servidores públicos da União, seu regime jurídico, provimento de cargos públicos, estabilidade e aposentadoria de funcionários civis, reforma e transferência de militares para a inatividade e poder para conceder anistia relativa a crimes políticos. O artigo 81 da Constituição determinava ainda outros poderes exclusivos do Presidente, tais como exercício na administração superior federal, com auxílio dos ministros, poder de sancionar, promulgar e fazer publicar leis, expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução, poder de vetar projetos de lei, exercício no comando das Forças Armadas, poder de determinar medidas de emergência e decretar estado de sítio e estado de emergência, poder de decretar e executar a intervenção federal. Com tamanha expansão do Poder Executivo, ficam evidentes as limitações e atribuições do Poder Legislativo, especialmente no que tange à sua função principal, que é a elaboração e aprovação de leis de interesse coletivo, pois, como vimos, as atribuições principais estavam sob o domínio total do Presidente da República. 103 BRASIL. Constituição (1946). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 56 O que se verifica, nesse momento da história do Brasil, é uma aparência de Estado Democrático de Direito, pois a ditadura militar, durante seus 20 anos, agiu em nome do Princípio Democrático, torturando e eliminando muitos cidadãos brasileiros que ansiavam por um país socialmente mais justo. Apesar da realidade fática do momento, os princípios fundamentais da Constituição de 1967 preconizavam a liberdade de iniciativa, a valorização do trabalho como condição da dignidade humana, a função social da propriedade, a harmonia e solidariedade entre as categorias sociais de produção e a repressão ao abuso do poder econômico; porém, é claro que tais princípios constitucionais estavam prejudicados em detrimento a um Estado Militar. Em relação à Ordem Econômica e Social, o Estado assume constitucionalmente o encargo de promover o desenvolvimento nacional, autorizado a atuar direta ou indiretamente no domínio econômico, como mais uma forma de amplitude de seu poder. Assim, verifica-se que as Constituições Sociais Brasileiras marcam a histórica jurídica nacional. “Estado Social significa intervencionismo, patronagem, paternalismo,”104 e as Constituições apresentadas contêm características marcantes do Estado Social. 2.5 O ESTADO CONTEMPORÂNEO E O NEOLIBERALISMO Em alguns momentos históricos, a atuação do Estado no setor econômico foi considerada desprezível para o desenvolvimento global estatal. Durante o século XVIII, os maiores pensadores iluministas defenderam um modelo de Estado Abstencionista, no qual a organização e atuação do setor produtivo eram orientadas pela “mão invisível”, amparada por Adam Smith. Desta forma, a atividade econômica deveria ser desenvolvida pelas “forças naturais” do mercado. O Estado tinha uma postura apenas de guardião da ordem e da segurança nacional e sua atuação era extremamente restrita, sendo considerado como o “Estado Mínimo”, alheio às questões sociais e ao domínio econômico. Esse modelo de Estado “acanhado” entra em declínio após a Primeira Guerra Mundial e com a Revolução Russa, pois as características de mercado livre e a inexistência de política social tiveram que ser substituídas por políticas sociais efetivas por parte do Estado, ensejando a crise no Estado Liberal e dando surgimento a um modelo de Estado Intervencionista. 104 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.203. 57 O Estado Social surge e acentua a participação do Estado na vida da sociedade e o controle do ciclo econômico faz parte da atuação estatal. A intervenção estatal na economia era dirigida para promover o desenvolvimento econômico e social, a fim de estabelecer padrões de vida dignos para todos os cidadãos. O Estado paternalista não foi capaz de desenvolver satisfatoriamente as obrigações assumidas com os cidadãos. Os doutrinadores asseveram a crise do modelo paternalista de Estado como tendo sido causada pelo crescimento do próprio Estado e pela diminuição da eficiência das atividades exercidas diretamente pelo Estado. Desta forma, aos poucos, entra em declínio a estrutura de Estado gigante, incapaz de desenvolver e gerenciar todas as atividades que tinha assumido, desencadeando um processo descentralizante no que se refere à prestação dos serviços públicos e à realização de obras públicas, relacionados ao bem-estar dos cidadãos. Em relação à crise deste Estado, Luiz Carlos Bresser Pereira pondera: [...]Em parte em conseqüência da incapacidade de reconhecer os fatos novos que ocorriam no plano tecnológico, em parte devido à visão equivocada do papel do Estado como demiurgo social, e em parte, finalmente, porque as distorções de qualquer sistema de administração estatal são inevitáveis à medida que transcorre o tempo, o fato é que, a partir dos anos 70 e principalmente nos anos 80, a economia mundial irá enfrentar uma nova grande crise.105 A aceleração do desenvolvimento tecnológico e a busca pela redução nos custos das políticas públicas fundamentam o fenômeno da globalização, integrando as economias; assim, definitivamente os mercados mundiais foram rompidos. “A crise do Estado está associada, de um lado, ao caráter cíclico da intervenção estatal e, de outro, ao processo de globalização, que reduziu a autonomia das políticas econômicas e sociais dos estados nacionais.”106 O modelo de Estado Neoliberal surge em meio a essa crise por culpa de promessas não cumpridas pelo Estado de Bem-Estar Social, em um momento marcado por ausência de fronteiras, desigualdades sociais crescentes, aumento da pobreza e, além disso, redução de políticas sociais. O país pioneiro na adoção de políticas neoliberais foi a Inglaterra. Em seguida, diversos países economicamente fortes seguiram o modelo, a partir de 1980. 105 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Caderno MARE da reforma do Estado. v.1. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997 p.11. 106 Op.cit., p.11. 58 O neoliberalismo apresenta uma pretensão de restabelecimento do Estado Mínimo, com o objetivo de fortalecimento do Estado, sob a justificativa de que as deduções dos encargos estatais resultariam em mais força ao Estado. Paulo Bonavides não adere às concepções do novo modelo, pois “vivemos a era do totalitarismo financeiro, que é a forma mais atroz, mais selvagem, mais indigna de opressão e ditadura, jamais gerada nas estranhas do capitalismo.”107 Na companhia de Bonavides, Paulo Cruz afirma “O Estado de Bem-Estar e a Democracia Social, por extensão, são, para o Neoliberalismo, incompatíveis com a ética e a liberdade política e econômica.”108 O principal foco da crítica ao neoliberalismo se traduz na impossibilidade do alcance da justiça social e na igualdade de classes, uma vez que, historicamente, o modelo de Estado Liberal já demonstrou a falência da regulação da economia através do mercado. Para o Neoliberalismo, os fenômenos que, a partir de uma visão ética da realidade socioeconômica são chamados de ‘conflitos’ – como, por exemplo, a exploração, pobreza, desemprego, marginalização, concorrência desleal, fuga de capitais, quebra de bancos e de bolsas de valores, disputas regionais, entre outros – são episódios necessários e positivos da luta dos exemplares mais fortes da raça humana para conseguir mais riqueza, maior prosperidade, mais bem-estar para a humanidade em geral, ainda que não necessariamente para todos e cada um. Mas isto não importa aos neoliberais, já que a humanidade se considera aperfeiçoada mesmo que somente alguns de seus membros alcancem níveis cada vez mais elevados de riqueza. Este é uma espécie de “desenvolvimento reducionista”, no qual os ricos exercem a função de representar a humanidade como um todo na ‘árdua’ tarefa de desfrutar dos bens materiais da criação.109 Na continuação de seu pensamento, Paulo Cruz envolve uma sugestão ideológica interessante para o atual momento, a Terceira Via. “A Terceira Via é uma etiqueta que está sendo trabalhada teoricamente com a pretensão de se transformar numa opção ideológica para a centro-esquerda – ou para a nova esquerda.”110 Pioneiramente, esta Terceira Via foi adotada por Tony Blair, na Inglaterra, e os valores de gestão se concentram na democracia, na liberdade, na justiça, no compromisso mútuo e na internacionalização. A Terceira Via foi arquitetada por Anthony Giddens e preconizava o seguinte: a) igualdade - como forma de oferecer iguais oportunidades a todos; b) proteção aos vulneráveis - como política de intervenção no Social; 107 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial: A derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. 108 CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p.199. 109 Op.cit., p.239. 110 Op. cit., p.240. 59 c) liberdade como autonomia - como instrumento de preservação da iniciativa privada; d) não há direitos sem responsabilidade - como pressuposto para uma nova relação entre o Estado e os cidadãos; e) não há autoridade sem democracia - como proposta de civilização calcada no Estado Democrático de Direito; f) pluralismo cosmopolita - como diferencial à antiga Democracia Social, entendendo a importância do mercado global; e g) o conservadorismo filosófico - como profissão de fé na justiça social.111 A Terceira Via seria uma “Democracia Social”, uma remodelagem do Estado de BemEstar Social, mais moderno e com compromisso na justiça social, como alternativa ao Estado forte da esquerda clássica. A justificativa refere-se ao fato de que o Estado de Bem-Estar Social é extremamente marcado por conquistas de direitos e garantias fundamentais, que devem ser preservadas ao longo da história dos países. E os valores fundamentais conquistados no modelo do Estado de Bem-Estar Social não podem desaparecer em prol de anseios econômicos do Neoliberalismo. Outro aspecto que merece destaque no momento da crise do Estado é o fenômeno mundial da Globalização, que marca o processo de integração econômica, social, cultural e política dos países do mundo. O fenômeno possibilita uma maior integração dos países e uma aproximação ainda maior das pessoas. “O que se insinua é que o mundo hoje é um só, está globalizado, desaparecendo as barreiras representadas pelas fronteiras do Estado.”112 No início, a Globalização era apenas um processo quantitativo gradual, modificandose no final do século XX através de uma transformação qualitativa, sendo mais um motivo para o Estado se reformar, pois, em virtude da diminuição dos custos (transportes e comunicações internacionais), a Globalização fomentou o comércio mundial, aumentando os financiamentos internacionais e os investimentos diretos das empresas multinacionais.113 A partir do fenômeno da Globalização, os governantes dos Estados foram pressionados a instaurarem mudanças significativas na gestão econômica de seus países, a fim de não serem sufocados pelo mercado internacional. Integram-se, nesse momento também, os métodos administrativos da desconcentração e da descentralização. A desconcentração ocorre quando a entidade da Administração, encarregada de executar um ou mais serviços, distribui competências, no âmbito de sua 111 CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009, p.242-243. 112 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Futuro do Estado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.155. 113 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Caderno MARE da reforma do Estado. v. 1. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p.14. 60 própria estrutura, com o objetivo de tornar mais ágil e eficiente a prestação dos serviços. A desconcentração pressupõe, obrigatoriamente, a ocorrência de uma só pessoa jurídica. Já a descentralização implica a transferência de atribuições a outro ente administrativo integrante da burocracia estatal. Vejamos: [...] a descentralização administrativa significa a transferência de poderes de decisão em matérias específicas a entes dotados de personalidade jurídica própria. Tais entes realizam, em nome próprio, atividades que, em princípio, têm as mesmas características e os mesmos efeitos das atividades administrativas estatais. A descentralização administrativa implica, assim, a transferência de atividade decisória e não meramente administrativa.114 No Brasil, a descentralização administrativa realiza-se com os entes da Administração indireta, ou seja, as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas.115 O fenômeno da descentralização deu mais um fundamento para a crise do Estado, pois se caracterizou uma falta ainda maior de eficiência na prestação dos serviços públicos e na regulação econômica. As entidades da Administração indireta cresceram significativamente nessa época, da mesma maneira que as parcerias do Estado com a iniciativa privada, através das sociedades de economia mista, das modalidades de concessões, permissões e autorizações dos serviços públicos. 2.5.1 A Reforma do Estado A crise econômica dos anos 80, que compreende a crise do Estado, é caracterizada em três vertentes: a crise fiscal, a crise do modo estatizante de intervenção do Estado, e a crise do modelo burocrático de gestão pública, segundo Bresser: [...] a causa fundamental da crise econômica foi a crise do Estado- uma crise que ainda não está plenamente superada, apesar de todas as reformas já realizadas. [...] crise que se caracteriza pela perda da capacidade do Estado de coordenar o sistema econômico de forma complementar ao mercado. Crise que se define como fiscal, como uma crise do modo de intervenção do Estado, como uma crise da forma burocrática pela qual o Estado é administrado, e, em um primeiro momento, também como uma crise política.116 114 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.63. Op.cit., p. 63 116 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da administração pública burocrática à gerencial. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.239. 115 61 A crise fiscal é caracterizada pela perda do crédito público e pela poupança negativa, tornando o Estado incapaz de realizar suas políticas públicas. Já a crise relacionada à intervenção do Estado foi acelerada pelo processo de Globalização da economia mundial, ocasionando a crise do welfare state no primeiro mundo, o esgotamento da industrialização por substituição de importações na maioria dos países em desenvolvimento, e o colapso do estatismo nos países comunistas. A crise do modelo burocrático de gestão pública refere-se principalmente à questão da eficiência dos serviços públicos.117 A Administração Pública burocrática não corresponde às necessidades das demandas dos serviços públicos orientados para os cidadãos. “Na verdade, a administração burocrática é lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos.”118 No desenvolvimento das atividades exclusivas do Estado, sobretudo nos serviços sociais de educação e saúde, esta Administração Pública burocrática, que já fora tida como eficaz no combate à corrupção e ao nepotismo no período do Estado Liberal (considerado pequeno), evidencia-se como impotente e incapaz de oferecer um serviço de qualidade para atender as demandas dos cidadãos (clientes), assim, o Estado Social (considerado grande, séc. XX) tem a necessidade de ser substituído por uma Administração Pública gerencial.119 Em 1997, o World Development Report (WDR), resultado de um encontro de diversos países, que tinha originalmente o título Rebuilding the State, trazia como objetivo a proposta de Reforma do Estado. Em sua introdução, o documento afirma: Desenvolvimento sustentado - econômico e social - exige um Estado efetivo [...] Quando as pessoas diziam, cinqüenta anos atrás, que o Estado era central para o desenvolvimento econômico, elas pensavam em desenvolvimento garantido pelo Estado. Hoje nós estamos novamente verificando que o Estado é central para o desenvolvimento econômico e social, mas principalmente como um sócio, um agente catalisador e facilitador.120 A reforma exigiu que o papel do Estado fosse repensado, a fim de compreender quais seriam realmente suas funções principais. Era necessário reconstruir um modelo estatal que atendesse às exigências do cenário mundial e principalmente aos anseios das sociedades. O que temos é uma transformação do Estado social, sobretudo na década de 90 para cá, convertendo-se de um Estado empreendedor em um Estado regulador [...] quando ele se transforma em Estado regulador não perde sua 117 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da administração pública burocrática à gerencial. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.241. 118 Op.cit., p.241. 119 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Caderno MARE da reforma do Estado. v. 1. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p.12. 120 Op.cit., p.12. 62 natureza de Estado social, que é o Estado que se caracteriza justamente pela intervenção legislativa, judiciária e administrativa.121 Sob este novo prisma, é imposta ao Estado a redução do seu papel como executor ou prestador direto dos serviços públicos, para assumir o papel de regulador, com a função de coordenar e regular a prestação dos serviços orientados para os cidadãos. Bresser Pereira apresenta quatro processos básicos da reforma do Estado dos anos 90: a) delimitação das funções do Estado, reduzindo o seu tamanho, principalmente de pessoal por meio de programas de privatização, terceirização e publicização (este implica na transferência para o setor público não-estatal àqueles serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta); b) redução da interferência estatal, ficando apenas ao efetivamente necessário, produzindo programas de desregulação aumentando o recurso de mecanismos de controle via mercado, convertendo o Estado em um promotor da capacidade de competição do país a nível internacional, e não mais de protetor da economia nacional contra a competição internacional; c) aumento da governança do Estado, visando uma maior capacidade tornando efetivas as decisões do governo, por meio do ajuste fiscal, devolvendo autonomia financeira ao Estado, da reforma administrativa dirigida a uma administração pública gerencial (ao invés de burocrática), e a separação, dentro do Estado, ao nível das atividades exclusivas de Estado, entre a formulação de políticas públicas e a sua execução; e, por fim, d) aumento da governabilidade, quer dizer, do poder do governo, em razão da existência de instituições políticas que garantam uma melhor intermediação de interesses e tornem mais legítimos e democráticos os governos, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo espaço para o controle social ou democracia direta.122 A reforma do Estado sugerida consiste em um Estado que promova a justiça social, em conjunto com a proteção das garantias individuais, como o contrato e a propriedade, além do desenvolvimento nacional. O estabelecimento de parcerias da Administração Pública com a iniciativa privada aparece como uma das primeiras alternativas para a superação da crise. As estatísticas governamentais apontam para o aumento da demanda dos serviços públicos, que faz crescer o chamado setor público não-estatal a fim de somar forças com a Administração Pública, que já se demonstrou incapaz de solucionar toda a demanda sozinha. Outra indicação refere-se à interferência estatal apenas nos assuntos efetivamente necessários, produzindo os programas de desregulação e aumentando os recursos para os 121 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Contratual e Constituição. Disponível em: <jusvi.com/artigos/44>. Acesso em: 20 nov. 2010, p.1. 122 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Caderno MARE da reforma do Estado. v. 1. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997, p.18-19. 63 mecanismos de controle, via mercado, a fim de “liberar” o Estado para competitividade do mercado mundial, e não apenas com políticas nacionais restritas. Os conceitos importantes trazidos pela Reforma são a governabilidade e a governança. A governabilidade refere-se à capacidade política de governar perante a sociedade. O aumento da governabilidade do poder do governo disponibiliza a existência de instituições políticas, com o objetivo de intermediarem os interesses do Estado e da sociedade em geral. Como forma de controle, o conceito de governabilidade sugere a criação de mecanismo de responsabilização, ou accountability, que se traduz na obrigação da prestação de contas e a responsabilidade dos gestores públicos perante os cidadãos. Já o aumento da governança do Estado visa uma maior capacidade de se tornarem efetivas as decisões do governo, por meio de ajuste fiscal. A governança sugere uma reforma administrativa dirigida para uma Administração Pública gerencial. Daí a necessidade de uma Administração Pública mais moderna e principalmente mais eficiente, contrária às questões burocráticas que obrigatoriamente devem ser superadas. O momento histórico mais marcante de Reforma no Governo brasileiro ocorreu na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso. A mudança do Estado significava para o Governo uma questão de sobrevivência para os desafios de um mundo globalizado. Insisto, assim, em um ponto: esta visão de um Estado que se adapta para poder enfrentar os desafios de um mundo contemporâneo não pode ser confundida com a inexistência de um Estado competente, eficaz, capaz de dar rumo à sociedade ou, pelo menos, de acolher aqueles rumos que a sociedade propõe e que requerem uma ação administrativa e política mais conseqüente, nem tampouco significar a inércia diante de um aparelho estatal construído em outro momento da história de cada um dos nossos países que se concentrou seja no corporativismo e no assistencialismo, seja na produção direta de bens e serviços.123 A reestrutura do Estado preconizado pela Reforma indica uma mudança no aparelho estatal no que diz respeito à satisfação positiva da demanda nos serviços básicos à população. A superação de uma Administração Pública burocrática deve ser enfrentada. “[...]nós temos que preparar a nossa administração para a superação dos modelos burocráticos do passado.”124 Toda a mudança refere-se principalmente à questão da eficiência dos serviços públicos, com a otimização de recursos. “Agora, o que se requer é algo muito mais profundo: um 123 CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma do Estado. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial . 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.16. 124 Op.cit., p.17. 64 aparelho do Estado que, além de eficiente, esteja orientado por valores gerados pela própria sociedade. [...] Essa passagem é um dos grandes desafios do mundo contemporâneo.”125 Assim, a partir dos anos 80, o Estado entra em crise econômica. A crise econômica, compreendida nas vertentes de crise fiscal, crise do modo estatizante de intervenção do Estado e crise do modelo burocrático de gestão pública, fundamenta a Reforma do Estado. A Reforma do Estado tem a finalidade de repensar o papel fundamental do Estado, inclusive no que diz respeito às suas funções. As ideias trazidas pela Reforma do Estado, referentes a suas funções, indicam a redução do papel estatal executor ou prestador direto dos serviços públicos, para um Estado coordenador e regulador das atividades públicas. A mudança traz em seu pleito o ápice do princípio da eficiência dos serviços públicos, com significativa redução de custos. 2.5.2 O Estado Democrático de Direito e a Constituição da República do Brasil Analisando a formação do Estado e suas modificações, pode-se identificar o Estado Liberal de Direito, o Estado Social de Direito e, então, o surgimento de um modelo novo, o Estado Democrático de Direito. Esse novo modelo formou-se a partir dos conceitos neoliberais e pós-intervencionistas, restando um Estado regulador, garantidor e planejador do desenvolvimento econômico e social. O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação pública no processo de construção e reconstrução de um projeto de sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular uma perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, onde a questão da democracia contém e implica, necessariamente, a solução do problema das condições materiais de existência.126 José Afonso da Silva indica a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito: “A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as 125 CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma do Estado. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial . 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.18. 126 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.97-98. 65 desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social.”127 A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi promulgada com evidências claras voltadas à democracia e ao social, sendo considerada a Carta Cidadã do Brasil e, o Estado Democrático de Direito está fortemente organizado no seu texto. A expressão “Estado Democrático de Direito” está consagrada no Preâmbulo da Constituição como princípio basilar, in verbis: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil.128 A expressão “democrático” embasa valores da Democracia em todos os elementos constitutivos deste novo modelo de Estado e sobre sua ordem jurídica, fincando-se assim um Estado orientado aos interesses coletivos. O artigo 1º., caput, da Constituição Federal, utiliza a expressão “Estado Democrático de Direito”, enunciando como seus “fundamentos a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político- todos supõe a participação democrática dos membros da coletividade popular brasileira.”129 O Estado Democrático de Direito preconiza a integralização dos valores da liberdade, da igualdade, da democracia e do socialismo. [...]Contudo, é que a Constituição de 1988 não promete a transição para o socialismo com o Estado Democrático de Direito, apenas abre as perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos sociais[...].130 São princípios concretizadores do Estado Democrático de Direito: a) princípio de constitucionalidade sustentado na supremacia da Constituição Federal, emanada da vontade popular; b) princípio democrático exigindo funções democráticas, sociais e de garantia do Estado democrático de direito; c) sistema de direitos fundamentais determinando os direitos individuais, coletivos, sociais e culturais; d) princípio da justiça social, como princípio da 127 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.126. BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 129 ALARCÓN, Pietro de Jesus Lora. A democracia semidireta na Constituição de 1988. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano. 8, n. 33, out./dez. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.164. 130 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.120. 128 66 ordem econômica e da ordem social; e) princípio da igualdade, f) princípios da divisão de poderes e da independência do juiz; g) princípio da legalidade da administração; h) princípio da segurança jurídica, conduzindo à consecução do princípio de determinabilidade das leis. Estes princípios são basilares para o Estado Democrático de Direito, que tem como tarefa fundamental a superação das desigualdades sociais e regionais e a instauração de um regime democrático que realize a justiça social.131 Em relação ao avanço destes princípios orientadores do Estado Democrático de Direito, o ilustre doutrinador Pietro de Jesús Lora Alárcon assevera que quanto mais houver a reprodução dos princípios que alicerçam o Estado Democrático de Direito, maior será a firmação deste na sociedade. Ressalte-se que, o autor refere-se aos princípios da igualdade, da legalidade e da justicialidade.132 Os princípios contidos na Constituição Federal instrumentalizam as funções da ordem nacional do Estado Democrático de Direito. Na análise do Estado brasileiro, em um contexto constitucional, especificamente em relação à Ordem econômica e financeira, tem-se que este Estado está fundamentado na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, norteado pelo princípio da livre concorrência, função social da propriedade, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, dentre outros, conforme artigo 170 da Constituição Federal. E ainda, o artigo 174 da Constituição Federal preceitua que o Estado assume um novo papel, se abstendo do seu papel empreendedor, para um papel regulador, normatizador, fiscalizador e indutor, in verbis: Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.133 Desta forma, a Ordem Econômica e Financeira Nacional constante na Constituição define um modelo econômico de bem-estar. “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.”134 131 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.120. ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Processo, Igualdade e Justiça. In: Revista Brasileira de Direito Constitucional. Igualdade e Justiça. n. 2, jul./dez. São Paulo: Método, 2003, p.166. 133 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 134 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 132 67 O constituinte, ao destacar o termo “justiça social”, limitou-se a um enunciado genérico, porém, a cláusula não pode ser ignorada, com favorecimento de uma leitura individualista. Para José Afonso da Silva,135 a Constituição Federal consagra uma economia de mercado, de natureza capitalista, porém prioriza valores do trabalho humano sobre os demais valores da economia de mercado. Eros Roberto Grau conceitua ordem econômica como sendo um conjunto de normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica e, desta forma, a ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever-ser), não é senão o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do ser).136 A “Constituição Econômica” surge com o desenvolvimento da economia, através do Direito Econômico, como um conjunto de normas e princípios constitucionais relativos à economia, caracterizando a forma basilar de sua organização, principais regras de funcionamento, esferas de ação dos sujeitos econômicos, grandes objetivos de políticas econômicas e de sua efetividade social.137 A concepção de Estado Democrático de Direito tem por finalidade o aprofundamento da democracia participativa, na obediência do princípio da igualdade real entre todos os cidadãos. O Estado Democrático de Direito objetiva a melhora das condições sociais de existência dos indivíduos, efetivando os valores da igualdade material, solidariedade e justiça social. O Estado Democrático de Direito nos remete à ideia de Estado Subsidiário ou Estado Regulador, o que significa dizer que o Estado deve ter sua atuação limitada. O Estado deve fomentar a economia, fiscalizar e coordenar a iniciativa privada em suas atividades econômicas, o que não significa o retorno do Estado Mínimo, pois o Estado exercerá, além das atividades essenciais típicas do Poder Público, também as atividades sociais e econômicas que a iniciativa privada não desenvolver ou não atender satisfatoriamente, enquanto que, no Estado Mínimo, há uma delegação total das atividades econômicas à iniciativa privada. 135 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. 3.ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990, p.56. 137 DIMOULIS, Dimitri. Fundamentação constitucional dos processos econômicos: reflexões sobre o papel econômico do direito. In: SABADELL, Ana Lúcia; DIMOULIS, Dimitri; MINHOTO, Laurindo Dias. Direito social, regulação econômica e crise do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.117. 136 68 Este modelo caracteriza-se pela forte onda de privatizações, pelo crescimento das técnicas de fomento e pelas várias ferramentas de parcerias celebradas entre a Administração Pública e a iniciativa privada. 2.5.3 O início das parcerias público-privadas no Brasil A Constituição brasileira de 1988 determina a atuação do Estado na Economia. O Estado figura na Economia como regulador e, concomitantemente, como agente que possui autorização constitucional, porém em hipóteses excepcionais, para atuar na atividade econômica. No Brasil, as políticas neoliberais que ocasionaram a reforma do Estado foram implantadas pelo governo do Presidente Fernando Collor de Mello, mas as modificações mais significativas foram ocasionadas no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Vejamos sua manifestação: Mudar o Estado significa, antes de tudo, abandonar visões do passado de um Estado assistencialista e paternalista, de um Estado que, por força de circunstâncias, concentrava-se em larga medida na ação direta para produção de bens e de serviços. Hoje, todos sabemos que a produção de bens e serviços pode e deve ser transferida à sociedade, à iniciativa privada, com grande eficiência e com menor custo para o consumidor.138 O período é marcado por transformações estruturais do Estado brasileiro, como a revogação do artigo 171 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional no. 6, de 15 de agosto de 1995, a modificação dos artigos 176 e 178, que determinaram a extinção de determinadas restrições ao capital estrangeiro, a flexibilização do monopólio das estatais, que admitiu concessão de serviços de telecomunicação, de gás canalizado e petrolífero para empresas não estatais, e as privatizações, presentes no Programa de Desestatização, criado pela Lei no. 9941/97. O Programa Nacional de Desestatização surgiu em decorrência da falta de eficácia da prestação direta dos serviços públicos pelo Estado. A desestatização de serviço implica na transferência ou devolução da execução das tarefas à iniciativa privada, as quais requerem a republicização dos mecanismos de controle do Estado. 138 CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma do Estado. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.15 69 A desestatização dos serviços públicos originou entidades e órgãos independentes, que tinham como finalidade supervisionar e normatizar os setores desestatizados por parte do Estado. Em 1995, a Lei no. 8.987 foi promulgada e dispôs sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, previsto no artigo 175 da Constituição Federal. Assim, a reforma do Estado consolida-se na ideia de redução do papel executor ou prestador de serviços do Estado, entretanto, com a mantença do seu papel do Estado como regulador, provedor ou promotor, como o preconizado pelo artigo 174: “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”139 A transferência da produção para o setor privado traduz-se como uma forma mais eficiente e neste contexto surgem as parcerias público-privadas, uma nova modalidade de concessão. 139 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 70 3 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA ATUALIDADE As primeiras experiências das parcerias público-privadas foram na Inglaterra, no início da década de 90. Em seguida, diversos países seguiram o modelo, com um resultado positivo, principalmente no que diz respeito ao progresso dos serviços públicos e infraestrutura dos países. No Brasil, as experiências nacionais são identificadas; porém, ainda não nos aproximamos da eficiência desejada proposta pelas ideias iniciais na aplicação das “Torres Trinas” brasileiras. A Constituição Federal preconiza, em seu artigo 22, XXVII, que é competência privativa da União legislar sobre as “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, parágrafo 1º, III”.140 A Lei Federal no. 11.079/2004, editada com fundamento nesse artigo constitucional, tem o objetivo de instituir as normas gerais para a licitação e contratação das parcerias público-privadas no âmbito dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Em relação ao objetivo da legislação, Gasparini preceitua: O objetivo da Lei federal das PPPs é disciplinar essa nova forma de parcerias com o empresário privado. Além disso, é sua intenção motivar com regras seguras e melhores atrativos econômicos, inexistentes nas atuais parcerias, a participação dos agentes privados e o aporte de recursos financeiros e tecnológicos na consecução do interesse público de que, em termos de eficiência, com raras exceções, carece a Administração Pública. Com as PPPs, a Administração Pública deseja aproveitar a agilidade da atuação privada na execução do objeto da parceria uma vez contratada, pois livre de certas peias burocráticas.141 A Lei no. 11.079/2004 foi sancionada em 30 de dezembro de 2004, após um ano de tramitação legislativa e intenso debate público propiciado pelo Governo, por parlamentares e pela sociedade em geral. As parcerias público-privadas têm o objetivo de reunir esforços para aumentar a qualidade e a eficiência dos serviços públicos, suprir a insuficiência de recursos e 140 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 141 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.463. 71 restrições de gastos do setor público e proporcionar acesso às eficácias do setor privado, por um largo período de tempo. Porém, antes mesmo do advento desta Lei Federal, alguns estados-membros já haviam legislado sobre a matéria, como o Estado de Minas Gerais, com a Lei no. 14.868/2003; o Estado de Goiás, com a Lei no. 14.910/2004; o Estado de Santa Catarina, com a Lei no. 12.930/2004; o Estado de São Paulo, com a Lei no. 11.688/2004; o Distrito Federal, com a Lei no. 3.418/2004; o Estado da Bahia, com a Lei no. 9.290/2004; o Estado do Ceará, com a Lei no. 13.557/2004; o Estado do Rio Grande do Sul, com a Lei no. 12.234/2005; e o município de Vitória, no Estado do Espírito Santo, com a Lei no. 6.261/2004. Apesar dessas legislações não serem objeto de nosso estudo, vimos ser importante ressaltá-las. Como a Lei Federal dispõe sobre normas gerais para a composição das parcerias público-privadas, as leis estaduais ou municipais que se referirem a este mesmo assunto devem obrigatoriamente ser compatíveis com a Lei Federal no. 11.079/2004, sob pena de ilegalidade da norma. Os entes federados, destituídos de legislação própria acerca do tema, podem fundamentar os contratos de parcerias público-privadas diretamente da Lei Federal. A partir deste momento, algumas considerações serão pontuadas acerca da legislação federal específica e particulares dos contratos público-privados nacionais. 3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS O vocábulo “parceria” é a reunião de pessoas para um fim de interesse comum, admitindo também a acepção de sociedade ou companhia.142 Maria Helena Diniz dispõe: Parceria. 1. Na linguagem jurídica em geral: a) reunião de pessoas que têm interesse comum; b) companhia; c) reunião de duas ou mais pessoas com finalidade comum, que repartem entre si lucros e perdas. 2. Direito comercial. Sociedade empresária que os sócios (parceiros) são responsáveis apenas pelo quinhão com que entraram [...].143 Portanto, o que se extrai é que toda parceria deve conter elementos interessantes para cada uma das partes, com objetivos comuns. Uma parceria interessante para o setor público e para o setor privado consiste no atendimento eficiente dos serviços públicos, com qualidade. Maria Sylvia Zanella de Pietro, citando Hélio Saul Mileski, assevera: O vocábulo parceria é utilizado para designar todas as formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica são organizadas entre os setores público e privado, para a consecução de fins de interesse público. Nela existe 142 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3.ed. Curitiba: Positivo, 2004, p.1493. 143 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.560. 72 a colaboração do poder público e iniciativa privada nos âmbitos social e econômico, para a satisfação de interesses públicos, ainda que, do lado do particular, se objetive lucro.144 A doutrina apresenta o termo parceria público-privada sob dois aspectos. O conceito das parcerias público-privadas, em sentido amplo, é bastante abrangente, o que nos permite afirmar que todas as parcerias da iniciativa privada com a Administração Pública estariam inseridas neste conceito, englobando os contratos de concessão, os contratos de gestão, os termos de parceria com as organizações da sociedade civil de interesse público, os convênios, os consórcios, entre outras modalidades. Já o conceito em sentido estrito, é conceito baseado na Lei Federal das PPPs. Na visão de Carlos Ari Sundfeld, a parceria público-privada, em sentido amplo, deve ser compreendida como “múltiplos vínculos negociáveis de trato continuado estabelecidos entre a Administração Pública e particular para viabilizar o desenvolvimento, sob a responsabilidade destes, de atividades com algum coeficiente de interesse geral.”145 Igualmente Diógenes Gasparini expõe acerca do conceito de parcerias, nos sentidos amplo e restrito: Em sentido amplo, a parceria público-privada é todo ajuste que a Administração Pública, em qualquer de seus níveis, celebra com um particular para viabilizar diversos programas voltados ao desenvolvimento socioeconômico do país e ao bem-estar da sociedade, como são as concessões de serviços, as concessões de serviços precedidas de obras públicas, os convênios e os consórcios públicos. Em sentido estrito, ou seja, com base na Lei federal das PPPs, pode-se afirmar que é um contrato administrativo de concessão por prazo certo e compatível com o retorno do investimento privado, celebrado pela Administração Pública com certa entidade particular, remunerando-se o parceiro privado conforme a modalidade de parceria adotada, destinado a regular a prestação de serviços públicos ou a execução de serviços públicos precedidos de obras públicas ou, ainda, a prestação de serviço em que a Administração Pública é usuária direta ou indireta, respeitado sempre o risco assumido.146 Marçal Justen Filho conceitua as parcerias público-privadas, em sentido estrito, nos seguintes termos: Parceria público-privada é um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem remuneração, por meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia especial e 144 MILESKI, Hélio Saul apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias Público-Privadas: Fundamentos, Aplicação e Alcance da Lei. Elementos Definidores. Princípios. Regras Específicas para Licitações e Contratos. Aspectos Controvertidos e Perspectiva de Aplicação de Lei no. 11.079, de 20.12.2004. Revista de Interesse Público. N. 90, jan/fev. Porto Alegre: Nota dez, 2005. p.70. 145 SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.22. 146 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.464-465. 73 reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para obtenção de recursos no mercado financeiro.147 Na seara das conceituações das parcerias público-privadas, José Cretella Neto assevera: Contrato de parceria público-privada é o acordo firmado entre a Administração Pública e entes privados, que estabelece vínculo jurídico para implantação, expansão, melhoria ou gestão, no todo ou em parte, e sob o controle e fiscalização do Poder Público, de serviços, empreendimentos e atividade de interesse público em que haja investimento pelo parceiro privado, que responde pelo respectivo financiamento e pela execução do objeto estabelecido.148 Diante dos conceitos apresentados, pode-se afirmar que a parceria público-privada é um contrato público administrativo, celebrado entre a Administração Pública e a iniciativa privada, com o objetivo de promover o incremento social, com eficiência, em áreas de interesse público, através do desenvolvimento de uma obra ou através da prestação de um serviço público, com amortização do investimento do parceiro privado em médio ou longo prazo. 3.1.1 Modalidades de parceria público-privada No plano internacional, as parcerias público-privadas estão em um contexto bastante amplo, palco de muitas realizações, nos diversos níveis da Administração Pública. No Brasil, as parcerias público-privadas estão em um plano governamental específico e não devem ser confundidas com a modalidade de concessão tradicional. O artigo 2º da Lei Federal conceitua sucintamente a parceria público-privada como um contrato público administrativo, sob regime de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. Vejamos o artigo 2º da Lei, in verbis: Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. §1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. 147 JUSTEN FILHO, Marçal. Parcerias Público-Privadas: um enfoque multidisciplinar- A PPP brasileira e as lições do passado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 509. 148 CRETELLA NETO, José. Comentários à Lei das Parcerias Público- Privadas- PPPs. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.1. 74 § 3º Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Sendo assim, a própria Lei Federal instituiu as duas possíveis modalidades de parceria: a concessão patrocinada e a concessão administrativa, diferenciando-as da concessão comum. A concessão patrocinada é definida como a concessão de serviço público ou de obras públicas, de que trata a Lei Federal das Concessões e Permissões, quando, além da tarifa cobrada do usuário, há uma prestação pecuniária feita pelo parceiro público à iniciativa privada. A Lei no. 8.987/1995 é somente aplicada subsidiariamente nestes casos. Neste sentido: [...] a concessão patrocinada, que é também uma concessão de serviço públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no. 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado; seu objeto pode ser a execução de um serviço público ou de uma obra pública; substancialmente, não difere da concessão tradicional, em que também é possível contraprestação do poder público, sob forma de subsídio; só que na concessão patrocinada a contraprestação do poder público é obrigatória, e na concessão tradicional é excepcional; além disso, a concessão patrocinada está sujeita ao regime estabelecido pela Lei no. 11.079/2004, aplicando-se a Lei no. 8.987 apenas subsidiariamente [...].149 A concessão patrocinada, então, refere-se à concessão já existente no ordenamento pátrio, presente na Lei Federal das Concessões e Permissões, com uma “nova roupagem” trazida pela Lei Federal das parcerias público-privadas, que é a garantia ao parceiro privado de um adicional à tarifa cobrada dos usuários. Nas concessões patrocinadas sempre haverá uma contraprestação pecuniária do parceiro público. Nesta modalidade, quando a Administração tiver de pagar mais de 70% da remuneração ao parceiro privado, a concessão irá depender de autorização legislativa, conforme artigo 10, parágrafo 3º, da Lei. Assim, depreende-se que a concessão patrocinada e a concessão comum se diferenciam, fundamentalmente, pela possibilidade de complementação das tarifas pelo governo na patrocinada. A segunda modalidade de parceria público-privada é a concessão administrativa. [...] a concessão administrativa, que também é contrato administrativo, cujo objeto é a prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens (art. 2º, parágrafo 2º, da Lei no. 11.079); a concessão 149 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.37 75 administrativa (cuja denominação é inadequada porque toda concessão é administrativa) constitui um misto de empreitada e de concessão: de empreitada, porque a remuneração é feita pelo poder público e não pelos usuários; de concessão, porque seu objeto poderá ser a execução de serviço público, razão pela qual seu regime jurídico será semelhante ao da concessão de serviços públicos, já que irá se submeter a normas aplicáveis à concessão tradicional, na parte em que confere prerrogativas públicas ao concessionário, como as previstas nos arts. 21, 23, 24 e 27 a 39, da Lei no. 8.987/95 e art. 31 da Lei no. 9.074/95 (conf. Art. 3º da Lei no. 11.079); vale dizer, o concessionário executará tarefas como se fosse empreiteiro, sendo remunerado pela própria Administração, mas atuará como se fosse concessionário de serviço público, estando sujeito às normas sobre transferência da concessão, intervenção, encampação, caducidade e outras formas de extinção previstas na lei 8.987; também se aplicam as normas dessa lei que estabelecem os encargos do poder concedente e do concessionário [...].150 E Gasparini assevera: A concessão administrativa refere-se a um contrato de prestação de serviços públicos ou de interesse público, ainda que envolva execução de obras ou o fornecimento e instalação de bens, de que a Administração seja usuária direta ou indireta. Nesta modalidade, a Administração Pública pode ocupar, conforme o interesse público, a posição de usuária direta ou indireta dos serviços desejados.151 As concessões administrativas referem-se aos contratos em que o particular assume os encargos de investir em infraestrutura acrescida da prestação de serviços de forma direta ou indireta para a Administração, com remuneração em médio ou longo prazo. Neste tipo de parceria, a iniciativa privada constrói e aluga à Administração Pública, que tem por objetivo a prestação de um serviço público de qualidade fornecido aos administrados. Na modalidade de concessão administrativa, a iniciativa privada receberá a contraprestação apenas da Administração Pública, pois não há cobranças de tarifas ao usuário privado pelo serviço, já que este é prestado somente ao órgão público.152 Carlos Ari Sundfeld dispõe de uma classificação didática em sua obra, dividindo a concessão administrativa em duas modalidades: “Há dois tipos de concessão administrativa: a de serviços públicos e a de serviços do Estado.”153 150 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.37. 151 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 469. 152 CRETELLA NETO, José. Comentários à Lei das Parcerias Público- Privadas- PPPs. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 38. 153 SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari(coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.29. 76 A concessão administrativa de serviços públicos refere-se ao contrato administrativo que tem como objeto a prestação dos serviços públicos elencados no artigo 175 da Constituição Federal. Os serviços são prestados diretamente aos administrados, sem cobrança de qualquer tarifa, e a remuneração ao concessionário é feita através de contraprestação versada em pecúnia pelo poder concedente (em conjunto ou não com outras receitas). Nesse caso, os administrados são os beneficiados imediatos das prestações, e a Administração Pública é a usuária indireta, portanto, possuindo direitos e responsabilidades econômicas. 154 A concessão administrativa de serviços do Estado refere-se ao contrato administrativo, que tem como objeto os mesmos serviços referidos no artigo 6º da Lei de Licitações. Nesta modalidade, a iniciativa privada oferece utilidades à própria Administração, que é usuária direta dos serviços e conferirá correspondente remuneração.155 A concessão administrativa não é um simples contrato de prestação de serviços - ao contrário do que pode parecer da leitura isolada do art. 2º, parágrafo 2º -, pois sempre incluirá a realização de investimentos pelo concessionário para criação, ampliação ou recuperação de infraestrutura, a serem amortizados no prazo do contrato (art. 5º, I), em montante de ao menos R$20 milhões.156 Portanto, na modalidade de concessão administrativa, a Administração Pública é usuária do serviço, direta ou indiretamente, e tal concessão envolve tão somente contraprestação pecuniária do parceiro público, pois esta modalidade é aplicada nos casos em que não há a possibilidade de cobrança de tarifa dos usuários. Deste modo, frise-se que “as concessões comuns não se incluem entre os contratos de PPP.”157 As concessões comuns são regidas exclusivamente por sua legislação específica, qual seja a Lei no. 8.987/1995. Em relação às concessões comuns, que não são objeto de nossos estudos, a Lei indica expressamente que essas modalidades não se constituem em parcerias público- privadas. A concessão comum, portanto, é aquela em que não há contraprestação em pecúnia ao concessionário. Nas lições de Maria Sylvia Zanella de Pietro: [...]a concessão de serviço público, em sua forma tradicional, que constitui contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere a outrem a execução de um serviço público, para que o execute por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço; a forma básica de remuneração é a tarifa paga pelo usuário, sendo possível a previsão contratual de outras formas de 154 SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari(coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.29. 155 Op.cit., p.30. 156 Op.cit., p.31. 157 Op.cit., p. 27. 77 remuneração, alternativas, acessórias, complementares ou decorrentes de projetos associados (conforme art. 11 da Lei no. 8.987/95); o subsídio pelo poder público, embora possível, para garantir tarifas sociais mais acessíveis ao usuário, está limitado pela norma do art. 17 da Lei no. 8.987, somente sendo cabível quando previsto em lei e garantido em igualdade de condições a todos os licitantes [...].158 A concessão comum, prevista na Lei das Concessões e Permissões, se constitui em um contrato administrativo, firmado entre a Administração Pública direta, denominada poder concedente, que transfere a prestação um determinado serviço público para empresa privada, denominada concessionária, que passa a ser remunerada exclusivamente mediante a cobrança de tarifa do usuário do serviço público, conforme disponibiliza o artigo 2º, inciso I, da Lei 8.987/95. A concessão comum pressupõe que o parceiro privado invista e, posteriormente, com a cobrança de tarifas dos usuários dos serviços públicos prestados, recupere seu investimento. A parceria público-privada consiste em uma modalidade diferenciada de contrato administrativo, com o objetivo de promover o incremento social, com eficiência, em áreas de interesse público, através do desenvolvimento de uma obra ou prestação de serviço público, com a amortização do investimento privado em médio ou longo prazo. 3.1.2 Sociedade de Propósito Específico Uma questão que merece destaque no tema refere-se à figura da Sociedade de Propósito Específico (SPE), que está prevista no artigo 9º da Lei Federal no. 11.079/2004, determinando que antes da celebração do contrato deve ser construída a SPE, com o objetivo de implantar e gerir o objeto da parceria. A SPE não é um instituto puramente novo. No caso da Lei no. 8.987/1995, a lei faculta a possibilidade da implantação da SPE, desde que prevista no edital da concessão tradicional de serviço público, e, caracterizando o interesse público na confecção positiva da Sociedade, esta deve ser disponibilizada por questão, inclusive, de princípio constitucional administrativo. Contrariamente ao caráter facultativo, no caso da Lei Federal das PPPs, a SPE é uma exigência. Essa Sociedade deverá ser criada pelo parceiro antes da celebração do contrato, com o objetivo de implantar e gerir o objeto da parceria, a quem caberá a propriedade dos bens resultantes do investimento, durante a vigência do contrato e até que se dê a sua 158 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outra formas . 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.37. 78 amortização. Esta SPE deve adotar padrões de contabilidade e demonstrações financeiras, com obediência aos padrões de governança corporativa, conforme regulamento. Em garantia aos financiadores, a Sociedade poderá dar os direitos emergentes da parceria, conforme requisitos e condições estabelecidos no contrato.159 A Lei veda a titularidade da maioria do capital votante do quadro societário desta Sociedade ao parceiro público, salvo na hipótese de aquisição da maior parte do capital votante por instituição financeira controlada pelo Poder Público, em caso de inadimplemento de contratos de financiamento da Sociedade. Em relação à transferência do controle da Sociedade de Propósito Específico, o artigo 9º, parágrafo 1, prevê a transferência do controle da sociedade, condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, sob pena de caducidade da concessão. Ainda conforme o disposto no parágrafo único do artigo 27 da Lei nº 8.987/95, o “pretendente deve atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço (inciso I) e comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor (inciso II)”.160 Sobre este assunto, Diógenes Gasparini assevera: O parceiro privado pode transferir o controle de sociedade, desde que haja prévia e expressa autorização do parceiro público, ou seja, da Administração Pública. Ademais, essa possibilidade deverá estar prevista e regulada no edital e no contrato de parceria público- privada. Observe-se que não basta só a previsão no edital. É indispensável para seu exercício que também esteja prevista e regulada no contrato, sob pena de entender-se que o parceiro privado renunciou a esse direito. Mas isso não é tudo, pois deve ser atendido, consoante prescreve o parágrafo 1º do art. 9º da Lei federal das PPPs, o disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei Federal das Concessões e Permissões. Por esse dispositivo, o parceiro privado deverá obter a prévia anuência da Administração Pública para legitimar a transferência do controle da sociedade de propósito especifico, demonstrando que o futuro controlador atende as exigências de capacitação técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do objeto da parceria público-privada. Ademais deve comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato de parceria.161 A transferência do controle acionário da Sociedade de Propósito Específico apresenta uma exceção, que é a transferência para os financiadores, sem a necessidade de demonstração de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à 159 BARBOSA, Marcondes Dias. Parcerias Público-Privadas (PPP). Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7448. Acesso em: 05 jan. 2011, p.1. 160 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.165. 161 GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.55. 79 assunção do serviço. Maria Sylvia apresenta uma ponderação acerca da exceção: “Trata-se, evidentemente, de um absurdo, pois se, nos termos do dispositivo, essa capacidade é necessária à assunção do serviço, não se pode admitir que a transferência seja feita a quem não demonstre essa capacidade.”162 Alguns doutrinadores, em conjunto com a ilustre Maria Sylvia Zanella Di Pietro, acreditam que a legislação, ao dispor a exceção, fere alguns princípios de interesse público, inclusive o princípio da isonomia, quando confere status diferenciado ao financiador. As normas devem ser utilizadas para atender os objetivos específicos das parcerias públicoprivadas, e as exigências da Lei, para colaborar com o perfeito andamento da Sociedade de Propósito Específico, devem ser aplicadas de forma congruente aos interessados. O propósito da Sociedade trazido pela Lei é certo e determinado, conforme a sua própria nomenclatura, e esse propósito deve ser a implantação e a gestão do objeto da parceria. Armando Luiz Rovai e Karina Bonetti afirmam que “a finalidade da parceria será sempre a satisfação do interesse público e não a satisfação do parceiro particular direto, tal como acontece com as sociedades em geral.”163 E continuam: Pode-se dizer, pois, que em uma PPP a Administração Pública, visando à satisfação do interesse público, tendo constatado sua incapacidade de cumprir o princípio constitucional da eficiência, mediante seus limites orçamentários, estabelece a parceria com o setor privado – que, por sua vez, almeja o lucro, mas não tem condições de por si só enfrentar o risco inerente à atividade final destinada ao público -, de maneira a viabilizar, então, a consecução de uma atividade que a ela, Administração Pública, cabia originalmente executar.164 Portanto, a figura da Sociedade de Propósito Específico tem o objetivo de seguir a finalidade da parceria entre a iniciativa privada e a Administração Pública, acompanhando os padrões da governança corporativa dos procedimentos contábeis e das demonstrações financeiras da PPP proposta. 3.1.3 Órgão gestor das parcerias público-privadas O artigo 14 da Lei Federal das PPPs determina que seja instituído, por decreto, o órgão gestor de parcerias público-privadas federais. “[...] a União, por força do art. 14 da Lei 162 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.165. 163 ROVAI, Armando Luiz; BONETTI, Karina. Da necessidade de construir Sociedade de Propósito Específico, segundo as regras dispostas nos arts. 1.039 a 1.092 do novo Código Civil. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.293. 164 Op.cit., p.293. 80 Federal das PPPs, criou, pelo Decreto Federal no. 5.385, de 2005, o órgão gestor de parcerias público-privadas, o denominado de Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal (CGP) [...].”165 O CGP tem as seguintes competências: I- definir os serviços prioritários para execução no regime de parceria público-privada e os critérios para subsidiar a análise sobre a conveniência e oportunidade de contratação sob esse regime; II- disciplinar os procedimentos para celebração dos contratos de parceria público-privada e aprovar suas alterações; IIIautorizar a abertura de procedimentos licitatórios e aprovar os instrumentos convocatórios e de contratos e suas alterações; IV- apreciar e aprovar os relatórios semestrais de execução de contratos de parceria público-privada, enviados pelos Ministérios e Agências Reguladoras, em suas áreas de competência; V- elaborar e enviar ao Congresso Nacional e ao Tribunal de Contas da União relatório anual de desempenho de contratos de parceria público-privada e disponibilizar, por meio de sítio na rede mundial de computadores (Internet), as informações nele constantes, ressalvadas aquelas classificadas como sigilosas; VI- aprovar o Plano de Parcerias Público-Privadas (PLP), acompanhar e avaliar a sua execução; VII- autorizar a apresentação de projetos, estudos, levantamentos ou investigações elaborados por pessoas físicas ou jurídicas não pertencentes à Administração Pública direta ou indireta, que possam ser eventualmente utilizados em licitação de parceria público-privada, desde que a autorização se relacione com projetos já definidos como prioritários pelo CGP, com o intuito de permitir o ressarcimento previsto no art. 21 da Lei no 8.987, de 1995; VIII - estabelecer os procedimentos e requisitos dos projetos de parceria público-privada e dos respectivos editais de licitação, submetidos à sua análise pelos Ministérios e Agências Reguladoras; IXestabelecer modelos de editais de licitação e de contratos de parceria público-privada, bem como os requisitos técnicos mínimos para sua aprovação; X- estabelecer os procedimentos básicos para acompanhamento e avaliação periódicos dos contratos de parceria públicoprivada; XI- elaborar seu regimento interno; e XII- expedir resoluções necessárias ao exercício de sua competência. O Comitê é coordenado pelo representante escolhido do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, “[...] a quem caberá convocar e presidir as reuniões e coordenar e supervisionar a execução do Plano de Parcerias Público-Privadas (PLPs).”166 165 GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.55. 166 GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.57. 81 A composição do CGP é feita por três membros titulares e três suplentes, através de indicações respectivamente do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Ministro da Fazenda e da Casa Civil da Presidência da República. 3.1.4 Licitação e contratação das parcerias público-privadas Por imposição legal, as licitações das parcerias público-privadas deverão ocorrer na modalidade de Concorrência. A modalidade de Concorrência das PPPs não trata do estabelecimento idêntico da modalidade prevista pela Lei no. 8.666/1993. Notemos o artigo 22, parágrafo 1º da Lei no. 8.666/1993, in verbis: Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. A Lei Federal 11.079/2004 não criou uma nova modalidade de licitação, porém não é uma modalidade pura e simples como a Concorrência definida acima. A Lei 8.666/93 estabelece as normas gerais para licitações e contratos administrativos, sendo, consequentemente, aplicáveis a qualquer procedimento licitatório, ressalvadas apenas as normas objeto de regime específico como é o caso das pertinentes a parcerias público-privadas [...].167 Portanto, a afirmação de que a modalidade de licitação específica das parcerias público-privadas não se refere à mesma modalidade de licitação, elencada em outra legislação, nos permite dizer mais uma vez que, para o Direito, nada importa a denominação e sim o real conteúdo que a lei sugere. A abertura do processo licitatório está condicionada à autorização do órgão competente, fundamentada em estudo técnico que demonstre: a) a conveniência e a oportunidade da contratação, mediante identificação das razões que justifiquem a opção pela forma de parceria público-privada; b) a demonstração de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal; c) a submissão da minuta do edital e do contrato à consulta pública; e d) a licença ambiental prévia ou diretriz para o licenciamento ambiental do empreendimento, na forma do regulamento, sempre que o objeto do contrato exigir. Importante destacar que, nas concessões patrocinadas em que mais de 70% (setenta por cento) da remuneração do parceiro privado forem pagos pela Administração Pública, além 167 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.58. 82 da autorização do órgão administrativo competente, será necessária autorização prévia do Poder Legislativo, conforme parágrafo 3º do artigo 10, da Lei, como já dito anteriormente. Em relação à autorização e motivação, verifica-se a necessidade da autoridade administrativa fundamentar a escolha da PPP, que demonstre conveniência e características de oportunidade, e que o interesse público seja sempre preservado. Nas licitações cujo objeto seja a contratação de parceria público-privada, tal como sucede com os demais procedimentos licitatórios, é necessária a prévia autorização da autoridade à qual compete decidir sobre a abertura do procedimento, decisão esta a ser fundamentada em estudo técnico tendo por objeto a aferição da conveniência e da oportunidade no estabelecimento da parceria e a demonstração de que o interesse público envolvido no motivo (pressuposto fático) da licitação será atendido mais adequadamente mediante parceria público-privada do que mediante outras soluções.168 A Lei de Responsabilidade Fiscal nas licitações dos contratos de parceria públicoprivada é um fator importante e que merece destaque, principalmente pelos aspectos controvertidos das legislações. Os estudos técnicos que antecederem a abertura da licitação devem demonstrar a observância da Lei de Responsabilidade Fiscal nos contratos de parcerias público-privadas. Vejamos o artigo, in verbis: Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo licitatório condicionada a: I – autorização da autoridade competente, fundamentada em estudo técnico que demonstre: [...] b) que as despesas criadas ou aumentadas não afetarão as metas de resultados fiscais previstas no Anexo referido no § 1o do art. 4o da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa; e c) quando for o caso, conforme as normas editadas na forma do art. 25 desta Lei, a observância dos limites e condições decorrentes da aplicação dos arts. 29, 30 e 32 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, pelas obrigações contraídas pela Administração Pública relativas ao objeto do contrato; II – elaboração de estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios em que deva vigorar o contrato de parceria público-privada; III – declaração do ordenador da despesa de que as obrigações contraídas pela Administração Pública no decorrer do contrato são compatíveis com a lei de diretrizes orçamentárias e estão previstas na lei orçamentária anual; IV – estimativa do fluxo de recursos públicos suficientes para o cumprimento, durante a vigência do contrato e por exercício financeiro, das obrigações contraídas pela Administração Pública; 168 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.61. 83 V – seu objeto estar previsto no plano plurianual em vigor no âmbito onde o contrato será celebrado; [...]. A Lei de Responsabilidade Fiscal determina o controle dos gastos dos Estados e dos Municípios, condicionado à capacidade de arrecadação de tributos desses entes políticos. As restrições previstas nessa Lei são limitadas no tempo em função do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária anual. A Lei Federal das parcerias público-privadas acompanhou a demonstração das despesas exigidas pela Lei complementar no. 101/2000; porém, a doutrina dispõe as dificuldades e os conflitos das normas: A dificuldade, no entanto, de dar cumprimento às exigências dessa lei é grande, em razão do prazo de duração dos contratos de parceria públicoprivada, que vai de cinco a trinta e cinco anos. Ocorre que as restrições previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal são limitadas no tempo em função do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual. Se a Lei no. 11.079 exige, por exemplo, elaboração de estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios em que deva vigorar o contrato de parceria público-privada (dando cumprimento ao artigo 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal), isto significa que a cada exercício esse estudo deverá ser repetido; se constatado que a despesa não é compatível com o plano plurianual, com a Lei de Diretrizes Orçamentárias ou com a Lei Orçamentária Anual, o contrato terá que ser obrigatoriamente rescindido.169 Para o cumprimento fiel das diretrizes orçamentárias previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal seriam necessárias as estimativas orçamentárias de todo o prazo de vigência do contrato, o que, na visão de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, como o prazo previsto nos contratos de PPP é longo, não há possibilidade de serem executadas. Nessa mesma escolta, Bittencourt define: “Estimar o fluxo de recursos com precisão em contratos de duração elevadíssima é, a nosso ver, tarefa para pitonisas.”170 Assim, é possível afirmar que, apesar da dificuldade do fiel cumprimento das recomendações das diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal nos contratos de parcerias público-privadas, é necessário que estes observem fielmente a Lei de Responsabilidade Fiscal, a fim de que não haja suposta fraude à legislação. Uma novidade trazida pela Lei é a exigência da previsão do contrato de PPP ser precedido por consulta pública. 169 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.172. 170 BITTENCOURT, Sidney. Parceria Público-Privada passo a passo. Comentários à Lei no. 11079, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu a PPP no Brasil. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2007, p.83. 84 Destarte, a minuta do edital e do contrato de parceria público-privada deve ser submetida à consulta pública, em consonância com o princípio da participação popular, inerente ao Estado Democrático de Direito. Essa publicação deve ser feita mediante imprensa oficial, em jornais de grande veiculação e por meio eletrônico, informando a justificativa para a contratação, a identificação do objeto e o seu valor estimado.171 A abertura da licitação também está condicionada à licença ambiental do empreendimento, caso o objeto da parceria assim o exija. Quanto ao processo licitatório, a Lei Federal limita-se a estabelecer alguns procedimentos específicos, através dos artigos 11 a 13. Vale lembrar que as Leis nos. 8.666/1993 e 8.987/1995 devem ser aplicadas complementarmente à questão. O artigo 11 refere-se ao instrumento convocatório e dispõe que o referido instrumento deverá conter a minuta do contrato e ainda a indicação expressa da submissão da licitação das regras contidas na Legislação Federal das parcerias, além da aplicação subsidiária dos artigos 15, parágrafos 3º, 4º, 18, 19 e 21 da Lei no. 8.987/1995. Isto significa dizer que há: a) possibilidade de recusa do poder concedente das propostas manifestamente inexequíveis ou financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação (artigo 15, parágrafo 3º); b) preferência à proposta apresentada por empresa brasileira, em igualdade de condições entre as licitantes (artigo 15, parágrafo 4º); c) elaboração do edital pelo poder concedente segundo critérios e normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos, com inclusão dos itens especialmente indicados (artigo 18); d) observância das normas sobre a participação de empresas em consórcio (artigo 19); e) exigência de serem postos à disposição dos interessados os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimento já efetuados, vinculados à licitação, realizados pelo poder concedente ou com sua amortização, cabendo ao vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no edital (artigo 21). Ademais, o instrumento convocatório deve cumprir: a) exigência de garantia de proposta do licitante, observado o limite do inciso III do art. 31 da Lei no. 8.666/1993 (1% do valor estimado do objeto do contrato); b) emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em Língua Portuguesa, nos termos da Lei no. 9.307/ 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato; c) garantias, quando houver, da contraprestação do parceiro público a serem concedidas ao parceiro privado. 171 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.173. 85 Em relação à utilização do emprego da arbitragem, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, dispõe que a norma provocará controvérsias, tendo em vista a própria legislação vigente referente à arbitragem no Brasil, a Lei no. 9.307/1996, que disciplina expressamente a impossibilidade da utilização deste mecanismo privado de resolução de disputas com relação aos interesses indisponíveis. “O certo seria que a Lei no. 11.079 delimitasse as hipóteses em que a arbitragem pode ser utilizada, restringindo a discricionariedade do poder concedente na elaboração do edital.”172 Além da observância do procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e contratos administrativos, o certame para a contratação de PPP obedecerá ao seguinte: I– o julgamento poderá ser precedido de etapa de qualificação de propostas técnicas, desclassificando-se os licitantes que não alcançarem a pontuação mínima, os quais não participarão das etapas seguintes; II– o julgamento poderá adotar como critérios, além dos previstos nos incisos I e V do art. 15 da Lei no. 8.987/1995, os seguintes: a) menor valor da contraprestação a ser pago pela Administração Pública; b) melhor proposta em razão da combinação do critério da alínea a com o de melhor técnica, de acordo com os pesos estabelecidos no edital; III– o edital definirá a forma de apresentação das propostas econômicas, admitindo-se: a) propostas escritas em envelopes lacrados; ou b) propostas escritas, seguidas de lances em viva voz; IV– o edital poderá prever a possibilidade de saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro do prazo fixado no instrumento convocatório. A admissão de apresentação de proposta escrita, seguida de lances em viva voz, é mais uma novidade trazida pela modalidade de concorrência nas parcerias público-privadas. “Embora o procedimento tradicional da concorrência só admita proposta escrita, o edital para a escolha do parceiro privado pode permitir a apresentação de proposta escrita seguida de lances verbais [...].”173 Na situação em que ocorrer a proposta escrita, seguida de lances verbais, estes sempre serão oferecidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas. O edital não poderá limitar a quantidade de número de lances, porém o edital poderá restringir a apresentação de lances em viva voz aos licitantes, cuja proposta escrita for no máximo 20% maior que o valor da melhor proposta, conforme artigo, 12, II, parágrafo 12 da Lei Federal das PPPs. 172 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.175. 173 GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.47. 86 O exame de propostas técnicas, para fins de qualificação ou julgamento, será feito por ato motivado, com base em exigências, parâmetros e indicadores de resultado pertinentes ao objeto, definidos com clareza e objetividade no edital. Excepcionalmente, o edital poderá prever a inversão da ordem das fases de habilitação e julgamento, hipótese em que: I– encerrada a fase de classificação das propostas ou o oferecimento de lances, será aberto o invólucro com os documentos de habilitação do licitante mais bem classificado, para verificação do atendimento às condições fixadas no edital; II– verificado o atendimento das exigências do edital, o licitante será declarado vencedor; III– inabilitado o licitante mais bem classificado, serão analisados os documentos habilitatórios do licitante com a proposta classificada em 2o (segundo) lugar, e, assim, sucessivamente, até que um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital; IV– proclamado o resultado final do certame, o objeto será adjudicado ao vencedor nas condições técnicas e econômicas por ele ofertadas. Desta forma, resta-nos ponderar que as parcerias entre a Administração Pública e a iniciativa privada, com fundamentos e características no contrato de PPPs, regulados pela Lei Federal no. 11.079/2004, devem ser antecedidas por uma modalidade especial licitatória, com o objetivo de viabilizar de maneira satisfatória e eficiente os serviços e as obras públicas, disponibilizados para a população brasileira. 3.1.5 Diretrizes da Lei Federal no. 11.079/2004 A Lei 11.079/2004, em seu artigo 4º, indica as diretrizes a serem observadas nas parcerias público-privadas. Ressalte-se que o vocábulo “diretriz”, segundo o Dicionário Aurélio, deve ser compreendido como um conjunto de instruções ou indicações para levar a termo um plano, uma ação, etc.174 As diretrizes explicitadas na Lei no.11.079/2004 são extraídas dos princípios da Administração Pública, como eficiência, respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes incumbidos da sua execução, indelegalibidade das funções de regulação, jurisdicional e do exercício do poder de polícia, responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias, transparência dos procedimentos e das decisões, repartição objetiva dos riscos entre as partes, sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas do projeto de parceria. 174 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004, p.684. 87 O princípio constitucional da eficiência deve ser enaltecido, pois deve ser interpretado como uma garantia na qualidade dos serviços públicos e qualquer atividade desenvolvida pela Administração Pública deve cumprir tal preceito constitucional, como será visto adiante. A diretriz que trata do respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes incumbidos da sua execução reitera a necessidade de cumprimento do princípio da legalidade por parte dos envolvidos no contrato. A indelegalibidade das funções de regulação, jurisdicional e do exercício do poder de polícia impede que o Estado transfira à iniciativa privada as competências ínsitas dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. A responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias refere-se ao desdobramento da Lei de Responsabilidade Fiscal, determinando a execução do contrato em consonância com os limites orçamentários do ente público. A transparência dos procedimentos e das decisões refere-se ao desdobramento dos princípios que regem a Administração Pública, em especial, os princípios da publicidade e da motivação das decisões administrativas, a fim de viabilizar o efetivo controle administrativo das parcerias. A repartição objetiva dos riscos entre as partes indica que o risco da atividade a ser empreendida deve ser compartilhado entre os parceiros. A sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas do projeto de parceria determinam que a parceria público-privada deve atender tanto às necessidades de retorno financeiro do parceiro privado, como também atender às exigências do interesse público do objeto do contrato. 3.2 DOS CONTRATOS DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA A natureza jurídica da relação entre a Administração Pública e a iniciativa privada, no âmbito das parcerias público-privadas, é de natureza contratual, regulada pelo Direito Administrativo; portanto, não se trata de um instituto puramente original. A Lei Federal no. 11.079/2004 estipula as cláusulas obrigatórias e facultativas desse contrato. Neste momento, a Lei enfatiza que as diretrizes do artigo 23 da Lei Federal no. 8.987/1995, a Lei das Concessões e Permissões, deverão ser observadas no que couber. Em relação aos prazos de validade contratual, a Lei dispõe expressamente que o prazo de vigência do contrato não pode ser inferior a 5 (cinco) anos e nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, e que ainda este prazo deve ser compatível com a amortização dos investimentos 88 realizados; porém, logicamente é limitado ao período máximo de 35 anos, incluindo eventual prorrogação. Maria Sylvia Zanella Di Pietro propõe uma questão interessante quanto ao prazo: “Verificando-se que o mesmo não foi suficiente para a recuperação dos investimentos feitos pelo parceiro privado, a prorrogação poderá fazer-se pelo prazo suficiente para que essa recuperação ocorra.”175 Desta forma, mesmo que o prazo máximo determinado em lei seja elevado, não havendo recuperação do investimento por parte do parceiro privado, este poderá solicitar uma prorrogação até o limite da amortização de seus investimentos. Porém, é claro que, havendo resistência em relação à prorrogação contratual, o parceiro privado pode pleitear indenização por perdas e danos na Justiça. Os princípios inerentes aos contratos de parcerias público-privadas, como o princípio da equidade, da razoabilidade, da continuidade, da indisponibilidade do interesse público, entre outros, sugerem um equilíbrio econômico-financeiro entre as partes contratantes. O artigo 5º, III e IV da Lei Federal, prevê que os riscos inerentes ao contrato são repartidos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e a álea econômica extraordinária. Blanchet dispõe uma crítica referente à repartição dos riscos entre as partes, no tocante ao fato do príncipe e a álea econômica. “Seria absurdo repartir meio a meio os efeitos relativos à oneração dos custos da execução do contrato quando devidos a fato do príncipe. O mesmo pode-se afirmar em relação à álea econômica extraordinária[...].”176 Sidney Bittencourt também traz uma crítica sobre issos: O compartilhamento dos riscos entre as partes envolvidas é natural nas parcerias. Entretanto, causa profunda estranheza que o rol de matérias a serem compartilhadas conste o denominado Fato do Príncipe. Sendo esse fato uma determinação do Poder Público (positiva ou negativa e imprevista) que venha a onerar a execução contratual, é seguramente um enorme contrasenso determinar que a parte privada assuma responsabilidade por fato oriundo de manifestação ou ato da própria Administração [...].177 Observa-se que o compartilhamento de riscos deve existir nos contratos de PPP como nos demais contratos juridicamente aceitos; porém, o questionamento acerca deste 175 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.170. 176 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.32-31 177 BITTENCOURT, Sidney. Parceria Público-Privada passo a passo. Comentários à Lei no. 11079, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu a PPP no Brasil. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2007, p.57-58. 89 compartilhamento em relação a fato do príncipe e álea econômica extraordinária refere-se a uma questão econômica, totalmente voltada ao Estado. O compartilhamento de riscos nos contratos de parcerias público-privadas dispõe uma diferença bastante marcante em relação às concessões comuns. Nas concessões tradicionais, o concessionário age por sua conta e risco, respondendo o Poder Público subsidiariamente, enquanto que nos contratos de PPPs, a responsabilidade do Estado é solidária. O contrato de parceria deve demonstrar as formas de renumeração e as formas de atualização dos valores contratuais. É interessante que o instrumento contratual realmente seja bastante explícito na questão geral dos formatos de remuneração, pois se trata de um contrato complexo e duradouro. Nas duas modalidades de parcerias público-privadas existe uma contraprestação pecuniária do parceiro público à iniciativa privada. Esta é uma característica peculiar das PPPs, pois, se esta prestação não ocorrer, caracterizar-se-á a concessão em concessão comum, regida pela Lei no. 8.987/1995.178 Na modalidade de concessão patrocinada, essa contraprestação do parceiro público é um plus em relação à tarifa cobrada do usuário; já na concessão administrativa, a prestação se constituirá em uma forma básica de remuneração. Vejamos o artigo 6º da Lei, in verbis: Art. 6o A contraprestação da Administração Pública nos contratos de parceria público-privada poderá ser feita por: I – ordem bancária; II – cessão de créditos não tributários; III – outorga de direitos em face da Administração Pública; IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais; V – outros meios admitidos em lei. Parágrafo único. O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato. Verifica-se, então, que a contraprestação da Administração Pública à iniciativa privada não necessariamente deve ser feita na forma de pecúnia, existindo outras modalidades de remuneração. Mais uma questão interessante dos contratos de parcerias refere-se aos mecanismos para a preservação da atualidade, a saber, o cumprimento de um dos princípios fundamentais do serviço público, qual seja, a modernização e a atualização da prestação dos serviços. O foco dessa questão está no acompanhamento da evolução da sociedade, pois o contrato de 178 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.155. 90 parceria público-privada deve atender os anseios de uma sociedade atual, independentemente do momento em que a licitação foi promovida. O contrato deve explicitar os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia. A avaliação do desempenho também é exigida pelos contratos de parcerias públicoprivadas. Na verdade, essa atividade é exigida em todos os contratos celebrados com a Administração Pública, e não somente nos de parceria público-privada. Infelizmente, o que se tem apurado nos contratos celebrados pela Administração Pública é a pouca importância dada aos procedimentos de avaliação de desempenho. Blanchet acredita que a falta de observação dessa avaliação se deve ao desconhecimento. “Pouca importância, infelizmente, tem sido dada a avaliações de desempenho; cremos que assim sucede principalmente em razão do desconhecimento.”179 E continua, “Não se trata, portanto, de mera faculdade para o agente da Administração, mas, de dever, pois a falta de um sistema de acompanhamento do desempenho dos contratados leva fatalmente a contratações futuras insatisfatórias ao interesse público.”180 O que se espera é que haja uma Administração Pública com planejamento de metas e busca de resultados. E é claro que nos contratos firmados com a Administração Pública não se deve admitir nenhum tipo de fundamento para escusar da responsabilidade de se obter qualidade e eficiência nos serviços prestados. O compartilhamento dos ganhos econômicos com a Administração Pública também deve estar presente nas parcerias. Tal compartilhamento está previsto na ocorrência de ganhos econômicos efetivos ao parceiro privado, decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pela iniciativa privada. Esta cláusula contratual tem sofrido bastante resistência, pois alguns doutrinadores acreditam que seja uma norma censurável. “Trata-se de norma injusta, pois, se o parceiro privado teve redução do risco de crédito dos financiamentos que utiliza, os méritos são do parceiro privado, não havendo por que compartilhar os ganhos econômicos desse fato com a Administração.”181 Ainda em relação ao compartilhamento, Sidney Bittencourt elucida outra preocupação. 179 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.35. 180 Op.cit., p.35. 181 MUKAI, Toshio. Parcerias público-privadas: comentários à Lei Federal no. 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e à Lei Municipal de Vitória/ES. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.10. 91 Na prática, não parece nada fácil a aplicação do regramento: primeiro, porque é de duvidosa avaliação; depois, porque não define a mensuração da partilha dos ganhos econômicos; e, por fim, porque não prevê a proporção da repartição, permitindo a conclusão de que o percentual dependerá da previsão contratual, muito embora a lógica sinalize para a divisão em partes iguais.182 Em outra linha, Maria Sylvia dispõe que a regra do compartilhamento de ganhos econômicos se justifica, pois “o poder público poderá oferecer garantias ao financiador do projeto (art. 5º, parágrafo 2º), reduzindo, dessa forma, os riscos do empreendimento.”183 Desta maneira, verifica-se que o compartilhamento de ganhos econômicos entre o parceiro público e o parceiro privado deve ser efetuado de forma harmônica com as demais diretrizes contratuais. O que nos parece é que o legislador, ao enfrentar a questão das parcerias, procurou equiparar os parceiros na repartição dos riscos e também no compartilhamento dos ganhos econômicos excedentes. A Lei estabeleceu ainda que o parceiro público está obrigado a realizar a vistoria dos bens reversíveis, inclusive autorizando o Poder Público a reter os pagamentos ao parceiro privado. Esta cláusula se justifica, pois no caso de eventual irregularidade, os bens são passíveis de ressarcimento ao patrimônio público. 3.2.1 Do valor contratual Outro aspecto bastante interessante e também controvertido da legislação no. 11.079/2004 diz respeito ao valor contratual estampado na própria Lei, que determina que os contratos de parcerias público-privadas não podem ser inferiores a R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais), in verbis: Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. [...] § 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada: I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais). O autor Toshio Mukai acredita que tal exigência da Lei apresenta-se como inconstitucional. “O inc. I, a nosso ver, mesmo pretendendo constituir-se em norma geral, 182 BITTENCOURT, Sidney. Parceria Público-Privada passo a passo. Comentários à Lei no. 11079, de 30 de dezembro de 2004, que instituiu a PPP no Brasil. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2007, p.62. 183 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.157. 92 parece-nos inconstitucional, eis que se imiscui na autonomia financeira e administrativa dos Estados e Municípios.”184 A verdade é que existem possibilidades de parcerias público-privadas que envolvem valores menores. Os contratos estaduais ou municipais que envolvam valores menores de vinte milhões de reais não podem ser massacrados, desde que objetivem viabilizar serviços ou obras públicas em suas regiões, dentro dos princípios constitucionais e das diretrizes indicadoras das parcerias público-privadas. 3.2.2 Do controle dos contratos de parcerias público-privadas Em relação ao controle dos contratos de parcerias público-privadas, a Lei Federal das PPPs não contém as normas gerais. Portanto, neste caso, as leis que serão aplicadas são as previstas na Lei Federal no. 8.987/1995. Algumas normas são determinadas especificamente para a União, quais sejam: segundo o artigo 14, parágrafo 4º da Lei no.11.079/2004, o controle dos contratos de PPPs deve ser feito pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de Contas, exigindo que os relatórios de desempenho dos contratos sejam remetidos periodicamente; o parágrafo 6º do mesmo artigo garante à iniciativa privada a publicidade dos relatórios de desempenho, por meio de rede pública de transmissão de dados; no artigo15, está determinado que a competência para acompanhar e fiscalizar os contratos federais de PPPs é dos Ministérios e das Agências Reguladoras. 3.2.3 As garantias contratuais nas parcerias público-privadas Os contratos administrativos que envolvem as parcerias público-privadas, geralmente têm um prazo longo, envolvem investimentos financeiros altos e necessariamente têm como objeto uma prestação de serviço ou obra pública de interesse público social importante. Por tais motivos, as garantias, tanto em relação ao parceiro público como em relação ao privado, devem ser estudadas e previstas, a fim de atrair ainda mais os investimentos da iniciativa privada neste importante segmento público: as PPPs. Algumas garantias vieram previstas na Lei no. 11.079/2004 e outras já existiam no nosso ordenamento e foram incorporadas, para garantir o cumprimento dos contratos de 184 MUKAI, Toshio. Parcerias público-privadas: comentários à Lei Federal no. 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e à Lei Municipal de Vitória/ES. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.6. 93 parcerias público-privadas. As garantias ainda sofrem algumas resistências, principalmente da doutrina. Primeiramente, insta destacar que a Lei Federal indica em seu artigo 29 as penalidades e prescreve que, sem prejuízos das sanções financeiras previstas dos contratos de parcerias público-privadas, serão aplicadas as penalidades previstas no nosso Código Penal, no que couber, além das penalidades impostas pela Lei de Improbidade Administrativa, a Lei no. 8.429/1992, pela Lei de Crimes Fiscais, a Lei n. 10.028/2000, pela Lei de Responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores, o Decreto-Lei no 201/1967, e pela Lei de Crimes de Responsabilidade Fiscal, Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950. Porém, o legislador não determinou os sujeitos que estão subordinados às aplicações das penas nem tampouco descreveu as hipóteses de sua incidência, o que torna a aplicação dessas penas de duvidosa constitucionalidade.185 Desta forma, a Lei traz uma tentativa de demonstrar a incidência de aplicação de multas ou penas, no caso de inadimplemento da obrigação contratual; porém, não evidencia claramente as penalidades que serão aplicadas. O que se crê é que as penalidades serão aplicadas de forma proporcional à gravidade das faltas cometidas e das obrigações assumidas. Além das penalidades previstas em Lei, as garantias das parcerias público-privadas também devem ser analisadas sob quatro ângulos, a saber: a garantia que o Poder Público presta ao parceiro privado; a garantia que o parceiro privado presta ao Poder Público; a garantia que o Poder Público presta aos financiadores do projeto; e, por fim, a garantia que o parceiro privado presta aos seus financiadores. As garantias que o Poder Público presta ao parceiro privado são enumeradas na própria legislação específica, conforme o artigo 8º, in verbis: Art. 8o As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante: I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da Constituição Federal; II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público; V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; VI – outros mecanismos admitidos em lei. 185 GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.58. 94 A vinculação de receitas não pode ofender os princípios e limitações constitucionais, o que significa dizer que não há possibilidade de vinculação de receitas referentes aos impostos, porém, as receitas decorrentes dos demais tributos e de outras fontes da Administração Pública poderão ser vinculadas. Sobre este assunto, o doutrinador Kiyoshi Harada dispõe: [...] vinculação tem o sentido de preservar o equilíbrio entre o montante do empréstimo público (dívida pública) e o valor da receita antecipada, evitando-se situações de desequilíbrio orçamentário. Por isso, a entidade política mutuante é obrigada a manter, permanentemente, na lei orçamentária anual, dotação específica para garantia do pagamento da dívida, enquanto esta perdurar.186 A grande inovação da Lei foi a previsão do Fundo Garantidor das Parcerias PúblicoPrivadas federais, que tem como objetivo a prestação da garantia do cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pelo parceiro público, garantindo aos parceiros privados uma solidez do contrato, reduzindo as incertezas e os riscos concernentes aos compromissos financeiros assumidos pelo Governo Federal em contratos de PPP. O artigo 16 prevê que a União, suas autarquias e fundações públicas participarão, com o limite global de seis bilhões de reais para o Fundo, que terá por finalidade garantir o pagamento das obrigações pecuniárias assumidas pelo parceiro público em virtude das parcerias firmadas. Esse Fundo foi previsto dentro do contexto de uma série de garantias a serem oferecidas pela Administração Pública ao empreendedor privado, tendo em vista os prazos longos que geralmente envolvem os contratos de parcerias público-privadas. O autor Toshio Mukai afirma que as cinco garantias expressas na legislação são garantias robustas, e que o Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas complementam a seara da garantia de pagamento das obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais.187 Taciana de Oliveira Salera demonstra que a estrutura patrimonial do FGP está alicerçada nos seguintes aspectos: Gestão Profissional e Política de Investimento: O FGP será gerido pelo Banco do Brasil, instituição financeira federal especializada em gestão de recursos de terceiros, credenciada pela Comissão de Valores Mobiliários CVM para a realização dessa atividade. Tal gestão deverá se pautar por critérios mais conservadores, restringindo as aplicações de maior risco que poderiam comprometer o patrimônio aportado. 186 HARADA, Kiyoshi apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.174. 187 MUKAI, Toshio. Parcerias Público-Privadas: Comentários à Lei Federal no. 11.079/2004, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ ES. 1. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2005, p.13. 95 Qualidade dos Ativos: Será escolhida empresa independente para avaliação dos ativos no momento de sua integralização pelo Governo Federal, sendo ainda responsável pela marcação dos mesmos ao mercado, em conformidade com as práticas determinadas pelo Banco Central do Brasil e pela CVM. Assim, como definido no Decreto n° 5.411/2005, as ações que integrarão o fundo garantem sua rentabilidade e liquidez, facultando-se, ainda, o ingresso de outros tipos de ativos de equivalente qualidade. Sustentabilidade: Em caso de eventual inadimplemento, o FGP deve subrogar-se nos direitos do parceiro privado, ficando a Administradora obrigada a acionar o ordenador de despesa inadimplente.188 E continua sua explanação acerca da solidez da garantia, nos seguintes aspectos: Garantia de Equilíbrio: O FGP ficará impedido de outorgar nova garantia se for verificado que o valor presente de todas as garantias emitidas supera o valor presente dos ativos. Caso o desequilíbrio seja avaliado como permanente, a Administradora, que deve reavaliar mensalmente essa relação, solicitará ao cotista a integralização de novos ativos ao fundo. Qualidade da Garantia: A modalidade de garantia a ser outorgada ao parceiro privado depende do tipo de ativo na carteira do FGP, impondo uma margem de segurança a mitigar a possibilidade de um descasamento entre a liquidez do ativo e a da garantia outorgada. Regras para liquidação: O Regulamento do FGP obriga o gestor a receber todos os pedidos de execução de garantia, consoante o comando expresso na Lei n° 11.079/2004. Estabelece ainda o prazo máximo de 15 dias úteis para o pagamento da garantia, caso o pleito do parceiro privado seja procedente e a Administração Pública não tenha providenciado o pagamento ou a contestação da fatura nesse período. Ademais, admite-se a utilização de arbitragem, desde que previsto no contrato de PPP. Restrições a decisões discricionárias dos Cotistas: Vedou-se a possibilidade do parceiro público interferir nas decisões do FGP que possam representar risco ao cumprimento de suas obrigações. Comprometimento jurídico: As garantias outorgadas pelo FGP serão expressas em edital e contrato de PPP, de maneira detalhada, visando a dar forma jurídica clara aos direitos e obrigações das partes.189 O FGP divulga periodicamente a sua evolução patrimonial e também os fatos relevantes à confiabilidade e valorização deste patrimônio, com o escopo de transparência de seus atos. Assim, o FGP apresenta-se como uma entidade contábil sem personalidade jurídica, criada por lei, com objetivo de dar sustentação financeira ao Programa de PPP, tendo como beneficiárias as empresas parceiras definidas e habilitadas nos termos da lei. 188 SALERA, Taciana de Oliveira. O novo regulamento do fundo garantidor das Parcerias Público-Privadas do Governo Federal. Disponível em: www. azevedosette.com.br/ ppp/ artigos/ novo _ regulamento. Acesso em: 13abril 2010, p.1. 189 SALERA, Taciana de Oliveira. O novo regulamento do fundo garantidor das Parcerias Público-Privadas do Governo Federal. Disponível em: www. azevedosette.com.br/ ppp/ artigos/ novo _ regulamento. Acesso em: 13abril 2010, p.1. 96 Uma questão interessante do Fundo diz respeito a sua natureza, que é privada, e que possui patrimônio próprio separado dos cotistas, características que garantem ainda mais o seu objetivo no cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pela Administração Pública, no âmbito das PPPs. De acordo com a legislação, os bens e direitos integralizados devem apresentar laudo fundamentado por empresa especializada, em que constarão os critérios utilizados na avaliação, sendo instruído com os documentos relativos aos bens avaliados. O valor previsto para a somatória dos valores deve observar o limite global, como já foi dito, e é de seis bilhões de reais. Não resta dúvida de que o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas foi uma grande inovação do ordenamento. Esse novo instituto traz garantias anteriormente desconhecidas. O FGP diferencia tal modalidade de concessão e tipifica os contratos de parcerias público-privadas. Há dois tipos de garantias que o parceiro privado presta ao parceiro público: a garantia da proposta e a garantia da execução do contrato. A garantia de proposta deve ser prestada em relação à qualificação econômicofinanceira do parceiro privado. Essa garantia deve estar prevista no edital da licitação, estando limitada a 1% do valor do objeto da contratação. Tal garantia é uma segurança para o Poder Público, no sentido de que o parceiro privado possui condições financeiras de arcar com os investimentos decorrentes do contrato de parceria. A segurança em questão é uma condição de habilitação do procedimento licitatório. A garantia de execução do contrato, exigida em momento posterior à habilitação no procedimento licitatório, também deve estar prevista no edital e pode chegar a 10% do valor total do contrato de parceria firmado, sendo um instrumento que assegura à Administração o cumprimento pelo contratado da obrigação assumida. A prestação de garantias de execução do objeto da parceria, por parte do parceiro privado, vincula-se aos princípios da suficiência e da compatibilidade, tendo por parâmetros o conteúdo e o vulto dos ônus e riscos envolvidos. A garantia deve ser suficiente para evitar efeitos mais funestos para o interesse público. E deve ser compatível com a natureza do ônus assumido, o que a tornará idônea para assegurar tal escopo. 190 190 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.36. 97 A própria legislação ressalta que a prestação das garantias de execução do objeto da parceria, por parte do parceiro privado, deve ser suficiente e compatível com o ônus e os riscos envolvidos. As garantias, em suas duas formas, podem ser prestadas mediante caução em dinheiro, títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária. A Lei Federal no.11.079, de 30 de dezembro de 2004 trouxe expressamente as garantias que o Poder Público presta aos financiadores do projeto; são elas: a previsão contratual de requisitos e condições para que o parceiro público autorize a transferência do controle da sociedade de propósito específico (empresa criada pelo parceiro privado para firmar o contrato de PPP com o Poder Público) para os financiadores; a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores em relação às obrigações pecuniárias da Administração; legitimidade dos financiadores para receber indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais garantidoras de parcerias. Como já foi explanado anteriormente, a Sociedade de Propósito Específico apresenta uma exceção em relação à transferência do controle acionário, que é a transferência para os financiadores, sem a necessidade de demonstração de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal. A exceção, criticada por alguns doutrinadores, tem o objetivo de promover a reestruturação e garantir a continuidade dos serviços, objeto da PPP. A possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores em relação às obrigações pecuniárias da Administração traduz-se no ato formal que a autoridade competente produz para deduzir o valor da despesa contraída por contrato de parceria público-privada orçamento, financiador. pela para Administração garantir Portanto, o débito aquele Pública, contraído valor da pelo pecuniário, dotação parceiro que consignada privado antes junto seria no ao pago pela Administração Pública diretamente ao parceiro privado, poderá servir de garantia ao pagamento da contraprestação que este tenha de efetuar aos seus financiadores, que passam a ter legitimidade a este recebimento por meio do empenho em seu nome.191 Destarte, entende-se que a legislação procurou estabelecer mecanismos seguros de atração para os financiadores dos projetos, objetos de parcerias público-privadas, reconhecendo a importância destes na execução dos serviços das parcerias público-privadas. 191 TOGNOLA, Fábio Maluf. As garantias nas parcerias público-privadas. www.lopespinto.com.br/adv/publier4.0/texto.asp?id=268. Acesso em: 15 jul. 2010, p.1. Disponível em: 98 Em relação às garantias que o parceiro privado presta aos seus financiadores, a legislação não inovou; portanto, o tomador do empréstimo prestará a instituição bancária garantias como a hipoteca, seguro-garantia, fiança bancária, caução em dinheiro, títulos da dívida pública, penhor, etc. Nesse ponto, é interessante lembrar que a legislação prevê que os ganhos econômicos decorrentes da redução do risco de crédito devem ser compartilhados com o parceiro público; logo, caso o custo do financiamento apresentado e aprovado venha a diminuir no curso do contrato, esse “bônus” deve ser partilhado com a Administração Pública. Verifica-se então que os contratos de financiamento das parcerias público-privadas têm as mesmas características conhecidas pelo nosso ordenamento pátrio privado, com uma diferença significativa, que é o compartilhamento dos ganhos econômicos entre as partes, decorrentes da redução do risco do crédito. A Lei no. 11.079/2004 prevê inúmeras garantias para as partes envolvidas nos contratos de parceria público-privadas, quais sejam: a iniciativa privada, o Poder Público e o financiador. As garantias têm a finalidade de assegurar o adimplemento dos contratos, como a constituição de um fundo garantidor de parcerias público-privadas, vinculação de receitas, contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público, garantias a serem prestadas por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público, dentre outros mecanismos admitidos em lei. Tais garantias constituem uma diferenciação desta nova modalidade de concessão. 99 4. AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA EDUCAÇÃO E NA SAÚDE, COMO FORMA DE GARANTIR A EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS DISPONIBILIZADOS À POPULAÇÃO Na análise da atuação do Estado no setor econômico, constatam-se questões relevantes para o estudo, a começar de um modelo de Estado puramente absolutista, inclusive na questão econômica, comandado pela “mão invisível” defendida por Adam Smith. E logo após, inevitavelmente, veio a crise do liberalismo, fundamentada pela incapacidade de resolução dos problemas, principalmente sociais, pois as leis naturais da economia e do mercado não foram capazes de atender os anseios da sociedade. Renasce um novo modelo de Estado, que surgiu a partir do século XX, o Estado Social. Esse modelo preconizou principalmente políticas públicas ativas e prestações positivas dos serviços públicos. O Estado passou a intervir diretamente na economia, por meio da criação das empresas estatais e outras formas, a fim de controlar a vida dos cidadãos. Porém, o “gigante” Estado Social não foi capaz de atender sozinho satisfatoriamente todas as suas promessas sociais perante a sociedade e, então, com a intenção de minimizar a crise do Estado, são efetuadas a venda das empresas estatais e a delegação dos serviços públicos aos particulares, através dos contratos de concessão, permissão e autorização. [...] o Estado começou a transferir a execução de suas competências a terceiros, mediante os institutos da concessão, permissão e autorização e, agora, possibilitando outras formas de contratação com a iniciativa privada, por meio das parcerias público-privadas.192 A diminuição drástica do Estado foi necessária a fim de atender os anseios da sociedade, que já não acreditava no Estado como gestor econômico. A iniciativa privada entra em “cena” para assumir a prestação dos serviços inerentes ao Poder Público e auxiliar e garantir um atendimento eficaz nas políticas públicas. Acabou-se o ‘tempo das vacas gordas’, do gasto público desenfreado, dos contratos sem recursos para atender a eles, da emissão desbragada de moeda sem valor, da inflação galopante etc. Em tempos de austeridade orçamentária e financeira, em tempos de duro combate ao déficit público, é preciso que as entidades públicas busquem recursos junto ao setor privado da economia.193 A iniciativa privada passa então a colaborar efetivamente com a Administração Pública, com o escopo de atingir o bem-estar da coletividade e, partir daí, a modalidade de 192 SILVEIRA, Raquel Dias da. Os Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América latina: Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no Brasil. S.1.:s.n., 2004, p.211. 193 DALLARI, Adilson Abreu. Parcerias em transportes públicos. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p.360. 100 parceria, conhecida como parceria público-privada finca-se como “marca documentada” na história de gestão pública nacional. E nesta perspectiva de mudança gerencial pública, fundada na ideia de redução do tamanho do Estado e aumento da gestão particular na Administração Pública que desponta um modelo de Estado neoliberal, com respaldo no fenômeno da Globalização, determinando a ligação econômica dos diversos países do mundo e proporcionando a eliminação de barreiras econômicas. As políticas neoliberais contribuíram para a Reforma do Estado no Brasil, indicando uma redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecerse na função de promotor e regulador desse desenvolvimento. As estratégias apontadas pelo Plano de Reforma do Estado são: a privatização, a publicização e a terceirização. O fenômeno da terceirização, conforme Bresser Pereira, é o processo de transferência para o setor privado dos serviços auxiliares ou de apoio; já a publicização consiste na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta; e a privatização consiste no repasse para o setor privado das atividades lucrativas. O Plano propõe ainda a gestão gerencial, visando ao atendimento do cidadão cliente.194 A Lei Federal das parcerias público-privadas foi instituída no momento da Reforma, sendo um marco regulatório dos setores público e privado, com o objetivo que incentivar a iniciativa privada a cumprir a finalidade social do Estado, mediante garantias ao parceiro privado do capital investido. Apesar da Lei no. 11.079/2004 ter sido sancionada em 2004, a experiência nacional de parcerias público-privadas já havia sido libada. É claro que devemos ressaltar a importância da legislação federal específica, inclusive como um marco de reconhecimento da iniciativa privada, na gestão pública brasileira. O legislador demonstrou, através da Lei Federal no. 11.079/2004, o suprimento da falta de disponibilidade de recursos financeiros do Poder Público e o aproveitamento da eficiência do setor privado, com a finalidade de atendimento à coletividade, nas diversas áreas públicas. A realidade contemporânea do processo de evolução das funções do Estado, a começar pelas privatizações, demonstra a necessidade dos recursos da iniciativa privada no âmbito 194 PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da administração pública burocrática à gerencial. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.200. 101 também das políticas públicas. Definitivamente, o contrato de parceria público-privada é uma resposta à necessidade do mundo contemporâneo. Essa nova modalidade de concessão oferece aos investidores privados mais garantias, o que torna os projetos de PPPs mais viáveis para os contratantes e, principalmente, para os administrados, que podem “experimentar” um serviço público de qualidade. As “Torres Trinas” vieram para ficar e tornarem-se ferramentas na efetividade de serviços públicos do país. Além das políticas de incentivo dos contratos de parcerias que envolvem a construção de infraestrutura, dois segmentos têm se destacado no cenário das parcerias público-privadas: a saúde e a educação. Por isso, a partir deste momento, será feita uma análise no contexto empírico nessas duas grandes áreas sociais. O direito à educação e o direito à saúde encontram-se inseridos nas garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal considera tais direitos como fundamentais deveres do Estado. Ocorre que os segmentos da educação e da saúde passam por uma revisão conceitual e operacional. O acesso à educação e à saúde em nosso país deve ser efetivado, a fim de serem cumpridas as promessas sociais de eficiência e segurança de tais segmentos. Não há como justificar a não efetividade desses serviços públicos, perante os discursos de sustentabilidade econômica, jurídica e social. As alternativas governamentais de sucesso nas políticas públicas estão à disposição dos governantes e da população. 4.1 A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA EDUCAÇÃO A Constituição Federal destaca o direito à educação, em seu artigo 6º, in verbis: "São direitos sociais a educação, [...] na forma desta Constituição".195 A Constituição Federal continua expressando a importância da educação, através de uma Seção específica. Vejamos a afirmação do artigo 205: "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família [...].” A própria Constituição determinou que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que atendidos os requisitos e condições legais. Desta forma, não há dúvidas de que a Administração Pública é a responsável pelo fornecimento da educação, porém a iniciativa privada encontra-se ao lado do Poder Público, com o objetivo de ministrar um ensino de qualidade. 195 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 102 No que concerne ao ensino também se observa a mesma presença das ideias de colaboração entre os setores público e privado, de fomento e livre iniciativa. O art. 205 coloca a educação como dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade; o art. 206, ao relacionar os princípios a serem observados com relação ao ensino, inclui “o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino” (inciso III) e a “gestão democrática do ensino público” (inciso VI); o art. 209 deixa claro que o ensino não é serviço exclusivo do Estado, ao determinar que ele “é livre à iniciativa privada” [...].196 Portanto, a legislação consagra o ensino livre à iniciativa privada, dependendo somente do cumprimento das normais gerais da educação nacional e de autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público. E mais nenhuma condição é imposta, não havendo distinção entre empreendedores privados ou instituições públicas de ensino. 4.1.1 A estrutura do Sistema Educacional A estrutura legal e o funcionamento da educação brasileira encontram-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a Lei Federal no. 9.394/1996, fundamentada pela Constituição Federal do nosso país. O artigo 21 da Lei no. 9.394/1996 indica a composição do Sistema Educacional, dividido em dois grandes eixos, quais sejam: a educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio; e a educação superior. A educação infantil é oferecida em creches, para crianças de até três anos de idade, e em pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos. O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, é obrigatório e gratuito na escola pública, cabendo ao Poder Público garantir sua oferta para todos, inclusive aos que a ele não tiveram acesso na idade própria.197 O ensino médio tem duração mínima de três anos e atende a formação geral do educando, podendo incluir programas de preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação profissional.198 196 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo:Atlas, 2009, p.25-26. 197 MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Sistema educacional brasileiro. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix, 2002. Disponível em: http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=173. Acesso em: 07 maio 2011, p.1. 198 Op.cit., p.1. 103 Além do ensino regular, integram a educação formal: a educação especial, para os portadores de necessidades especiais; a educação de jovens e adultos, destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade apropriada; a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, integrada também ao trabalho, à ciência e à tecnologia, com o objetivo de conduzir ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva; e o ensino de nível técnico, que é ministrado de forma independente do ensino médio regular.199 De acordo com a legislação vigente, os municípios devem atuar prioritariamente na educação infantil, enquanto que os Estados e o Distrito Federal devem priorizar o ensino fundamental e o ensino médio. Já o Governo Federal, em matéria educacional, exerce uma função redistributiva e supletiva, prestando assistência técnica e financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios, e ainda exerce a função organizacional da estrutura do sistema educacional do ensino superior. A educação superior no Brasil é composta por cinco modalidades: os cursos sequenciais, a graduação, a graduação tecnológica, a pós-graduação, composta pelos níveis de especialização, mestrado e doutorado, e os cursos de extensão. O acesso à educação superior ocorre a partir dos dezoito anos de idade, e o número de anos de estudo varia de acordo com os cursos e sua complexidade. O ensino superior pode ser ministrado por instituições diversas, como as universidades, os centros universitários e as faculdades. Existem ainda outras denominações, como institutos superiores, escolas superiores e faculdades integradas, por exemplo. As instituições de ensino superior podem ser públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especializações. As instituições públicas são criadas e mantidas pelo Poder Público, em suas três esferas, federal, estadual e municipal. As instituições privadas são criadas e mantidas por pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, classificadas por comunitárias, confessionais, filantrópicas e particulares. As instituições são classificadas desta forma pelo Ministério da Educação e a separação está relacionada com as formas de financiamento com que cada um dos modelos se adequa no cenário da educação superior. 199 MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Sistema educacional brasileiro. Dicionário Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix, 2002. Disponível em: http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=173. Acesso em: 07 maio 2011, p.1. 104 Estas instituições são avaliadas pelo Ministério da Educação. Os pedidos de autorização, reconhecimento de cursos, bem como os pedidos de credenciamento das instituições, têm prazos limitados, devendo ser renovados, periodicamente, por processos regulares de avaliação. A finalidade da educação superior, elencada através do artigo 43 da Lei no. 9.394/1996 indica: o estímulo à criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; incentivo ao trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolvimento do entendimento do homem e do meio em que vive. As Universidades são instituições pluridisciplinares de formação de profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, segundo o artigo 52 da LBD. Nos termos do artigo 207 da Constituição Federal, as Universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e gestão financeira e patrimonial. Em razão da autonomia prevista constitucionalmente às universidades públicas e privadas, são asseguradas as atribuições previstas no artigo 53 da LDB, dentre elas: criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior, obedecendo às normas gerais baixadas pela União e instituídas pelo respectivo sistema de ensino; fixar o currículo de seus cursos e programas; estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa cientifica; fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional; conferir graus, diplomas e outros títulos, aprovar e executar planos e administrar rendimentos.200 Logo, tendo em vista que o tripé da Universidade é ensino, pesquisa e extensão necessário se faz o aprimoramento da parceria público-privada no ensino superior para que os projetos de pesquisa e extensão atendam aos anseios da comunidade, atingindo as metas propostas pelo Governo e aprimorando o ensino das universidades do país. 4.1.2 A importância da iniciativa privada na educação: acesso ao ensino superior As políticas neoliberais, adotadas no Brasil na década de 90, principalmente na gestão do governo de presidente Fernando Henrique Cardoso, causaram impacto direto sobre o Ensino Superior Brasileiro. A década de 90 fica marcada pelo corte significativo de verbas públicas destinadas às universidades públicas, que não abriram concursos públicos para professores e funcionários 200 SOUZA, Motauri Ciochetti de. Direito da Educação. In: NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano (coord.). Manual de direitos difusos. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 128. 105 técnico-administrativos na área educacional, pela expansão das Entidades de Ensino Superior privadas. Consequentemente, houve aumento das matrículas no segmento privado, pela multiplicação das fundações privadas nas Instituições de Ensino Superior públicas e por ausência de uma política efetiva de assistência estudantil. Desta forma, a iniciativa privada impõe sua real importância do cenário educacional brasileiro, uma vez que o sistema privado de ensino envolve mais de oitenta por cento das instituições existentes no nosso país. Para que elas sejam compreendidas e valoradas como parceiras na empreitada governamental de assegurar o acesso aos níveis mais elevados de ensino e, ao mesmo tempo, para que sejam reconhecidas como empreendimento que obedece à lógica e à racionalidade de agentes econômicos típicos, torna-se necessário uma reflexão ampla sobre os seus objetivos institucionais e sua função social, para cujo cumprimento operam segundo um ordenamento operacional próprio, que lhes norteia o funcionamento.201 As instituições de ensino privadas devem ser encaradas como parceiras no esforço público, com o objetivo comum de assegurar à população uma educação de qualidade. Em 2009, o Brasil tinha 2.314 instituições de ensino superior, sendo 89,4% privadas e 10,6% públicas, conforme dados dos últimos Censos da Educação Superior, divulgados pelo Ministério da Educação. Porém, apesar do aumento do número de estudantes ingressantes no ensino superior, o acesso é considerado um privilégio para poucos, pois somente 13% da população brasileira encontram-se inseridos nessa modalidade de ensino.202 O principal motivo da ausência de estudantes no ensino superior está na questão financeira. Todavia, os programas de incentivo ao ensino superior têm aumentado e aperfeiçoado a cada ano para que mais estudantes possam ter acesso ao ensino de qualidade. O ProUni, Programa Universidade para Todos, é um programa do Governo Federal de incentivo ao ensino superior privado, que tem como finalidade a concessão de bolsa de estudos integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica. Esse programa foi criado pelo Governo Federal em 2004, institucionalizado pela Lei no. 11.096/2005, oferecendo, em contrapartida, a isenção de alguns tributos àquelas instituições vinculadas ao programa. Os requisitos obrigatórios exigidos aos estudantes ingressantes no ProUni são: estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de 201 Ensino.Superior. A importância do ensino particular. Disponível em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/ textos.asp?codigo=10557. Acesso em: 07 jan. 2011. 202 Revista.Época. MEC divulga dados do Censo da Educação Superior. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/ Revista/Epoca/0,,EMI202123-15228,00.html. Acesso em: 07 jan. 2011, p.1. 106 bolsistas integrais; a nota do estudante obtida através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem); e a renda per capita familiar máxima de três salários mínimos. Segundo dados do Ministério da Educação, o ProUni atendeu, desde sua criação até o processo seletivo do segundo semestre de 2010, 748 mil estudantes, sendo 70% com bolsas integrais.203 O FIES, Programa de Financiamento Estudantil, destina-se a financiar prioritariamente a graduação no Ensino Superior de estudantes que não têm condições de arcar com os custos de sua formação e estejam regularmente matriculados em instituições não gratuitas, cadastradas no Programa, e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério da Educação. O financiamento é feito através de uma parceria da Caixa Econômica Federal, com o objetivo de dar maior efetividade às políticas públicas do Governo Federal. Os critérios de seleção desse programa são impessoais e objetivos e têm como premissa atender à população com efetividade, destinando e distribuindo os recursos de forma justa e igualitária, garantindo a prioridade no atendimento aos estudantes de situação econômica menos privilegiada. Os programas de incentivo ao ensino superior visam a democratização do acesso à educação de qualidade, com o objetivo de propiciar ao maior número possível de estudantes a permanência e a conclusão do ensino superior, contribuindo na formação dos líderes que conduzirão o futuro deste país. 4.1.3 A realidade das parcerias público-privadas na educação Assim como na área da saúde, as parcerias entre as instituições de ensino e o setor público vêm sendo discutidas e ampliadas, com o objetivo de levar conhecimento para a comunidade, investir em capacitação de profissionais, aperfeiçoar recursos públicos e abrigar eficiência da iniciativa privada. Apesar da resistência do investidor privado e do Governo Federal em aprimorar as parcerias público-privadas na efetivação dos serviços públicos, as parcerias, no âmbito da educação, já podem ser consideradas realidade em nosso país, ainda que bem timidamente. Em reportagem para uma Revista de Ensino, Carlos Eduardo Guerra de Moraes, vicediretor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, destaca a 203 Revista.Época. MEC divulga dados do Censo da Educação Superior. Disponível http://revistaepoca.globo.com/ Revista/Epoca/0,,EMI202123-15228,00.html. Acesso em: 07 jan. 2011, p.1 em: 107 importância das parcerias público-privadas, inclusive enfatizando a eficiência das parcerias na desburocratização do setor público e a divulgação do conhecimento científico à comunidade.204 As parcerias público-privadas na educação apresentam-se como uma forma de captação de recursos adicionais para o fomento e a ampliação da pesquisa, em todas as áreas do conhecimento. As parcerias público-privadas estão efetivamente evoluindo. Um exemplo de parceria público-privada em educação, no âmbito das Universidades, consiste na possibilidade de formalização de contratos de formação de professores, tendo em vista a expertise das Universidades e a necessidade do Governo nesta área. Um dos principais objetivos da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo consiste em alfabetizar todos os alunos da Rede Estadual de Ensino com oito anos de idade e o Programa Bolsa Alfabetização é uma das possibilidades encontradas pelo Governo para atingir a meta proposta. O Programa Bolsa Alfabetização consiste em um contrato de PPP, envolvendo os alunos universitários dos cursos de graduação de letras e pedagogia, na alfabetização e aprendizagem dos alunos da rede Estadual de Ensino com até oito anos. Esses alunos universitários são considerados colaboradores dos professores na tarefa de ensinar os cidadãos a ler e escrever. O aluno universitário, batizado como aluno-pesquisador (AP), fará uma exploração didática na sala de aula em que estiver atuando, para acompanhar o avanço dos alunos na leitura e na escrita. Ele fará uma observação e um registro das atividades didáticas desenvolvidas em sala de aula, aprofundando estes procedimentos com estudos teóricos e práticos sobre os temas desenvolvidos. 205 A parceria público-privada desse modelo tem como objetivos o aprimoramento da formação inicial dos alunos estudantes dos cursos de Pedagogia e Letras, possibilitando que atuem como docentes da Rede Pública de Ensino com conhecimento de sua realidade, o acesso à leitura e à escrita a todos os alunos de até oito anos da rede Pública Estadual, e o comprometimento da Instituição de Ensino Superior na formação didática da população brasileira. A Universidade Santa Cecília, em Santos, ganhou a concorrência para atender ao Programa Bolsa Alfabetização na Escola Pública, em parceria com a Fundação para o 204 BONVENTTI. Rodolfo. Um é pouco, dois é bom. Disponível em: www.revistaensinosuperior.com.br. Acesso em: 4 abril 2011, p.33. 205 Op.cit., p.33. 108 Desenvolvimento da Educação e a Secretaria de Educação do Estado. Em entrevista, o diretor do curso de pedagogia da Unisanta, Fabio Giordano, expressou o que segue: O programa é voltado para os futuros professores da rede estadual, em que nossos alunos de pedagogia e letras se transformam em pesquisadores em sala de aula das atividades de procedimentos de alfabetização dos alunos. [...] Os melhores alunos são indicados para se transformar em pesquisadores nas salas de aulas das escolas da Baixada Santista nas quais o estado é o responsável pela educação.206 Essa parceria representa um ganho da qualidade de ensino, elementos práticos e substanciais de pesquisa para as universidades e para os estudantes, que passam a conhecer o mercado de trabalho antecipadamente. Outro exemplo de parceria público-privada em educação é verificado no Estado do Rio de Janeiro, onde as parcerias público-privadas estão em expansão, principalmente por causa da Copa do Mundo e das Olimpíadas que serão realizadas no Brasil. Em 2010, a Universidade Estácio de Sá venceu concorrência promovida pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Riotur e Ministério do Turismo, e assumiu o Programa Rio + Hospitaleiro, que tem por objetivo capacitar mais de dois mil profissionais que vão atuar no atendimento aos turistas durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. O projeto faz parte do Programa de Requalificação do Destino Turístico Cidade do Rio de Janeiro, desenvolvido pela Riotur para melhorar a prestação de serviços para turistas que visitarão a cidade durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Os cursos serão direcionados aos profissionais dos ramos de alimentação, hotelaria e turismo (recepcionistas de hotéis, agentes de viagem, guias e atendentes de postos de informação), transporte (taxistas e motoristas) e segurança (guardas municipais e batalhão de policiamento turístico).207 As parcerias público-privadas na educação também se tornam fortes aliadas do Governo nesse momento histórico de Copa e Jogos Olímpicos, pois, através das parcerias, a capacitação dos profissionais que irão atuar nestes importantíssimos eventos transforma-se em realidade. Enfim, após sete anos de vigência da Lei Federal que regula as parcerias públicoprivadas em nosso país, os projetos de parceria entre a iniciativa privada e o Poder Público encontram-se consolidados em diversos segmentos, como transporte, infraestrutura, energia e 206 BONVENTTI. Rodolfo. Um é pouco, dois é bom. Disponível em: www.revistaensinosuperior.com.br. Acesso em: 4 abril 2011, p.33. 207 Revista.Globo.Programa Rio + Hospitaleiro qualificará 4 mil profissionais do turismo. Disponível em:http://extra.globo.com/ noticias/ economia/estacio-ministrara-os-cursos-do-programa-rio-hospitaleiro.html. Acesso em: 02 fev. 2011. 109 saneamento. Atualmente, as parcerias que envolvem as áreas dos serviços públicos em educação e saúde vêm se tornando um grande diferencial para o país. As parcerias público-privadas devem ser encaradas pelo Governo e pela sociedade civil como possíveis soluções na efetivação dos serviços públicos de qualidade. Portanto, o que se espera é a exploração ainda mais desse instituto, com o aproveitamento de suas vantagens para uma melhor qualidade de vida da população brasileira. 4.2 A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA SAÚDE O presente trabalho não tem intenção de esgotar a questão da saúde pública no Brasil, porém é imprescindível destacar que a assistência à saúde é uma obrigação do Estado, preconizada pelo artigo constitucional 196. Também é igualmente importante frisar que a saúde é atualmente um dos principais problemas existentes no nosso país. Vejamos o artigo, in verbis: Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.208 Deve-se destacar que os princípios do acesso universal e o acesso igualitário estão intimamente ligados à questão da assistência à saúde no plano constitucional. Assim, a assistência à saúde da população é um dos grandes desafios da Administração Pública e, definitivamente, se traduz em um problema bastante complexo, afetando diretamente a vida da população, em todos os seus níveis. E é no contexto de resolução desse problema real de política pública que as parcerias público-privadas são inseridas. 4.2.1 O Sistema Único de Saúde As ações e serviços da área da saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada, construindo um Sistema Único de Saúde. As regras do Sistema Único de Saúde encontram-se no artigo 198 e seus incisos da Constituição Federal. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior asseveram: 208 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 110 A Constituição preconizou um regime de cooperação entre União, Estados e Municípios, que devem, em comunhão de esforços, incrementar o atendimento à saúde da população. Cada uma dessas esferas, embora devam agir em concurso e de forma solidária, uma suplementando a outra, tem a sua competência administrativa definida pela Lei n. 8.080/90. O Sistema Único de Saúde rege-se por três princípios cardeais: a descentralização, com direção única em cada esfera de governo, o atendimento integral e a participação da comunidade.209 A descentralização é uma estratégia do Sistema Único de Saúde, que visa minimizar o papel da União, com o repasse da responsabilidade aos Estados e Municípios, na crença de que as tomadas de decisões devem ser aproximadas à realidade de cada ente federado. Já o atendimento integral ao paciente tem o objetivo que fornecer ações globais, que combinem a prevenção e a cura. A participação da comunidade sugere um controle social nas questões das políticas públicas na área da saúde, através de entidades que representem a comunidade. A assistência à saúde deve ser regulamentada, fiscalizada e controlada pelo Poder Público, que pode executar o serviço diretamente ou através de terceiros. O próprio artigo constitucional demonstra a relação entre a assistência à saúde e a iniciativa privada. Porém, a iniciativa privada encontra alguns óbices na execução desse serviço. Vejamos o artigo 199, parágrafos 1º, 2º e 3º, in verbis: Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.210 Desta maneira, a Constituição Federal propõe uma ressalva à iniciativa privada, que deverá observar as diretrizes do Sistema Único de Saúde, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fim lucrativo. As instituições privadas participam do Sistema Único de Saúde de forma complementar. Na gestão de política pública na área de saúde evidencia-se uma grande diferença de regalias e exigências entre o Poder Público e a iniciativa privada, a qual, tanto sob o 209 ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 434. 210 BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal. 111 fundamento da legislação constitucional quanto infraconstitucional, encontra-se em desvantagem em relação ao Poder Público. 4.2.2 A importância das parcerias público-privadas na saúde As parcerias público-privadas são uma possibilidade de resolução do caos da saúde pública no Brasil, uma vez que há um reconhecimento generalizado sobre a inadequação e rigidez do modelo de Administração Pública, a autonomia limitada da Administração Pública, o excesso de burocracia no modelo de gestão estatal e a morosidade e questionamentos de ordem jurídica e administrativa que terminam por dificultar a gestão. A participação da iniciativa privada na saúde, como em outras áreas de interesse social, vem agregar valor nas prestações dos serviços. O contrato de PPP, na modalidade administrativa, indica um contrato em que, de um lado está a iniciativa privada, e de outro a Administração Pública, como usuária direta dos serviços, para que a população seja beneficiada com um serviço gratuito de assistência à saúde. [...] ressaltamos que os contratos de parceria público-privada na área da saúde, pactuados como modalidade de concessão administrativa, não representam a gestão do próprio serviço pelo setor privado, pois a Administração Pública celebra o contrato como usuária direta deste serviço para oferecê-lo gratuitamente à população e possui toda a responsabilidade quanto à sua execução.211 Em relação à saúde pública, realmente o país encontra-se em um estado desastroso. Tal fato pode ser verificado através de inúmeros casos de pacientes perdendo suas vidas na porta de hospitais, corredores, filas gigantescas para atendimento, entre tantos outros casos diariamente noticiados nos jornais de grande veiculação no país. Portanto, pode-se afirmar que os contratos administrativos de parcerias públicoprivadas, tendo em vista seus princípios e suas garantias, constituem-se uma alternativa viável, com real condição de modificar o cenário precário da saúde pública do Brasil. A efetividade dos contratos de parcerias público-privadas, no âmbito da assistência à saúde, deve ser exigida pela população, que merece um serviço público de qualidade. 4.2.3 A realidade das parcerias público-privadas na saúde 211 PALERMO, Fernanda Kellner de Oliveira. A Reestruturação do Sistema Único de Saúde através das Parcerias Público-Privadas. Disponível em: www.advogado.adv.br/artigos/2006/fernandakellnerde oliveirapalermo/reestruturacaodosus.htm. Acesso em: 20 fev. 2011, p.1. 112 As parcerias público-privadas na área da saúde são já realidade em nosso país. O estado da Bahia foi pioneiro na implantação desta modalidade de PPP. O objeto desse projeto precursor configura-se na construção e gestão do Hospital Subúrbio, em Salvador. Essa parceria público-privada foi uma iniciativa do Governo Estadual da Bahia e o consórcio formado pelas empresas Promédica (baiana) e Dalkia (francesa) foi o vencedor da licitação. O projeto inclui a operação da unidade hospitalar, incluindo os serviços médicos, precedidos de instalação e montagem dos equipamentos hospitalares. Em entrevista, o secretário da saúde da Bahia, José Solla, expõe: “Esta é a primeira PPP na área de saúde pública hospitalar do Brasil [...] e vai garantir qualidade e amplo acesso ao atendimento.”212 O primeiro contrato de parceria público-privada na área da saúde está elaborado na modalidade administrativa e tem o prazo estipulado em dez anos. As empresas privadas vencedoras da licitação obtiveram êxito, pois apresentaram o menor custo fixo para o atendimento, com valor de R$103,5 milhões no ano. O contrato ainda prevê um investimento de R$ 10 milhões para atualização tecnológica dos equipamentos e instalações do hospital, a partir de cinco anos do início do contrato. O contrato de parceria público-privada ocorrido no governo baiano, tendo como objeto a operação da unidade do Hospital Subúrbio, foi um início formalizado nas parcerias na área da saúde, e é exemplo para toda a Administração Pública. Seguindo o projeto baiano, as prefeituras de Belo Horizonte e de São Paulo já lançaram consultas públicas, no âmbito das PPPs, na área da saúde. Em Minas Gerais, o projeto tem como objeto a construção da segunda etapa da obra do Hospital Metropolitano do Barreiro. HOSPITAL METROPOLITANO DE BELO HORIZONTE-MG Descrição: Concessão administrativa, pelo prazo de 20 anos, no valor de R$1,2 bilhão, para realização de serviços e obras de engenharia e serviços de apoio não assistenciais à gestão e operação do Hospital Metropolitano de Belo Horizonte.213 O projeto mineiro de parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada envolve a construção do Hospital Metropolitano de Belo Horizonte. O projeto tem como objeto os serviços e obras de engenharia e serviços de apoio não assistenciais à gestão e operação do 212 COTTA, Elaine. Sai do papel a primeira PPP do setor de saúde no Brasil. Disponível em: http://www.brasileconomico.com.br/noticias/nprint/77772.html. Acesso em: 30 abril 2011. 213 MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Projetos PPP Municipal Belo Horizonte – MG. Disponível em:http://www.azevedosette.com.br/ ppp/projetos/exibir/hospital_metropolitano_de_belo_horizonte/26. Acesso em: 30 abril 2011, p.1. 113 Hospital, o que significa dizer que os serviços médicos não estão incluídos no projeto, diferentemente do projeto baiano. A unidade, objeto de PPP, será construída em uma área de 12,5 mil metros quadrados, com 320 leitos, sendo 40 de Unidade de Tratamento Intensiva (UTI) e 40 de observação no Pronto Socorro. O projeto conta com 13 andares, com 12 salas de cirurgia, além da área para cirurgia ambulatorial. O terceiro projeto de parceria público-privada voltado à área da saúde, será sediado na cidade de São Paulo. O objeto do projeto é a construção de três novos hospitais e quatro centros de diagnóstico por imagem, ampliação de cinco hospitais já existentes e reforma e modernização de outros seis. O investimento está previsto em aproximadamente R$1,3 bilhão. O anúncio do projeto de PPP na área da saúde foi feito pelo Secretário Municipal de Saúde de São Paulo, Januário Montone, na abertura do II Seminário Terceiro Setor e Parceria na Área da Saúde, em agosto de 2010. [...] Já nas PPP os concessionários investem dinheiro do setor privado na Saúde, em troca da concessão para exploração do serviço por determinado tempo, transformando-se em sócios do poder público. Porém, só podem começar a cobrar pelos serviços depois que estiverem prontos e funcionando. 214 Ou seja, risco zero para o governo. No projeto paulista, o parceiro privado construirá e equipará os hospitais com recursos próprios e nos parâmetros definidos pela Prefeitura Municipal de São Paulo. Após a entrega do hospital, o particular prestará os serviços não clínicos por quinze anos. Através da concessão administrativa, a iniciativa privada começará a receber o valor investido após a entrega do objeto da parceria, ou seja, o hospital construído e equipado. Apesar do avanço nos discursos e projetos acerca das parcerias público-privadas na área da saúde, até o presente momento somente o projeto baiano envolve os serviços médicos propriamente ditos como objeto de PPP. Os demais projetos consistem ainda em concessões parciais do serviço público de saúde, uma vez que estão limitados à construção de infraestrutura de hospitais e centros médicos e aos serviços de saúde não clínicos. Evidentemente, que a própria legislação constitucional e infraconstitucional distancia a possibilidade da gestão, do gerenciamento e a execução dos serviços médicos clínicos pela iniciativa privada, indicando o Poder Público como detentor da direção e da execução desses 214 Notícia.Estado.Prefeitura paulista anuncia primeira PPP na saúde. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/noticias/10944/Prefeitura-paulista-anuncia-primeira-PPP-na-saude. Acesso em: 06 jan. 2011. 114 serviços. A legislação pátria vigente sugere o “congelamento” dessa modalidade “parcial” de parceria, quando não integra o público e o privado. A reengenharia da assistência à saúde no Brasil merece uma posição de destaque nos discursos parlamentares, pois não se pode esquivar do problema da saúde pública brasileira, sob a justificativa de uma legislação estática, que em mais um segmento distancia o Poder Público da iniciativa privada. As parcerias público-privadas na saúde devem servir para melhorar o atendimento dos cidadãos, de forma mais célere e com qualidade, na gestão do SUS, com o enfoque na vida dos brasileiros. 4.2.4 A parceria público-privada, na modalidade de administrativa, como forma de ampliar a prestação dos serviços públicos na área da saúde por particulares A prestação dos serviços públicos que são disponibilizados para a população frequentemente não pode ser cobrada. A Constituição Federal indica que a prestação dos serviços destinados à assistência à saúde e ao ensino deve ser feita de forma gratuita. A Lei federal no. 11.079/2004 indica que as concessões administrativas devem versar os contratos de parcerias público-privadas em que não há participação do usuário na remuneração do parceiro privado. Destaca-se, portanto, que, nessa modalidade, a população é diretamente beneficiada, sem que haja um custo de contraprestação diretamente do usuário do serviço público. Porém, para que haja o aumento significativo das PPPs, são necessárias algumas considerações no intuito de ampliar as parcerias público-privadas na efetivação dos serviços públicos. Em relação especificadamente ao acesso à assistência à saúde no Brasil, a Constituição Federal preconiza que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantindo, mediante políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme artigo 196 da Constituição Federal. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado, como dispõe o artigo 197 da Constituição Federal. 115 Segundo a Lei orgânica da Saúde, a Lei no 8.080/1990, a iniciativa privada pode participar do Sistema Único de Saúde, em caráter complementar. Desta forma, quando as disponibilidades governamentais forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde deve recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada. Os contratos de parcerias público-privadas na modalidade administrativa são, portanto, uma possibilidade de efetivar e ampliar o serviço público de assistência à saúde. Algumas questões devem ser respondidas: Atualmente a gestão governamental dos serviços públicos de assistência à saúde, praticamente exclusiva do Estado, atende as necessidades da população? Qual seria o cenário, sem a iniciativa privada, da saúde no país? A parceria público-privada na modalidade administrativa é uma possibilidade de efetivação dos serviços de assistência à saúde, garantindo maior autonomia gerencial e orçamentária, flexibilização referente às relações trabalhistas e autonomia para compras e contratos, a fim de atender os anseios da sociedade, com valores agregados no atendimento, sem lentidão, sem burocracia, com tecnologia e eficiência. Alguns pontos de vantagens podem ser destacados na gestão da saúde através de parceria público-privada são a premiação ao bom desempenho profissional de destaque e a possibilidade de repasse de recursos financeiros àqueles que honram o cumprimento de metas da organização; no entanto, as vantagens são inúmeras, uma vez que a capacidade de empreender é inerente a organizações privadas. De um modo geral, na efetivação dos serviços públicos, observações devem ser consideradas. Primeiramente, com respeito à própria legislação federal das parcerias, que é o valor determinado para o contrato de PPP, o valor de vinte milhões de reais. O valor imposto pela Lei Federal no. 11.079/2004, com todo o respeito técnico dos legisladores, se encontra em um patamar extremamente alto, restringindo as possibilidades de parcerias públicoprivadas. Os pequenos centros, por exemplo, são os mais prejudicados, pois muitas vezes os possíveis contratos não exigem valores tão elevados. A questão do prazo contratual, expresso da Lei Federal no. 11079/2004, carece de reflexão, já que o investimento do parceiro privado, muitas vezes altíssimos, tende a não ser amortizado no prazo máximo de trinta e cinco anos. Nesses casos, após a intensa fiscalização pública e comprovação de gerência administrativa, a possibilidade de revisão de prazo contratual torna-se uma garantia para o instituto. Outro aspecto relevante a ser considerado é o paternalismo estatal, em relação a certas atividades. Há de se destacar que o país realmente avançou na descentralização dos serviços 116 públicos, porém ainda existe bastante resistência ao instituto das parcerias público-privadas. É necessário que os governantes e a sociedade civil vislumbrem as vantagens da PPP nos serviços públicos, principalmente em relação ao compartilhamento de risco entre as partes e a remuneração do parceiro privado, que está vinculada à obrigação de resultado. Por fim, indubitavelmente, as parcerias público-privadas são uma alternativa viável na efetivação dos serviços públicos e algumas vantagens devem resumidamente ser enaltecidas: possibilidade e exigência de fiscalização e controle do Poder Público, com o escopo de observar o atendimento do objeto contratual por parte da iniciativa privada; a não obrigação de o Estado arcar com os custos do projeto, de forma imediata, uma vez que o investimento do parceiro privado é amortizado ao longo de um período amplo; e a última e talvez a mais importante das utilidades, que é o serviço público de qualidade, disponibilizado à comunidade de forma adequada e eficiente. 117 CONSIDERAÇÕES FINAIS 1. No Brasil, sempre existiu a relação do setor público com a iniciativa privada, com o objetivo de suprir a escassez do Poder Público e ampliar as ofertas de atividades públicas. Ocorre que o reconhecimento da iniciativa privada na gestão das políticas públicas intensificou-se a partir dos anos 80, com o início da Reforma do Estado. 2. A iniciativa privada atua no âmbito público, através de uma possibilidade da própria estrutura da Administração Pública, que é a descentralização administrativa. A descentralização administrativa dispõe a transferência de atribuições de umas das pessoas jurídicas do Estado (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) para outra pessoa jurídica, restando expressamente que os princípios constitucionais inerentes à atividade estatal sejam preservados. 3. Os serviços públicos constituem-se em atividades essenciais disponibilizadas à sociedade, prestadas pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sendo que os serviços públicos inerentes à atividade estatal estão elencados na própria Constituição Federal. 4. A prestação do serviço de forma indireta caracteriza-se pela delegação da atividade. A descentralização por delegação dos serviços públicos, por contrato administrativo, para a iniciativa privada, através de concessão, nas modalidades patrocinadas ou administrativas, fundamenta os contratos de parcerias público-privadas. 5. A clássica divisão entre os dois ramos do Direito encontra-se superada pela releitura de uma summa divisio constitucionalizada, ou seja, a intensa comunicação entre os interesses públicos e privados, aproximando o individual e o coletivo, com a realidade trazida pelas parcerias público-privadas. 6. Os princípios norteadores dos contratos de parcerias público-privadas encontram-se nas duas esferas, a pública e a privada, remetendo-nos a uma leitura principiológica relativizada, capaz de compreender a harmonia necessária para atender aos interesses dos contratantes. Nesses contratos, a Administração Pública e a iniciativa privada estão colocadas lado a lado, com o escopo de aplicar o instituto de acordo com sua fundamentação: falta de 118 disponibilidade de recursos públicos e aproveitamento da eficiência da gestão da iniciativa privada. 7. O Estado Contemporâneo baseia-se no fenômeno da desburocratização, que consiste em encontrar meios efetivos de administração, atrelados ao resultado planejado e logo atingido. Esta ideia da desburocratização deve traduzir as parcerias público-privadas a fim de demonstrar a efetividade deste instituto, que se finca em base sólida, frente às necessidades e anseios da população na prestação positiva de serviços estatais. 8. O perfil das parcerias público-privadas passa pelo processo de reengenharia, embasado pelos princípios da administração privada, principalmente no que diz respeito aos indicadores de desempenho, como custos, qualidade, atendimento e prazo. 9. As mudanças presenciadas nos institutos nacionais, principalmente nas parcerias públicoprivadas, encontram respaldo também nas experiências internacionais positivas acerca do tema. 10. O modelo britânico de PPP abrange amplamente as formas de parcerias entre a Administração Pública e a iniciativa privada, enquanto que, no sistema nacional, o modelo de descentralização administrativa tem características próprias. Os princípios centrais da Private Finance Initiative, como são conhecidas as parcerias britânicas, fundam-se na assunção do risco do projeto pelo setor privado e na observância do good value of money, que determina que o projeto busque a otimização da prestação do serviço público, com eficiência, qualidade e menor custo agregado. A principal semelhança do modelo britânico com o brasileiro está no marco histórico que regula as parcerias público-privadas, marcadas por políticas de desestatização, de regulação e de flexibilização da gestão pública. 11. No modelo de parceria norte-americano constata-se que a iniciativa privada tem um grande espaço reservado na gestão das políticas públicas dos Estados Unidos, não havendo modalidade específica para as parcerias público-privadas, sugerindo uma Administração Pública “aberta” a sempre novas parcerias. 12. Em Portugal, a classificação das parcerias público-privadas encontra-se em um campo mais restrito, semelhante às parcerias público-privadas em sentido restrito no Brasil. A 119 legislação portuguesa dispõe que a parceria público-privada é um contrato ou a união de contratos, por via dos quais os parceiros privados se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade, com fulcro na satisfação de uma coletividade, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração serão, no todo ou em parte, do parceiro privado. A experiência portuguesa de parceria público-privada demonstrou que os projetos financiados através de remuneração do tipo “SCUT” tornam-se insustentáveis financeiramente. 13. O Governo chileno apostou nas parcerias público-privadas para desenvolver o país, principalmente na questão de infraestrutura, o que se tornou uma referência para as parcerias que têm por objeto construção de empreendimentos. 14. A intensidade das parcerias público-privadas nos diferentes países encontra-se em estágios diferentes; porém, em todos os países apresentados, o instituto apresenta-se como uma alternativa viável nas gestões públicas, uma vez que os países ampliam sua visão acerca do tema, ano a ano. 15. O início do Estado Moderno se deu a partir do desmoronamento do Feudalismo, passagem marcada pela transformação do poder da esfera privada para o âmbito público. Na era do Absolutismo, o Estado estava personificado no Rei, que centralizava o poder político e desconhecia os direitos fundamentais do homem. 16. Os anseios da sociedade pelos direitos de liberdade, de igualdade e de propriedade, com influência das Revoluções Liberais, são fundamentos para o surgimento de um modelo de Estado, marcado pela intervenção mínima do Estado e a defesa plena do individualismo, que tinha como principal objetivo assegurar o desenvolvimento da economia, através da circulação livre do capital em favor do individualismo. O momento é marcado por uma expressão francesa: “Laissez faire, laissez passer, lê monde va de lui-même” (Deixe fazer, deixe passar, o mundo caminha por si mesmo). Nesse período apresenta-se o fenômeno da despublicização, caracterizado pela desnecessária intervenção do Estado na economia. 17. O individualismo exacerbado e a “plena liberdade” econômica entram em crise, pois as “mãos invisíveis” da economia, preconizadas por Adam Smith no Estado Liberal, não foram capazes de suportar os inúmeros problemas de ordem social e econômicos surgidos no 120 modelo. Por culpa da omissão do Estado, acredita-se que o individualismo prevaleceu em detrimento do liberalismo, desvirtuando os anseios de fraternidade, evidenciado pela concentração de riquezas nas mãos dos representantes da burguesia. 18. As reações contrárias ao Estado Liberal motivam a transformação deste em um Estado Social. Por culpa da transformação dos modelos, os princípios sociais são somados aos princípios liberais no Estado Social. 19. O Estado Social é marcado pelo caráter intervencionista estatal, com o escopo de delimitar o poder econômico e regular a atividade econômica nacional. Esse período é marcado fortemente pelo protecionismo social, definindo os direitos sociais e trabalhistas como direitos fundamentais da pessoa humana. O Estado figura como garantidor dos direitos disponibilizados à população, como saúde, educação, lazer, habitação, alimentação, previdência e assistência social. 20. O modelo de Estado “gigante” entra em declínio, mostrando-se incapaz de desenvolver e gerenciar todas as atividades assumidas, desencadeando um processo descentralizante no se refere à prestação de serviço público e realização de obras públicas. 21. A crise econômica dos anos 80 é compreendida nas vertentes de crise fiscal, crise do modo estatizante de intervenção do Estado e crise do modelo burocrático de gestão pública, fundamentando a Reforma do Estado. A Reforma do Estado tem a finalidade de repensar o papel fundamental do Estado, inclusive no que diz respeito às suas funções. Definitivamente, o Estado mostra sua incapacidade como gestor, reduzindo o seu papel de executor ou prestador direto dos serviços públicos, para tornar-se coordenador e regulador das atividades públicas. A mudança traz em seu pleito o ápice do princípio da eficiência dos serviços públicos. 22. O Estado Democrático de Direito forma-se a partir das ideias de Reformas do Estado, apoiado pelas políticas neoliberais, restando um Estado regulador, garantidor e planejador do desenvolvimento econômico e social do país. Esse modelo é marcado principalmente pela transferência das atividades públicas para o setor privado. O novo modelo de Estado contemporâneo, portanto, fica consagrado pela intensidade da participação da iniciativa 121 privada na gestão pública, através de parcerias nas diferentes modalidades, como franquia, terceirização, autorização, permissões e concessão, entre outras formas. 23. No contexto de mudança do perfil do Estado, a Lei Federal no. 11/079, de 30 de dezembro de 2004, foi promulgada, após intenso debate civil e político, a fim de regulamentar mais uma modalidade de parceria entre a iniciativa privada e o Poder Público: a parceria públicoprivada. Essa modalidade de concessão apresenta-se como uma alternativa: a racionalização dos recursos públicos e a eficiência dos serviços privados na gestão pública. 24. A parceria público-privada é um contrato administrativo celebrado entre a Administração Pública e a iniciativa privada, com o objetivo de promover o incremento social, com eficiência, em áreas de interesse público, através do desenvolvimento de uma obra ou prestação de serviço público, com a amortização do investimento privado em médio ou longo prazo. São modalidades desta parceria: a concessão na modalidade patrocinada, ou a concessão na modalidade administrativa. 25. A concessão patrocinada é definida como a concessão de serviço público ou de obra pública, tratada pela Lei das Concessões e Permissões já existente em nosso ordenamento, quando, além da tarifa cobrada do usuário, há uma prestação pecuniária feita pelo parceiro público à iniciativa privada. 26. A concessão administrativa refere-se aos contratos em que o particular assume os encargos de investir em infraestrutura acrescida da prestação de serviços de forma direta ou indireta para a Administração Pública, com remuneração em médio ou longo prazo. Essa modalidade é aplicada nos casos em que não houver possibilidade de cobrança de tarifa dos usuários. 27. A Lei Federal no. 11.079/2004 impõe a Sociedade de Propósito Específico como uma exigência, com a finalidade de implantar e gerir o objeto do contrato de parceria públicoprivada. Essa Sociedade é constituída anteriormente à celebração do contrato e deve demonstrar padrões de contabilidade e transparência financeira das parcerias. Seu controle é feito pela pessoa jurídica que venceu a licitação, responsável pela execução do contrato que, obrigatoriamente, deverá ter capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal. Como regra, o Poder Público não pode obter a maioria do capital da Sociedade, com 122 apenas uma ressalva na legislação: nos casos em que houver inadimplemento do contrato de financiamento. 28. Os contratos de parcerias público-privadas devem ser precedidos de licitação, na modalidade de Concorrência, condicionados à autorização de órgão competente, com fundamento em estudo técnico que demonstre conveniência e oportunidade, inclusive com identificação das razões que justifique a opção pela modalidade da “Torre Trina”. 29. A Lei 11.079/2004 traz a exigência da observância da Lei de Responsabilidade Fiscal nos contratos de PPPs, impondo que os gastos públicos estão condicionados ao Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual e, apesar da dificuldade da adequação destes padrões nos contratos que envolvem as parcerias público-privadas que geralmente são longos, as estimativas orçamentárias de todo o projeto de PPP devem ser elaboradas em consonância com a legislação. 30. A legislação determinou o prazo de validade dos contratos, que é de cinco a trinta e cinco anos. Nos casos em que, após o término do prazo contratual, o investimento do parceiro privado não tiver sido amortizado, há a possibilidade de prorrogação do tempo do contrato, até que o projeto se torne sustentável financeiramente. 31. Os princípios contratuais do projeto de parceria devem ser basilares do equilíbrio econômico-financeiro das partes contratantes. O compartilhamento dos riscos e resultados inova as parcerias público-privadas no contexto contemporâneo, pois a previsão de compartilhamento é inédito, inexistente nas concessões tradicionais. 32. A Lei no. 11.079/2004 prevê inúmeras garantias para as partes envolvidas nos contratos de parceria público-privadas, quais sejam: a iniciativa privada, o Poder Público e o financiador. As garantias têm a finalidade de assegurar o adimplemento dos contratos, como a constituição de um fundo garantidor de parcerias público-privadas, vinculação de receitas, contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público, garantias a serem prestadas por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público, dentre outros mecanismos admitidos em lei. Essas garantias constituem uma diferenciação dessa modalidade de concessão. 123 33. As parcerias público-privadas no âmbito da educação já são realidade em nosso país e apresentam-se como uma forma de efetivação desse serviço público, desburocratizando o setor público e levando conhecimento a toda a coletividade. 34. Existem várias possibilidades de aprimoramento da educação do Brasil, através de PPP. A utilização do instituto pode focar a melhora e o aprimoramento do ensino público brasileiro, através de Programas de Incentivo, ampliação das pesquisas no âmbito público e privado, capacitação de profissionais para o mercado de trabalho, entre outros. 35. As parcerias público-privadas no âmbito da assistência à saúde merecem destaque no cenário das discussões parlamentares, pois, no âmbito constitucional, a iniciativa privada é tratada com desvantagem frente ao Poder Público, especificamente no que tange à questão da saúde pública. 36. Os contratos de parceria público-privada na modalidade administrativa sugerem uma possibilidade de efetivação do serviço à assistência a saúde. Nesta modalidade, o contrato é celebrado diretamente com a Administração Pública, que é a usuária direta do serviço, não caracterizando afrontamento à nossa Constituição. 37. Apesar da resistência nacional aos contratos de parceria público-privada no âmbito da assistência à saúde, três Estados já indicaram expressamente a sua adoção. Porém, apenas no Estado da Bahia verifica-se que o contrato de PPP firmado incluiu todos os serviços médicos propriamente ditos; os demais contratos ainda se restringem à construção hospitalar e a demais serviços não clínicos. 38. As parcerias públicas privadas estão inseridas no contexto contemporâneo e vieram para ficar. As parcerias público-privadas devem ser utilizadas como forma de garantir a efetividade dos serviços públicos disponibilizados à população, a fim de concretizar a qualidade de atividades públicas, com a racionalização dos gastos públicos, propiciando o desenvolvimento econômico e as mudanças sociais, tão almejados por todos os brasileiros. 124 REFERÊNCIAS ALARCÓN, Pietro de Jesus Lora. A democracia semidireta na Constituição de 1988. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. Ano. 8, n. 33, out./dez. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. ALÁRCON, Pietro de Jesús Lora. Processo, Igualdade e Justiça. In: Revista Brasileira de Direito Constitucional. Igualdade e Justiça. n. 2, jul./dez. São Paulo: Método,2003. ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. ARISTÓTELES. A Política. Trad. Pedro Constantin Torres. São Paulo: Martin Claret, 2008. BARBOSA, Marcondes Dias. 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