UNIVERSIDADE DE MARÍLIA – UNIMAR
MESTRADO EM DIREITO
FERNANDA MESQUITA SERVA
PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS
PÚBLICOS
MARÍLIA
2011
2
FERNANDA MESQUITA SERVA
PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS
PÚBLICOS
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília, como exigência
parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob
orientação da Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges
Nasser Ferreira.
MARÍLIA
2011
3
Autora: Fernanda Mesquita Serva
Título: Parceria Público-Privada: efetividade dos serviços públicos
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,
área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob a orientação da Profa. Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.
Aprovada pela Banca Examinadora em ___/___/______
________________________________________________
Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
Orientadora
________________________________________________
Professora Doutora Maria de Fátima Ribeiro
_____________________________________________
Professor Doutor Pietro de Jesús Lora Alarcón
4
Dedico este trabalho aos meus pais, Márcio e
Regina,
razões
da
minha
vida,
que
incondicionalmente estão comigo, na busca da
minha vitória.
5
Ao final de mais uma etapa, agradeço a Deus, pela
minha saúde, paz interior e por toda a minha vida;
Agradeço ao meu pai, Márcio, pela minha vida,
pelos seus ensinamentos, pelas noites mal dormidas,
embasadas
na
preocupação
comigo
e,
principalmente, pelo seu apoio incondicional em
todos os momentos;
À minha mãe, Regina, pela sua sabedoria, paciência
e amor, que dão significado à minha existência,
minha melhor amiga, de todas as horas, integrante
essencial do sucesso educacional da nossa família;
À minha vovó, Romilda, muito querida, que,
compartilhando seus dias conosco, tornou nossa casa
mais alegre;
À minha irmã, Márcia, minha companheira de vida,
conselheira atuante que, por sua torcida e apoio,
torna mais fáceis os meus desafios;
Ao meu sobrinho Júlio Cesar, pelos dias de
incentivo, ao meu lado no escritório;
Ao meu companheiro de todas as horas, Mario
Fernando, pela paciência, compreensão e resistência
nos momentos de minha ausência;
À minha caríssima amiga e orientadora Professora
Doutora Jussara, pela atenção, dedicação e amável
recepção na valiosa orientação;
Aos meus professores do Mestrado, pelos seus
ensinamentos de vida e de Direito, que levarei
comigo para sempre;
Aos meus amigos do Mestrado, pela companhia
durante e fora das aulas;
Aos meus companheiros de trabalho, da nossa
querida casa UNIMAR, pela compreensão nos
momentos de ausência nas tarefas.
6
A melhor forma de motivar as pessoas a ajudá-lo a
atingir suas metas é ajudá-las a atingir as delas.
(Deepak Chopra)
7
PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA: EFETIVIDADE DOS SERVIÇOS
PÚBLICOS
Resumo: O presente estudo volta-se às parcerias público-privadas no Brasil, como forma de
efetivação dos serviços públicos, de maneira adequada e eficiente. A Constituição Federal, em
seu artigo 175, estabeleceu o regime básico das concessões e permissões. Este regime trata de
uma faculdade que possui o Poder Público de abrir mão da administração da atividade que é
inerente à iniciativa privada, para que esta execute os serviços que serão colocados à
disposição da sociedade, uma vez que a obrigatoriedade da regularidade dos serviços
permanece inerente ao poder concedente, que deverá velar pelos mesmos em face do dever de
fiscalização. O instituto da parceria público-privada nacional segue exemplos das parcerias no
plano internacional. A Lei Federal das parcerias público-privadas, Lei no. 11.079, de 30 de
dezembro de 2004, foi sancionada após intenso debate civil e político, determinando que as
parcerias público-privadas são aquelas enquadradas nos contratos públicos administrativos,
sob regime de concessões, celebrados entre a iniciativa privada e a Administração Pública,
com o objetivo de reunir esforços para aumentar a qualidade e a eficiência dos serviços
públicos, suprir a insuficiência de recursos e das restrições de gastos do setor público e
propiciar acesso às eficiências do setor privado. A pesquisa destaca os aspectos importantes
apresentados pela Lei n.11.079/2004. Por fim, no contexto empírico, o trabalho aborda alguns
exemplos de parcerias público-privadas nacionais, na educação e na assistência à saúde. No
plano de pesquisa são utilizados os métodos dedutivo, sistemático, axiológico e teleológico
com a investigação baseada em fontes doutrinárias, legislação, periódicos e revistas
especializadas, com a finalidade de demonstrar a possibilidade de ampliação dos serviços
públicos, com qualidade e eficiência, através das parcerias público-privadas, na modalidade
administrativa.
Palavras- chave: Parceria Público-Privada. Serviços Públicos. Efetivação.
8
PUBLIC-PRIVATE PARTNERSHIP: PUBLIC SERVICE
EFFECTIVENESS
Abstract: The present study focuses on public-private partnerships in Brazil, as a form of
assuring public service properly and effectively. The Federal Constitution, on article 175,
established basic standards for concessions and permissions. This regime is about the right
the government has to give up the on the activity administration which is inherent to the
private section, so that it can execute services which will be placed for the society, since the
requirement of the regularity of services remains inherent the granting authority which should
supervise them considering its supervision duty. The institute of the national public-private
partnership follows examples of international partnership regime. The Federal Law of PublicPrivate Partnerships, Law. n.11.079 of December 30th 2004, was passed after intense civil
and political debate determining that the public-private partnerships are those framed in
public administrative contracts, under the regime of concessions, agreed between the private
sector and public administration, with the objective of gathering efforts to increase the quality
and efficiency of public services, compensate for the lack of resources and spending
constraints in the public sector provide access to the efficiencies of the private sector. The
research highlights the important issues presented by the Law n.11.079/2004. Finally, the
empirical context, the paper addresses some examples of national public-private partnerships
in education and health care. In terms of research deductive, systematic, teleological and
axiological methods are used with research-based sources of doctrine, legislation, journals and
magazines in order to demonstrate the possibility of expanding public services, quality and
efficiency through the public-private partnerships, in administrative mode.
Keywords: Public-Private Partnership. Public Services. Effective.
9
LISTA DE ABREVIATURAS
CGP- Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal
CVM- Comissão de Valores Mobiliários
FGP- Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas
FIES- Programa de Financiamento Estudantil
JV- Joint Ventures
LBD- Lei de Diretrizes e Bases
NAO- National Audit Office
PFI- Private Finance Initiative (Iniciativa para Financiamento Privado)
PLP- Plano de Parcerias Público-Privadas
PPP- Public Private Partnership
PPPs- Parcerias Público-Privadas
Prouni- Programa Universidade para Todos
SCUT- Sem Custo para o Usuário
SPE- Sociedade de Propósito Específico
SUS- Sistema Único de Saúde
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..............................................................................................................
11
1
DA PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA ..............................................................
13
1.1
ASPECTOS RELEVANTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, NO CONTEXTO
DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS ....................................................................
14
1.1.1 Os serviços públicos no Brasil ................................................................................
15
1.2
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ADMINISTRAÇÃO PRIVADA E A PARCERIA
PÚBLICO-PRIVADA ......................................................................................................
20
1.2.1 Os princípios norteadores dos contratos de parcerias público-privadas .................
22
1.2.2 O perfil contemporâneo das parcerias público-privadas .........................................
26
1.3
ANÁLISE COMPARATIVA COM O BRASIL ....................................................
28
2
A EVOLUÇÃO DO ESTADO E A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA.........
37
2.1
A TRANSIÇÃO DAS FORMAS ESTATAIS PRÉ-MODERNAS .......................
37
2.2
O INÍCIO DO ESTADO MODERNO ....................................................................
40
2.3
O ESTADO LIBERAL ...........................................................................................
45
2.4
O ESTADO SOCIAL..............................................................................................
47
2.4.1 A evolução das Constituições Sociais no Brasil .....................................................
52
2.5
O ESTADO CONTEMPORÂNEO E O NEOLIBERALISMO .............................
55
2.5.1 A Reforma do Estado ..............................................................................................
59
2.5.2 O Estado Democrático de Direito e a Constituição da República do Brasil ...........
63
2.5.3 O início das parcerias público-privadas no Brasil...................................................
67
3
AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA ATUALIDADE .......................
69
3.1
CONCEITO E CARACTERÍSTICAS....................................................................
70
3.1.1 Modalidades de parceria público-privada ...............................................................
72
3.1.2 Sociedade de Propósito Específico .........................................................................
76
3.1.3 Órgão gestor das parcerias público-privadas ..........................................................
78
3.1.4 Licitação e contratação das parcerias público-privadas ..........................................
80
3.1.5 Diretrizes da Lei Federal no. 11.079/2004 ..............................................................
85
3.2
86
DOS CONTRATOS DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA ...............................
11
3.2.1 Do valor contratual ..................................................................................................
90
3.2.2 Do controle dos contratos de parcerias público-privadas .......................................
91
3.2.3 As garantias contratuais nas parcerias público-privadas .........................................
91
4
AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA SAÚDE E NA EDUCAÇÃO, COMO
FORMA
DE
GARANTIR
A
EFETIVIDADE
DOS
SERVIÇOS
PÚBLICOS
DISPONIBILIZADOS À POPULAÇÃO .....................................................................
98
4.1
A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA EDUCAÇÃO ......................................
100
4.1.1 A estrutura do Sistema Educacional .......................................................................
101
4.1.2 A importância da iniciativa privada na educação: acesso ao ensino superior.........
103
4.1.3 A realidade das parcerias público-privadas na educação ........................................
105
4.2
A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA SAÚDE ...............................................
108
4.2.1 O Sistema Único de Saúde ......................................................................................
108
4.2.2 A importância das parcerias público-privadas na saúde .........................................
110
4.2.3 A realidade das parcerias público-privadas na saúde ..............................................
110
4.2.4 A parceria público-privada, na modalidade administrativa, como forma de ampliar a
prestação dos serviços públicos na área da saúde por particulares...................................
113
CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................................
116
REFERÊNCIAS..............................................................................................................
123
12
INTRODUÇÃO
O presente estudo científico tem como objetivo analisar as parcerias público-privadas
(PPP) no Estado contemporâneo, com o enfoque na efetivação dos serviços públicos, em
especial a assistência à saúde e o direito à educação.
As parcerias público-privadas apresentam-se em um contexto de bastante relevância
jurídica frente às dificuldades de gestão, no âmbito público. O propósito do trabalho é
desvendar tais dificuldades, apresentando uma análise da dimensão do instituto, enfrentando a
forma clássica de prestação de serviço público à apreensão do modelo de PPP.
As parcerias público-privadas figuram no ordenamento jurídico brasileiro como uma
possibilidade de efetivar os serviços públicos, que são postos à disposição da coletividade. As
referências interdisciplinares entre o direito público e o direito privado trazem estudos
preparatórios indispensáveis à investigação, considerando o perfil das parcerias no que se
refere à atividade econômica e a gestão pública, em relação a um suposto novo perfil
gerencial da modalidade demandando a compreensão da forma e das especificidades
singulares.
A investigação toma por base a principiologia, a constitucionalização e a dimensão
dos princípios específicos norteadores das parcerias público-privadas, visando explicitar a
estrutura negocial bem elaborada da categoria.
O estudo específico do modelo como desenvolvido no ordenamento jurídico pátrio
absorve a experiência internacional, observando mandamento constitucional e definindo
regramento jurídico próprio.
O estudo sistematizado dos modelos de Estado é importante, considerando o escopo de
se compreender o início da necessidade de regulamentação das parcerias público-privadas. A
Reforma do Estado redefine o papel do Estado como meio de organização social
aprofundando a relação entre o Estado e a Sociedade e, sob uma nova ótica, o Estado reduz
seu papel de executor ou prestador direto de serviços públicos para assumir um caráter de
regulador, indutor e mobilizador dos agentes econômicos e sociais.
Nesse contexto de transformação é que a parceria referida surge, como uma
possibilidade de efetivação dos serviços públicos de qualidade, representada pela “Torre
Trina” formada pelo potencial das PPPs tratando da parceria de possibilidades estruturantes
entre o público e privado, onde a realidade negocial comparece reorganizada para reunir,
através da mútua cooperação e solidariedade tais relacionamentos, tornando-se referência para
os pactos complexos próprios do desenvolvimento econômico contemporâneo.
13
As PPPs podem ser consideradas como “marca documentada”, ideal por conjugar
esforços, reaproximando o Estado e a iniciativa privada por meio de um dirigismo benéfico de
ações racionais. Tal parceria permite o estímulo aos investimentos conjugados, devendo ser
intensificados concretamente enquanto trilogia da pós modernidade (parcerias entre o público
e o privado). As afinidades eletivas permitidas e legitimadas pelo modelo são condições que
valorizam e estimulam a participação mais eficaz da esfera pública no contexto do trânsito
negocial.
A investigação aborda a eficácia do modelo, regulamentado pela Lei Federal no.
11.079/2004, tratando das interfaces indispensáveis à visibilidade plural do instituto. Neste
particular, comparecem as correlações necessárias referentes à sua definição e modalidades,
análise do compartilhamento de vantagens e riscos entre os envolvidos no contrato
administrativo, verificação da Sociedade de Propósito Específico, o Órgão Gestor das
parcerias público-privadas, licitação e contratação do instituto, responsabilização fiscal, prazo
e valor contratual, garantias, diretrizes contratuais e segurança das partes envolvidas, entre
outros aspectos.
Por fim, no contexto empírico, o trabalho apresenta alguns exemplos de parcerias
público-privadas existentes no país, apresentando-as como uma alternativa viável na
efetivação e ampliação dos serviços públicos.
Os modelos disponibilizados como materialização do instituto restringem-se, na forma
e dimensões eleitas, à adoção e prática na assistência à educação e à saúde. Os dois segmentos
foram selecionados por serem direitos fundamentais, garantidos pelo Estado Democrático de
Direito, que definitivamente reconhece a necessidade da presença da iniciativa privada nesses
segmentos.
14
1 DA PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA
Atualmente, a Lei Federal que regula as parcerias público-privadas é a Lei no.
11.079/2004, que foi sancionada após um ano de intenso debate político e civil. Porém, muito
antes do advento da Lei Federal, as parcerias na Administração Pública com a iniciativa
privada já haviam tido início. O objetivo deste capítulo é demonstrar a importância de se
inserir capital privado na gestão pública, através de parcerias, com o enfoque no atendimento
aos interesses sociais.
A doutrina é divergente nas versões que se referem à origem das PPPs no Brasil.
Porém, o cenário, sem dúvida, é o de redução da participação do Estado na economia. Esta
redução está ligada à escassez de recursos públicos e à ampliação de ofertas de atividades
públicas para a atuação da iniciativa privada.
Alguns doutrinadores afirmam, inclusive, que as relações entre o setor público e o
setor privado sempre existiram, com o objetivo de concretizar empreendimentos de relevante
interesse social. Nessa seara, a fim de demonstrar as parcerias entre os setores, desde o início
do descobrimento do Brasil, José Virgílio Lopes Enei dispõe:
As grandes navegações marítimas dos séculos XV e XVI – incluindo o
descobrimento do Brasil por Portugal – foram financiadas por uma
combinação de investimentos públicos, representados pela Coroa, e
privados, por parte de banqueiros e comerciantes medievais.1
As parcerias entre Administração Pública e particulares estão presentes em todas as
fases históricas governamentais. O capital privado sempre teve sua importância nas gestões
públicas. É o capital privado em sintonia com as necessidades do povo.
As prestações das atividades públicas feitas diretamente pela Administração Pública
eram mais comuns e mais efetivas até a década de 80. Porém, a partir desse momento
histórico, o cenário da Administração Pública sofreu grandes transformações, pois o setor
público vivenciou o esgotamento dos recursos financeiros e a realidade de um fenômeno
chamado Globalização. “A Administração Pública brasileira vive a partir da década de 80 um
momento de reforma, acompanhando o movimento da globalização que vem tomando conta
do mundo.”2
1
ENEI, José Virgílio Lopes. Parcerias público-privadas no setor elétrico. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol;
ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.226.
2
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.28.
15
O fenômeno da globalização consiste em um processo de profunda integração
econômica, social, cultural e política entre os países do mundo, impulsionando a economia
mundial, o transporte e a comunicação global.
A reforma do Estado é marcada como uma tentativa de transformar o Estado,
principalmente na questão de racionalização do setor público. Nesse momento, fica
evidenciada a necessidade de recursos da iniciativa privada, e pelo menos duas realidades são
enfrentadas pelos governantes:
a. uma primeira realidade é a situação de crise, especialmente crise
financeira; e isso leva a uma constatação: a Constituição Federal atribuiu
competências ao poder público que ele não tem condições de cumprir a
contento, faltam verbas nas áreas de saúde, educação, previdência social,
moradia, transporte, segurança; isso para falar apenas nas atividades
essenciais;
b. a segunda realidade é a procura desesperada por soluções; é a busca de
institutos novos, de medidas inovadoras, que permitem ao Estado lograr
maior eficiência na prestação dos serviços que lhe estão afetos.3
A crise do Estado constata insucesso da Administração Pública como gestora, e a
parceria público-privada, objeto do presente estudo, é uma das alternativas encontradas para a
redução do aparelho administrativo estatal.
Outras formas de parcerias também são identificadas no ordenamento pátrio, podendo
ser citadas a permissão, a autorização e a concessão tradicional de serviços públicos. A
parceria público-privada é uma modalidade de concessão, com muitas peculiaridades a serem
estudadas e, atualmente, sua atuação ainda encontra resistência pelos particulares e pelo
Governo.
1.1 ASPECTOS RELEVANTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, NO CONTEXTO DA
PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA
A partir deste momento, serão expostas as questões relevantes da Administração
Pública, no que se refere à prestação de serviços públicos, a fim de que seja encontrada a
posição da iniciativa privada na esfera pública.
No Brasil, a organização administrativa propõe duas divisões, quais sejam: a divisão
vertical e a divisão horizontal.
3
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.29.
16
Na divisão vertical, encontram-se a Administração Federal, a Administração Estadual,
a Administração do Distrito Federal e a Administração Municipal. Apesar da indicação, os
entes de cada administração não estão subordinados uns aos outros.
Na visão horizontal da Administração Pública, “cada uma dessas Administrações,
quando o grau de complexidade admitir, reparte-se a Administração Pública em
Administração direta e Administração indireta..”4 Tal sistematização de estrutura
administrativa foi preconizada pelo Decreto- Lei 200/67.
Ainda em âmbito estrutural da Administração Pública, dois conceitos estão presentes:
a desconcentração e a descentralização. É através da descentralização administrativa que as
parcerias público-privadas atuam na vida dos cidadãos.
[...] a atividade da Administração Pública pode ser exercida diretamente, por
meio de seus próprios órgãos (centralização administrativa ou Administração
direta) ou indiretamente, por meio da transferência de atribuições a outras
pessoas, físicas ou jurídicas, públicas ou privadas (descentralização
administrativa ou Administração indireta).5
A descentralização administrativa sugere a transferência de atribuições de uma das
pessoas jurídicas do Estado (União, Estado, Distrito Federal ou Municípios) para outra pessoa
jurídica. Vale destacar que a atuação da Administração, direta ou indiretamente, deve
obedecer aos princípios constitucionais administrativos e consequentemente preservar o
administrado. A atuação da Administração, em qualquer de suas formas, tem sempre a
finalidade de atender satisfatoriamente às necessidades da coletividade.
Desta forma, o estudo da parceria público-privada alia-se à análise dos dois
segmentos, o setor público e a iniciativa privada, pois a iniciativa privada atua no âmbito
público, através de uma possibilidade da própria estrutura da Administração Pública, que é a
descentralização administrativa.
1.1.1 Os serviços públicos no Brasil
O conceito de serviço público no Brasil ainda não se encontra em uniformidade na
doutrina.
Apresenta-se uma crise no conceito “amplo” de serviço público, que reunia toda a
atividade administrativa pública.
4
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.55.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.43.
5
17
Em geral, os autores contemporâneos não tratam da matéria em sentido
amplo nem em sentido orgânico, mas em sentido restrito e objetivo,
procurando especificar o regime jurídico específico da atividade de serviço
público e isolá-la no interior da atividade administrativa do Estado.
Desta forma, o conceito jurídico de serviço público atual pressupõe uma análise
complexa, referente ao regime jurídico específico proposto e a demarcação do campo material
do objeto.
Nesta seara contemporânea, a ilustre doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro
dispõe que a conceituação de serviço público não é simples, tendo em vista as transformações
desse instituto no decurso do tempo, seja nos seus elementos constitutivos, seja na sua
abrangência e assevera o conceito de serviço público como “toda atividade material que a lei
atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o
objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou
parcialmente público.”6
Em companhia da doutrinadora Maria Sylvia, Celso Antonio Bandeira de Mello indica
que a noção de serviço público não é simples e sistematiza escrevendo que, dentre o total das
atividades ou serviços desenvolvidos em uma sociedade, alguns são privados, outros são
públicos.
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou
comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas
fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como
pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as
vezes, sob um regime de Direito Público - portanto, consagrador de
prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor
dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.7
Complementando o conceito de Celso Antonio Bandeira de Mello, Marçal Justem
Filho, conceitua serviço público como sendo:
[...] uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de
necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais,
vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas
indeterminadas e executada sob regime de direito público.8
Paulo Modesto indica que atualmente o termo “serviço público” deve ser
compreendido da seguinte maneira:
6
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.102.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010,
p.671.
8
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010, p.692.
7
18
Pode-se definir serviço público, neste contexto, como a atividade de
prestação administrativa material, direta e imediatamente a cargo do Estado
ou de seus delegados, posta concretamente à disposição de usuários
determinados ou indeterminados, sob regime de direito público, em caráter
obrigatório, igualitário e contínuo, com vistas a satisfazer necessidades
coletivas, sob titularidade do Poder Público.9
Desta forma, tem-se que os serviços públicos são as atividades que ofereçam
comodidade material para os administrados, prestados pelo Estado ou por quem lhe faça as
vezes, sob regime de Direito Público, instituído para atender os fins do Estado.
A Constituição Federal, em seu artigo 175, trata da prestação dos serviços públicos,
preceituando que: “Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.”10
Em relação à prestação desse serviço, Marçal Justen Filho justifica que essa atividade
é pública, uma vez que é prestada pelo Estado, não exclusivamente, já que este pode delegar o
serviço aos particulares, sendo sempre o Estado o titular desse serviço. Cabe, ainda, ressaltar
que a referida atividade é administrativa porque não abrange as atividades legislativas e nem
jurisdicionais.11
A prestação de serviços públicos compete ao Estado, direta ou indiretamente, sob o
regime de concessão ou permissão, que também atribui a cada ente da Federação a
incumbência da prestação de um serviço público específico.
Quando a prestação do serviço for de forma direta, a atividade será exercida
diretamente pelo Estado, sem que haja a transferência a terceiros, e haverá uma coincidência
entre o titular do serviço e a pessoa jurídica prestadora do serviço público.
A prestação dos serviços públicos feita de forma indireta ocorre quando a prestação
da atividade for transferida a terceiros, inseridos ou não na Administração Pública, de forma
outorgada ou por delegação. A descentralização por outorga é a transferência da titularidade e
da execução do serviço público, por lei, a terceiros, dentro da própria Administração. Já a
descentralização por delegação é a transferência da execução do serviço público, por ato ou
contrato, para a iniciativa privada, através de concessões, permissões e autorizações de
serviços públicos.
9
MODESTO, Paulo. Reforma do Estado, formas de prestação de serviços ao público e parcerias públicoprivadas: demarcando as fronteiras dos conceitos de “serviço público”, “serviços de relevância pública” e
“serviços de exploração econômica” para as parcerias público-privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.).
Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.452.
10
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
11
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2010, p.720.
19
Os serviços reservados para a Administração Pública estão elencados na Constituição
Federal e são de responsabilidade do Estado. O próprio Estado estabelece qual atividade será
considerada como serviço público. Isto significa que, na ausência de previsão normativa, a
exploração do serviço ou atividade pela iniciativa privada será livre.
Porém, a própria Constituição Federal permite que haja a atuação de particulares em
determinados serviços, sob a especial fiscalização do Poder Público, como por exemplo, a
atuação da iniciativa privada na educação, autorizada expressamente pelo artigo 209, e a
atuação na saúde, determinada pelo artigo 199, entre outros.
O fato de o Estado (União, Estado, Distrito Federal e Municípios) ser titular
de serviços públicos, ou seja, de ser o sujeito que detém “senhoria” sobre
eles (a qual, de resto, é, antes de tudo, um dever em relação aos serviços que
a Constituição ou as leis puseram ou venham a por seu cargo) não significa
que deva obrigatoriamente prestá-los por si ou por criatura sua quando
detenha a titularidade exclusiva do serviço.12
Portanto, o Estado pode prestar os serviços públicos inerentes à função administrativa
estatal ou ainda está autorizado a delegar estes serviços a entidades estranhas ao aparelho do
Estado. Quando ocorrer a delegação do serviço, como no caso dos contratos de PPP, é
imprescindível ressaltar a ideia principal, a saber, o atendimento do interesse público.
É importante destacar que a Reforma do Estado, que será tratada no próximo capítulo,
trouxe modificação na tratativa constitucional dos serviços públicos, através da Emenda
Constitucional no. 19, de 1998, que instituiu um novo modelo de gestão na Administração
Pública. A E.C. não alterou o artigo 175 da Constituição, porém introduziu práticas gerenciais
no âmbito da Administração Pública, implantando novos conceitos na noção clássica de
serviço público, como eficiência na sua prestação, presteza e agilidade, revertendo o foco para
o usuário do serviço, o chamado usuário cidadão.
A Reforma do Estado também trouxe inovações para o ordenamento jurídico do país,
das quais pode-se citar: a Lei Federal das Concessões e Permissões, que foi sancionada em
1995 e passou a regulamentar a concessão de serviço público e a concessão de serviço
precedida de obra pública, estabelecendo normas gerais do assunto; e a Lei Federal das
parcerias público-privadas, que alvitra uma nova modalidade de concessão, representando
uma alternativa positiva para a prestação de serviços públicos, pois o que se espera é que este
modelo contribua com a eficiência e qualidade dos serviços disponíveis para a população,
com um custo acessível para o Estado.
12
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010,
p.681.
20
Alguns princípios são inerentes à prestação dos serviços públicos, como, por exemplo,
o princípio da continuidade, o princípio da generalidade, o princípio da eficiência, o princípio
da modicidade e o princípio da cortesia.
O princípio da continuidade sugere que o serviço público deve ser prestado de maneira
contínua, sem prejudicar o cidadão. A atividade pode ser interrompida somente em hipóteses
previstas em lei ou em contrato.
O princípio da generalidade, ou o princípio da impessoalidade, dispõe que os usuários
dos serviços públicos devem ser tratados sem discriminação, privilégio ou abusos de outra
ordem. É imprescindível que haja isonomia na prestação dos serviços públicos, perante todos
os usuários.
O princípio da eficiência indica que o Estado deve prestar suas atividades com a maior
eficiência possível. Este princípio sugere que a Administração Pública mantenha-se atualizada
tecnologicamente e transmita a maior eficácia nos seus compromissos públicos.
O princípio da modicidade determina que as atividades públicas devem ser prestadas a
preços razoáveis. Os serviços públicos devem ser instituídos de acordo com a capacidade
econômica dos usuários, em consonância com as exigências do mercado.
O princípio da cortesia sugere que os prestadores de serviços públicos tratem os
usuários com urbanidade, educação e cordialidade.
A doutrina abrange vários critérios de classificação para os serviços públicos. Desta
forma, são considerados serviços públicos próprios aqueles que, por sua natureza atendem as
necessidades coletivas, e sua execução é feita diretamente pelo Estado ou indiretamente,
através de concessionários e permissionários. Já os serviços públicos impróprios são aqueles
que, embora também atendam as necessidades coletivas, não são assumidos ou executados
pelo Estado, seja de forma direta ou indireta, nestes casos, o Estado apenas autoriza,
regulamenta e fiscaliza estes serviços.
Em relação ao seu objeto, os serviços públicos podem se administrativos, comerciais
ou industriais e sociais. Os serviços administrativos são aqueles que a Administração Pública
executa para atender às suas necessidades internas ou prepara outros serviços que são
prestados ao público, tais como os de imprensa oficial, das estações experimentais e outros.13
Os serviços públicos comerciais ou industriais são aqueles que a Administração
Pública executa, direta ou indiretamente, para atender às necessidades coletivas de ordem
13
MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.353.
21
econômica, tais como os serviços de transportes, energias elétrica, telecomunicações, entre
outros.
Os serviços públicos sociais são aqueles que atendem as necessidades coletivas em
que a atuação do Estado é essencial, mas que convivem com a iniciativa privada, são
exemplos os serviços de saúde, educação, previdência, cultura, meio ambiente. Estes serviços
estão elencados no capítulo da ordem social da Constituição Federal e objetivam atender aos
direitos sociais do homem, considerados direitos fundamentais pelo artigo 6º. da
Constituição.14
Outra proposta de classificação diz respeito à maneira como os serviços públicos
concorrem para satisfazerem aos interesses sociais, e desta forma podem ser classificados
como: uti singuli e uti universi.
São considerados serviços públicos uti singuli aqueles que têm por finalidade a
satisfação individual e direta das necessidades dos cidadãos. Estes serviços são prestados a
todos os indivíduos, mas com possibilidade de identificação e individualização dos
beneficiados, efetivos ou potenciais. Já os serviços considerados uti universi são aqueles
prestados à coletividade, mas usufruídos apenas indiretamente pelos indivíduos, como por
exemplo a defesa do território contra o inimigo externo.
Por fim, mais um critério de classificação considera a exclusividade ou não do Poder
Público na prestação do serviço, neste caso são considerados serviços públicos exclusivos ou
não exclusivos do Estado. São considerados exclusivos, os serviços como o serviço postal e o
correio nacional, os serviços de telecomunicações, entre outros. Já os serviços considerados
não exclusivos são aqueles que podem ser executados pelo Estado ou pelo particular, através
de autorização do Poder Público, como os serviços de saúde, previdência social, assistência
social e educação.
Destarte, os serviços públicos constituem-se em atividades essenciais disponibilizadas
à sociedade, prestadas direta ou indiretamente pelo Estado, devendo, em qualquer das
hipóteses, observar os princípios inerentes à atividade estatal.
1.2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, ADMINISTRAÇÃO PRIVADA E A PARCERIA
PÚBLICO-PRIVADA
No início da análise do instituto da parceria público-privada, faz-se necessária a
14
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p.111.
22
apreciação comparativa dos segmentos da Administração Pública e da Administração Privada.
Encontra-se superada a clássica dicotomia do Direito Público versus Direito Privado existente
no ordenamento jurídico pátrio, advinda do Direito Romano, com respeito ao conceito
técnico, tendo em vista a nova realidade jurídica advinda com o fenômeno das PPPs.
Carlos Ari Sundfeld resume a divisão tradicional e afirma que a doutrina propôs
diversos critérios para diferenciar os dois grandes ramos do Direito. Entre os critérios
utilizados pela doutrina, dois prevalecem: o do sujeito e o do interesse. Em relação ao sujeito,
o autor dispõe “[...] o direito público é aquele que tem por sujeito o Estado, enquanto o
privado é o que rege a vida dos particulares [...].”15 E em relação ao interesse, “seriam
públicas as normas que tutelam interesses públicos, e privadas as normas que regulam
interesses privados.”16
Ocorre que esta distinção não permite uma diferenciação perfeita dos segmentos e,
ainda, não possui muitos efeitos úteis juridicamente. Esta separação é uma versão formal e,
como não há critérios “mágicos” de separação dos dois segmentos, é necessário que se
compreenda o regime jurídico de cada situação.
Assim, bem público, relação de direito público, pessoa de direito público,
interesse público e obrigação de direito público se distinguirão de seus
correspondentes no direito privado pelo fato de se submeterem ao regime
jurídico de direito público.17
Desta forma, pode-se afirmar que é necessária a análise dos regimes jurídicos de cada
atividade a ser implementada, seja de Direito Público ou de Direito Privado. Os regimes
jurídicos do Direito estão intimamente ligados aos princípios norteadores de cada área.
A realidade trazida com as parcerias público-privadas rompe a summa divisio
tradicional, e nos remete à releitura de uma summa divisio constitucionalizada.
A nova summa divisio constitucionalizada no País é Direito Individual e
Direito Coletivo. Trata-se de summa divisio constitucionalizada relativizada,
pois no topo encontra-se o Direito Constitucional, representado pelo seu
objeto formal, a Constituição, composta tanto de normas de Direito
Individual, quanto de normas de Direito Coletivo.18
O critério clássico da divisão do Direito Público e do Direito Privado partilha os
segmentos como distintos e seus elementos não se comunicam; porém, a superação da divisão
15
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.139.
Op. cit., p.140.
17
Op. cit., p.142.
18
ALMEIDA, Gregório Assagra de apud FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; SERVA, Fernanda
Mesquita; OLIVEIRA, Gisele Lopes de. A principiologia social do direito negocial contemporâneo. Disponível
em: http://www.diritto.it/docs/30843-a-principiologia-social-do-direito-negocial-contemporaneo. Acesso em: 10
fev. 2011.
16
23
tradicional do Direito Público e do Direito Privado aproxima o individual (empresa privada) e
o coletivo (o Estado). Veja os ensinamentos de Jorge Miranda:
A unidade jurídica que o Estado constitui pode exprimir-se com recurso à
noção de pessoa coletiva, distinta de cada uma das pessoas jurídicas que
compõem a comunidade e dos próprios governantes e suscetível de entrar em
relações jurídicas com outras entidades, tanto no domínio do Direito interno
como no do Direito internacional, tanto sob a veste do Direito público como
sob a do Direito privado.19
O Estado visto como pessoa coletiva rompe definitivamente a divisão “marcada” entre
os ramos do Direito. A partir desta nova concepção, os princípios constitucionais norteadores
das parcerias público-privadas devem ser aplicados de forma igualitária e justa entre os
contratantes.
Diante do exposto, constata-se que a summa divisio atual rompe a estrutura da divisão
clássica entre os segmentos de Direito Público e Direito Privado, condicionando a
possibilidade do instituto da parceria público-privada.
1.2.1 Os princípios norteadores dos contratos de parcerias público-privadas
Os princípios administrativos estão constitucionalizados e, nesta perspectiva, segue a
abordagem dos princípios constitucionais indispensáveis ao estudo da temática. É interessante
lembrar que a presente análise dos princípios não tem a intenção de esgotar o cardápio
principiológico; portanto, o estudo apresenta a harmonia dos princípios mais relevantes que
informam as parcerias público-privadas.
Na concepção de Jorge Miranda, os princípios constitucionais são substantivos e
adjetivos ou instrumentais, subdistinguindo o primeiro em três grandes categorias: princípios
axiológicos fundamentais, que se dispõem pelos limites transcendentais do poder constituinte,
via de positivação do Direito natural, por exemplo, o direito de defesa; princípios políticoconstitucionais, que são os limites inerentes do Poder Constituinte, os signos específicos de
cada Constituição material diante das demais, refletindo as opções de cada regime, por
exemplo, o princípio democrático; e os princípios constitucionais instrumentais, que se
constituem na estruturação do sistema constitucional quanto à sua racionalidade e
operacionalidade.20
19
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.67.
Op.cit., p.299-300.
20
24
Os princípios constitucionais instrumentais são princípios “fundamentalmente
construtivos.”21 O estudo das parcerias público-privadas nos remete a uma avaliação
relativizada dos princípios constitucionais, uma vez que há nos contratos de parceria dois
segmentos teoricamente distintos, porém com objetivos, direitos e deveres comuns. Desta
forma, os princípios inerentes às parcerias público-privadas devem ser observados em
harmonia na gestão pública e privada.
Até o presente momento, a doutrina não apresentou um estudo mais aprofundado da
parceria público-privada, no âmbito principiológico que deve compor a releitura da dimensão
dos princípios da Administração Pública e da Administração Privada.
O princípio constitucional da legalidade, previsto no artigo 37 da Constituição Federal,
informa que a Administração Pública deve praticar atos determinados em lei; para a
Administração Pública, a lei é o seu único parâmetro. O princípio da legalidade é um dos
pilares que sustentam a concepção de Estado de Direito e do próprio regime jurídicoadministrativo.
Para avaliar corretamente o princípio da legalidade e captar-lhe o sentido
profundo cumpre atentar para o fato de que ele é a tradução jurídica de um
propósito político: o de submeter os exercentes do poder em concreto –
administrativo – a um quadro normativo que embargue favoritismos,
perseguições ou desmandos. Pretende-se através da norma geral, abstrata e
impessoal, a lei, editada pelo Poder Legislativo – que é o colégio
representativo de todas as tendências (inclusive minoritárias) do corpo social
– garantir que a atuação do Executivo nada mais seja senão a concretização
da vontade geral.22
Desta forma, depreende-se que o ordenamento brasileiro não permite juridicamente
qualquer possibilidade de edição de decretos ou regulamentos “autônomos” ou sem previsão
legal.
O princípio da autonomia da vontade das partes, presente nas questões de Direito
Privado, autoriza os particulares a atuarem na maneira que lhes couber, desde que não haja
proibição legal de seus atos. Veja o artigo 5o, II, da Constituição Federal, in verbis: “Ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”23
Há de se destacar, portanto, que o próprio princípio da autonomia da vontade,
norteador do Direito Privado, encontra-se em modificação, frente às novas concepções do
Estado contemporâneo. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira e Cristiano de Souza
Mazzeto ponderam a questão:
21
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.300.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010,
p.100
23
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
22
25
A transcendência de valores conduz à transcendência de conceitos. Alguns
conceitos jurídicos assumem a face de sentenças de mármore. São
perpetuados em sua rigidez e então congelam. Foi assim com a autonomia
privada tida como poder absoluto do indivíduo para contratar. De fato,
somente movimentos vigorosos e em conjunto, conseguem promover a
ruptura com o velho paradigma para deixar entrar o novo. A autonomia
privada, redefinida, assume expressão limitada, em conformidade com a
necessidade de conduzir as relações contratuais ao plano do equilíbrio
indispensável em razão do perfil negocial socializado.24
Assim, os autores demonstram a superação do congelamento dos conceitos jurídicos
em um novo Estado democrático de Direito, em que não se permite o desequilíbrio contratual,
frente a uma legislação estática. O princípio da autonomia da vontade encontra-se
relativizado, como tantos outros, redefinindo uma composição de normas do país.
O princípio da moralidade administrativa, previsto expressamente pelo artigo 37 da
Constituição Federal, dispõe que a Administração Pública e seus servidores devem ter seus
atos pautados pelos padrões éticos de conduta. Caso haja violação deste princípio, os atos,
além de imorais, serão considerados inválidos para todos os fins de direito. Em relação à
infração do princípio, Mello dispõe: “[...] Violá-los implicará violação ao próprio direito,
configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação [...].”25
O princípio da boa-fé objetiva se estende a todo o ordenamento jurídico, indicando
normas aos contratos. O artigo 422 do Código Civil dispõe: “Os contratantes são obrigados a
guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e
boa-fé.”26
O principio da boa-fé compreende o significado de cláusula geral, e neste sentido
Judith Martins Costa afirma:
A cláusula geral constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu
enunciado, de forma proposital, uma linguagem de tessitura ‘aberta’, ‘fluida’
ou ‘vaga’. Esta disposição é dirigida ao juiz que diante do caso concreto,
crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, que poderá fazer uso de
elementos que estejam fora do sistema, o que evidencia a importância da
fundamentação das decisões.27
O princípio da boa-fé sugere o equilíbrio contratual entre as partes, em todos os
aspectos contratuais.
24
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; MAZETTO, Cristiano de Souza. Constitucionalização do
Negócio Jurídico e Ordem Econômica. In: Argumentum – Revista de Direito da Universidade de Marília. v. 5.
Marília: UNIMAR, 2005, p.83.
25
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010,
p.119.
26
BRASIL, Código Civil. 54. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
27
MARTINS COSTA, Judith. Boa-Fé no Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
26
Já o princípio da função social orienta os contratos para que estes não se tornem
apenas instrumentos de circulação de riquezas, mas também de desenvolvimento social,
devendo ser, portanto, expressão da racionalidade negocial contemporânea, voltado para a
democratização em atendimento à indispensável sustentabilidade das atividades jurídicas.
O princípio da função social potencializa o equilíbrio dos pactos em direção
à summa divisio constitucionalizada, reorientando interesses individuais e
interesses coletivos, viabilizando uma outra condição hermenêutica em
relação à atividade judicial definida pela metódica civil-constitucional. O
princípio da função social define, a um só tempo, limites e possibilidades
tanto em relação à autonomia privada, quanto em relação à manifestação de
vontade.28
Mais um importante princípio para o tema diz respeito ao princípio tradicional do
direito administrativo, que é do princípio da preponderância do interesse público sobre o
interesse do particular. A expressão “interesse público” pode ser associada ao bem de toda a
coletividade. Odete Medauar indica a mudança do perfil deste tradicional princípio:
[...] Mas vem sendo matizado pela ideia de que à Administração cabe
realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada
circunstância, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o
objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação de
interesses, com a minimização de sacrifícios.29
Nas parcerias público-privadas, o princípio da preponderância do interesse público
sobre o particular deve ser analisado também de forma relativizada, com o objetivo de dispor
parâmetros justos entre as partes contratuais.
Em conjunto com o princípio da preponderância do interesse público sobre o interesse
do particular, verifica-se o princípio da proporcionalidade, que determina que medidas
adotadas pelos entes da Administração Pública devem ser proporcionais.
“O princípio da proporcionalidade também matiza o sentido absoluto do preceito, pois
implica, entre outras decorrências, a busca da providência menos gravosa, na obtenção de um
resultado.”30
O princípio da livre concorrência, estabelecido na Constituição Federal, pressupõe
uma economia de mercado dinamizada pelo modelo concorrencial, com ações efetivas do
Estado, seja como agente regulador ou como agente direto da atividade econômica, como nos
casos das parcerias público-privadas. Nos contratos de parcerias público-privadas, o princípio
da livre concorrência busca um equilíbrio formal e material entre as partes.
28
FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; SERVA, Fernanda Mesquita; OLIVEIRA, Gisele Lopes de. A
principiologia social do direito negocial contemporâneo. Disponível em: http://www.diritto.it/docs/30843-aprincipiologia-social-do-direito-negocial-contemporaneo. Acesso em: 10 fev. 2011, p.5.
29
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.134
30
Op.cit., p.134.
27
O princípio da livre iniciativa se traduz também pelo ideal de liberdade econômica de
um país. A afirmação deste princípio sugere o reconhecimento de uma ordem jurídica segura
à coletividade na livre escolha das suas atividades econômicas e a atuação do Estado na
economia restrita, com o escopo de garantir uma ordem econômica justa.
Os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência caminham
juntos, pois efetivam a liberdade de produção no mercado de trabalho aos indivíduos, em todo
o sistema econômico. Estes princípios sustentam a ideologia de um país neoliberalista e
garantem o desenvolvimento da economia de mercado.
O princípio da eficiência foi acrescentado expressamente na Constituição Federal,
durante a Reforma Administrativa, em 1998. Porém, antes mesmo do seu advento
constitucional expresso, verifica-se tal princípio constante na Lei Orgânica do Município de
São Paulo, no artigo 123, que dispõe que os serviços públicos constituem dever do Município,
garantindo aos usuários, a sua prestação compatível com sua dignidade humana, com
eficiência, regularidade, pontualidade, uniformidade, conforto e segurança, sem distinção de
qualquer espécie; e na Lei Federal das Concessões e Permissões, que dispõe em seu artigo 6o
que o serviço adequado é aquele que satisfaz as condições de regularidade, continuidade,
eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das
tarifas.
O princípio da eficiência determina que a Administração deve agir de modo rápido e
preciso, a fim de atingir os interesses da coletividade. “Eficiência contrapõe-se a lentidão, a
descaso, a negligência, a omissão – características habituais da Administração Pública
brasileira, com raras exceções.”31
Um dos pilares que orientam as parcerias público-privadas é a busca pela eficiência
encontrada na gestão privada. Portanto, este deve ser um princípio sustentador de qualquer
objeto de PPP.
As parcerias público-privadas são contratos administrativos que necessariamente
devem estar norteados pelos princípios administrativos constitucionais, e os parceiros
envolvidos devem aplicá-los, a fim de alcançar a administração plena das PPPs.
1.2.2 O perfil contemporâneo da parceria público-privada
31
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.133134.
28
A aplicação das parcerias público-privadas se fundamenta em dois grandes pilares: a
falta de disponibilidade de recursos públicos financeiros e o aproveitamento da eficiência de
gestão do setor privado.
Nos contratos de parcerias público-privadas, a Administração Pública e a
Administração Privada são colocadas lado a lado, a fim de atender as exigências do contrato e
a finalidade da parceria.
Peter Pfeiffer, citado por João Pinheiro de Barros Neto,32 desenvolveu uma tabela
com as principais diferenças entre o público e o privado. Veja:
Empresa privada
-Limitada
a
determinados
produtos e/ou serviços
-Definida pela direção
ou pelos proprietários
Missão
Visão
-Baseada na missão e
na
análise
do
ambiente
-Coerente com as
próprias
possibilidades
Organização
-Funcional
-Linhas claras de
decisão
-Relativamente
simples
-Limitada ao campo
de
operação
da
empresa
-Relação
definida
através de compra ou
contrato
-Realizar lucro
-Cumprir missão
Clientela
Propósito
atuação
de
Forma de atuação
32
-Tem de ser eficiente
-Dinâmica
Setor público
-Ampla
e
não
específica
(muitas
vezes implicitamente
subentendida e não
explicitamente
definida)
-Obrigatória na base de
um mandato
-Determinada
pela
política
-Ampla
e
não
específica
-Muitas
vezes
incoerente com os
recursos disponíveis
-Parcialmente
funcional
-Superposição
de
funções e política
-Complexa
-Ampla e diversificada
-Relações
mal
definidas
-“Cliente” não visto
como tal
-Servir ao público
-Servir
à
política
informalmente
-Não
precisa
ser
eficiente
-Geralmente lenta e
burocrática
PFEIFFER, Peter apud NETO, João Pinheiro de Barros. Parcerias público-privadas: um enfoque gerencial. In:
PAVANI, Sérgio Augusto Zampol; ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São
Paulo: MP Editora, 2006, p.114.
29
Após análise da tabela, observa-se que a Administração Pública e a iniciativa privada,
ao celebrarem contratos de parcerias, devem orientar as cláusulas contratuais com linhas de
atuação mais eficientes de cada setor, com o intuito de oferecer ao cliente um serviço público
de qualidade.
A lentidão, a burocracia e a ingerência políticas tão próprias da Administração Estatal
devem ser superadas com as parcerias público-privadas, pois este instituto tem a finalidade de
atender potencialmente os interesses públicos e privados de forma concomitante.
Francisco Lacombe nos traz a ideia da desburocratização. Note:
Desburocratização significa:
1.reduzir custos com procedimentos, papéis e atividades inúteis;
2.reduzir controles cujo custo seja superior ao custo do que é controlado;
3.melhorar o atendimento aos usuários ou consumidores;
4.proporcionar aos funcionários a oportunidade de desenvolverem sua
iniciativa e criatividade;
5.agilizar o processo administrativo, pela descentralização de autoridade.33
A partir disso, pode-se dizer que desburocratizar significa encontrar meios efetivos de
administração. A ideia de desburocratização está atrelada ao resultado planejado e,
posteriormente, atingido.
As parcerias público-privadas, apesar de quase uma década da existência da Lei
Federal no. 11.079/2004, ainda estão em fase de aperfeiçoamento. O novo perfil gerencial
deve ser consolidado pelas PPPs.
Reengenharia é o repensar fundamental e a reestruturação radical dos
processos empresariais que visam a alcançar drásticas melhorias em
indicadores críticos de desempenho, como custos, qualidade, atendimento e
velocidade.34
A afirmação de Lacombe a respeito da necessidade da reengenharia empresarial nos
parece bastante familiar quando nos remetemos ao “por que” da busca do parceiro privado na
gestão pública, que aparece com os mesmos propósitos: avaliação de desempenhos,
diminuição de custo, o aumento de qualidade, atendimento eficaz e prazo adequado.
É possível, então, afirmar que as parcerias público-privadas passam pelo processo de
reengenharia, embasado pelos princípios da Administração Privada. Este novo perfil de
contrato consolida as PPPs.
1.3 ANÁLISE COMPARATIVA COM O BRASIL
33
LACOMBE, Francisco. Teoria Geral da Administração. São Paulo: Saraiva, 2009, p.249.
Op.cit., p.267.
34
30
O legislador brasileiro, ao redigir as normas gerais para licitação e contratação das
parcerias público-privadas no Brasil, rendeu-se mais uma vez ao direito estrangeiro. E neste
sentido Maria Sylvia afirma que “o legislador brasileiro baixa normas sob a inspiração do
direito estrangeiro, seja do sistema da common law (já que a parceria público-privada teve
origem no direito inglês), seja no direito comunitário europeu, onde o instituto vem sendo
também adotado, sem que haja um modelo único para parcerias.”35
A história da parceria público-privada está intimamente ligada às reformas de Governo
em todo o mundo, na busca de maior atratividade para o setor privado em setores carentes de
investimentos públicos.
As primeiras experiências internacionais de parceria público-privada foram na Europa,
mais precisamente no Reino Unido, onde a parceria surgiu como um resultado de uma
reforma de gestão pública da prestação dos serviços de utilidade pública e, ainda, tendo em
vista os crescentes déficits públicos aliados à ideia de potencializar sinergias e economias com
a utilização da expertise da iniciativa privada. Verificou-se que a utilização desse tipo de
parceria, em detrimento das formas tradicionais de contratação e prestação de serviços
públicos, proporcionaria ganhos significativos para a sociedade em termos de qualidade dos
serviços e eficiência de recursos.36
A versão inglesa das parcerias- a private finance initiative (PFI)- nasceu em 1992, por
iniciativa do gabinete conservador de John Major, com o objetivo de estimular
empreendimentos conjuntos, envolvendo os setores públicos e privados em um contexto de
implementação da agenda liberal de Margareth Thatcher. A PFI foi, àquela altura, definida
como um conjunto de ações para aumentar a participação do capital privado na prestação de
serviços públicos.37
As principais semelhanças entre a Inglaterra e o Brasil encontram-se no quadro das
reformas estruturais que precederam e sustentaram a adoção do modelo de parceria públicoprivada.
O momento histórico marcado por estratégias de desestatização, de regulação e de
flexibilização da gestão pública, assim como as mudanças no contexto jurídico nos dois países
criaram um ambiente propício à adoção das parcerias público-privadas, como mais uma tática
de atração de setor privado em setores tradicionalmente de domínio público.
35
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo:Atlas, 2009, p.143.
36
SHINOHARA, Daniel Yoshio; SAVOIA, José Roberto Ferrreira. Parcerias Público-Privadas no Brasil.
Barueri, SP: Manole, 2008, p.11.
37
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais.
In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.50.
31
Os dois princípios centrais para a PFI eram: o setor privado deveria assumir
genuinamente o risco do projeto, sem garantia contra o prejuízo, bem como deveria estar
demonstrada a observância do imperativo de good value for money.38
A private finance iniciative, como o modelo brasileiro, pode ser considerada uma
forma de assegurar grandes investimentos de capital, sem o recurso imediato dos cofres
públicos.
O programa private finance iniciative aproxima-se do projeto brasileiro das parcerias
público-privadas, pois é um programa de “iniciativa para o financiamento privado.” Antes de
ser uma forma genérica de contratação, é um programa de governo que visa encorajar a
realização de obras e a gestão de serviços públicos mediante o apoio de financiamento
privado.
No direito inglês, existem muitos modelos contratuais de private finance iniciative
permitidos, impedindo uma classificação simples. Em termos de tipo contratual,
fundamentalmente destacam-se três tipos de projetos na categoria das PFIs: projeto do tipo
free-standing, joint ventures (JV) e projetos envolvendo serviços vendidos ao setor público.39
Os projetos do tipo free-standing, como a ponte Queen Elizabeth II, tratam de projetos
autossustentáveis em termos de geração de receita. Em um modelo free-standing, o Governo
fornece o planejamento inicial e suas diretrizes, bem como o arcabouço jurídico-normativo.40
O projeto do tipo free-standing inglês corresponde à concessão tradicional no direito
brasileiro.
O modelo joint ventures é feito por projetos em que o setor público e privado
participam conjuntamente, mas nos quais o setor privado possui o controle dos procedimentos
e das decisões relevantes. São requisitos para joint venture em uma PFI: a) a escolha do
parceiro privado é feita por meio de concorrência, b) o controle da JV fica com o setor
privado, e c) a contribuição do Governo deve ser claramente limitada e definida, bem como a
alocação de custos, retornos e riscos, sendo a responsabilidade por estes últimos, mais uma
vez, do setor privado.41
Já a terceira classificação refere-se a dos serviços vendidos ao setor público, como os
tratamentos hospitalares, acompanhamento de idosos, entre outros serviços.42
38
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais.
In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.54.
39
Op. cit., p.55.
40
Op.cit., p.55.
41
Op.cit, p.56.
42
Op. cit., p.57.
32
Desta forma, diferentemente do modelo brasileiro, o conceito das parcerias públicoprivadas inglesas permite que qualquer colaboração estabelecida entre organizações públicas
e empresas privadas seja classificada como parceria. “No Reino Unido, as PPPs têm sido
usadas para financiar todo tipo de projeto, não estando limitadas apenas a mega-projetos, tais
como de transportes e de grandes infraestruturas.”43
Em 1997, o programa inglês de parcerias foi impulsionado pelo governo trabalhista
Blair, aprofundando e renomeando-o como Public Private Partnership (PPP). Seu objetivo
era mudar a forma de contratação de serviços de utilidade pública, introduzindo uma
mentalidade de compra de serviços em vez de compra de obras.44 As alternativas de
financiamentos dos projetos era o centro da questão; porém, o objetivo maior passou a ser a
eficiência na contratação de serviços públicos.
Em relação à auditoria dos contratos, os contratos referentes às parcerias britânicas são
regularmente avaliados e auditados pelo Tesouro e pelo National Audit Office. O Nacional
Audit Office é uma instituição independente do Governo, ligada ao Parlamento.
Duas autoridades governamentais estão diretamente envolvidas no
monitoramento das PPPs britânicas: o Tesouro (e, mais diretamente, sua
força-tarefa especializada em PPP) e o National Audit Office (NAO), que
audita as contas dos entes públicos. O NAO adota um procedimento objetivo
com a finalidade de verificar a conveniência e a adequação do projeto que se
apresenta sob forma de PFI desde uma série de aspectos operacionais e
técnicos, opinando favoravelmente a ele ou não.45
Em relação ao modelo brasileiro, os contratos das parcerias público-privadas são
monitorados pelo Tribunal de Contas da União. “Compete ao TCU acompanhar o processo de
contratação das PPPs, desde o seu início até o seu término, com o intuito de conferir-lhe
maior legitimidade e eficiência.”46
O modelo de parceria público-privada do Brasil importou, pelo menos em termos
retóricos, três conceitos-chave do modelo inglês: o aumento de value for money; a
transferência de riscos para o setor privado e a avaliação por resultado dos contratos.
Todavia, apesar a importação dos conceitos para a legislação brasileira, é fato que a
diferença substancial entre os países refere-se à falta de sustentabilidade e à reduzida
potencialidade de aplicação do modelo no Brasil.
43
RITCHIE, Daniel. As PPPs no contexto internacional. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol, ANDRADE,
Rogério Emilio de (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.15.
44
SHINOHARA, Daniel Yoshio. SAVOIA, José Roberto Ferreira. Parcerias Público- Privadas no Brasil.
Barueri: Manole, 2008, p.12.
45
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais.
In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.56.
46
ZYMLER, Benjamin; ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O controle externo das concessões de
serviços públicos e das parcerias público-privadas. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p.341.
33
Por sorte, o Brasil continua rendendo-se ao governo inglês, em busca de
aperfeiçoamento para o nosso modelo. Recentemente, o coordenador das PPPs do nosso
Governo Federal, Isaac Averbuch, visitou Londres e participou do “Workshop Parcerias
Público-Privadas na área de Defesa” e, em entrevista, ressaltou a importância da experiência
inglesa nas questões referentes às PPPs:
O Reino Unido é o país que tem mais tradição e possui o maior repertório de
experiências em PPP, no mundo. Agora estamos indo lá para conhecer
alguns dos projetos desenvolvidos pelos ingleses na área de defesa, onde já
existem muitos projetos em operação [...]. Alguns projetos que poderiam
utilizar PPPs estão sendo discutidos no âmbito do Exército e o objetivo da
viagem a Londres é conhecer melhor essas experiências para subsidiar as
decisões e utilizar esses conhecimentos para fazer adaptações à realidade
brasileira.47
Com base nas experiências positivas inglesas e de outros países de sucesso, o Brasil
tem buscado o aperfeiçoamento do nosso modelo.
Em relação ao modelo norte-americano, historicamente os Estados Unidos sempre
presenciaram um relacionamento de interdependência entre os setores públicos e os setores
privados. A iniciativa privada sempre esteve presente na vida do cidadão norte-americano.
Diferentemente do caso inglês, as parcerias público-privadas norte-americanas vêm
sendo utilizadas, há muito tempo, na prestação de serviços públicos e não somente na
construção de infraestrutura. A utilização das parcerias nos serviços sociais é visivelmente
intensa.
[...] Esse tipo de relacionamento, de profunda interdependência, entre o
Poder Público e operadores privados não necessariamente voltados para o
lucro traduz uma concepção particular de parceria e, mais que isso, um tipo
único de Estado de Bem- Estar e economia política.48
As parcerias público-privadas norte-americanas traduzem-se na questão política e do
sistema de bem-estar dos Estados Unidos; em relação aos serviços sociais, a associação
voluntária dos cidadãos antecedeu inclusive a organização do próprio Estado.
Verifica-se a presença maciça das organizações não governamentais ou não lucrativas
na prestação de serviços que, originalmente, deveriam ser prestados pelo poder público,
como, por exemplo, educação e saúde. Na realidade, as organizações não lucrativas, setor
chamado non-profit, desempenham um papel voltado para a satisfação de necessidades
públicas tidas como não abrangidas pelo escopo de atuação do Estado e das empresas.
47
Notícias. Gov. Especialistas vão conhecer experiências inglesas de PPP em defesa. Disponível em:
www.planejamento.gov.br/ noticia.asp? p=not&cod=6695 &cat= 165 &sec=1. Acesso em: 15 jan. 2011.
48
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais.
In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.58.
34
Nos casos dos serviços públicos, o governo norte-americano e as organizações não
governamentais assinam o contrato de parceria público-privada, os purchase-of-services
contracts, que possibilitam ao administrador público remunerar o parceiro privado pelos
serviços prestados à população.
Em relação às áreas de construção e infraestrutura, os Estados Unidos também
avançam significativamente. Atualmente, as parcerias mais relevantes são utilizadas nos
setores de habitação e desenvolvimento urbano, de transporte e de água e saneamento.
Uma pesquisa realizada pelo U.S. Council of State Governments revelou que os
estados norte-americanos recorrem às parcerias com o setor privado devido, em ordem de
importância, à redução de custos, à ausência de mão-de-obra especializada no setor público e
à expertise do setor privado, à falta de suporte e apoio do Governo, ao excesso de
procedimentos burocráticos, à necessidade de implementação rápida de projetos e de inovação
e qualidade nos serviços. 49
Os Estados Unidos se mostram “abertos” às parcerias com a iniciativa privada,
abrangendo várias modalidades de parcerias.
Parcerias público-privadas são uma opção importante que pode ser utilizada
em tempos de incerteza econômica e em períodos de prosperidade. Existe
um nexo entre as necessidades do setor público e objetivos do setor privado.
Governos locais e estaduais, particularmente de hoje, presentes em um
desafio de tempos econômicos, precisam encontrar formas inovadoras para
melhorar a infra-estrutura que faz sentido para o contribuinte. (Doug
Domenech, Secretário de recursos naturais da República das duas nações de
Virgini).50
A verdade é que o governo norte-americano realmente acredita nos seus parceiros
privados e estes representam prosperidade para o país. O resultado da amplitude de contratos
de parcerias da Administração Pública com a iniciativa privada é um Estado norte-americano
pequeno, que constantemente se relaciona com o particular, a fim de proporcionar uma
satisfação da coletividade em relação aos serviços públicos prestados e às obras de construção
e expansão de infraestrutura.
Em relação a Portugal, o país apresenta a menor renda per capita da zona do Euro da
Europa, e recentemente vem adotando políticas públicas com o objetivo de reduzir o déficit
orçamentário do governo. Em 2002, foi implantada uma reforma jurídico-institucional, com o
49
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais.
In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007,p.62-63.
50
Public private partnerships are an important option that can be utilized in times of economic uncertainty and in
periods of prosperity. There is a nexus between the public sector’s needs and the private sector’s goals. Local
and state governments, particularly in today’s challenging economic times, need to find innovative ways to
improve infrastructure that makes sense to the taxpayer. (Doug Domenech, Secretary of Natural Resource of the
Commonwealth of Virgini). Disponível em http://www.ncppp.org/index.shtml. Acesso em: 09 dez. 2010.
35
objetivo de racionalizar a Administração Pública. O momento foi marcado pela extinção e
reorganização de uma série de órgãos públicos.51
Porém, antes desse momento de reforma, as parcerias público-privadas portuguesas já
haviam sido iniciadas. “A primeira PPP, no início da década de 90 do século passado, foi a
construção da ponte “Vasco da Gama”, sobre o Tejo, uma das maiores do mundo.”52
Em Portugal, a implantação do programa de parceria do governo e a iniciativa privada
também estão baseadas no excessivo “peso” do Estado e seu elevado endividamento. A falta
de qualidade na prestação do serviço público por parte do Estado e a necessidade da eficiência
na prestação dos serviços prestados aos cidadãos, igualmente, são fundamentos das PPPs.
A legislação portuguesa dispõe que a parceria público-privada é um contrato ou a
união de contratos, por via dos quais os parceiros privados se obrigam, de forma duradoura,
perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade, com fulcro na
satisfação de uma coletividade, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo
investimento e pela exploração serão, no todo ou em parte, do parceiro privado.
A partir de 1997, as parcerias público-privadas portuguesas avançaram muito,
fundamentalmente quanto às concessões no setor rodoviário. Porém, também se encontra no
modelo contratual de parceria público-privada a construção de hospitais, escolas, entre outros
segmentos.
A construção da segunda pista na ponte sobre o Tejo é resultado de uma parceria
público-privada, com um custo elevadíssimo, algo em torno de U$ 960 milhões. Uma parte
dessa parceria está inserida na remuneração tipo “SCUT” (Sem Custo para o Usuário), O
“SCUT” é uma característica particular das parcerias público-privadas portuguesas.
[...] A particularidade do programa SCUT português diz respeito à forma de
financiamento e remuneração do capital privado: adotou-se o chamado
“pedágio-sombra” (shadow toll), em que o operador da estrada é remunerado
pelo Poder Público (e não pelo usuário final) com base no número de
veículos que utilizam a rodovia. Dos 1.800 km de rodovias portuguesas, dois
terços têm pedágios (real toll) e um terço funciona sem pedágios, no modelo
shadow toll [...].53
O modelo shadow toll sugere o investimento do setor privado no início da obra, e
posteriormente, o governo paga contratualmente o investimento com verba pública, mediante
o fluxo de veículos da rodovia. A grande crítica por este modelo de parceria consiste na
impossibilidade de sustentação por muitos anos, pois há a possibilidade de um desequilíbrio
51
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais.
In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.73-74.
52
Op.cit., p.74.
53
Op.cit., p.75.
36
fiscal enorme no governo português, tendo em vista os encargos financeiros que certamente
restarão insustentáveis.
E em razão da insustentabilidade financeira do projeto “SCUT”, o governo português
mostra-se disposto a transformar o acesso às rodovias, com pedágios. Coutinho propõe alguns
problemas ocorridos na experiência portuguesa para servir como lições para experiências
nacionais:
Atrasos, adiamentos e postergação do lançamento de obras públicas,
excessivo impacto orçamentário, gastos governamentais imprevistos com as
concessões, procedimentos excessivamente burocráticos (incluindo,
especialmente, a obtenção de licenças ambientais e relativas ao patrimônio
histórico), compartilhamento insuficiente e impreciso de riscos, necessidade
de aumento no grau de rivalidade na obtenção das concessões (na fase de
licitação) e de incrementar a redução, gestão e solução de controvérsias
envolvendo os contratos e, sobretudo, a necessidade de reflexão sobre o
desenho e a arquitetura dos projetos como um todo são exemplos de
problemas e imperativos com que se defronta Portugal, no momento.54
O governo português tem anunciando mudanças institucionais, com a finalidade de
extinguir os aspectos negativos das parcerias público-privadas implantadas no país. Uma
mudança foi a criação de unidades gestoras de PPPs, ligadas ao Ministério da Fazenda, com a
função de coletar, analisar e difundir informações, prover a expertise técnica para projetos,
avaliar licitações e seus editais; além disso, essas unidades têm autonomia para negociar com
os gestores privados.55
O mais importante é que Portugal presencia momentos de mudanças, a fim de alcançar
o sucesso na implantação e gestão dos contratos de PPPs.
As experiências chilenas com as parcerias público-privadas tiveram início em 1993,
com incentivo do Ministério de Obras Públicas do Estado. Nesse período, o setor privado foi
estimulado a investir na infraestrutura do país.
Tendo em vista a necessidade de superar as deficiências em infra-estrutura
do país, o programa chileno de PPP definiu três linhas de ação principais:
infra-estrutura para integração social, infra-estrutura para a integração
internacional e infra-estrutura para o desenvolvimento produtivo.56
O Governo chileno necessitava de investimentos privados por causa da falta de
infraestrutura do país; o programa de parceria tinha a finalidade de reconstruir o país, que
estava em pleno desenvolvimento. “Por ser pioneiro com relação a profundas reformas
54
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Parcerias Público-Privadas: Relatos de algumas Experiências Internacionais.
In SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.76.
55
Op. cit., p.77.
56
SHINOHARA, Daniel Yoshio; SAVOIA, José Roberto Ferrreira. Parcerias Público-Privadas no Brasil.
Barueri: Manole, 2008, p.13.
37
voltadas ao mercado latino, o Chile serve de referência para as nações interessadas em utilizar
as parcerias público-privadas para garantir seu processo de desenvolvimento.”57
Em consonância com a tradição latino-americana, o modelo chileno segue o perfil das
concessões, que garante a construção do empreendimento pela iniciativa privada, recuperando
seu investimento em um período de tempo; posteriormente, a concessão é extinta e o projeto é
expropriado pelo governo.
Assim, verifica-se que as parcerias público-privadas são aplicadas de acordo com o
país, com sua cultura e sua legislação. No Brasil, os projetos que envolvem as PPPs
aumentam a cada ano e atualmente, verifica-se a incidência neste modelo contratual
diretamente ligado a serviços públicos, como saúde e educação, sendo que antes estavam mais
restritos à questão de infraestrutura.
A forma de atuação do Estado se modifica com os períodos histórico-sociais, assim
como a intensidade das parcerias entre a iniciativa privada e a Administração Pública também
se altera no decorrer das décadas, até os dias atuais.
57
BARROS, Cleyton Miranda. Parcerias Público-Privadas: Um Breve Estudo sobre a Experiência internacional
Recente. Disponível em: < http://www. azevedosette.com.br/ppp/download/artigos/breve_ estudo.doc>. Acesso
em: 20 dez. 2010,p.1.
38
2 A EVOLUÇÃO DO ESTADO E A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA
Primeiramente, faz-se necessária uma abordagem historicista acerca da evolução do
Estado, com o escopo de observar as diferenças na postura estatal, principalmente em relação
à intervenção do Estado na economia e, consequentemente, estudar os fenômenos da
publicização e da despublicização (desestatização), resgatando o advento do instituto
formalizado, conhecido como parceria público-privada.
João Ribeiro Junior expressa a origem do Estado como uma organização política da
sociedade:
[...] É uma criação necessária da exigência de coexistência e cooperação
entre os homens, que não pode realizar-se, de modo satisfatório, se o grupo
social não se organiza sob uma autoridade, reconhecida por todos e com
força de impor-se. Esta autoridade dá ao grupo o ordenamento jurídico
indispensável para realizar a convivência pacífica e a atuação dos fins
coletivos, garantindo, ainda que coativamente, a observância daquele
ordenamento.58
Em relação aos modelos de Estado, Paulo Bonavides, supõe a sequência:
Primeiro, o Estado liberal; a seguir, o Estado socialista; depois, o Estado
social das Constituições pragmáticas, assim batizadas ou caracterizadas pelo
teor abstrato e bem-intencionado de suas declarações de direitos; e de
último, o Estado social dos direitos fundamentais, este, sim, por inteiro
capacitado da juridicidade e da concreção dos preceitos e regras que
garantem estes direitos.59
O estudo historicista iniciará do Estado Antigo, com o objetivo de apresentar o
surgimento do Estado Liberal; portanto, as “formas estatais pré-modernas” serão abordadas de
maneira sucinta, com o objetivo apenas de demonstrar a passagem do medieval ao moderno.
2.1 A TRANSIÇÃO DAS FORMAS ESTATAIS PRÉ-MODERNAS
O Estado Oriental, ou Teocrático, caracteriza-se por “uma forma estatal definida entre
as antigas civilizações do Oriente ou do Mediterrâneo, onde a família, a religião, o Estado e a
organização econômica formavam um conjunto confuso, sem diferenciação aparente. Em
consequência, não se distingue o pensamento político da religião, da moral, da filosofia ou de
doutrinas econômicas.”60
58
RIBEIRO JUNIOR, João. Curso de teoria geral do Estado. São Paulo: Acadêmica, 1995, p.113.
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.29.
60
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.23.
59
39
Características fundamentais do Estado Oriental são: a natureza unitária, inexistindo
qualquer divisão interior ou territorial ou ainda de funções e a religiosidade, que está
intimamente ligada ao Estado, sendo a autoridade do governante e as normas de
comportamento tidas como expressão de um poder divino.61
O Estado Grego é marcado por uma participação efetiva de uma elite nas decisões do
Estado nos assuntos públicos. As Cidades-Estado eram detentoras de soberania e autonomia
administrativa e legislativa. A Pólis para Aristóteles era “um tipo de associação, e toda
associação é estabelecida tendo em vista algum bem (pois os homens sempre agem visando a
algo que consideram ser um bem).”62
Já o Estado Romano teve início com um pequeno agrupamento humano constituído
pela cidade, a civitas, formada por famílias e tribos, que constituíam “as gentes”. A Civitas
Romana tinha como características: uma base familiar de organização, a noção de povo
restrita, compreendendo uma faixa estreita da população e os magistrados como governantes
superiores.63
Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais conceituam as características das
demais formas estatais da antiguidade:
a) não eram Estados nacionais, ou seja o povo não estava ligado por
tradições, lembranças, costumes, línguas e cultura, mas por produtos de
guerra e conquistas; b) modelo social baseado na separação rígida das
classes e no sistema de castas; c) governos marcados pela autocracia ou por
monarquias despóticas e o caráter autoritário e teocrático do poder político;
d) sistema econômico (produção rural mercantil) baseado na escravidão; e)
profunda influência religiosa.64
A Idade Média, ou o Estado Medieval, surge com a decadência e a destruição do
Império Romano do Ocidente, por volta do século V, em decorrência das inúmeras invasões
dos povos bárbaros e das péssimas políticas econômicas dos imperadores romanos.
O Feudalismo é considerado uma formação social e política que surgiu justamente do
esfacelamento do antigo império romano do ocidente.
O feudalismo desenvolve-se sob um sistema administrativo e uma
organização militar estreitamente ligados à situação patrimonial. Ocorre,
principalmente, por três institutos jurídicos: 1º) vassalagem (os proprietários
menos poderosos a serviço do senhor feudal em troca da proteção deste); 2º)
benefício (contrato entre o senhor feudal e o chefe da família que não tivesse
patrimônio, sendo que o servo recebia uma porção de terras para cultivo e
61
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p..23.
62
ARISTÓTELES. A Política. Trad. Pedro Constantin Torres. São Paulo: Martin Claret, 2008, p.53.
63
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.23.
64
Op.cit., p.23.
40
era tratado como parte inseparável da gleba); 3º) imunidade (isenção de
tributos às terras sujeitas ao benefício).65
O feudo era considerado uma unidade do sistema político e administrativamente
descentralizado e as relações econômicas eram de produção agrícola para consumo imediato.
As terras pertenciam aos senhores feudais, mas os trabalhadores podiam ocupar a terra e
usufruir dela, pagando taxas sobre produtos e uso da terra e entregando o excedente da
produção.
Os trabalhadores não eram escravos, mas servos do senhor que os protegia em disputas
e guerras. O poder era local e os feudos, uma unidade jurídica autônoma. “O senhor feudal
detinha o poder econômico, o político, o militar, o jurídico e o ideológico sobre ‘seus’
servos.”66 O senhor feudal decidia sobre as relações socioeconômicas.
A Igreja Católica detinha o monopólio cultural, portanto, havia uma cultura
teocêntrica/dogmas. A Igreja era uma instituição proprietária de latifúndios e também era
detentora de poderes patrimoniais. Destaque-se que os poderes estavam descentralizados, nas
mãos dos feudos, da igreja e dos monarcas.
O feudalismo europeu apresentou fases diversas. A primeira fase da era medieval é
compreendida entre os séculos V e XI. É o período da “alta idade média”, que termina com a
queda do Império Romano devido às invasões bárbaras. Verifica-se, neste tempo, um declínio
das atividades produtivas que se depara com o desaparecimento da economia antiga.
A partir dessa crise, surge uma forma de organização econômica, social, política e
cultural baseada na terra e não no comércio. Este sistema firmou-se na Europa ocidental. O
Império Bizantino, o Império Turco, os povos árabes e orientais não conheceram esta forma
de organização social.
No século X, o sistema ainda estava em formação e os laços feudais eram unidos
apenas para os proprietários rurais e os antigos altos funcionários ou ministeriais,
administradores da propriedade feudal em nome de um senhor. Dentre estes, destacamos os
bailios (tomavam conta de uma propriedade menor) e os senescais (supervisionavam os vários
domínios de um mesmo senhor). Entre os camponeses, existiam homens livres, os vilões, com
propriedades menores independentes. A monarquia feudal não apresentava a rigidez que
caracterizaria o regime monárquico posteriormente e a ética feudal não estava plenamente
estabelecida.
65
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.25.
66
Op.cit., p.25.
41
A partir do século XI, o feudalismo entra em transformação: é a chamada “baixa idade
média”. Neste momento, a exploração camponesa torna-se intensa, concentrada em certas
regiões superpovoadas, deixando áreas extensas de espaços vazios; surgem novas técnicas de
cultivo, novas formas de utilização dos animais e das carroças, o que permitiu a produção
agrícola garantir um aumento significativo, surgindo, assim, a necessidade de comercialização
dos produtos excedentes. Esse renascimento do comércio e o consequente aumento da
circulação monetária reabilitam a importância social das cidades e suas comunas.
Com as Cruzadas, esboça-se uma abertura para o mundo, quebrando-se o isolamento
do feudo. O auge do sistema feudal deu-se no século XII. Verifica-se que, durante algum
tempo, coexistiram antagonicamente duas relações econômicas diversas: as relações feudais e
a relação capitalista mercantilista, conforme dispõem Lênio Streck e Bolzan Morais:
Durante algum tempo, coexistiram dois tipos de relações em realidade pouco
compatíveis: uma ordem de relações feudais fixas, em que as pessoas tinham
distintos estatutos segundo sua posição de classe, e uma ordem de
capitalismo mercantil, em que as pessoas valiam em função do que podiam
comprar, independentemente de sua origem social.67
Já nos séculos XIV e XV, período conhecido como “idade média tardia”, o sistema
feudal mostrou-se decadente e o crescimento do comércio/mercantilismo deu origem a uma
nova classe social: a burguesia.
Os grupos sociais deflagram o rompimento das práticas do feudalismo, por vontade de
autonomia administrativa dos burgos e comércio com lucro (condenado pela Igreja). Estes
grupos começaram a questionar o poder da Igreja. O século XVI é marcado pelo
Renascimento, o momento de construção de novas bases sociais, políticas, filosóficas, com o
objetivo de superação do período medieval.
2.2 O INÍCIO DO ESTADO MODERNO
O Estado Moderno surge a partir do desmoronamento do feudalismo, com a
diminuição da Igreja e o enfraquecimento do poder político feudal. Em relação ao surgimento
do Estado Moderno, Lenio Luiz Streck e José Luiz Bolzan afirmam que o novo modelo era na
forma de dominação baseada na ideia de soberania capaz de assegurar a unidade territorial
dos reinos, levando as monarquias absolutistas a se apropriarem dos Estados como senhores
absolutos, tal qual o faziam os senhores feudais na era medieval, sustentados na ideia de que o
67
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.26.
42
poder dos reis tinha origem divina, o que lhes garantia o exercício de uma autoridade
absoluta.68
O rompimento da ordem feudal e o surgimento do Estado moderno caracterizam-se
pela passagem da relação de poder do âmbito privado para a esfera pública.
No Estado Moderno, o poder estava centralizado no soberano, sendo sua autoridade
considerada divina, associada às considerações teórico-racionais novas que deviam convencer
como doutrina.69 O homem passa a ser o referencial das ideias e do conhecimento.
Norberto Bobbio refere-se ao Absolutismo, desenvolvido na Idade Média, como forma
específica de organização do Poder, da seguinte maneira:
[...] Surgido talvez no século XVIII, mas difundido na primeira metade do
século XIX, para indicar nos círculos liberais os aspectos negativos do poder
monárquico ilimitado e pleno, o termo-conceito Absolutismo espalhou-se
desde esse tempo em todas as linguagens técnicas européias para indicar, sob
a aparência de um fenômeno único ou pelo menos unitário, espécies de fatos
ou categorias diversas da experiência política, ora (e em medida
predominante) com explícita ou implícita condenação dos métodos de
Governo autoritário em defesa dos princípios liberais, ora, e bem ao
contrário (com resultados qualitativa e até quantitativamente eficazes), com
ares de demonstração da inelutabilidade e da conveniência se não da
necessidade do sistema monocrático e centralizado para o bom
funcionamento de uma unidade política moderna.70
No Estado Absolutista, o Estado era personificado na pessoa do Rei, que centralizava
o poder político e desconhecia totalmente os Direitos Fundamentais do Homem. A principal
característica desse modelo era a forma de centralização do poder em torno de um soberano.
Foi somente no começo da Idade Moderna, que o Estado surge como uma unidade de
dominação, que atua de modo contínuo por meio de poderes próprios e delimitação pessoal e
territorial. Neste sentido, explica Bobbio:
[...] Uma tese recorrente percorre com extraordinária continuidade toda a
história do pensamento político: o Estado, entendido como ordenamento
político de uma comunidade, nasce da dissolução da comunidade primitiva
fundada sobre os laços de parentesco e da formação de comunidades mais
amplas derivadas da união de vários grupos familiares por razão de
sobrevivência interna (o sustento) e externa (a defesa). Enquanto que para
alguns historiadores contemporâneos, como já se afirmou, o nascimento do
Estado assinala o início da era moderna, segundo esta mais antiga e mais
comum interpretação o nascimento do Estado representa o ponto de
passagem da idade primitiva, gradativamente diferenciada em selvagem e
68
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 45.
69
SCHIERA, Pierangelo. Curso de Introdução à Ciência Política. Unid. III. Vol. 7. Brasília: Universidade de
Brasília, 1982, p.22.
70
BOBBIO, Noberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmem
C. Varrialle. v.1, 5.ed. Brasília: Edunb, 1993, p.1.
43
bárbara, à idade civil, onde “civil” está ao mesmo tempo para “cidadão” e
“civilizado” (Adam Ferguson).71
No Estado Moderno, o poder estatal se institucionaliza e evidencia a separação do
poder político do poder econômico, com a atuação de cada um em sua esfera própria e, por
consequência, a separação das funções administrativas, políticas e sociedade civil.
[...] o novo modelo de produção em gestação (capitalismo) demandava um
conjunto de normas impessoais/gerais que desse segurança e garantia aos
súditos (burguesia em ascensão), para que estes pudessem comercializar e
produzir riquezas (e delas desfrutar) com segurança e com regras
determinadas. Assim, enquanto no medievo (de feição patrimonialista) o
senhor feudal era proprietário dos meios administrativos, desfrutando
isoladamente do produto da cobrança de tributos, aplicando sua própria
justiça
e
tendo
seu
próprio
exército,
no
Estado
centralizado/institucionalizado esses meios administrativos não são mais
patrimônio de ninguém.72
Desta forma, o Estado Moderno fortalece gradativamente a monarquia, iniciando o
sistema político absolutista, com a concentração dos poderes legislativo, executivo e
judiciário nas mãos do soberano. Nesse tempo, faz-se necessária a menção de alguns filósofos
que influenciaram a construção dos Estados Modernos.
Um dos responsáveis pelo fortalecimento do poder dos monarcas foi o filósofo
Nicolau Maquiavel. Segundo Maquiavel, autor da obra O Príncipe, o homem era um ser
egoísta, um ser competitivo e, para controlá-lo, o governante poderia usar de seu
autoritarismo; além disso, os governantes deveriam proteger seus súditos e o Estado.
Maquiavel defendeu a Centralização Política da Itália (monarquia), opondo-se ao
modelo descentralizado do feudalismo. O filósofo foi uns dos inspiradores do modelo político
da modernidade.
O filósofo Thomas Hobbes influenciou a constituição do Estado Moderno com sua
teoria contratualista. A cessão de direito, que procurou legitimar o poder do Estado
Absolutista, parte da análise do homem em estado de natureza, por hipótese, detentor de um
poder ilimitado sobre todas as coisas, para justificar a necessidade do estabelecimento de uma
ordem capaz de limitar esse poder ou essa liberdade em face dos conflitos que se instalariam
entre os homens, e ainda aponta para o estabelecimento de um contrato entre os membros de
uma sociedade, segundo o qual todos se submetem a um poder exercido por um representante,
quer seja um homem ou uma assembléia de homens.
71
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade: Para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2010, p.73.
72
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.28.
44
Estado instituído é quando uma multidão de pessoas concordam e pactuam
que a qualquer homem ou assembléia de homens a quem seja atribuído pela
maioria o direito de representar a pessoa de todos eles – ou seja, de ser seu
representante –, todos, sem exceção, tanto os que votaram a favor dele como
os que votaram contra ele, deverão autorizar todos os atos e decisões, a fim
de viverem em paz uns com os outros e serem protegidos dos restantes
homens. Deste Estado instituído derivam todos os direitos e faculdades
daquele ou daqueles a quem o poder soberano é conferido mediante o
consentimento do povo reunido.73
Para Hobbes, a sociedade vive em constante competição, o homem é considerado um
lobo para o próprio homem, o homem vive em sociedade por ter necessidade de assim estar e
não por ser um homem social. O filósofo acreditava que a superação dos impasses da
competição na sociedade estava intimamente ligada à presença soberana do Estado, que tinha
a função de garantir a vivência em sociedade.
O filósofo John Locke, em sua obra e argumentos contratualistas, dispõe sobre a
necessidade da limitação do poder do soberano. O filósofo parte da concepção individualista
do homem no estado de natureza, levando os homens a se unirem mediante um contrato social
para constituir uma sociedade civil, também consolidando o entendimento de que somente o
pacto social torna legítimo o poder do Estado.
Contrapondo Hobbes, para Locke o poder estatal é essencialmente um poder
delimitado. O erro do soberano não será a fraqueza, mas o excesso. E, em
consequência, para isso, admite o direito de resistência. A soberania
absoluta, incontrastável, do primeiro cede passo à teoria do pai do
individualismo liberal, na qual ainda consta o controle do Executivo pelo
Legislativo e o controle do governo pela sociedade (cernes do pensamento
liberal). 74
Nesse contexto, inspirado nos pensamentos de Locke, Montesquieu, em sua obra De
l’espirit des lois, demonstra a concepção da teoria da natureza dos três poderes.
Os poderes do Estado ao qual Montesquieu se refere são, segundo a tradição,
o poder legislativo, o executivo e o judiciário. Separação dos poderes
significa, portanto, que o poder executivo deve ser separado do legislativo e
do judiciário e assim por diante. Montesquieu diz que quando, numa mesma
pessoa, o poder legislativo está unido ao executivo, “não existe liberdade”;
assim, “não existe liberdade” se o poder judiciário não está separado do
poder legislativo e do executivo.75
O contratualista Jean- Jacques Rosseau foi um crítico do absolutismo e de todas as
formas de escravidão. Segundo o filósofo, a liberdade era o bem supremo.
73
HOBBES, Thomas. Levitã ou matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin
Claret, 2004, p.132.
74
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 36.
75
BOBBIO, Noberto. Direito e estado no pensamento de Emanuel Kant. Trad. Alfredo Fait. 2 ed. São Paulo:
Mandarim, 2000, p.68-69.
45
O homem rousseauniano só deve obedecer à consciência pública
representada pelo estado, fora do qual não há mais do que consciências
privadas ou individuais, que devem ser rechaçadas porque prejudiciais:
“Para que o pacto social não se reduza a uma fórmula vazia, implica
tacitamente o seguinte empenho, o único que pode dar força aos demais:
aquele que se nega a obedecer à vontade geral, será obrigado a isso por todo
o corpo; isto não significa outra coisa que obrigar-lhe a ser livre.”76
O contratualista Rosseau propôs uma educação livre de preconceitos e, assim, através
dessa educação, se evitaria que as forças corruptas agissem sobre os homens que nasciam
bons.
O filósofo defendia a ideia de que o homem ao viver em sociedade sofre mudanças,
individualmente contempla a si mesmo e na sociedade convive com outros valores. Na
sociedade, o homem sofre privações e também vantagens, dessa forma, verifica-se o encontro
da vontade individual com a vontade geral, sendo que esta deve prevalecer em nome do bem
comum. O bem comum deve ser o motor do corpo social.
Rosseau defendia que o vínculo entre o indivíduo e a sociedade nasce do que existe
em comum entre interesses divergentes: cada indivíduo renuncia aos seus interesses pessoais
em favor da coletividade. A soberania não era do monarca e sim do povo e os limites dos
poderes do Estado estavam no contrato social, que os originou.
Os contratualistas Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau tinham
idealizações em comum: a busca por fundamentos para o Estado e o poder e a apresentação de
mecanismo para alteração da convivência/relações sociais. Os filósofos acreditavam que o
Estado seria uma criação humana resultante de um contrato da sociedade e cada um defendia
um conteúdo diferente para o contrato social.
Assim, fica evidente que, nessa fase histórica da humanidade, sob os aspectos
filosóficos e jurídicos, os valores mais consagrados foram o direito de propriedade, liberdade
e igualdade, como direitos naturais da pessoa humana, suprimindo definitivamente as
limitações ao exercício da liberdade.
As ideias desse momento histórico fundamentaram as Constituições do século XVIII e
também as do século XIX, as quais normalmente limitaram-se à organização política do
Estado, dando ênfase ao liberalismo e ao individualismo, princípios que repugnavam todo o
tipo de intervenção na vida econômica e social dos indivíduos.
Os mais significativos textos desta nova concepção são americanos e
franceses – a Declaração de Direitos de Virgínia e a Declaração de
Independência dos Estados Unidos, ambas de 1776, e a Declaração dos
76
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegra: Livraria do Advogado, 2010, p. 38.
46
Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, aquelas mais próximas do
pensamento cristão, esta de um racionalismo laico.77
A Declaração dos Direitos da Virgínia se traduz em uma Declaração de Direitos, no
contexto da luta pela Independência dos Estados Unidos da América. Vejamos seu artigo 1º,
in verbis:
Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos
certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato,
privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a
liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter
a felicidade e a segurança. 78
A Declaração dos Direitos da Virgínia foi inspirada no Iluminismo, assim como a
Declaração de Independência dos Estados Unidos.
Na Declaração de Independência dos Estados Unidos afirma-se:
“Consideramos de per se evidentes as verdades seguintes: todos os homens
são criaturas iguais; são dotados pelo seu Criador de certos direitos
inalienáveis e, entre eles, acham-se a vida, a liberdade e a busca da
felicidade [...].”79
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão também está no contexto de
marcos da nova concepção.
A Revolução Francesa foi o evento político extraordinário que rompeu a continuidade
do curso histórico, assinalando o fim de uma época e o princípio de outra. Esses dois
momentos têm como símbolos o dia 4 de agosto de 1789, quando a renúncia dos nobres aos
seus privilégios assinala o fim do regime feudal, e o dia 26 de agosto, quando a aprovação da
Declaração dos Direitos do Homem marca o princípio de uma nova era.80
Assim, marca-se o fim do Absolutismo e o início do modelo de Estado Liberal.
2.3 O ESTADO LIBERAL
A consolidação do modelo de Estado Liberal deu-se a partir da Revolução Francesa,
no século XVIII, mais precisamente no ano de 1789. “O primeiro Estado jurídico, guardião
das liberdades individuais, alcançou sua experimentação histórica na Revolução Francesa.”81
77
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.32.
Op. cit., p.32.
79
Op.cit., p.32.
80
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 11 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992,
p.113.
81
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.42.
78
47
Na mesma linha de Bonavides, Jorge Miranda indica o surgimento do Estado
constitucional em consonância com o modelo de Estado Liberal:
O Estado constitucional, representativo ou de Direito surge como Estado
liberal, assente na ideia de liberdade e, em nome dela, empenhado em limitar
o poder político tanto internamente, pela sua divisão, como externamente,
pela redução ao mínimo das suas funções perante a sociedade.82
O Estado Liberal foi uma transição do mercantilismo e é indicado como o apogeu do
individualismo, com pouquíssimas limitações do Estado às atividades humanas.
Nesse tempo, surge efetivamente o liberalismo preconizado por Adam Smith, que é
considerado pai do liberalismo econômico. Smith defendia a liberdade do homem perante o
Estado, a divisão de trabalho e a maior produção para gerar riquezas para os Estados.
O liberalismo, em sua versão econômica como liberdade de mercado, tinha seu
fundamento na “mão invisível” que representava o Estado Mínimo. Lenio Luiz Streck e José
Luis Bolzan de Morais dispõem que conceituar o liberalismo é uma tarefa complexa, pois a
doutrina liberal, historicamente, apresenta constantes transformações pela incorporação de
novas situações, o que impõe utilizar o vocábulo no plural, considerando os diversos
conteúdos sob a mesma roupagem. Apesar da dificuldade enfrentada, os autores apresentam
um quadro referencial unívoco que caracteriza o movimento liberal: a “ideia de limites”, e
citam Bobbio, finalizando que “o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com
respeito aos seus poderes quanto às suas funções.”83
O liberalismo clássico pode ser identificado em diversos núcleos, quais sejam: a) o
núcleo moral: valores e direitos básicos, como a liberdade de expressão, de crença, de
reunião, dignidade, vida, autorrealização, proteção individual contra o governo, mobilidade
social, merecimento social, igualdade formal entre homens e mulheres; b) núcleo político:
poder político consentido, representação popular, constitucionalismo, soberania popular,
império da lei; c) núcleo econômico: propriedade privada, liberdade econômica, autoorganização do mercado, concorrência sem ou com pouco controle estatal, liberdade
contratual plena.84
Desta forma, o objetivo do Estado Liberal era assegurar o desenvolvimento da
economia, através da circulação livre do capital em favor do individualismo.
As expressões para designar o Estado do século XIX são inúmeras, conforme
preconiza a doutrina: Estado liberal, Estado censitário, Estado burguês, Estado nacional82
MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p.33.
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 56.
84
Op.cit., p.58.
83
48
burguês, État gendarme, Estado legislativo, Estado guarda-noturno, Estado neutro, Estadomáquina, Estado-aparato, Estado-mecanismo, Estado-catedral, Estado na potência e da razão,
Estado garantista, Estado-autoridade, Estado abstencionista.85
No liberalismo, os indivíduos podiam exercer com liberdade qualquer atividade
econômica, com vista ao lucro e ao próprio bem-estar, com a menor presença possível do
Estado, situação que ficou marcada pela uma expressão francesa mencionada por diversos
autores: “Laissez faire, laissez passer, lê monde va de lui-même” [Deixe fazer, deixe passar, o
mundo caminha por si mesmo].
Neste período, verifica-se o fenômeno da despublicização, uma vez que a intervenção
do Estado na economia era considerada desnecessária, pois a livre concorrência e a lei da
oferta e da procura eram as forças responsáveis pelo destino da economia e encarregadas do
estabelecimento do equilíbrio preconizado pela “mão invisível”.
Em decorrência do individualismo exacerbado, a “plena liberdade” econômica entrou
em crise, já que era nítido o descumprimento dos seus propósitos em relação à igualdade e à
fraternidade. Estava evidente a concentração de riqueza nas mãos dos representantes da
burguesia. As leis naturais da economia e do mercado não atingiram seu objetivo no que diz
respeito a uma distribuição de riqueza mínima, produzida no mercado, com um nível
suficiente para assegurar a todos uma existência digna.
Destarte, a crítica ao modelo liberal consiste pela omissão do Estado em relação aos
problemas de ordem social e econômicos, inclusive em relação à inexistência dos direitos
sociais e econômicos no texto constitucional e na legislação infraconstitucional.
2.4 O ESTADO SOCIAL
Na metade do século XIX, principiaram, então, as reações contra o Estado Liberal.
Em meados do século XIX, começaram as reações contra o Estado Liberal,
por suas consequências funestas no âmbito econômico e social; as grandes
empresas tinham se transformado em grandes monopólios e aniquilado as de
pequeno porte; surgira uma nova classe social – o proletariado – em
condições de miséria, doença, ignorância, que tendia a acentuar-se com o
não intervencionismo estatal pregado pelo liberalismo.86
O Estado Social tem os primeiros indícios com a decadência do liberalismo, após a
primeira Guerra Mundial, momento em que o Estado passou a intervir em áreas que
85
MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p.78.
86
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.8.
49
anteriormente eram de competência exclusiva do setor privado, vindo a assumir a
responsabilidade social.
Surge o denominado ‘Estado Social’ para atender aos reclamos de índole
assistencial da sociedade, que clamava por uma intervenção estatal que
assegurasse condições mínimas àqueles incapazes de prover o seu próprio
sustento. Efetivamente, ao se transformar em Estado prestador,
automaticamente passa à condição de equalizador de um patamar social
mínimo, realocando (ou pretendendo fazê-lo) aqueles que se encontrassem
em situação inferior a esse mínimo para os patamares desejáveis.87
Paulo Bonavides afirma que não houve desaparecimento do Estado Liberal, mas a
transformação do Estado Liberal no Estado Social, “[...] debaixo das pressões sociais e
ideológicas do marxismo, o Estado Liberal não sucumbiu nem desapareceu: transformou-se.
Deu lugar ao Estado Social.”88
Na mesma acepção, dispõem Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais:
Em termos globais, o liberalismo do séc. XIX apresenta um registro
importante em termos de surgimento e de institucionalização de direitos
civis, direitos políticos e liberdades econômicas. Também foi notável pelo
crescimento e o desenvolvimento sem precedentes da tecnologia e da
produção, apesar dos numerosos infortúnios que continuavam a afligir os
trabalhadores. As economias se fortaleceram; a população mundial começou
a crescer rapidamente; comunicações...; cidades...; dinheiro...e novas
práticas bancárias facilitaram as trocas.
No fim do século, um fator novo foi injetado na filosofia- política liberal.
Era a justiça social, antes referida, vista como a necessidade de apoiar
indivíduos – estes não mais percebidos como seres isolados, mas agora como
componentes de determinadas coletividades, [...]. Um novo espírito de ajuda,
cooperação e serviços mútuos começou a se desenvolver, tornando-a mais
forte com o advento do século XX, quando se inaugura a fase do Estado
Social.89
E, nesta linha de definição, segundo Paulo Márcio Cruz:
Estado de Bem-Estar é o produto da reforma do modelo clássico de Estado
Liberal que pretendeu superar as crises de legitimidade que este possa sofrer,
sem abandonar sua estrutura jurídico-política. Caracteriza-se pela união da
tradicional garantia das liberdades individuais com o reconhecimento, como
direitos coletivos, de certos serviços sociais que o Estado providencia, pela
intervenção, aos cidadãos, de modo a proporcionar iguais oportunidades a
todos.90
Neste mesmo sentido, grande parte dos doutrinadores garante que no Estado Social
houve a conjunção dos princípios socialistas aos princípios liberalistas.
87
TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 2. ed. São Paulo: Método, 2006, p.57
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.72.
89
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7.ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.66.
90
CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009, p.163.
88
50
A passagem para um Estado Social foi uma transformação da estrutura do Estado
Liberal, influenciada por importantes movimentos socioeconômicos.
A Revolução Industrial e a aplicabilidade do Princípio da Livre Concorrência
acarretaram para o trabalhador condições desumanas de vida e de trabalho, sem o
reconhecimento dos direitos individuais do cidadão naquela época.
Neste contorno, essa nova era da industrialização trouxe técnicas produtivas brutais de
exploração do trabalho humano, em um período em que não existiam leis para resolver os
problemas gerados pela relação de trabalho, trazendo desastrosas consequências, porque o
direito já não podia atender aos novos fenômenos econômicos, vindo, com isto, a provocar a
decadência do sistema.
Sendo assim, o desenvolvimento do modelo de Estado de Bem-Estar Social está
vinculado à luta pelos direitos individuais (terceira geração), pelos direitos políticos e pelos
direitos sociais, e atrela-se também à transformação da sociedade agrária em industrial.91
A Revolução Russa marca o início da vigência do Estado Social, “a Revolução Russa
de 1917 é o Estado Social, [...].”92
No âmbito constitucional, foi o advento da Constituição Socialista, de 1917, da
Constituição do México, de 1918, e de Weimar, de 1919 (Alemã), que instituiu os direitos
sociais.
Vale destacar que os direitos sociais preconizados nessas constituições são base para
os direitos sociais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Nessa mesma época, ocorreu a reconstrução da Alemanha, com o término da Primeira
Guerra Mundial e da Revolução Mexicana, resultando numa grande transformação pela qual
passou o Estado Liberal clássico, fazendo parte da história do Estado de Direito.
Este novo modelo de Estado assume as atividades puramente produtoras de bens e
prestadoras de serviços, sempre nos casos de interesse público, diante do desamparo da
legislação e da desigualdade entre os cidadãos.
Intervenções são assumidas para manter os desamparados; oficinas públicas
são mantidas para resolver o desemprego, legislação sobre o trabalho de
menores, regulação da jornada de trabalho, leis relativas à segurança no
trabalho [...] assim é que a liberdade contratual e econômica, símbolos da
doutrina econômica liberal – o liberismo –, é fortemente reduzida pela
participação do Estado como ator do jogo econômico, atuando no e sobre o
domínio econômico, e, em um sentido mais amplo, do jogo social como um
91
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.79.
92
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.208.
51
todo, participando das mais variadas formas nas lutas, reivindicações e
arranjos sociais como ator privilegiado.93
O Estado Social assume o papel intervencionista, a fim de delimitar o poder
econômico e regular a atividade econômica, principalmente em relação ao contrato e,
sobretudo, em relação à propriedade.
No campo político, é relevante ressaltar a ocorrência das “experiências do
nazifascismo na Europa Ocidental, e o chamado socialismo real na antiga URSS – desfeita
após a queda do muro de Berlim, em 1989, e o desfazimento do chamado Bloco Soviético dos
países do Leste Europeu”.94
Nesse contexto histórico, a doutrina apresenta um papel importante desempenhado
pela Igreja Católica, pois foi a partir da Encíclica Rerum Novarum, inaugurada em 1891, de
autoria do Papa Leão XIII, que a exigência do trabalho digno ao cidadão foi imposta como
dever do Estado.
Fica, então, evidente que os direitos sociais e trabalhistas estavam sobre a proteção do
Estado. Foi um período fortemente marcado pelo protecionismo social.
O intervencionismo estatal não se deu de maneira uniforme no Estado Social e esse
processo intervencionista foi interpretado por fases, quais sejam: a fase inicial, conhecida
como intervencionismo, que visava a solução de problemas concretos que surgiram e
poderiam colocar em risco a manutenção do regime; em seguida, o dirigismo, em que a
atuação estatal passa a se intensificar, com atos sistemáticos de ajuda e reforço à iniciativa
privada, inclusive com objetivos político-econômicos predeterminados; e, por último, a
planificação, o mais acabado estágio de atuação do Estado, com previsões que abrangem largo
período temporal, e com análise econômica global.95
Contemporaneamente, a intervenção pode ser identificada com atuação direta na
ordem econômica como agente de mercado, ou indiretamente por meio de regulação,
fiscalização, planejamento.
O Estado Social tem uma grande diversidade de denominações, tais como: Estado
intervencionista, Estado-providência, Estado de bem-estar, Estado assistencial, Estado
pluriclasse, Estado social-democrata, Estado de associações, Estado distribuidor, Estado
nutriz, Estado empresário, Welfare State, Estado manager, Estado de prestações, Estado de
93
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.65.
94
Op. cit., p.71.
95
Op.cit., p.77.
52
organizações, Estado neocorporativo, Estado neocapitalista, Estado promocional, Estado
responsável, Estado protetor, Estado pós-liberal, Estado telocrático.96
O Estado do Bem-Estar Social caracteriza-se como o Estado Intervencionista e
garantidor de direitos como saúde, educação, lazer, habitação, alimentação, previdência e
assistência social.
Em comparação com os aspectos moral, político e econômico presentes no Estado
Liberal, no Estado do Bem-Estar Social observa-se: no núcleo moral, foram acrescentadas
novas gerações de direitos, como os sociais e os transindividuais, além dos direitos básicos de
liberalidade individual; no núcleo político, foi consolidado o poder político consentido, à
representação popular foram acrescentados instrumentos de atuação direta do cidadão nas
decisões, constitucionalismo com instrumentos de controle de omissões do Estado diante de
deveres jurídicos, soberania popular manifestada não somente nos parlamentos e também por
meio de decisões produzidas na sociedade civil organizada (conselhos); no núcleo econômico:
liberdade econômica, auto-organização do mercado com controle estatal, propriedade privada
acrescida de função social, liberdade contratual, desde que se observe o equilíbrio efetivo dos
contratantes, e que seja preservada a boa-fé, sendo que estas são consideradas normas de
ordem pública.97
O perfil do Estado Social permite a afirmação de que se inicia a publicização da vida
econômica e social por meio da intervenção. Neste sentido, Paulo Luiz Netto Lôbo assevera:
A denominada publicização compreende o processo de crescente intervenção
estatal, especialmente no âmbito legislativo, característica do Estado Social
do Século XX. Tem-se a redução do espaço de autonomia privada, para a
garantia da tutela jurídica dos mais fracos. A ação intervencionista ou
dirigista do legislador terminou por subtrair do Código Civil matérias
inteiras, em alguns casos transformadas em ramos autônomos, como o
direito do trabalho, o direito agrário, o direito das águas, o direito da
habitação, o direito de locação de imóveis urbanos, o estatuto da criança e do
adolescente, os direitos autorais, o direito do consumidor [...].
[...] É certo que o Estado social eliminou o critério de distinção tradicional, a
saber, o interesse; o interesse público não é necessariamente o interesse
social e os interesses públicos e privados podem estar embaralhados, tanto
no que se considerava direito público, quanto no direito privado.98
O fenômeno da publicização do Direito Privado, trazido pelo Estado Social, indica um
Estado intervencionista em áreas interessadas anteriormente apenas ao âmbito privado.
96
MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em evolução. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003,
p.84.
97
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, 79.
98
LÔBO,
Paulo
Luiz
Netto.
Constitucionalização
do
Direito
Civil.
Disponível
em:
http://jus.uol.com.br/revista/texto/507/constitucionalizacao-do-direito-civil. Acesso em: 30 de abril de 2010, p.1.
53
Pela principiologia do Estado de Bem-Estar Social, todo indivíduo teria o direito de
um conjunto de bens e serviços. O fornecimento destas atividades seria garantido, através do
Estado, direta ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação.
Para suportar os objetivos do “gigante” Estado Social, as estruturas administrativas de
apoio aos serviços sociais transformam-se em instituições de enorme complexidade.
E por culpa da excessiva demanda, surgem, nesse momento, as empresas estatais, as
fundações, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e outras empresas sob o
comando estatal a fim de atingir o escopo do Estado Social.
A posição do Estado, como agente econômico, tem o objetivo de estimular o
desenvolvimento econômico, “substituindo os particulares e tomando a si a tarefa de
desenvolver atividades reputadas importantes ao crescimento: surgem as empresas estatais.”99
Porém, a realidade é que a maneira imperfeita de administração dos gastos públicos, o
aumento das despesas governamentais, a inflação, a instabilidade econômica e social
ocasionam uma crise fiscal do Estado e a decadência do modelo paternalista de Estado.
Apesar do grande avanço, principalmente nos aspectos dos direitos sociais, este
modelo de Estado trouxe algumas consequências negativas, como um grande crescimento do
Estado, que passou a atuar em todas as questões da vida social dos cidadãos, e também a
ineficiência no momento das prestações dos serviços à população.
2.4.1 A evolução das Constituições Sociais no Brasil
No Brasil, o modelo constitucional para o Estado de Direito arquitetado como um
Estado Mínimo, com limitação na atuação do Estado, aconteceu até 1930, conforme o
princípio da legalidade e da constitucionalidade, que formalmente limitava a atuação do
Estado.
O presidente Getúlio Vargas, ao assumir o poder como líder civil da Revolução de
1930, inclina-se para a questão social e, no ano de 1934, nasce a primeira Constituição Social
Brasileira.
A Constituição Brasileira de 1934, promulgada pela Assembléia Nacional
Constituinte, foi redigida para organizar um regime democrático que assegurasse à nação a
unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico: “[...] reunidos em
99
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.55.
54
Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à
Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico [...].”100
A Carta de 1934 perpetuou a liberdade econômica, mantendo o liberalismo, ainda que
com profundas restrições de ordem social. Essa Constituição assegurou direitos sociais aos
cidadãos, voto obrigatório para maiores de 18 anos, o voto feminino, prevendo com isso a
criação da Justiça do Trabalho e da Justiça Eleitoral.
A Constituição de 1934 apresentou para o Estado novas orientações e iniciou seu
papel no mercado, determinando uma nova ordem a ser disciplinada: a Ordem Econômica e
Social, em seu título IV:
Da Ordem Econômica e Social
Art 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da
Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos
existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.
Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão
de vida nas várias regiões do País.
Art 116 - Por motivo de interesse público e autorizada em lei especial, a
União poderá monopolizar determinada indústria ou atividade econômica,
asseguradas as indenizações, devidas, conforme o art. 112, nº 17, e
ressalvados os serviços municipalizados ou de competência dos Poderes
locais [...].101
Na ocasião, a atuação intervencionista do Estado controlava e limitava a liberdade
econômica, com garantias protecionistas para os cidadãos.
Em 1937, o Brasil recebe a sua segunda Constituição por poderes autoritários, que
claramente concentra o poder nas mãos do chefe do executivo. Getúlio Vargas a outorga no
mesmo dia em que estabelece o Estado Novo, regime ditatorial sob o seu comando.
Durante esse período, o texto constitucional de 1937 constou expressamente a função
intervencionista do Estado na ordem econômica do Brasil. “[...] A intervenção no domínio
econômico poderá ser mediata e imediata, revestindo a forma do controle, do estímulo ou da
gestão direta.”102
A Constituição de 1946, promulgada por uma Assembléia Nacional Constituinte, é
conhecida como a Constituição redemocratizadora, pois foram retomadas as ideias da
Constituição de 1934, em relação ao bem-estar dos cidadãos, às liberdades públicas e ao
fortalecimento da federação.
100
BRASIL. Constituição (1934). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
101
BRASIL. Constituição (1934). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
102
BRASIL. Constituição (1937). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
55
A Carta de 1946 inicia seu Título V, “Da Ordem Econômica e Social”, da seguinte
forma: “Art. 145 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça
social, conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.”103
Nota-se o caráter social da Constituição de 1946, pois ela elenca a proteção e a
valorização do trabalho humano, o interesse público e os direitos fundamentais em garantias
constitucionais.
Em pleno Regime Ditatorial, a Constituição de 1967 foi outorgada com participação
de um Congresso Nacional submisso ao Poder Executivo. Naquele momento histórico, foi
aprovado o Texto Constitucional imposto pelo Governo, a Emenda Constitucional de 1969 e o
Ato Institucional nº 5, de lamentável memória para o povo brasileiro.
Vale ressaltar que essa Constituição inseriu também a Lei de Imprensa e a Lei de
Segurança Nacional. Essas leis garantiram ao Presidente poderes praticamente ilimitados.
A Emenda Constitucional de 1969 concedia poderes extraordinários e exclusivos ao
Presidente, tais como poderes na criação de cargos, funções ou empregos públicos, aumento
de vencimentos da despesa pública, fixação ou modificação dos efetivos das Forças Armadas,
organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e
pessoais da administração do Distrito Federal, organização judiciária, administrativa e matéria
judiciária dos territórios, questões relativas aos servidores públicos da União, seu regime
jurídico, provimento de cargos públicos, estabilidade e aposentadoria de funcionários civis,
reforma e transferência de militares para a inatividade e poder para conceder anistia relativa a
crimes políticos.
O artigo 81 da Constituição determinava ainda outros poderes exclusivos do
Presidente, tais como exercício na administração superior federal, com auxílio dos ministros,
poder de sancionar, promulgar e fazer publicar leis, expedir decretos e regulamentos para sua
fiel execução, poder de vetar projetos de lei, exercício no comando das Forças Armadas,
poder de determinar medidas de emergência e decretar estado de sítio e estado de emergência,
poder de decretar e executar a intervenção federal.
Com tamanha expansão do Poder Executivo, ficam evidentes as limitações e
atribuições do Poder Legislativo, especialmente no que tange à sua função principal, que é a
elaboração e aprovação de leis de interesse coletivo, pois, como vimos, as atribuições
principais estavam sob o domínio total do Presidente da República.
103
BRASIL. Constituição (1946). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
56
O que se verifica, nesse momento da história do Brasil, é uma aparência de Estado
Democrático de Direito, pois a ditadura militar, durante seus 20 anos, agiu em nome do
Princípio Democrático, torturando e eliminando muitos cidadãos brasileiros que ansiavam por
um país socialmente mais justo.
Apesar da realidade fática do momento, os princípios fundamentais da Constituição de
1967 preconizavam a liberdade de iniciativa, a valorização do trabalho como condição da
dignidade humana, a função social da propriedade, a harmonia e solidariedade entre as
categorias sociais de produção e a repressão ao abuso do poder econômico; porém, é claro que
tais princípios constitucionais estavam prejudicados em detrimento a um Estado Militar.
Em relação à Ordem Econômica e Social, o Estado assume constitucionalmente o
encargo de promover o desenvolvimento nacional, autorizado a atuar direta ou indiretamente
no domínio econômico, como mais uma forma de amplitude de seu poder.
Assim, verifica-se que as Constituições Sociais Brasileiras marcam a histórica jurídica
nacional. “Estado Social significa intervencionismo, patronagem, paternalismo,”104 e as
Constituições apresentadas contêm características marcantes do Estado Social.
2.5 O ESTADO CONTEMPORÂNEO E O NEOLIBERALISMO
Em alguns momentos históricos, a atuação do Estado no setor econômico foi
considerada desprezível para o desenvolvimento global estatal.
Durante o século XVIII, os maiores pensadores iluministas defenderam um modelo de
Estado Abstencionista, no qual a organização e atuação do setor produtivo eram orientadas
pela “mão invisível”, amparada por Adam Smith. Desta forma, a atividade econômica deveria
ser desenvolvida pelas “forças naturais” do mercado.
O Estado tinha uma postura apenas de guardião da ordem e da segurança nacional e
sua atuação era extremamente restrita, sendo considerado como o “Estado Mínimo”, alheio às
questões sociais e ao domínio econômico.
Esse modelo de Estado “acanhado” entra em declínio após a Primeira Guerra Mundial
e com a Revolução Russa, pois as características de mercado livre e a inexistência de política
social tiveram que ser substituídas por políticas sociais efetivas por parte do Estado,
ensejando a crise no Estado Liberal e dando surgimento a um modelo de Estado
Intervencionista.
104
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.203.
57
O Estado Social surge e acentua a participação do Estado na vida da sociedade e o
controle do ciclo econômico faz parte da atuação estatal. A intervenção estatal na economia
era dirigida para promover o desenvolvimento econômico e social, a fim de estabelecer
padrões de vida dignos para todos os cidadãos.
O Estado paternalista não foi capaz de desenvolver satisfatoriamente as obrigações
assumidas com os cidadãos. Os doutrinadores asseveram a crise do modelo paternalista de
Estado como tendo sido causada pelo crescimento do próprio Estado e pela diminuição da
eficiência das atividades exercidas diretamente pelo Estado.
Desta forma, aos poucos, entra em declínio a estrutura de Estado gigante, incapaz de
desenvolver e gerenciar todas as atividades que tinha assumido, desencadeando um processo
descentralizante no que se refere à prestação dos serviços públicos e à realização de obras
públicas, relacionados ao bem-estar dos cidadãos. Em relação à crise deste Estado, Luiz
Carlos Bresser Pereira pondera:
[...]Em parte em conseqüência da incapacidade de reconhecer os fatos novos
que ocorriam no plano tecnológico, em parte devido à visão equivocada do
papel do Estado como demiurgo social, e em parte, finalmente, porque as
distorções de qualquer sistema de administração estatal são inevitáveis à
medida que transcorre o tempo, o fato é que, a partir dos anos 70 e
principalmente nos anos 80, a economia mundial irá enfrentar uma nova
grande crise.105
A aceleração do desenvolvimento tecnológico e a busca pela redução nos custos das
políticas públicas fundamentam o fenômeno da globalização, integrando as economias; assim,
definitivamente os mercados mundiais foram rompidos. “A crise do Estado está associada, de
um lado, ao caráter cíclico da intervenção estatal e, de outro, ao processo de globalização, que
reduziu a autonomia das políticas econômicas e sociais dos estados nacionais.”106
O modelo de Estado Neoliberal surge em meio a essa crise por culpa de promessas não
cumpridas pelo Estado de Bem-Estar Social, em um momento marcado por ausência de
fronteiras, desigualdades sociais crescentes, aumento da pobreza e, além disso, redução de
políticas sociais.
O país pioneiro na adoção de políticas neoliberais foi a Inglaterra. Em seguida,
diversos países economicamente fortes seguiram o modelo, a partir de 1980.
105
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Caderno
MARE da reforma do Estado. v.1. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997
p.11.
106
Op.cit., p.11.
58
O neoliberalismo apresenta uma pretensão de restabelecimento do Estado Mínimo,
com o objetivo de fortalecimento do Estado, sob a justificativa de que as deduções dos
encargos estatais resultariam em mais força ao Estado.
Paulo Bonavides não adere às concepções do novo modelo, pois “vivemos a era do
totalitarismo financeiro, que é a forma mais atroz, mais selvagem, mais indigna de opressão e
ditadura, jamais gerada nas estranhas do capitalismo.”107
Na companhia de Bonavides, Paulo Cruz afirma “O Estado de Bem-Estar e a
Democracia Social, por extensão, são, para o Neoliberalismo, incompatíveis com a ética e a
liberdade política e econômica.”108
O principal foco da crítica ao neoliberalismo se traduz na impossibilidade do alcance
da justiça social e na igualdade de classes, uma vez que, historicamente, o modelo de Estado
Liberal já demonstrou a falência da regulação da economia através do mercado.
Para o Neoliberalismo, os fenômenos que, a partir de uma visão ética da
realidade socioeconômica são chamados de ‘conflitos’ – como, por exemplo,
a exploração, pobreza, desemprego, marginalização, concorrência desleal,
fuga de capitais, quebra de bancos e de bolsas de valores, disputas regionais,
entre outros – são episódios necessários e positivos da luta dos exemplares
mais fortes da raça humana para conseguir mais riqueza, maior prosperidade,
mais bem-estar para a humanidade em geral, ainda que não necessariamente
para todos e cada um. Mas isto não importa aos neoliberais, já que a
humanidade se considera aperfeiçoada mesmo que somente alguns de seus
membros alcancem níveis cada vez mais elevados de riqueza. Este é uma
espécie de “desenvolvimento reducionista”, no qual os ricos exercem a
função de representar a humanidade como um todo na ‘árdua’ tarefa de
desfrutar dos bens materiais da criação.109
Na continuação de seu pensamento, Paulo Cruz envolve uma sugestão ideológica
interessante para o atual momento, a Terceira Via. “A Terceira Via é uma etiqueta que está
sendo trabalhada teoricamente com a pretensão de se transformar numa opção ideológica para
a centro-esquerda – ou para a nova esquerda.”110
Pioneiramente, esta Terceira Via foi adotada por Tony Blair, na Inglaterra, e os valores
de gestão se concentram na democracia, na liberdade, na justiça, no compromisso mútuo e na
internacionalização.
A Terceira Via foi arquitetada por Anthony Giddens e preconizava o seguinte:
a) igualdade - como forma de oferecer iguais oportunidades a todos;
b) proteção aos vulneráveis - como política de intervenção no Social;
107
BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial: A derrubada da Constituição e a
recolonização pelo golpe de Estado institucional. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
108
CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2009,
p.199.
109
Op.cit., p.239.
110
Op. cit., p.240.
59
c) liberdade como autonomia - como instrumento de preservação da
iniciativa privada;
d) não há direitos sem responsabilidade - como pressuposto para uma nova
relação entre o Estado e os cidadãos;
e) não há autoridade sem democracia - como proposta de civilização
calcada no Estado Democrático de Direito;
f) pluralismo cosmopolita - como diferencial à antiga Democracia Social,
entendendo a importância do mercado global; e
g) o conservadorismo filosófico - como profissão de fé na justiça social.111
A Terceira Via seria uma “Democracia Social”, uma remodelagem do Estado de BemEstar Social, mais moderno e com compromisso na justiça social, como alternativa ao Estado
forte da esquerda clássica.
A justificativa refere-se ao fato de que o Estado de Bem-Estar Social é extremamente
marcado por conquistas de direitos e garantias fundamentais, que devem ser preservadas ao
longo da história dos países. E os valores fundamentais conquistados no modelo do Estado de
Bem-Estar Social não podem desaparecer em prol de anseios econômicos do Neoliberalismo.
Outro aspecto que merece destaque no momento da crise do Estado é o fenômeno
mundial da Globalização, que marca o processo de integração econômica, social, cultural e
política dos países do mundo. O fenômeno possibilita uma maior integração dos países e uma
aproximação ainda maior das pessoas. “O que se insinua é que o mundo hoje é um só, está
globalizado, desaparecendo as barreiras representadas pelas fronteiras do Estado.”112
No início, a Globalização era apenas um processo quantitativo gradual, modificandose no final do século XX através de uma transformação qualitativa, sendo mais um motivo
para o Estado se reformar, pois, em virtude da diminuição dos custos (transportes e
comunicações internacionais), a Globalização fomentou o comércio mundial, aumentando os
financiamentos internacionais e os investimentos diretos das empresas multinacionais.113
A partir do fenômeno da Globalização, os governantes dos Estados foram
pressionados a instaurarem mudanças significativas na gestão econômica de seus países, a fim
de não serem sufocados pelo mercado internacional.
Integram-se, nesse momento também, os métodos administrativos da desconcentração
e da descentralização. A desconcentração ocorre quando a entidade da Administração,
encarregada de executar um ou mais serviços, distribui competências, no âmbito de sua
111
CRUZ, Paulo Márcio. Política, Poder, Ideologia & Estado Contemporâneo. 3.ed. Curitiba: Juruá, 2009,
p.242-243.
112
DALLARI, Dalmo de Abreu. O Futuro do Estado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.155.
113
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Caderno
MARE da reforma do Estado. v. 1. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997,
p.14.
60
própria estrutura, com o objetivo de tornar mais ágil e eficiente a prestação dos serviços. A
desconcentração pressupõe, obrigatoriamente, a ocorrência de uma só pessoa jurídica.
Já a descentralização implica a transferência de atribuições a outro ente administrativo
integrante da burocracia estatal. Vejamos:
[...] a descentralização administrativa significa a transferência de poderes de
decisão em matérias específicas a entes dotados de personalidade jurídica
própria. Tais entes realizam, em nome próprio, atividades que, em princípio,
têm as mesmas características e os mesmos efeitos das atividades
administrativas estatais. A descentralização administrativa implica, assim, a
transferência de atividade decisória e não meramente administrativa.114
No Brasil, a descentralização administrativa realiza-se com os entes da Administração
indireta, ou seja, as autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações
públicas.115
O fenômeno da descentralização deu mais um fundamento para a crise do Estado, pois
se caracterizou uma falta ainda maior de eficiência na prestação dos serviços públicos e na
regulação econômica.
As entidades da Administração indireta cresceram significativamente nessa época, da
mesma maneira que as parcerias do Estado com a iniciativa privada, através das sociedades de
economia mista, das modalidades de concessões, permissões e autorizações dos serviços
públicos.
2.5.1 A Reforma do Estado
A crise econômica dos anos 80, que compreende a crise do Estado, é caracterizada em
três vertentes: a crise fiscal, a crise do modo estatizante de intervenção
do Estado, e a crise do modelo burocrático de gestão pública, segundo Bresser:
[...] a causa fundamental da crise econômica foi a crise do Estado- uma crise
que ainda não está plenamente superada, apesar de todas as reformas já
realizadas.
[...] crise que se caracteriza pela perda da capacidade do Estado de coordenar
o sistema econômico de forma complementar ao mercado. Crise que se
define como fiscal, como uma crise do modo de intervenção do Estado,
como uma crise da forma burocrática pela qual o Estado é administrado, e,
em um primeiro momento, também como uma crise política.116
114
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.63.
Op.cit., p. 63
116
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da administração pública burocrática à gerencial. In: PEREIRA, Luiz Carlos
Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.239.
115
61
A crise fiscal é caracterizada pela perda do crédito público e pela poupança negativa,
tornando o Estado incapaz de realizar suas políticas públicas. Já a crise relacionada à
intervenção do Estado foi acelerada pelo processo de Globalização da economia mundial,
ocasionando a crise do welfare state no primeiro mundo, o esgotamento da industrialização
por substituição de importações na maioria dos países em desenvolvimento, e o colapso do
estatismo nos países comunistas. A crise do modelo burocrático de gestão pública refere-se
principalmente à questão da eficiência dos serviços públicos.117
A Administração Pública burocrática não corresponde às necessidades das demandas
dos serviços públicos orientados para os cidadãos. “Na verdade, a administração burocrática é
lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos
cidadãos.”118
No desenvolvimento das atividades exclusivas do Estado, sobretudo nos serviços
sociais de educação e saúde, esta Administração Pública burocrática, que já fora tida como
eficaz no combate à corrupção e ao nepotismo no período do Estado Liberal (considerado
pequeno), evidencia-se como impotente e incapaz de oferecer um serviço de qualidade para
atender as demandas dos cidadãos (clientes), assim, o Estado Social (considerado grande, séc.
XX) tem a necessidade de ser substituído por uma Administração Pública gerencial.119
Em 1997, o World Development Report (WDR), resultado de um encontro de diversos
países, que tinha originalmente o título Rebuilding the State, trazia como objetivo a proposta
de Reforma do Estado. Em sua introdução, o documento afirma:
Desenvolvimento sustentado - econômico e social - exige um Estado efetivo
[...] Quando as pessoas diziam, cinqüenta anos atrás, que o Estado era central
para o desenvolvimento econômico, elas pensavam em desenvolvimento
garantido pelo Estado. Hoje nós estamos novamente verificando que o
Estado é central para o desenvolvimento econômico e social, mas
principalmente como um sócio, um agente catalisador e facilitador.120
A reforma exigiu que o papel do Estado fosse repensado, a fim de compreender quais
seriam realmente suas funções principais. Era necessário reconstruir um modelo estatal que
atendesse às exigências do cenário mundial e principalmente aos anseios das sociedades.
O que temos é uma transformação do Estado social, sobretudo na década de
90 para cá, convertendo-se de um Estado empreendedor em um Estado
regulador [...] quando ele se transforma em Estado regulador não perde sua
117
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da administração pública burocrática à gerencial. In: PEREIRA, Luiz Carlos
Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.241.
118
Op.cit., p.241.
119
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Caderno
MARE da reforma do Estado. v. 1. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997,
p.12.
120
Op.cit., p.12.
62
natureza de Estado social, que é o Estado que se caracteriza justamente pela
intervenção legislativa, judiciária e administrativa.121
Sob este novo prisma, é imposta ao Estado a redução do seu papel como executor ou
prestador direto dos serviços públicos, para assumir o papel de regulador, com a função de
coordenar e regular a prestação dos serviços orientados para os cidadãos.
Bresser Pereira apresenta quatro processos básicos da reforma do Estado dos anos 90:
a) delimitação das funções do Estado, reduzindo o seu tamanho,
principalmente de pessoal por meio de programas de privatização,
terceirização e publicização (este implica na transferência para o setor
público não-estatal àqueles serviços sociais e científicos que hoje o Estado
presta);
b) redução da interferência estatal, ficando apenas ao efetivamente
necessário, produzindo programas de desregulação aumentando o recurso de
mecanismos de controle via mercado, convertendo o Estado em um
promotor da capacidade de competição do país a nível internacional, e não
mais de protetor da economia nacional contra a competição internacional;
c) aumento da governança do Estado, visando uma maior capacidade
tornando efetivas as decisões do governo, por meio do ajuste fiscal,
devolvendo autonomia financeira ao Estado, da reforma administrativa
dirigida a uma administração pública gerencial (ao invés de burocrática), e a
separação, dentro do Estado, ao nível das atividades exclusivas de Estado,
entre a formulação de políticas públicas e a sua execução; e, por fim,
d) aumento da governabilidade, quer dizer, do poder do governo, em razão
da existência de instituições políticas que garantam uma melhor
intermediação de interesses e tornem mais legítimos e democráticos os
governos, aperfeiçoando a democracia representativa e abrindo espaço para
o controle social ou democracia direta.122
A reforma do Estado sugerida consiste em um Estado que promova a justiça social, em
conjunto com a proteção das garantias individuais, como o contrato e a propriedade, além do
desenvolvimento nacional.
O estabelecimento de parcerias da Administração Pública com a iniciativa privada
aparece como uma das primeiras alternativas para a superação da crise.
As estatísticas governamentais apontam para o aumento da demanda dos serviços
públicos, que faz crescer o chamado setor público não-estatal a fim de somar forças com a
Administração Pública, que já se demonstrou incapaz de solucionar toda a demanda sozinha.
Outra indicação refere-se à interferência estatal apenas nos assuntos efetivamente
necessários, produzindo os programas de desregulação e aumentando os recursos para os
121
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito Contratual e Constituição. Disponível em: <jusvi.com/artigos/44>. Acesso
em: 20 nov. 2010, p.1.
122
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A reforma do Estado dos anos 90: lógica e mecanismos de controle. Caderno
MARE da reforma do Estado. v. 1. Brasília: Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1997,
p.18-19.
63
mecanismos de controle, via mercado, a fim de “liberar” o Estado para competitividade do
mercado mundial, e não apenas com políticas nacionais restritas.
Os conceitos importantes trazidos pela Reforma são a governabilidade e a governança.
A governabilidade refere-se à capacidade política de governar perante a sociedade. O
aumento da governabilidade do poder do governo disponibiliza a existência de instituições
políticas, com o objetivo de intermediarem os interesses do Estado e da sociedade em geral.
Como forma de controle, o conceito de governabilidade sugere a criação de
mecanismo de responsabilização, ou accountability, que se traduz na obrigação da prestação
de contas e a responsabilidade dos gestores públicos perante os cidadãos.
Já o aumento da governança do Estado visa uma maior capacidade de se tornarem
efetivas as decisões do governo, por meio de ajuste fiscal. A governança sugere uma reforma
administrativa dirigida para uma Administração Pública gerencial.
Daí a necessidade de uma Administração Pública mais moderna e principalmente mais
eficiente, contrária às questões burocráticas que obrigatoriamente devem ser superadas.
O momento histórico mais marcante de Reforma no Governo brasileiro ocorreu na
gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso. A mudança do Estado significava para o
Governo uma questão de sobrevivência para os desafios de um mundo globalizado.
Insisto, assim, em um ponto: esta visão de um Estado que se adapta para
poder enfrentar os desafios de um mundo contemporâneo não pode ser
confundida com a inexistência de um Estado competente, eficaz, capaz de
dar rumo à sociedade ou, pelo menos, de acolher aqueles rumos que a
sociedade propõe e que requerem uma ação administrativa e política mais
conseqüente, nem tampouco significar a inércia diante de um aparelho
estatal construído em outro momento da história de cada um dos nossos
países que se concentrou seja no corporativismo e no assistencialismo, seja
na produção direta de bens e serviços.123
A reestrutura do Estado preconizado pela Reforma indica uma mudança no aparelho
estatal no que diz respeito à satisfação positiva da demanda nos serviços básicos à população.
A superação de uma Administração Pública burocrática deve ser enfrentada. “[...]nós
temos que preparar a nossa administração para a superação dos modelos burocráticos do
passado.”124
Toda a mudança refere-se principalmente à questão da eficiência dos serviços
públicos, com a otimização de recursos. “Agora, o que se requer é algo muito mais profundo: um
123
CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma do Estado. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado
e Administração Pública Gerencial . 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.16.
124
Op.cit., p.17.
64
aparelho do Estado que, além de eficiente, esteja orientado por valores gerados pela própria sociedade.
[...] Essa passagem é um dos grandes desafios do mundo contemporâneo.”125
Assim, a partir dos anos 80, o Estado entra em crise econômica. A crise econômica,
compreendida nas vertentes de crise fiscal, crise do modo estatizante de intervenção do
Estado e crise do modelo burocrático de gestão pública, fundamenta a Reforma do Estado.
A Reforma do Estado tem a finalidade de repensar o papel fundamental do Estado,
inclusive no que diz respeito às suas funções. As ideias trazidas pela Reforma do Estado,
referentes a suas funções, indicam a redução do papel estatal executor ou prestador direto dos
serviços públicos, para um Estado coordenador e regulador das atividades públicas. A
mudança traz em seu pleito o ápice do princípio da eficiência dos serviços públicos, com
significativa redução de custos.
2.5.2 O Estado Democrático de Direito e a Constituição da República do Brasil
Analisando a formação do Estado e suas modificações, pode-se identificar o Estado
Liberal de Direito, o Estado Social de Direito e, então, o surgimento de um modelo novo, o
Estado Democrático de Direito.
Esse novo modelo formou-se a partir dos conceitos neoliberais e pós-intervencionistas,
restando um Estado regulador, garantidor e planejador do desenvolvimento econômico e
social.
O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da
realidade, não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma
adaptação melhorada das condições sociais de existência. Assim, o seu
conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna
ao homem e passa a agir simbolicamente como fomentador da participação
pública no processo de construção e reconstrução de um projeto de
sociedade, apropriando-se do caráter incerto da democracia para veicular
uma perspectiva de futuro voltada à produção de uma nova sociedade, onde
a questão da democracia contém e implica, necessariamente, a solução do
problema das condições materiais de existência.126
José Afonso da Silva indica a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito:
“A tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as
125
CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma do Estado. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado
e Administração Pública Gerencial . 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.18.
126
STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política & Teoria do Estado. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p.97-98.
65
desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça
social.”127
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi promulgada com
evidências claras voltadas à democracia e ao social, sendo considerada a Carta Cidadã do
Brasil e, o Estado Democrático de Direito está fortemente organizado no seu texto.
A expressão “Estado Democrático de Direito” está consagrada no Preâmbulo da
Constituição como princípio basilar, in verbis:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte
Constituição da República Federativa do Brasil.128
A expressão “democrático” embasa valores da Democracia em todos os elementos
constitutivos deste novo modelo de Estado e sobre sua ordem jurídica, fincando-se assim um
Estado orientado aos interesses coletivos.
O artigo 1º., caput, da Constituição Federal, utiliza a expressão “Estado Democrático
de Direito”, enunciando como seus “fundamentos a soberania, cidadania, dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político- todos
supõe a participação democrática dos membros da coletividade popular brasileira.”129
O Estado Democrático de Direito preconiza a integralização dos valores da liberdade,
da igualdade, da democracia e do socialismo.
[...]Contudo, é que a Constituição de 1988 não promete a transição para o
socialismo com o Estado Democrático de Direito, apenas abre as
perspectivas de realização social profunda pela prática dos direitos
sociais[...].130
São princípios concretizadores do Estado Democrático de Direito: a) princípio de
constitucionalidade sustentado na supremacia da Constituição Federal, emanada da vontade
popular; b) princípio democrático exigindo funções democráticas, sociais e de garantia do
Estado democrático de direito; c) sistema de direitos fundamentais determinando os direitos
individuais, coletivos, sociais e culturais; d) princípio da justiça social, como princípio da
127
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.126.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
129
ALARCÓN, Pietro de Jesus Lora. A democracia semidireta na Constituição de 1988. In: Revista de Direito
Constitucional e Internacional. Ano. 8, n. 33, out./dez. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.164.
130
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.120.
128
66
ordem econômica e da ordem social; e) princípio da igualdade, f) princípios da divisão de
poderes e da independência do juiz; g) princípio da legalidade da administração; h) princípio
da segurança jurídica, conduzindo à consecução do princípio de determinabilidade das leis.
Estes princípios são basilares para o Estado Democrático de Direito, que tem como tarefa
fundamental a superação das desigualdades sociais e regionais e a instauração de um regime
democrático que realize a justiça social.131
Em relação ao avanço destes princípios orientadores do Estado Democrático de
Direito, o ilustre doutrinador Pietro de Jesús Lora Alárcon assevera que quanto mais houver a
reprodução dos princípios que alicerçam o Estado Democrático de Direito, maior será a
firmação deste na sociedade. Ressalte-se que, o autor refere-se aos princípios da igualdade, da
legalidade e da justicialidade.132
Os princípios contidos na Constituição Federal instrumentalizam as funções da ordem
nacional do Estado Democrático de Direito.
Na análise do Estado brasileiro, em um contexto constitucional, especificamente em
relação à Ordem econômica e financeira, tem-se que este Estado está fundamentado na livre
iniciativa e na valorização do trabalho humano, norteado pelo princípio da livre concorrência,
função social da propriedade, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno
emprego, tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, dentre outros, conforme
artigo 170 da Constituição Federal.
E ainda, o artigo 174 da Constituição Federal preceitua que o Estado assume um novo
papel, se abstendo do seu papel empreendedor, para um papel regulador, normatizador,
fiscalizador e indutor, in verbis:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para
o setor privado.133
Desta forma, a Ordem Econômica e Financeira Nacional constante na Constituição
define um modelo econômico de bem-estar. “A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social.”134
131
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p.120.
ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Processo, Igualdade e Justiça. In: Revista Brasileira de Direito
Constitucional. Igualdade e Justiça. n. 2, jul./dez. São Paulo: Método, 2003, p.166.
133
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
134
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
132
67
O constituinte, ao destacar o termo “justiça social”, limitou-se a um enunciado
genérico, porém, a cláusula não pode ser ignorada, com favorecimento de uma leitura
individualista.
Para José Afonso da Silva,135 a Constituição Federal consagra uma economia de
mercado, de natureza capitalista, porém prioriza valores do trabalho humano sobre os demais
valores da economia de mercado.
Eros Roberto Grau conceitua ordem econômica como sendo um conjunto de normas
que define, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica e, desta forma,
a ordem econômica, parcela da ordem jurídica (mundo do dever-ser), não é senão o conjunto
de normas que institucionaliza uma determinada ordem econômica (mundo do ser).136
A “Constituição Econômica” surge com o desenvolvimento da economia, através do
Direito Econômico, como um conjunto de normas e princípios constitucionais relativos à
economia, caracterizando a forma basilar de sua organização, principais regras de
funcionamento, esferas de ação dos sujeitos econômicos, grandes objetivos de políticas
econômicas e de sua efetividade social.137
A concepção de Estado Democrático de Direito tem por finalidade o aprofundamento
da democracia participativa, na obediência do princípio da igualdade real entre todos os
cidadãos.
O Estado Democrático de Direito objetiva a melhora das condições sociais de
existência dos indivíduos, efetivando os valores da igualdade material, solidariedade e justiça
social.
O Estado Democrático de Direito nos remete à ideia de Estado Subsidiário ou Estado
Regulador, o que significa dizer que o Estado deve ter sua atuação limitada. O Estado deve
fomentar a economia, fiscalizar e coordenar a iniciativa privada em suas atividades
econômicas, o que não significa o retorno do Estado Mínimo, pois o Estado exercerá, além
das atividades essenciais típicas do Poder Público, também as atividades sociais e econômicas
que a iniciativa privada não desenvolver ou não atender satisfatoriamente, enquanto que, no
Estado Mínimo, há uma delegação total das atividades econômicas à iniciativa privada.
135
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. 3.ed.São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1990, p.56.
137
DIMOULIS, Dimitri. Fundamentação constitucional dos processos econômicos: reflexões sobre o papel
econômico do direito. In: SABADELL, Ana Lúcia; DIMOULIS, Dimitri; MINHOTO, Laurindo Dias. Direito
social, regulação econômica e crise do Estado. Rio de Janeiro: Revan, 2006, p.117.
136
68
Este modelo caracteriza-se pela forte onda de privatizações, pelo crescimento das
técnicas de fomento e pelas várias ferramentas de parcerias celebradas entre a Administração
Pública e a iniciativa privada.
2.5.3 O início das parcerias público-privadas no Brasil
A Constituição brasileira de 1988 determina a atuação do Estado na Economia. O
Estado figura na Economia como regulador e, concomitantemente, como agente que possui
autorização constitucional, porém em hipóteses excepcionais, para atuar na atividade
econômica.
No Brasil, as políticas neoliberais que ocasionaram a reforma do Estado foram
implantadas pelo governo do Presidente Fernando Collor de Mello, mas as modificações mais
significativas foram ocasionadas no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Vejamos sua manifestação:
Mudar o Estado significa, antes de tudo, abandonar visões do passado de um
Estado assistencialista e paternalista, de um Estado que, por força de
circunstâncias, concentrava-se em larga medida na ação direta para produção
de bens e de serviços. Hoje, todos sabemos que a produção de bens e
serviços pode e deve ser transferida à sociedade, à iniciativa privada, com
grande eficiência e com menor custo para o consumidor.138
O período é marcado por transformações estruturais do Estado brasileiro, como a
revogação do artigo 171 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional no. 6, de 15 de
agosto de 1995, a modificação dos artigos 176 e 178, que determinaram a extinção de
determinadas restrições ao capital estrangeiro, a flexibilização do monopólio das estatais, que
admitiu concessão de serviços de telecomunicação, de gás canalizado e petrolífero para
empresas não estatais, e as privatizações, presentes no Programa de Desestatização, criado
pela Lei no. 9941/97.
O Programa Nacional de Desestatização surgiu em decorrência da falta de eficácia da
prestação direta dos serviços públicos pelo Estado.
A desestatização de serviço implica na transferência ou devolução da execução das
tarefas à iniciativa privada, as quais requerem a republicização dos mecanismos de controle
do Estado.
138
CARDOSO, Fernando Henrique. Reforma do Estado. In: PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Reforma do Estado
e Administração Pública Gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.15
69
A desestatização dos serviços públicos originou entidades e órgãos independentes, que
tinham como finalidade supervisionar e normatizar os setores desestatizados por parte do
Estado.
Em 1995, a Lei no. 8.987 foi promulgada e dispôs sobre o regime de concessão e
permissão da prestação de serviços públicos, previsto no artigo 175 da Constituição Federal.
Assim, a reforma do Estado consolida-se na ideia de redução do papel executor ou
prestador de serviços do Estado, entretanto, com a mantença do seu papel do Estado como
regulador, provedor ou promotor, como o preconizado pelo artigo 174: “Como agente
normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções
de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado.”139
A transferência da produção para o setor privado traduz-se como uma forma mais
eficiente e neste contexto surgem as parcerias público-privadas, uma nova modalidade de
concessão.
139
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
70
3 AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA ATUALIDADE
As primeiras experiências das parcerias público-privadas foram na Inglaterra, no início
da década de 90. Em seguida, diversos países seguiram o modelo, com um resultado positivo,
principalmente no que diz respeito ao progresso dos serviços públicos e infraestrutura dos
países.
No Brasil, as experiências nacionais são identificadas; porém, ainda não nos
aproximamos da eficiência desejada proposta pelas ideias iniciais na aplicação das “Torres
Trinas” brasileiras.
A Constituição Federal preconiza, em seu artigo 22, XXVII, que é competência
privativa da União legislar sobre as “normas gerais de licitação e contratação, em todas as
modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as
empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, parágrafo 1º,
III”.140
A Lei Federal no. 11.079/2004, editada com fundamento nesse artigo constitucional,
tem o objetivo de instituir as normas gerais para a licitação e contratação das parcerias
público-privadas no âmbito dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios.
Em relação ao objetivo da legislação, Gasparini preceitua:
O objetivo da Lei federal das PPPs é disciplinar essa nova forma de parcerias
com o empresário privado. Além disso, é sua intenção motivar com regras
seguras e melhores atrativos econômicos, inexistentes nas atuais parcerias, a
participação dos agentes privados e o aporte de recursos financeiros e
tecnológicos na consecução do interesse público de que, em termos de
eficiência, com raras exceções, carece a Administração Pública. Com as
PPPs, a Administração Pública deseja aproveitar a agilidade da atuação
privada na execução do objeto da parceria uma vez contratada, pois livre de
certas peias burocráticas.141
A Lei no. 11.079/2004 foi sancionada em 30 de dezembro de 2004, após um ano de
tramitação legislativa e intenso debate público propiciado pelo Governo, por parlamentares e
pela sociedade em geral. As parcerias público-privadas têm o objetivo de reunir esforços para
aumentar a qualidade e a eficiência dos serviços públicos, suprir a insuficiência de recursos e
140
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
141
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.463.
71
restrições de gastos do setor público e proporcionar acesso às eficácias do setor privado, por
um largo período de tempo.
Porém, antes mesmo do advento desta Lei Federal, alguns estados-membros já haviam
legislado sobre a matéria, como o Estado de Minas Gerais, com a Lei no. 14.868/2003; o
Estado de Goiás, com a Lei no. 14.910/2004; o Estado de Santa Catarina, com a Lei no.
12.930/2004; o Estado de São Paulo, com a Lei no. 11.688/2004; o Distrito Federal, com a
Lei no. 3.418/2004; o Estado da Bahia, com a Lei no. 9.290/2004; o Estado do Ceará, com a
Lei no. 13.557/2004; o Estado do Rio Grande do Sul, com a Lei no. 12.234/2005; e o
município de Vitória, no Estado do Espírito Santo, com a Lei no. 6.261/2004. Apesar dessas
legislações não serem objeto de nosso estudo, vimos ser importante ressaltá-las.
Como a Lei Federal dispõe sobre normas gerais para a composição das parcerias
público-privadas, as leis estaduais ou municipais que se referirem a este mesmo assunto
devem obrigatoriamente ser compatíveis com a Lei Federal no. 11.079/2004, sob pena de
ilegalidade da norma. Os entes federados, destituídos de legislação própria acerca do tema,
podem fundamentar os contratos de parcerias público-privadas diretamente da Lei Federal.
A partir deste momento, algumas considerações serão pontuadas acerca da legislação
federal específica e particulares dos contratos público-privados nacionais.
3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
O vocábulo “parceria” é a reunião de pessoas para um fim de interesse comum,
admitindo também a acepção de sociedade ou companhia.142 Maria Helena Diniz dispõe:
Parceria. 1. Na linguagem jurídica em geral: a) reunião de pessoas que têm
interesse comum; b) companhia; c) reunião de duas ou mais pessoas com
finalidade comum, que repartem entre si lucros e perdas. 2. Direito
comercial. Sociedade empresária que os sócios (parceiros) são responsáveis
apenas pelo quinhão com que entraram [...].143
Portanto, o que se extrai é que toda parceria deve conter elementos interessantes para
cada uma das partes, com objetivos comuns. Uma parceria interessante para o setor público e
para o setor privado consiste no atendimento eficiente dos serviços públicos, com qualidade.
Maria Sylvia Zanella de Pietro, citando Hélio Saul Mileski, assevera:
O vocábulo parceria é utilizado para designar todas as formas de sociedade
que, sem formar uma nova pessoa jurídica são organizadas entre os setores
público e privado, para a consecução de fins de interesse público. Nela existe
142
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3.ed. Curitiba:
Positivo, 2004, p.1493.
143
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.560.
72
a colaboração do poder público e iniciativa privada nos âmbitos social e
econômico, para a satisfação de interesses públicos, ainda que, do lado do
particular, se objetive lucro.144
A doutrina apresenta o termo parceria público-privada sob dois aspectos. O conceito
das parcerias público-privadas, em sentido amplo, é bastante abrangente, o que nos permite
afirmar que todas as parcerias da iniciativa privada com a Administração Pública estariam
inseridas neste conceito, englobando os contratos de concessão, os contratos de gestão, os
termos de parceria com as organizações da sociedade civil de interesse público, os convênios,
os consórcios, entre outras modalidades. Já o conceito em sentido estrito, é conceito baseado
na Lei Federal das PPPs.
Na visão de Carlos Ari Sundfeld, a parceria público-privada, em sentido amplo, deve
ser compreendida como “múltiplos vínculos negociáveis de trato continuado estabelecidos
entre a Administração Pública e particular para viabilizar o desenvolvimento, sob a
responsabilidade destes, de atividades com algum coeficiente de interesse geral.”145
Igualmente Diógenes Gasparini expõe acerca do conceito de parcerias, nos sentidos
amplo e restrito:
Em sentido amplo, a parceria público-privada é todo ajuste que a
Administração Pública, em qualquer de seus níveis, celebra com um
particular para viabilizar diversos programas voltados ao desenvolvimento
socioeconômico do país e ao bem-estar da sociedade, como são as
concessões de serviços, as concessões de serviços precedidas de obras
públicas, os convênios e os consórcios públicos. Em sentido estrito, ou seja,
com base na Lei federal das PPPs, pode-se afirmar que é um contrato
administrativo de concessão por prazo certo e compatível com o retorno do
investimento privado, celebrado pela Administração Pública com certa
entidade particular, remunerando-se o parceiro privado conforme a
modalidade de parceria adotada, destinado a regular a prestação de serviços
públicos ou a execução de serviços públicos precedidos de obras públicas
ou, ainda, a prestação de serviço em que a Administração Pública é usuária
direta ou indireta, respeitado sempre o risco assumido.146
Marçal Justen Filho conceitua as parcerias público-privadas, em sentido estrito, nos
seguintes termos:
Parceria público-privada é um contrato organizacional, de longo prazo de
duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar
obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem remuneração, por
meio da exploração da infra-estrutura, mas mediante uma garantia especial e
144
MILESKI, Hélio Saul apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias Público-Privadas: Fundamentos,
Aplicação e Alcance da Lei. Elementos Definidores. Princípios. Regras Específicas para Licitações e Contratos.
Aspectos Controvertidos e Perspectiva de Aplicação de Lei no. 11.079, de 20.12.2004. Revista de Interesse
Público. N. 90, jan/fev. Porto Alegre: Nota dez, 2005. p.70.
145
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.).
Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.22.
146
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p.464-465.
73
reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para obtenção de recursos
no mercado financeiro.147
Na seara das conceituações das parcerias público-privadas, José Cretella Neto
assevera:
Contrato de parceria público-privada é o acordo firmado entre a
Administração Pública e entes privados, que estabelece vínculo jurídico para
implantação, expansão, melhoria ou gestão, no todo ou em parte, e sob o
controle e fiscalização do Poder Público, de serviços, empreendimentos e
atividade de interesse público em que haja investimento pelo parceiro
privado, que responde pelo respectivo financiamento e pela execução do
objeto estabelecido.148
Diante dos conceitos apresentados, pode-se afirmar que a parceria público-privada é
um contrato público administrativo, celebrado entre a Administração Pública e a iniciativa
privada, com o objetivo de promover o incremento social, com eficiência, em áreas de
interesse público, através do desenvolvimento de uma obra ou através da prestação de um
serviço público, com amortização do investimento do parceiro privado em médio ou longo
prazo.
3.1.1 Modalidades de parceria público-privada
No plano internacional, as parcerias público-privadas estão em um contexto bastante
amplo, palco de muitas realizações, nos diversos níveis da Administração Pública.
No Brasil, as parcerias público-privadas estão em um plano governamental específico
e não devem ser confundidas com a modalidade de concessão tradicional.
O artigo 2º da Lei Federal conceitua sucintamente a parceria público-privada como um
contrato público administrativo, sob regime de concessão, na modalidade patrocinada ou
administrativa. Vejamos o artigo 2º da Lei, in verbis:
Art. 2º Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na
modalidade patrocinada ou administrativa.
§1º Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras
públicas de que trata a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando
envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação
pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
§ 2º Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a
Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva
execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.
147
JUSTEN FILHO, Marçal. Parcerias Público-Privadas: um enfoque multidisciplinar- A PPP brasileira e as
lições do passado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 509.
148
CRETELLA NETO, José. Comentários à Lei das Parcerias Público- Privadas- PPPs. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p.1.
74
§ 3º Não constitui parceria público-privada a concessão comum, assim
entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata
a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver
contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
Sendo assim, a própria Lei Federal instituiu as duas possíveis modalidades de parceria:
a concessão patrocinada e a concessão administrativa, diferenciando-as da concessão comum.
A concessão patrocinada é definida como a concessão de serviço público ou de obras
públicas, de que trata a Lei Federal das Concessões e Permissões, quando, além da tarifa
cobrada do usuário, há uma prestação pecuniária feita pelo parceiro público à iniciativa
privada. A Lei no. 8.987/1995 é somente aplicada subsidiariamente nestes casos. Neste
sentido:
[...] a concessão patrocinada, que é também uma concessão de serviço
públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no. 8.987/95, quando
envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação
pecuniária do parceiro público ao parceiro privado; seu objeto pode ser a
execução de um serviço público ou de uma obra pública; substancialmente,
não difere da concessão tradicional, em que também é possível
contraprestação do poder público, sob forma de subsídio; só que na
concessão patrocinada a contraprestação do poder público é obrigatória, e na
concessão tradicional é excepcional; além disso, a concessão patrocinada
está sujeita ao regime estabelecido pela Lei no. 11.079/2004, aplicando-se a
Lei no. 8.987 apenas subsidiariamente [...].149
A concessão patrocinada, então, refere-se à concessão já existente no ordenamento
pátrio, presente na Lei Federal das Concessões e Permissões, com uma “nova roupagem”
trazida pela Lei Federal das parcerias público-privadas, que é a garantia ao parceiro privado
de um adicional à tarifa cobrada dos usuários.
Nas concessões patrocinadas sempre haverá uma contraprestação pecuniária do
parceiro público. Nesta modalidade, quando a Administração tiver de pagar mais de 70% da
remuneração ao parceiro privado, a concessão irá depender de autorização legislativa,
conforme artigo 10, parágrafo 3º, da Lei.
Assim, depreende-se que a concessão patrocinada e a concessão comum se
diferenciam, fundamentalmente, pela possibilidade de complementação das tarifas pelo
governo na patrocinada.
A segunda modalidade de parceria público-privada é a concessão administrativa.
[...] a concessão administrativa, que também é contrato administrativo, cujo
objeto é a prestação de serviços de que a Administração Pública seja usuária
direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e
instalação de bens (art. 2º, parágrafo 2º, da Lei no. 11.079); a concessão
149
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.37
75
administrativa (cuja denominação é inadequada porque toda concessão é
administrativa) constitui um misto de empreitada e de concessão: de
empreitada, porque a remuneração é feita pelo poder público e não pelos
usuários; de concessão, porque seu objeto poderá ser a execução de serviço
público, razão pela qual seu regime jurídico será semelhante ao da concessão
de serviços públicos, já que irá se submeter a normas aplicáveis à concessão
tradicional, na parte em que confere prerrogativas públicas ao
concessionário, como as previstas nos arts. 21, 23, 24 e 27 a 39, da Lei no.
8.987/95 e art. 31 da Lei no. 9.074/95 (conf. Art. 3º da Lei no. 11.079); vale
dizer, o concessionário executará tarefas como se fosse empreiteiro, sendo
remunerado pela própria Administração, mas atuará como se fosse
concessionário de serviço público, estando sujeito às normas sobre
transferência da concessão, intervenção, encampação, caducidade e outras
formas de extinção previstas na lei 8.987; também se aplicam as normas
dessa lei que estabelecem os encargos do poder concedente e do
concessionário [...].150
E Gasparini assevera:
A concessão administrativa refere-se a um contrato de prestação de serviços
públicos ou de interesse público, ainda que envolva execução de obras ou o
fornecimento e instalação de bens, de que a Administração seja usuária
direta ou indireta. Nesta modalidade, a Administração Pública pode ocupar,
conforme o interesse público, a posição de usuária direta ou indireta dos
serviços desejados.151
As concessões administrativas referem-se aos contratos em que o particular assume os
encargos de investir em infraestrutura acrescida da prestação de serviços de forma direta ou
indireta para a Administração, com remuneração em médio ou longo prazo.
Neste tipo de parceria, a iniciativa privada constrói e aluga à Administração Pública,
que tem por objetivo a prestação de um serviço público de qualidade fornecido aos
administrados.
Na modalidade de concessão administrativa, a iniciativa privada receberá a
contraprestação apenas da Administração Pública, pois não há cobranças de tarifas ao usuário
privado pelo serviço, já que este é prestado somente ao órgão público.152
Carlos Ari Sundfeld dispõe de uma classificação didática em sua obra, dividindo a
concessão administrativa em duas modalidades:
“Há dois tipos de concessão administrativa: a de serviços públicos e a de serviços do
Estado.”153
150
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.37.
151
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 469.
152
CRETELLA NETO, José. Comentários à Lei das Parcerias Público- Privadas- PPPs. Rio de Janeiro:
Forense, 2005, p. 38.
153
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari(coord.).
Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.29.
76
A concessão administrativa de serviços públicos refere-se ao contrato administrativo
que tem como objeto a prestação dos serviços públicos elencados no artigo 175 da
Constituição Federal. Os serviços são prestados diretamente aos administrados, sem cobrança
de qualquer tarifa, e a remuneração ao concessionário é feita através de contraprestação
versada em pecúnia pelo poder concedente (em conjunto ou não com outras receitas). Nesse
caso, os administrados são os beneficiados imediatos das prestações, e a Administração
Pública é a usuária indireta, portanto, possuindo direitos e responsabilidades econômicas. 154
A concessão administrativa de serviços do Estado refere-se ao contrato administrativo,
que tem como objeto os mesmos serviços referidos no artigo 6º da Lei de Licitações. Nesta
modalidade, a iniciativa privada oferece utilidades à própria Administração, que é usuária
direta dos serviços e conferirá correspondente remuneração.155
A concessão administrativa não é um simples contrato de prestação de
serviços - ao contrário do que pode parecer da leitura isolada do art. 2º,
parágrafo 2º -, pois sempre incluirá a realização de investimentos pelo
concessionário para criação, ampliação ou recuperação de infraestrutura, a
serem amortizados no prazo do contrato (art. 5º, I), em montante de ao
menos R$20 milhões.156
Portanto, na modalidade de concessão administrativa, a Administração Pública é
usuária do serviço, direta ou indiretamente, e tal concessão envolve tão somente
contraprestação pecuniária do parceiro público, pois esta modalidade é aplicada nos casos em
que não há a possibilidade de cobrança de tarifa dos usuários.
Deste modo, frise-se que “as concessões comuns não se incluem entre os contratos de
PPP.”157 As concessões comuns são regidas exclusivamente por sua legislação específica,
qual seja a Lei no. 8.987/1995.
Em relação às concessões comuns, que não são objeto de nossos estudos, a Lei indica
expressamente que essas modalidades não se constituem em parcerias público- privadas.
A concessão comum, portanto, é aquela em que não há contraprestação em pecúnia ao
concessionário. Nas lições de Maria Sylvia Zanella de Pietro:
[...]a concessão de serviço público, em sua forma tradicional, que constitui
contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere a outrem
a execução de um serviço público, para que o execute por sua conta e risco,
mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente
da exploração do serviço; a forma básica de remuneração é a tarifa paga pelo
usuário, sendo possível a previsão contratual de outras formas de
154
SUNDFELD, Carlos Ari. Guia Jurídico das Parcerias Público-Privadas. In: SUNDFELD, Carlos Ari(coord.).
Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2007, p.29.
155
Op.cit., p.30.
156
Op.cit., p.31.
157
Op.cit., p. 27.
77
remuneração, alternativas, acessórias, complementares ou decorrentes de
projetos associados (conforme art. 11 da Lei no. 8.987/95); o subsídio pelo
poder público, embora possível, para garantir tarifas sociais mais acessíveis
ao usuário, está limitado pela norma do art. 17 da Lei no. 8.987, somente
sendo cabível quando previsto em lei e garantido em igualdade de condições
a todos os licitantes [...].158
A concessão comum, prevista na Lei das Concessões e Permissões, se constitui em um
contrato administrativo, firmado entre a Administração Pública direta, denominada poder
concedente, que transfere a prestação um determinado serviço público para empresa privada,
denominada concessionária, que passa a ser remunerada exclusivamente mediante a cobrança
de tarifa do usuário do serviço público, conforme disponibiliza o artigo 2º, inciso I, da Lei
8.987/95.
A concessão comum pressupõe que o parceiro privado invista e, posteriormente, com a
cobrança de tarifas dos usuários dos serviços públicos prestados, recupere seu investimento.
A parceria público-privada consiste em uma modalidade diferenciada de contrato
administrativo, com o objetivo de promover o incremento social, com eficiência, em áreas de
interesse público, através do desenvolvimento de uma obra ou prestação de serviço público,
com a amortização do investimento privado em médio ou longo prazo.
3.1.2 Sociedade de Propósito Específico
Uma questão que merece destaque no tema refere-se à figura da Sociedade de
Propósito Específico (SPE), que está prevista no artigo 9º da Lei Federal no. 11.079/2004,
determinando que antes da celebração do contrato deve ser construída a SPE, com o objetivo
de implantar e gerir o objeto da parceria.
A SPE não é um instituto puramente novo. No caso da Lei no. 8.987/1995, a lei faculta
a possibilidade da implantação da SPE, desde que prevista no edital da concessão tradicional
de serviço público, e, caracterizando o interesse público na confecção positiva da Sociedade,
esta deve ser disponibilizada por questão, inclusive, de princípio constitucional
administrativo.
Contrariamente ao caráter facultativo, no caso da Lei Federal das PPPs, a SPE é uma
exigência. Essa Sociedade deverá ser criada pelo parceiro antes da celebração do contrato,
com o objetivo de implantar e gerir o objeto da parceria, a quem caberá a propriedade dos
bens resultantes do investimento, durante a vigência do contrato e até que se dê a sua
158
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outra formas . 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.37.
78
amortização. Esta SPE deve adotar padrões de contabilidade e demonstrações financeiras,
com obediência aos padrões de governança corporativa, conforme regulamento. Em garantia
aos financiadores, a Sociedade poderá dar os direitos emergentes da parceria, conforme
requisitos e condições estabelecidos no contrato.159
A Lei veda a titularidade da maioria do capital votante do quadro societário desta
Sociedade ao parceiro público, salvo na hipótese de aquisição da maior parte do capital
votante por instituição financeira controlada pelo Poder Público, em caso de inadimplemento
de contratos de financiamento da Sociedade.
Em relação à transferência do controle da Sociedade de Propósito Específico, o artigo
9º, parágrafo 1, prevê a transferência do controle da sociedade, condicionada à autorização
expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do contrato, sob pena de
caducidade da concessão. Ainda conforme o disposto no parágrafo único do artigo 27 da Lei
nº 8.987/95, o “pretendente deve atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade
financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço (inciso I) e
comprometer-se a cumprir todas as cláusulas do contrato em vigor (inciso II)”.160
Sobre este assunto, Diógenes Gasparini assevera:
O parceiro privado pode transferir o controle de sociedade, desde que haja
prévia e expressa autorização do parceiro público, ou seja, da Administração
Pública. Ademais, essa possibilidade deverá estar prevista e regulada no
edital e no contrato de parceria público- privada. Observe-se que não basta
só a previsão no edital. É indispensável para seu exercício que também esteja
prevista e regulada no contrato, sob pena de entender-se que o parceiro
privado renunciou a esse direito. Mas isso não é tudo, pois deve ser atendido,
consoante prescreve o parágrafo 1º do art. 9º da Lei federal das PPPs, o
disposto no parágrafo único do art. 27 da Lei Federal das Concessões e
Permissões. Por esse dispositivo, o parceiro privado deverá obter a prévia
anuência da Administração Pública para legitimar a transferência do controle
da sociedade de propósito especifico, demonstrando que o futuro controlador
atende as exigências de capacitação técnica, idoneidade financeira e
regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do objeto da parceria
público-privada. Ademais deve comprometer-se a cumprir todas as cláusulas
do contrato de parceria.161
A transferência do controle acionário da Sociedade de Propósito Específico apresenta
uma exceção, que é a transferência para os financiadores, sem a necessidade de demonstração
de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à
159
BARBOSA,
Marcondes
Dias.
Parcerias
Público-Privadas
(PPP).
Disponível
em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7448. Acesso em: 05 jan. 2011, p.1.
160
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.165.
161
GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol;
ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.55.
79
assunção do serviço. Maria Sylvia apresenta uma ponderação acerca da exceção: “Trata-se,
evidentemente, de um absurdo, pois se, nos termos do dispositivo, essa capacidade é
necessária à assunção do serviço, não se pode admitir que a transferência seja feita a quem
não demonstre essa capacidade.”162
Alguns doutrinadores, em conjunto com a ilustre Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
acreditam que a legislação, ao dispor a exceção, fere alguns princípios de interesse público,
inclusive o princípio da isonomia, quando confere status diferenciado ao financiador. As
normas devem ser utilizadas para atender os objetivos específicos das parcerias públicoprivadas, e as exigências da Lei, para colaborar com o perfeito andamento da Sociedade de
Propósito Específico, devem ser aplicadas de forma congruente aos interessados.
O propósito da Sociedade trazido pela Lei é certo e determinado, conforme a sua
própria nomenclatura, e esse propósito deve ser a implantação e a gestão do objeto da
parceria. Armando Luiz Rovai e Karina Bonetti afirmam que “a finalidade da parceria será
sempre a satisfação do interesse público e não a satisfação do parceiro particular direto, tal
como acontece com as sociedades em geral.”163 E continuam:
Pode-se dizer, pois, que em uma PPP a Administração Pública, visando à
satisfação do interesse público, tendo constatado sua incapacidade de
cumprir o princípio constitucional da eficiência, mediante seus limites
orçamentários, estabelece a parceria com o setor privado – que, por sua vez,
almeja o lucro, mas não tem condições de por si só enfrentar o risco inerente
à atividade final destinada ao público -, de maneira a viabilizar, então, a
consecução de uma atividade que a ela, Administração Pública, cabia
originalmente executar.164
Portanto, a figura da Sociedade de Propósito Específico tem o objetivo de seguir a
finalidade da parceria entre a iniciativa privada e a Administração Pública, acompanhando os
padrões da governança corporativa dos procedimentos contábeis e das demonstrações
financeiras da PPP proposta.
3.1.3 Órgão gestor das parcerias público-privadas
O artigo 14 da Lei Federal das PPPs determina que seja instituído, por decreto, o órgão
gestor de parcerias público-privadas federais. “[...] a União, por força do art. 14 da Lei
162
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.165.
163
ROVAI, Armando Luiz; BONETTI, Karina. Da necessidade de construir Sociedade de Propósito Específico,
segundo as regras dispostas nos arts. 1.039 a 1.092 do novo Código Civil. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol;
ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.293.
164
Op.cit., p.293.
80
Federal das PPPs, criou, pelo Decreto Federal no. 5.385, de 2005, o órgão gestor de parcerias
público-privadas, o denominado de Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal (CGP)
[...].”165
O CGP tem as seguintes competências: I- definir os serviços prioritários para execução
no regime de parceria público-privada e os critérios para subsidiar a análise sobre a
conveniência e oportunidade de contratação sob esse regime; II- disciplinar os procedimentos
para celebração dos contratos de parceria público-privada e aprovar suas alterações; IIIautorizar a abertura de procedimentos licitatórios e aprovar os instrumentos convocatórios e
de contratos e suas alterações; IV- apreciar e aprovar os relatórios semestrais de execução de
contratos de parceria público-privada, enviados pelos Ministérios e Agências Reguladoras, em
suas áreas de competência; V- elaborar e enviar ao Congresso Nacional e ao Tribunal de
Contas da União relatório anual de desempenho de contratos de parceria público-privada e
disponibilizar, por meio de sítio na rede mundial de computadores (Internet), as informações
nele constantes, ressalvadas aquelas classificadas como sigilosas; VI- aprovar o Plano de
Parcerias Público-Privadas (PLP), acompanhar e avaliar a sua execução; VII- autorizar a
apresentação de projetos, estudos, levantamentos ou investigações elaborados por pessoas
físicas ou jurídicas não pertencentes à Administração Pública direta ou indireta, que possam
ser eventualmente utilizados em licitação de parceria público-privada, desde que a autorização
se relacione com projetos já definidos como prioritários pelo CGP, com o intuito de permitir o
ressarcimento previsto no art. 21 da Lei no 8.987, de 1995; VIII - estabelecer os
procedimentos e requisitos dos projetos de parceria público-privada e dos respectivos editais
de licitação, submetidos à sua análise pelos Ministérios e Agências Reguladoras; IXestabelecer modelos de editais de licitação e de contratos de parceria público-privada, bem
como os requisitos técnicos mínimos para sua aprovação; X- estabelecer os procedimentos
básicos para acompanhamento e avaliação periódicos dos contratos de parceria públicoprivada; XI- elaborar seu regimento interno; e XII- expedir resoluções necessárias ao
exercício de sua competência.
O Comitê é coordenado pelo representante escolhido do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão, “[...] a quem caberá convocar e presidir as reuniões e coordenar e
supervisionar a execução do Plano de Parcerias Público-Privadas (PLPs).”166
165
GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol;
ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.55.
166
GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol;
ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.57.
81
A composição do CGP é feita por três membros titulares e três suplentes, através de
indicações respectivamente do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, do Ministro
da Fazenda e da Casa Civil da Presidência da República.
3.1.4 Licitação e contratação das parcerias público-privadas
Por imposição legal, as licitações das parcerias público-privadas deverão ocorrer na
modalidade de Concorrência. A modalidade de Concorrência das PPPs não trata do
estabelecimento idêntico da modalidade prevista pela Lei no. 8.666/1993. Notemos o artigo
22, parágrafo 1º da Lei no. 8.666/1993, in verbis:
Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que,
na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos
mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto.
A Lei Federal 11.079/2004 não criou uma nova modalidade de licitação, porém não é
uma modalidade pura e simples como a Concorrência definida acima.
A Lei 8.666/93 estabelece as normas gerais para licitações e contratos
administrativos, sendo, consequentemente, aplicáveis a qualquer
procedimento licitatório, ressalvadas apenas as normas objeto de regime
específico como é o caso das pertinentes a parcerias público-privadas [...].167
Portanto, a afirmação de que a modalidade de licitação específica das parcerias
público-privadas não se refere à mesma modalidade de licitação, elencada em outra
legislação, nos permite dizer mais uma vez que, para o Direito, nada importa a denominação e
sim o real conteúdo que a lei sugere.
A abertura do processo licitatório está condicionada à autorização do órgão
competente, fundamentada em estudo técnico que demonstre: a) a conveniência e a
oportunidade da contratação, mediante identificação das razões que justifiquem a opção pela
forma de parceria público-privada; b) a demonstração de cumprimento da Lei de
Responsabilidade Fiscal; c) a submissão da minuta do edital e do contrato à consulta pública;
e d) a licença ambiental prévia ou diretriz para o licenciamento ambiental do
empreendimento, na forma do regulamento, sempre que o objeto do contrato exigir.
Importante destacar que, nas concessões patrocinadas em que mais de 70% (setenta
por cento) da remuneração do parceiro privado forem pagos pela Administração Pública, além
167
BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de
2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.58.
82
da autorização do órgão administrativo competente, será necessária autorização prévia do
Poder Legislativo, conforme parágrafo 3º do artigo 10, da Lei, como já dito anteriormente.
Em relação à autorização e motivação, verifica-se a necessidade da autoridade
administrativa fundamentar a escolha da PPP, que demonstre conveniência e características de
oportunidade, e que o interesse público seja sempre preservado.
Nas licitações cujo objeto seja a contratação de parceria público-privada, tal
como sucede com os demais procedimentos licitatórios, é necessária a prévia
autorização da autoridade à qual compete decidir sobre a abertura do
procedimento, decisão esta a ser fundamentada em estudo técnico tendo por
objeto a aferição da conveniência e da oportunidade no estabelecimento da
parceria e a demonstração de que o interesse público envolvido no motivo
(pressuposto fático) da licitação será atendido mais adequadamente mediante
parceria público-privada do que mediante outras soluções.168
A Lei de Responsabilidade Fiscal nas licitações dos contratos de parceria públicoprivada é um fator importante e que merece destaque, principalmente pelos aspectos
controvertidos das legislações.
Os estudos técnicos que antecederem a abertura da licitação devem demonstrar a
observância da Lei de Responsabilidade Fiscal nos contratos de parcerias público-privadas.
Vejamos o artigo, in verbis:
Art. 10. A contratação de parceria público-privada será precedida de
licitação na modalidade de concorrência, estando a abertura do processo
licitatório condicionada a:
I – autorização da autoridade competente, fundamentada em estudo técnico
que demonstre:
[...]
b) que as despesas criadas ou aumentadas não afetarão as metas de
resultados fiscais previstas no Anexo referido no § 1o do art. 4o da Lei
Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, devendo seus efeitos
financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento
permanente de receita ou pela redução permanente de despesa; e
c) quando for o caso, conforme as normas editadas na forma do art. 25 desta
Lei, a observância dos limites e condições decorrentes da aplicação dos arts.
29, 30 e 32 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, pelas
obrigações contraídas pela Administração Pública relativas ao objeto do
contrato;
II – elaboração de estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos
exercícios em que deva vigorar o contrato de parceria público-privada;
III – declaração do ordenador da despesa de que as obrigações contraídas
pela Administração Pública no decorrer do contrato são compatíveis com a
lei de diretrizes orçamentárias e estão previstas na lei orçamentária anual;
IV – estimativa do fluxo de recursos públicos suficientes para o
cumprimento, durante a vigência do contrato e por exercício financeiro, das
obrigações contraídas pela Administração Pública;
168
BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de
2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.61.
83
V – seu objeto estar previsto no plano plurianual em vigor no âmbito onde o
contrato será celebrado; [...].
A Lei de Responsabilidade Fiscal determina o controle dos gastos dos Estados e dos
Municípios, condicionado à capacidade de arrecadação de tributos desses entes políticos. As
restrições previstas nessa Lei são limitadas no tempo em função do Plano Plurianual, da Lei
de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária anual.
A Lei Federal das parcerias público-privadas acompanhou a demonstração das
despesas exigidas pela Lei complementar no. 101/2000; porém, a doutrina dispõe as
dificuldades e os conflitos das normas:
A dificuldade, no entanto, de dar cumprimento às exigências dessa lei é
grande, em razão do prazo de duração dos contratos de parceria públicoprivada, que vai de cinco a trinta e cinco anos. Ocorre que as restrições
previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal são limitadas no tempo em
função do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei
Orçamentária Anual. Se a Lei no. 11.079 exige, por exemplo, elaboração de
estimativa do impacto orçamentário-financeiro nos exercícios em que deva
vigorar o contrato de parceria público-privada (dando cumprimento ao artigo
16 da Lei de Responsabilidade Fiscal), isto significa que a cada exercício
esse estudo deverá ser repetido; se constatado que a despesa não é
compatível com o plano plurianual, com a Lei de Diretrizes Orçamentárias
ou com a Lei Orçamentária Anual, o contrato terá que ser obrigatoriamente
rescindido.169
Para o cumprimento fiel das diretrizes orçamentárias previstas na Lei de
Responsabilidade Fiscal seriam necessárias as estimativas orçamentárias de todo o prazo de
vigência do contrato, o que, na visão de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, como o prazo
previsto nos contratos de PPP é longo, não há possibilidade de serem executadas.
Nessa mesma escolta, Bittencourt define: “Estimar o fluxo de recursos com precisão
em contratos de duração elevadíssima é, a nosso ver, tarefa para pitonisas.”170
Assim, é possível afirmar que, apesar da dificuldade do fiel cumprimento das
recomendações das diretrizes da Lei de Responsabilidade Fiscal nos contratos de parcerias
público-privadas, é necessário que estes observem fielmente a Lei de Responsabilidade Fiscal,
a fim de que não haja suposta fraude à legislação.
Uma novidade trazida pela Lei é a exigência da previsão do contrato de PPP ser
precedido por consulta pública.
169
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.172.
170
BITTENCOURT, Sidney. Parceria Público-Privada passo a passo. Comentários à Lei no. 11079, de 30 de
dezembro de 2004, que instituiu a PPP no Brasil. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2007, p.83.
84
Destarte, a minuta do edital e do contrato de parceria público-privada deve ser
submetida à consulta pública, em consonância com o princípio da participação popular,
inerente ao Estado Democrático de Direito. Essa publicação deve ser feita mediante imprensa
oficial, em jornais de grande veiculação e por meio eletrônico, informando a justificativa para
a contratação, a identificação do objeto e o seu valor estimado.171
A abertura da licitação também está condicionada à licença ambiental do
empreendimento, caso o objeto da parceria assim o exija.
Quanto ao processo licitatório, a Lei Federal limita-se a estabelecer alguns
procedimentos específicos, através dos artigos 11 a 13. Vale lembrar que as Leis nos.
8.666/1993 e 8.987/1995 devem ser aplicadas complementarmente à questão.
O artigo 11 refere-se ao instrumento convocatório e dispõe que o referido instrumento
deverá conter a minuta do contrato e ainda a indicação expressa da submissão da licitação das
regras contidas na Legislação Federal das parcerias, além da aplicação subsidiária dos artigos
15, parágrafos 3º, 4º, 18, 19 e 21 da Lei no. 8.987/1995. Isto significa dizer que há: a)
possibilidade de recusa do poder concedente das propostas manifestamente inexequíveis ou
financeiramente incompatíveis com os objetivos da licitação (artigo 15, parágrafo 3º); b)
preferência à proposta apresentada por empresa brasileira, em igualdade de condições entre as
licitantes (artigo 15, parágrafo 4º); c) elaboração do edital pelo poder concedente segundo
critérios e normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos, com inclusão dos
itens especialmente indicados (artigo 18); d) observância das normas sobre a participação de
empresas em consórcio (artigo 19); e) exigência de serem postos à disposição dos interessados
os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimento já
efetuados, vinculados à licitação, realizados pelo poder concedente ou com sua amortização,
cabendo ao vencedor da licitação ressarcir os dispêndios correspondentes, especificados no
edital (artigo 21).
Ademais, o instrumento convocatório deve cumprir: a) exigência de garantia de
proposta do licitante, observado o limite do inciso III do art. 31 da Lei no. 8.666/1993 (1% do
valor estimado do objeto do contrato); b) emprego dos mecanismos privados de resolução de
disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em Língua Portuguesa, nos termos
da Lei no. 9.307/ 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato; c)
garantias, quando houver, da contraprestação do parceiro público a serem concedidas ao
parceiro privado.
171
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.173.
85
Em relação à utilização do emprego da arbitragem, Maria Sylvia Zanella Di Pietro,
dispõe que a norma provocará controvérsias, tendo em vista a própria legislação vigente
referente à arbitragem no Brasil, a Lei no. 9.307/1996, que disciplina expressamente a
impossibilidade da utilização deste mecanismo privado de resolução de disputas com relação
aos interesses indisponíveis. “O certo seria que a Lei no. 11.079 delimitasse as hipóteses em
que a arbitragem pode ser utilizada, restringindo a discricionariedade do poder concedente na
elaboração do edital.”172
Além da observância do procedimento previsto na legislação vigente sobre licitações e
contratos administrativos, o certame para a contratação de PPP obedecerá ao seguinte: I– o
julgamento poderá ser precedido de etapa de qualificação de propostas técnicas,
desclassificando-se os licitantes que não alcançarem a pontuação mínima, os quais não
participarão das etapas seguintes; II– o julgamento poderá adotar como critérios, além dos
previstos nos incisos I e V do art. 15 da Lei no. 8.987/1995, os seguintes: a) menor valor da
contraprestação a ser pago pela Administração Pública; b) melhor proposta em razão da
combinação do critério da alínea a com o de melhor técnica, de acordo com os pesos
estabelecidos no edital; III– o edital definirá a forma de apresentação das propostas
econômicas, admitindo-se: a) propostas escritas em envelopes lacrados; ou b) propostas
escritas, seguidas de lances em viva voz; IV– o edital poderá prever a possibilidade de
saneamento de falhas, de complementação de insuficiências ou ainda de correções de caráter
formal no curso do procedimento, desde que o licitante possa satisfazer as exigências dentro
do prazo fixado no instrumento convocatório.
A admissão de apresentação de proposta escrita, seguida de lances em viva voz, é mais
uma novidade trazida pela modalidade de concorrência nas parcerias público-privadas.
“Embora o procedimento tradicional da concorrência só admita proposta escrita, o edital para
a escolha do parceiro privado pode permitir a apresentação de proposta escrita seguida de
lances verbais [...].”173
Na situação em que ocorrer a proposta escrita, seguida de lances verbais, estes sempre
serão oferecidos na ordem inversa da classificação das propostas escritas. O edital não poderá
limitar a quantidade de número de lances, porém o edital poderá restringir a apresentação de
lances em viva voz aos licitantes, cuja proposta escrita for no máximo 20% maior que o valor
da melhor proposta, conforme artigo, 12, II, parágrafo 12 da Lei Federal das PPPs.
172
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.175.
173
GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol;
ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.47.
86
O exame de propostas técnicas, para fins de qualificação ou julgamento, será feito por
ato motivado, com base em exigências, parâmetros e indicadores de resultado pertinentes ao
objeto, definidos com clareza e objetividade no edital.
Excepcionalmente, o edital poderá prever a inversão da ordem das fases de habilitação
e julgamento, hipótese em que: I– encerrada a fase de classificação das propostas ou o
oferecimento de lances, será aberto o invólucro com os documentos de habilitação do licitante
mais bem classificado, para verificação do atendimento às condições fixadas no edital; II–
verificado o atendimento das exigências do edital, o licitante será declarado vencedor; III–
inabilitado o licitante mais bem classificado, serão analisados os documentos habilitatórios do
licitante com a proposta classificada em 2o (segundo) lugar, e, assim, sucessivamente, até que
um licitante classificado atenda às condições fixadas no edital; IV– proclamado o resultado
final do certame, o objeto será adjudicado ao vencedor nas condições técnicas e econômicas
por ele ofertadas.
Desta forma, resta-nos ponderar que as parcerias entre a Administração Pública e a
iniciativa privada, com fundamentos e características no contrato de PPPs, regulados pela Lei
Federal no. 11.079/2004, devem ser antecedidas por uma modalidade especial licitatória, com
o objetivo de viabilizar de maneira satisfatória e eficiente os serviços e as obras públicas,
disponibilizados para a população brasileira.
3.1.5 Diretrizes da Lei Federal no. 11.079/2004
A Lei 11.079/2004, em seu artigo 4º, indica as diretrizes a serem observadas nas
parcerias público-privadas. Ressalte-se que o vocábulo “diretriz”, segundo o Dicionário
Aurélio, deve ser compreendido como um conjunto de instruções ou indicações para levar a
termo um plano, uma ação, etc.174
As diretrizes explicitadas na Lei no.11.079/2004 são extraídas dos princípios da
Administração Pública, como eficiência, respeito aos interesses e direitos dos destinatários
dos serviços e dos entes incumbidos da sua execução, indelegalibidade das funções de
regulação, jurisdicional e do exercício do poder de polícia, responsabilidade fiscal na
celebração e execução das parcerias, transparência dos procedimentos e das decisões,
repartição objetiva dos riscos entre as partes, sustentabilidade financeira e vantagens
socioeconômicas do projeto de parceria.
174
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 3. ed. Curitiba:
Positivo, 2004, p.684.
87
O princípio constitucional da eficiência deve ser enaltecido, pois deve ser interpretado
como uma garantia na qualidade dos serviços públicos e qualquer atividade desenvolvida pela
Administração Pública deve cumprir tal preceito constitucional, como será visto adiante.
A diretriz que trata do respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e
dos entes incumbidos da sua execução reitera a necessidade de cumprimento do princípio da
legalidade por parte dos envolvidos no contrato.
A indelegalibidade das funções de regulação, jurisdicional e do exercício do poder de
polícia impede que o Estado transfira à iniciativa privada as competências ínsitas dos Poderes
Legislativo, Judiciário e Executivo.
A responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias refere-se ao
desdobramento da Lei de Responsabilidade Fiscal, determinando a execução do contrato em
consonância com os limites orçamentários do ente público.
A transparência dos procedimentos e das decisões refere-se ao desdobramento dos
princípios que regem a Administração Pública, em especial, os princípios da publicidade e da
motivação das decisões administrativas, a fim de viabilizar o efetivo controle administrativo
das parcerias.
A repartição objetiva dos riscos entre as partes indica que o risco da atividade a ser
empreendida deve ser compartilhado entre os parceiros.
A sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas do projeto de parceria
determinam que a parceria público-privada deve atender tanto às necessidades de retorno
financeiro do parceiro privado, como também atender às exigências do interesse público do
objeto do contrato.
3.2 DOS CONTRATOS DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA
A natureza jurídica da relação entre a Administração Pública e a iniciativa privada, no
âmbito das parcerias público-privadas, é de natureza contratual, regulada pelo Direito
Administrativo; portanto, não se trata de um instituto puramente original.
A Lei Federal no. 11.079/2004 estipula as cláusulas obrigatórias e facultativas desse
contrato. Neste momento, a Lei enfatiza que as diretrizes do artigo 23 da Lei Federal no.
8.987/1995, a Lei das Concessões e Permissões, deverão ser observadas no que couber.
Em relação aos prazos de validade contratual, a Lei dispõe expressamente que o prazo
de vigência do contrato não pode ser inferior a 5 (cinco) anos e nem superior a 35 (trinta e
cinco) anos, e que ainda este prazo deve ser compatível com a amortização dos investimentos
88
realizados; porém, logicamente é limitado ao período máximo de 35 anos, incluindo eventual
prorrogação.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro propõe uma questão interessante quanto ao prazo:
“Verificando-se que o mesmo não foi suficiente para a recuperação dos investimentos feitos
pelo parceiro privado, a prorrogação poderá fazer-se pelo prazo suficiente para que essa
recuperação ocorra.”175
Desta forma, mesmo que o prazo máximo determinado em lei seja elevado, não
havendo recuperação do investimento por parte do parceiro privado, este poderá solicitar uma
prorrogação até o limite da amortização de seus investimentos.
Porém, é claro que, havendo resistência em relação à prorrogação contratual, o
parceiro privado pode pleitear indenização por perdas e danos na Justiça.
Os princípios inerentes aos contratos de parcerias público-privadas, como o princípio
da equidade, da razoabilidade, da continuidade, da indisponibilidade do interesse público,
entre outros, sugerem um equilíbrio econômico-financeiro entre as partes contratantes.
O artigo 5º, III e IV da Lei Federal, prevê que os riscos inerentes ao contrato são
repartidos entre as partes, inclusive os referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe
e a álea econômica extraordinária.
Blanchet dispõe uma crítica referente à repartição dos riscos entre as partes, no tocante
ao fato do príncipe e a álea econômica. “Seria absurdo repartir meio a meio os efeitos
relativos à oneração dos custos da execução do contrato quando devidos a fato do príncipe. O
mesmo pode-se afirmar em relação à álea econômica extraordinária[...].”176
Sidney Bittencourt também traz uma crítica sobre issos:
O compartilhamento dos riscos entre as partes envolvidas é natural nas
parcerias. Entretanto, causa profunda estranheza que o rol de matérias a
serem compartilhadas conste o denominado Fato do Príncipe. Sendo esse
fato uma determinação do Poder Público (positiva ou negativa e imprevista)
que venha a onerar a execução contratual, é seguramente um enorme contrasenso determinar que a parte privada assuma responsabilidade por fato
oriundo de manifestação ou ato da própria Administração [...].177
Observa-se que o compartilhamento de riscos deve existir nos contratos de PPP como
nos demais contratos juridicamente aceitos; porém, o questionamento acerca deste
175
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.170.
176
BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de
2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.32-31
177
BITTENCOURT, Sidney. Parceria Público-Privada passo a passo. Comentários à Lei no. 11079, de 30 de
dezembro de 2004, que instituiu a PPP no Brasil. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2007, p.57-58.
89
compartilhamento em relação a fato do príncipe e álea econômica extraordinária refere-se a
uma questão econômica, totalmente voltada ao Estado.
O compartilhamento de riscos nos contratos de parcerias público-privadas dispõe uma
diferença bastante marcante em relação às concessões comuns. Nas concessões tradicionais, o
concessionário age por sua conta e risco, respondendo o Poder Público subsidiariamente,
enquanto que nos contratos de PPPs, a responsabilidade do Estado é solidária.
O contrato de parceria deve demonstrar as formas de renumeração e as formas de
atualização dos valores contratuais. É interessante que o instrumento contratual realmente seja
bastante explícito na questão geral dos formatos de remuneração, pois se trata de um contrato
complexo e duradouro.
Nas duas modalidades de parcerias público-privadas existe uma contraprestação
pecuniária do parceiro público à iniciativa privada. Esta é uma característica peculiar das
PPPs, pois, se esta prestação não ocorrer, caracterizar-se-á a concessão em concessão comum,
regida pela Lei no. 8.987/1995.178
Na modalidade de concessão patrocinada, essa contraprestação do parceiro público é
um plus em relação à tarifa cobrada do usuário; já na concessão administrativa, a prestação se
constituirá em uma forma básica de remuneração.
Vejamos o artigo 6º da Lei, in verbis:
Art. 6o A contraprestação da Administração Pública nos contratos de
parceria público-privada poderá ser feita por:
I – ordem bancária;
II – cessão de créditos não tributários;
III – outorga de direitos em face da Administração Pública;
IV – outorga de direitos sobre bens públicos dominicais;
V – outros meios admitidos em lei.
Parágrafo único. O contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado
de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e
padrões de qualidade e disponibilidade definidos no contrato.
Verifica-se, então, que a contraprestação da Administração Pública à iniciativa privada
não necessariamente deve ser feita na forma de pecúnia, existindo outras modalidades de
remuneração.
Mais uma questão interessante dos contratos de parcerias refere-se aos mecanismos
para a preservação da atualidade, a saber, o cumprimento de um dos princípios fundamentais
do serviço público, qual seja, a modernização e a atualização da prestação dos serviços. O
foco dessa questão está no acompanhamento da evolução da sociedade, pois o contrato de
178
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.155.
90
parceria público-privada deve atender os anseios de uma sociedade atual, independentemente
do momento em que a licitação foi promovida.
O contrato deve explicitar os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do
parceiro público, os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de
acionamento da garantia.
A avaliação do desempenho também é exigida pelos contratos de parcerias públicoprivadas. Na verdade, essa atividade é exigida em todos os contratos celebrados com a
Administração Pública, e não somente nos de parceria público-privada.
Infelizmente, o que se tem apurado nos contratos celebrados pela Administração
Pública é a pouca importância dada aos procedimentos de avaliação de desempenho.
Blanchet acredita que a falta de observação dessa avaliação se deve ao
desconhecimento. “Pouca importância, infelizmente, tem sido dada a avaliações de
desempenho; cremos que assim sucede principalmente em razão do desconhecimento.”179 E
continua, “Não se trata, portanto, de mera faculdade para o agente da Administração, mas, de
dever, pois a falta de um sistema de acompanhamento do desempenho dos contratados leva
fatalmente a contratações futuras insatisfatórias ao interesse público.”180
O que se espera é que haja uma Administração Pública com planejamento de metas e
busca de resultados. E é claro que nos contratos firmados com a Administração Pública não se
deve admitir nenhum tipo de fundamento para escusar da responsabilidade de se obter
qualidade e eficiência nos serviços prestados.
O compartilhamento dos ganhos econômicos com a Administração Pública também
deve estar presente nas parcerias. Tal compartilhamento está previsto na ocorrência de ganhos
econômicos efetivos ao parceiro privado, decorrentes da redução do risco de crédito dos
financiamentos utilizados pela iniciativa privada.
Esta cláusula contratual tem sofrido bastante resistência, pois alguns doutrinadores
acreditam que seja uma norma censurável. “Trata-se de norma injusta, pois, se o parceiro
privado teve redução do risco de crédito dos financiamentos que utiliza, os méritos são do
parceiro privado, não havendo por que compartilhar os ganhos econômicos desse fato com a
Administração.”181
Ainda em relação ao compartilhamento, Sidney Bittencourt elucida outra preocupação.
179
BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de
2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.35.
180
Op.cit., p.35.
181
MUKAI, Toshio. Parcerias público-privadas: comentários à Lei Federal no. 11.079/04, às Leis Estaduais de
Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Rio
Grande do Norte e à Lei Municipal de Vitória/ES. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.10.
91
Na prática, não parece nada fácil a aplicação do regramento: primeiro,
porque é de duvidosa avaliação; depois, porque não define a mensuração da
partilha dos ganhos econômicos; e, por fim, porque não prevê a proporção da
repartição, permitindo a conclusão de que o percentual dependerá da
previsão contratual, muito embora a lógica sinalize para a divisão em partes
iguais.182
Em outra linha, Maria Sylvia dispõe que a regra do compartilhamento de ganhos
econômicos se justifica, pois “o poder público poderá oferecer garantias ao financiador do
projeto (art. 5º, parágrafo 2º), reduzindo, dessa forma, os riscos do empreendimento.”183
Desta maneira, verifica-se que o compartilhamento de ganhos econômicos entre o
parceiro público e o parceiro privado deve ser efetuado de forma harmônica com as demais
diretrizes contratuais. O que nos parece é que o legislador, ao enfrentar a questão das
parcerias, procurou equiparar os parceiros na repartição dos riscos e também no
compartilhamento dos ganhos econômicos excedentes.
A Lei estabeleceu ainda que o parceiro público está obrigado a realizar a vistoria dos
bens reversíveis, inclusive autorizando o Poder Público a reter os pagamentos ao parceiro
privado. Esta cláusula se justifica, pois no caso de eventual irregularidade, os bens são
passíveis de ressarcimento ao patrimônio público.
3.2.1 Do valor contratual
Outro aspecto bastante interessante e também controvertido da legislação no.
11.079/2004 diz respeito ao valor contratual estampado na própria Lei, que determina que os
contratos de parcerias público-privadas não podem ser inferiores a R$20.000.000,00 (vinte
milhões de reais), in verbis:
Art. 2o Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na
modalidade patrocinada ou administrativa.
[...]
§ 4o É vedada a celebração de contrato de parceria público-privada:
I – cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de
reais).
O autor Toshio Mukai acredita que tal exigência da Lei apresenta-se como
inconstitucional. “O inc. I, a nosso ver, mesmo pretendendo constituir-se em norma geral,
182
BITTENCOURT, Sidney. Parceria Público-Privada passo a passo. Comentários à Lei no. 11079, de 30 de
dezembro de 2004, que instituiu a PPP no Brasil. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2007, p.62.
183
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p.157.
92
parece-nos inconstitucional, eis que se imiscui na autonomia financeira e administrativa dos
Estados e Municípios.”184
A verdade é que existem possibilidades de parcerias público-privadas que envolvem
valores menores. Os contratos estaduais ou municipais que envolvam valores menores de
vinte milhões de reais não podem ser massacrados, desde que objetivem viabilizar serviços ou
obras públicas em suas regiões, dentro dos princípios constitucionais e das diretrizes
indicadoras das parcerias público-privadas.
3.2.2 Do controle dos contratos de parcerias público-privadas
Em relação ao controle dos contratos de parcerias público-privadas, a Lei Federal das
PPPs não contém as normas gerais. Portanto, neste caso, as leis que serão aplicadas são as
previstas na Lei Federal no. 8.987/1995.
Algumas normas são determinadas especificamente para a União, quais sejam:
segundo o artigo 14, parágrafo 4º da Lei no.11.079/2004, o controle dos contratos de PPPs
deve ser feito pelo Congresso Nacional e pelo Tribunal de Contas, exigindo que os relatórios
de desempenho dos contratos sejam remetidos periodicamente; o parágrafo 6º do mesmo
artigo garante à iniciativa privada a publicidade dos relatórios de desempenho, por meio de
rede pública de transmissão de dados; no artigo15, está determinado que a competência para
acompanhar e fiscalizar os contratos federais de PPPs é dos Ministérios e das Agências
Reguladoras.
3.2.3 As garantias contratuais nas parcerias público-privadas
Os contratos administrativos que envolvem as parcerias público-privadas, geralmente
têm um prazo longo, envolvem investimentos financeiros altos e necessariamente têm como
objeto uma prestação de serviço ou obra pública de interesse público social importante. Por
tais motivos, as garantias, tanto em relação ao parceiro público como em relação ao privado,
devem ser estudadas e previstas, a fim de atrair ainda mais os investimentos da iniciativa
privada neste importante segmento público: as PPPs.
Algumas garantias vieram previstas na Lei no. 11.079/2004 e outras já existiam no
nosso ordenamento e foram incorporadas, para garantir o cumprimento dos contratos de
184
MUKAI, Toshio. Parcerias público-privadas: comentários à Lei Federal no. 11.079/04, às Leis Estaduais de
Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Rio
Grande do Norte e à Lei Municipal de Vitória/ES. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p.6.
93
parcerias público-privadas. As garantias ainda sofrem algumas resistências, principalmente da
doutrina.
Primeiramente, insta destacar que a Lei Federal indica em seu artigo 29 as penalidades
e prescreve que, sem prejuízos das sanções financeiras previstas dos contratos de parcerias
público-privadas, serão aplicadas as penalidades previstas no nosso Código Penal, no que
couber, além das penalidades impostas pela Lei de Improbidade Administrativa, a Lei no.
8.429/1992, pela Lei de Crimes Fiscais, a Lei n. 10.028/2000, pela Lei de Responsabilidade
dos Prefeitos e Vereadores, o Decreto-Lei no 201/1967, e pela Lei de Crimes de
Responsabilidade Fiscal, Lei no 1.079, de 10 de abril de 1950.
Porém, o legislador não determinou os sujeitos que estão subordinados às aplicações
das penas nem tampouco descreveu as hipóteses de sua incidência, o que torna a aplicação
dessas penas de duvidosa constitucionalidade.185
Desta forma, a Lei traz uma tentativa de demonstrar a incidência de aplicação de
multas ou penas, no caso de inadimplemento da obrigação contratual; porém, não evidencia
claramente as penalidades que serão aplicadas. O que se crê é que as penalidades serão
aplicadas de forma proporcional à gravidade das faltas cometidas e das obrigações assumidas.
Além das penalidades previstas em Lei, as garantias das parcerias público-privadas
também devem ser analisadas sob quatro ângulos, a saber: a garantia que o Poder Público
presta ao parceiro privado; a garantia que o parceiro privado presta ao Poder Público; a
garantia que o Poder Público presta aos financiadores do projeto; e, por fim, a garantia que o
parceiro privado presta aos seus financiadores.
As garantias que o Poder Público presta ao parceiro privado são enumeradas na
própria legislação específica, conforme o artigo 8º, in verbis:
Art. 8o As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em
contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas mediante:
I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do art. 167 da
Constituição Federal;
II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei;
III – contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não
sejam controladas pelo Poder Público;
IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições
financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público;
V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para
essa finalidade;
VI – outros mecanismos admitidos em lei.
185
GASPARINI, Diógenes. Visão Geral das Parcerias Público-Privadas. In: PAVANI, Sérgio Augusto Zampol;
ANDRADE, Rogério Emilio (coords.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: MP, 2006, p.58.
94
A vinculação de receitas não pode ofender os princípios e limitações constitucionais, o
que significa dizer que não há possibilidade de vinculação de receitas referentes aos impostos,
porém, as receitas decorrentes dos demais tributos e de outras fontes da Administração
Pública poderão ser vinculadas. Sobre este assunto, o doutrinador Kiyoshi Harada dispõe:
[...] vinculação tem o sentido de preservar o equilíbrio entre o montante do
empréstimo público (dívida pública) e o valor da receita antecipada,
evitando-se situações de desequilíbrio orçamentário. Por isso, a entidade
política mutuante é obrigada a manter, permanentemente, na lei orçamentária
anual, dotação específica para garantia do pagamento da dívida, enquanto
esta perdurar.186
A grande inovação da Lei foi a previsão do Fundo Garantidor das Parcerias PúblicoPrivadas federais, que tem como objetivo a prestação da garantia do cumprimento das
obrigações pecuniárias assumidas pelo parceiro público, garantindo aos parceiros privados
uma solidez do contrato, reduzindo as incertezas e os riscos concernentes aos compromissos
financeiros assumidos pelo Governo Federal em contratos de PPP.
O artigo 16 prevê que a União, suas autarquias e fundações públicas participarão, com
o limite global de seis bilhões de reais para o Fundo, que terá por finalidade garantir o
pagamento das obrigações pecuniárias assumidas pelo parceiro público em virtude das
parcerias firmadas.
Esse Fundo foi previsto dentro do contexto de uma série de garantias a serem
oferecidas pela Administração Pública ao empreendedor privado, tendo em vista os prazos
longos que geralmente envolvem os contratos de parcerias público-privadas.
O autor Toshio Mukai afirma que as cinco garantias expressas na legislação são
garantias robustas, e que o Fundo Garantidor das Parcerias Público-Privadas complementam a
seara da garantia de pagamento das obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos
federais.187
Taciana de Oliveira Salera demonstra que a estrutura patrimonial do FGP está
alicerçada nos seguintes aspectos:
Gestão Profissional e Política de Investimento: O FGP será gerido pelo
Banco do Brasil, instituição financeira federal especializada em gestão de
recursos de terceiros, credenciada pela Comissão de Valores Mobiliários CVM para a realização dessa atividade. Tal gestão deverá se pautar por
critérios mais conservadores, restringindo as aplicações de maior risco que
poderiam comprometer o patrimônio aportado.
186
HARADA, Kiyoshi apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas,
2007, p.174.
187
MUKAI, Toshio. Parcerias Público-Privadas: Comentários à Lei Federal no. 11.079/2004, às Leis Estaduais
de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei
Municipal de Vitória/ ES. 1. ed. São Paulo: Forense Universitária, 2005, p.13.
95
Qualidade dos Ativos: Será escolhida empresa independente para avaliação
dos ativos no momento de sua integralização pelo Governo Federal, sendo
ainda responsável pela marcação dos mesmos ao mercado, em conformidade
com as práticas determinadas pelo Banco Central do Brasil e pela CVM.
Assim, como definido no Decreto n° 5.411/2005, as ações que integrarão o
fundo garantem sua rentabilidade e liquidez, facultando-se, ainda, o ingresso
de outros tipos de ativos de equivalente qualidade.
Sustentabilidade: Em caso de eventual inadimplemento, o FGP deve subrogar-se nos direitos do parceiro privado, ficando a Administradora obrigada
a acionar o ordenador de despesa inadimplente.188
E continua sua explanação acerca da solidez da garantia, nos seguintes aspectos:
Garantia de Equilíbrio: O FGP ficará impedido de outorgar nova garantia se
for verificado que o valor presente de todas as garantias emitidas supera o
valor presente dos ativos. Caso o desequilíbrio seja avaliado como
permanente, a Administradora, que deve reavaliar mensalmente essa relação,
solicitará ao cotista a integralização de novos ativos ao fundo.
Qualidade da Garantia: A modalidade de garantia a ser outorgada ao parceiro
privado depende do tipo de ativo na carteira do FGP, impondo uma margem
de segurança a mitigar a possibilidade de um descasamento entre a liquidez
do ativo e a da garantia outorgada.
Regras para liquidação: O Regulamento do FGP obriga o gestor a receber
todos os pedidos de execução de garantia, consoante o comando expresso na
Lei n° 11.079/2004. Estabelece ainda o prazo máximo de 15 dias úteis para o
pagamento da garantia, caso o pleito do parceiro privado seja procedente e a
Administração Pública não tenha providenciado o pagamento ou a
contestação da fatura nesse período. Ademais, admite-se a utilização de
arbitragem, desde que previsto no contrato de PPP.
Restrições a decisões discricionárias dos Cotistas: Vedou-se a possibilidade
do parceiro público interferir nas decisões do FGP que possam representar
risco ao cumprimento de suas obrigações.
Comprometimento jurídico: As garantias outorgadas pelo FGP serão
expressas em edital e contrato de PPP, de maneira detalhada, visando a dar
forma jurídica clara aos direitos e obrigações das partes.189
O FGP divulga periodicamente a sua evolução patrimonial e também os fatos
relevantes à confiabilidade e valorização deste patrimônio, com o escopo de transparência de
seus atos.
Assim, o FGP apresenta-se como uma entidade contábil sem personalidade jurídica,
criada por lei, com objetivo de dar sustentação financeira ao Programa de PPP, tendo como
beneficiárias as empresas parceiras definidas e habilitadas nos termos da lei.
188
SALERA, Taciana de Oliveira. O novo regulamento do fundo garantidor das Parcerias Público-Privadas do
Governo Federal. Disponível em: www. azevedosette.com.br/ ppp/ artigos/ novo _ regulamento. Acesso em:
13abril 2010, p.1.
189
SALERA, Taciana de Oliveira. O novo regulamento do fundo garantidor das Parcerias Público-Privadas do
Governo Federal. Disponível em: www. azevedosette.com.br/ ppp/ artigos/ novo _ regulamento. Acesso em:
13abril 2010, p.1.
96
Uma questão interessante do Fundo diz respeito a sua natureza, que é privada, e que
possui patrimônio próprio separado dos cotistas, características que garantem ainda mais o seu
objetivo no cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas pela Administração Pública,
no âmbito das PPPs.
De acordo com a legislação, os bens e direitos integralizados devem apresentar laudo
fundamentado por empresa especializada, em que constarão os critérios utilizados na
avaliação, sendo instruído com os documentos relativos aos bens avaliados. O valor previsto
para a somatória dos valores deve observar o limite global, como já foi dito, e é de seis
bilhões de reais.
Não resta dúvida de que o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas foi uma
grande inovação do ordenamento. Esse novo instituto traz garantias anteriormente
desconhecidas. O FGP diferencia tal modalidade de concessão e tipifica os contratos de
parcerias público-privadas.
Há dois tipos de garantias que o parceiro privado presta ao parceiro público: a garantia
da proposta e a garantia da execução do contrato.
A garantia de proposta deve ser prestada em relação à qualificação econômicofinanceira do parceiro privado. Essa garantia deve estar prevista no edital da licitação,
estando limitada a 1% do valor do objeto da contratação.
Tal garantia é uma segurança para o Poder Público, no sentido de que o parceiro
privado possui condições financeiras de arcar com os investimentos decorrentes do contrato
de parceria. A segurança em questão é uma condição de habilitação do procedimento
licitatório.
A garantia de execução do contrato, exigida em momento posterior à habilitação no
procedimento licitatório, também deve estar prevista no edital e pode chegar a 10% do valor
total do contrato de parceria firmado, sendo um instrumento que assegura à Administração o
cumprimento pelo contratado da obrigação assumida.
A prestação de garantias de execução do objeto da parceria, por parte do
parceiro privado, vincula-se aos princípios da suficiência e da
compatibilidade, tendo por parâmetros o conteúdo e o vulto dos ônus e riscos
envolvidos. A garantia deve ser suficiente para evitar efeitos mais funestos
para o interesse público. E deve ser compatível com a natureza do ônus
assumido, o que a tornará idônea para assegurar tal escopo. 190
190
BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público-Privadas. Comentários à Lei 11.079, de 30 de dezembro de
2004. Curitiba: Juruá, 2008, p.36.
97
A própria legislação ressalta que a prestação das garantias de execução do objeto da
parceria, por parte do parceiro privado, deve ser suficiente e compatível com o ônus e os
riscos envolvidos.
As garantias, em suas duas formas, podem ser prestadas mediante caução em dinheiro,
títulos da dívida pública, seguro-garantia ou fiança bancária.
A Lei Federal no.11.079, de 30 de dezembro de 2004 trouxe expressamente as
garantias que o Poder Público presta aos financiadores do projeto; são elas: a previsão
contratual de requisitos e condições para que o parceiro público autorize a transferência do
controle da sociedade de propósito específico (empresa criada pelo parceiro privado para
firmar o contrato de PPP com o Poder Público) para os financiadores; a possibilidade de
emissão de empenho em nome dos financiadores em relação às obrigações pecuniárias da
Administração; legitimidade dos financiadores para receber indenizações por extinção
antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos fundos e empresas estatais
garantidoras de parcerias.
Como já foi explanado anteriormente, a Sociedade de Propósito Específico apresenta
uma exceção em relação à transferência do controle acionário, que é a transferência para os
financiadores, sem a necessidade de demonstração de capacidade técnica, idoneidade
financeira e regularidade jurídica e fiscal. A exceção, criticada por alguns doutrinadores, tem
o objetivo de promover a reestruturação e garantir a continuidade dos serviços, objeto da PPP.
A possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores em relação às
obrigações pecuniárias da Administração traduz-se no ato formal que a autoridade competente
produz para deduzir o valor da despesa contraída por contrato de parceria
público-privada
orçamento,
financiador.
pela
para
Administração
garantir
Portanto,
o
débito
aquele
Pública,
contraído
valor
da
pelo
pecuniário,
dotação
parceiro
que
consignada
privado
antes
junto
seria
no
ao
pago
pela Administração Pública diretamente ao parceiro privado, poderá servir de garantia ao
pagamento da contraprestação que este tenha de efetuar aos seus financiadores, que passam a
ter legitimidade a este recebimento por meio do empenho em seu nome.191
Destarte, entende-se que a legislação procurou estabelecer mecanismos seguros de
atração para os financiadores dos projetos, objetos de parcerias público-privadas,
reconhecendo a importância destes na execução dos serviços das parcerias público-privadas.
191
TOGNOLA, Fábio Maluf. As garantias nas parcerias público-privadas.
www.lopespinto.com.br/adv/publier4.0/texto.asp?id=268. Acesso em: 15 jul. 2010, p.1.
Disponível
em:
98
Em relação às garantias que o parceiro privado presta aos seus financiadores, a
legislação não inovou; portanto, o tomador do empréstimo prestará a instituição bancária
garantias como a hipoteca, seguro-garantia, fiança bancária, caução em dinheiro, títulos da
dívida pública, penhor, etc.
Nesse ponto, é interessante lembrar que a legislação prevê que os ganhos econômicos
decorrentes da redução do risco de crédito devem ser compartilhados com o parceiro público;
logo, caso o custo do financiamento apresentado e aprovado venha a diminuir no curso do
contrato, esse “bônus” deve ser partilhado com a Administração Pública.
Verifica-se então que os contratos de financiamento das parcerias público-privadas
têm as mesmas características conhecidas pelo nosso ordenamento pátrio privado, com uma
diferença significativa, que é o compartilhamento dos ganhos econômicos entre as partes,
decorrentes da redução do risco do crédito.
A Lei no. 11.079/2004 prevê inúmeras garantias para as partes envolvidas nos
contratos de parceria público-privadas, quais sejam: a iniciativa privada, o Poder Público e o
financiador. As garantias têm a finalidade de assegurar o adimplemento dos contratos, como a
constituição de um fundo garantidor de parcerias público-privadas, vinculação de receitas,
contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas
pelo Poder Público, garantias a serem prestadas por organismos internacionais ou instituições
financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público, dentre outros mecanismos
admitidos em lei. Tais garantias constituem uma diferenciação desta nova modalidade de
concessão.
99
4. AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA EDUCAÇÃO E NA SAÚDE, COMO
FORMA
DE
GARANTIR
A
EFETIVIDADE
DOS
SERVIÇOS
PÚBLICOS
DISPONIBILIZADOS À POPULAÇÃO
Na análise da atuação do Estado no setor econômico, constatam-se questões relevantes
para o estudo, a começar de um modelo de Estado puramente absolutista, inclusive na questão
econômica, comandado pela “mão invisível” defendida por Adam Smith. E logo após,
inevitavelmente, veio a crise do liberalismo, fundamentada pela incapacidade de resolução
dos problemas, principalmente sociais, pois as leis naturais da economia e do mercado não
foram capazes de atender os anseios da sociedade.
Renasce um novo modelo de Estado, que surgiu a partir do século XX, o Estado
Social. Esse modelo preconizou principalmente políticas públicas ativas e prestações positivas
dos serviços públicos. O Estado passou a intervir diretamente na economia, por meio da
criação das empresas estatais e outras formas, a fim de controlar a vida dos cidadãos.
Porém, o “gigante” Estado Social não foi capaz de atender sozinho satisfatoriamente
todas as suas promessas sociais perante a sociedade e, então, com a intenção de minimizar a
crise do Estado, são efetuadas a venda das empresas estatais e a delegação dos serviços
públicos aos particulares, através dos contratos de concessão, permissão e autorização.
[...] o Estado começou a transferir a execução de suas competências a
terceiros, mediante os institutos da concessão, permissão e autorização e,
agora, possibilitando outras formas de contratação com a iniciativa privada,
por meio das parcerias público-privadas.192
A diminuição drástica do Estado foi necessária a fim de atender os anseios da
sociedade, que já não acreditava no Estado como gestor econômico. A iniciativa privada entra
em “cena” para assumir a prestação dos serviços inerentes ao Poder Público e auxiliar e
garantir um atendimento eficaz nas políticas públicas.
Acabou-se o ‘tempo das vacas gordas’, do gasto público desenfreado, dos
contratos sem recursos para atender a eles, da emissão desbragada de moeda
sem valor, da inflação galopante etc. Em tempos de austeridade orçamentária
e financeira, em tempos de duro combate ao déficit público, é preciso que as
entidades públicas busquem recursos junto ao setor privado da economia.193
A iniciativa privada passa então a colaborar efetivamente com a Administração
Pública, com o escopo de atingir o bem-estar da coletividade e, partir daí, a modalidade de
192
SILVEIRA, Raquel Dias da. Os Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América latina:
Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no
Brasil. S.1.:s.n., 2004, p.211.
193
DALLARI, Adilson Abreu. Parcerias em transportes públicos. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.).
Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p.360.
100
parceria, conhecida como parceria público-privada finca-se como “marca documentada” na
história de gestão pública nacional.
E nesta perspectiva de mudança gerencial pública, fundada na ideia de redução do
tamanho do Estado e aumento da gestão particular na Administração Pública que desponta um
modelo de Estado neoliberal, com respaldo no fenômeno da Globalização, determinando a
ligação econômica dos diversos países do mundo e proporcionando a eliminação de barreiras
econômicas.
As políticas neoliberais contribuíram para a Reforma do Estado no Brasil, indicando
uma redefinição do papel do Estado, que deixa de ser o responsável direto pelo
desenvolvimento econômico e social pela via da produção de bens e serviços, para fortalecerse na função de promotor e regulador desse desenvolvimento.
As estratégias apontadas pelo Plano de Reforma do Estado são: a privatização, a
publicização e a terceirização. O fenômeno da terceirização, conforme Bresser Pereira, é o
processo de transferência para o setor privado dos serviços auxiliares ou de apoio; já a
publicização consiste na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e
científicos que hoje o Estado presta; e a privatização consiste no repasse para o setor privado
das atividades lucrativas. O Plano propõe ainda a gestão gerencial, visando ao atendimento do
cidadão cliente.194
A Lei Federal das parcerias público-privadas foi instituída no momento da Reforma,
sendo um marco regulatório dos setores público e privado, com o objetivo que incentivar a
iniciativa privada a cumprir a finalidade social do Estado, mediante garantias ao parceiro
privado do capital investido.
Apesar da Lei no. 11.079/2004 ter sido sancionada em 2004, a experiência nacional de
parcerias público-privadas já havia sido libada. É claro que devemos ressaltar a importância
da legislação federal específica, inclusive como um marco de reconhecimento da iniciativa
privada, na gestão pública brasileira.
O legislador demonstrou, através da Lei Federal no. 11.079/2004, o suprimento da
falta de disponibilidade de recursos financeiros do Poder Público e o aproveitamento da
eficiência do setor privado, com a finalidade de atendimento à coletividade, nas diversas áreas
públicas.
A realidade contemporânea do processo de evolução das funções do Estado, a começar
pelas privatizações, demonstra a necessidade dos recursos da iniciativa privada no âmbito
194
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Da administração pública burocrática à gerencial. In: PEREIRA, Luiz Carlos
Bresser. Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. 7. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006, p.200.
101
também das políticas públicas. Definitivamente, o contrato de parceria público-privada é uma
resposta à necessidade do mundo contemporâneo.
Essa nova modalidade de concessão oferece aos investidores privados mais garantias,
o que torna os projetos de PPPs mais viáveis para os contratantes e, principalmente, para os
administrados, que podem “experimentar” um serviço público de qualidade.
As “Torres Trinas” vieram para ficar e tornarem-se ferramentas na efetividade de
serviços públicos do país. Além das políticas de incentivo dos contratos de parcerias que
envolvem a construção de infraestrutura, dois segmentos têm se destacado no cenário das
parcerias público-privadas: a saúde e a educação. Por isso, a partir deste momento, será feita
uma análise no contexto empírico nessas duas grandes áreas sociais.
O direito à educação e o direito à saúde encontram-se inseridos nas garantias
fundamentais do Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal considera tais
direitos como fundamentais deveres do Estado. Ocorre que os segmentos da educação e da
saúde passam por uma revisão conceitual e operacional.
O acesso à educação e à saúde em nosso país deve ser efetivado, a fim de serem
cumpridas as promessas sociais de eficiência e segurança de tais segmentos. Não há como
justificar a não efetividade desses serviços públicos, perante os discursos de sustentabilidade
econômica, jurídica e social. As alternativas governamentais de sucesso nas políticas públicas
estão à disposição dos governantes e da população.
4.1 A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA EDUCAÇÃO
A Constituição Federal destaca o direito à educação, em seu artigo 6º, in verbis: "São
direitos sociais a educação, [...] na forma desta Constituição".195
A Constituição Federal continua expressando a importância da educação, através de
uma Seção específica. Vejamos a afirmação do artigo 205: "A educação, direito de todos e
dever do Estado e da família [...].”
A própria Constituição determinou que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que
atendidos os requisitos e condições legais. Desta forma, não há dúvidas de que a
Administração Pública é a responsável pelo fornecimento da educação, porém a iniciativa
privada encontra-se ao lado do Poder Público, com o objetivo de ministrar um ensino de
qualidade.
195
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
102
No que concerne ao ensino também se observa a mesma presença das ideias
de colaboração entre os setores público e privado, de fomento e livre
iniciativa. O art. 205 coloca a educação como dever do Estado e da família,
devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade; o art.
206, ao relacionar os princípios a serem observados com relação ao ensino,
inclui “o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência
de instituições públicas e privadas de ensino” (inciso III) e a “gestão
democrática do ensino público” (inciso VI); o art. 209 deixa claro que o
ensino não é serviço exclusivo do Estado, ao determinar que ele “é livre à
iniciativa privada” [...].196
Portanto, a legislação consagra o ensino livre à iniciativa privada, dependendo
somente do cumprimento das normais gerais da educação nacional e de autorização de
funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público. E mais nenhuma condição é
imposta, não havendo distinção entre empreendedores privados ou instituições públicas de
ensino.
4.1.1 A estrutura do Sistema Educacional
A estrutura legal e o funcionamento da educação brasileira encontram-se na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB), a Lei Federal no. 9.394/1996, fundamentada pela
Constituição Federal do nosso país.
O artigo 21 da Lei no. 9.394/1996 indica a composição do Sistema Educacional,
dividido em dois grandes eixos, quais sejam: a educação básica, formada pela educação
infantil, ensino fundamental e ensino médio; e a educação superior.
A educação infantil é oferecida em creches, para crianças de até três anos de idade, e
em pré-escolas, para crianças de quatro a seis anos.
O ensino fundamental, com duração mínima de oito anos, é obrigatório e gratuito na
escola pública, cabendo ao Poder Público garantir sua oferta para todos, inclusive aos que a
ele não tiveram acesso na idade própria.197
O ensino médio tem duração mínima de três anos e atende a formação geral do
educando, podendo incluir programas de preparação geral para o trabalho e, facultativamente,
a habilitação profissional.198
196
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia,
terceirização, parceria público-privada e outras formas. 7. ed. São Paulo:Atlas, 2009, p.25-26.
197
MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Sistema educacional brasileiro. Dicionário
Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix, 2002. Disponível em:
http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=173. Acesso em: 07 maio 2011, p.1.
198
Op.cit., p.1.
103
Além do ensino regular, integram a educação formal: a educação especial, para os
portadores de necessidades especiais; a educação de jovens e adultos, destinada àqueles que
não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade
apropriada; a educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, integrada
também ao trabalho, à ciência e à tecnologia, com o objetivo de conduzir ao permanente
desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva; e o ensino de nível técnico, que é
ministrado de forma independente do ensino médio regular.199
De acordo com a legislação vigente, os municípios devem atuar prioritariamente na
educação infantil, enquanto que os Estados e o Distrito Federal devem priorizar o ensino
fundamental e o ensino médio.
Já o Governo Federal, em matéria educacional, exerce uma função redistributiva e
supletiva, prestando assistência técnica e financeira aos Estados, Distrito Federal e
Municípios, e ainda exerce a função organizacional da estrutura do sistema educacional do
ensino superior.
A educação superior no Brasil é composta por cinco modalidades: os cursos
sequenciais, a graduação, a graduação tecnológica, a pós-graduação, composta pelos níveis de
especialização, mestrado e doutorado, e os cursos de extensão. O acesso à educação superior
ocorre a partir dos dezoito anos de idade, e o número de anos de estudo varia de acordo com
os cursos e sua complexidade.
O ensino superior pode ser ministrado por instituições diversas, como as
universidades, os centros universitários e as faculdades. Existem ainda outras denominações,
como institutos superiores, escolas superiores e faculdades integradas, por exemplo.
As instituições de ensino superior podem ser públicas ou privadas, com variados graus
de abrangência ou especializações.
As instituições públicas são criadas e mantidas pelo Poder Público, em suas três esferas,
federal, estadual e municipal. As instituições privadas são criadas e mantidas por pessoas
jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, classificadas por comunitárias,
confessionais, filantrópicas e particulares. As instituições são classificadas desta forma pelo
Ministério da Educação e a separação está relacionada com as formas de financiamento com
que cada um dos modelos se adequa no cenário da educação superior.
199
MENEZES, Ebenezer Takuno de; SANTOS, Thais Helena dos. Sistema educacional brasileiro. Dicionário
Interativo da Educação Brasileira - EducaBrasil. São Paulo: Midiamix, 2002. Disponível em:
http://www.educabrasil.com.br/eb/dic/dicionario.asp?id=173. Acesso em: 07 maio 2011, p.1.
104
Estas instituições são avaliadas pelo Ministério da Educação. Os pedidos de
autorização, reconhecimento de cursos, bem como os pedidos de credenciamento das
instituições, têm prazos limitados, devendo ser renovados, periodicamente, por processos
regulares de avaliação.
A finalidade da educação superior, elencada através do artigo 43 da Lei no.
9.394/1996 indica: o estímulo à criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e
do pensamento reflexivo; incentivo ao trabalho de pesquisa e investigação científica, visando
o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo,
desenvolvimento do entendimento do homem e do meio em que vive.
As Universidades são instituições pluridisciplinares de formação de profissionais de
nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, segundo o
artigo 52 da LBD. Nos termos do artigo 207 da Constituição Federal, as Universidades gozam
de autonomia didático-científica, administrativa e gestão financeira e patrimonial.
Em razão da autonomia prevista constitucionalmente às universidades públicas e
privadas, são asseguradas as atribuições previstas no artigo 53 da LDB, dentre elas: criar,
organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior, obedecendo às
normas gerais baixadas pela União e instituídas pelo respectivo sistema de ensino; fixar o
currículo de seus cursos e programas; estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa
cientifica; fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional; conferir graus,
diplomas e outros títulos, aprovar e executar planos e administrar rendimentos.200
Logo, tendo em vista que o tripé da Universidade é ensino, pesquisa e extensão
necessário se faz o aprimoramento da parceria público-privada no ensino superior para que os
projetos de pesquisa e extensão atendam aos anseios da comunidade, atingindo as metas
propostas pelo Governo e aprimorando o ensino das universidades do país.
4.1.2 A importância da iniciativa privada na educação: acesso ao ensino superior
As políticas neoliberais, adotadas no Brasil na década de 90, principalmente na gestão
do governo de presidente Fernando Henrique Cardoso, causaram impacto direto sobre o
Ensino Superior Brasileiro.
A década de 90 fica marcada pelo corte significativo de verbas públicas destinadas às
universidades públicas, que não abriram concursos públicos para professores e funcionários
200
SOUZA, Motauri Ciochetti de. Direito da Educação. In: NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano (coord.). Manual de
direitos difusos. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 128.
105
técnico-administrativos na área educacional, pela expansão das Entidades de Ensino Superior
privadas. Consequentemente, houve aumento das matrículas no segmento privado, pela
multiplicação das fundações privadas nas Instituições de Ensino Superior públicas e por
ausência de uma política efetiva de assistência estudantil.
Desta forma, a iniciativa privada impõe sua real importância do cenário educacional
brasileiro, uma vez que o sistema privado de ensino envolve mais de oitenta por cento das
instituições existentes no nosso país.
Para que elas sejam compreendidas e valoradas como parceiras na
empreitada governamental de assegurar o acesso aos níveis mais elevados de
ensino e, ao mesmo tempo, para que sejam reconhecidas como
empreendimento que obedece à lógica e à racionalidade de agentes
econômicos típicos, torna-se necessário uma reflexão ampla sobre os seus
objetivos institucionais e sua função social, para cujo cumprimento operam
segundo um ordenamento operacional próprio, que lhes norteia o
funcionamento.201
As instituições de ensino privadas devem ser encaradas como parceiras no esforço
público, com o objetivo comum de assegurar à população uma educação de qualidade.
Em 2009, o Brasil tinha 2.314 instituições de ensino superior, sendo 89,4% privadas e
10,6% públicas, conforme dados dos últimos Censos da Educação Superior, divulgados pelo
Ministério da Educação. Porém, apesar do aumento do número de estudantes ingressantes no
ensino superior, o acesso é considerado um privilégio para poucos, pois somente 13% da
população brasileira encontram-se inseridos nessa modalidade de ensino.202
O principal motivo da ausência de estudantes no ensino superior está na questão
financeira. Todavia, os programas de incentivo ao ensino superior têm aumentado e
aperfeiçoado a cada ano para que mais estudantes possam ter acesso ao ensino de qualidade.
O ProUni, Programa Universidade para Todos, é um programa do Governo Federal de
incentivo ao ensino superior privado, que tem como finalidade a concessão de bolsa de
estudos integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica.
Esse programa foi criado pelo Governo Federal em 2004, institucionalizado pela Lei no.
11.096/2005, oferecendo, em contrapartida, a isenção de alguns tributos àquelas instituições
vinculadas ao programa.
Os requisitos obrigatórios exigidos aos estudantes ingressantes no ProUni são:
estudantes egressos do ensino médio da rede pública ou da rede particular na condição de
201
Ensino.Superior. A importância do ensino particular. Disponível em: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/
textos.asp?codigo=10557. Acesso em: 07 jan. 2011.
202
Revista.Época. MEC divulga dados do Censo da Educação Superior. Disponível em:
http://revistaepoca.globo.com/ Revista/Epoca/0,,EMI202123-15228,00.html. Acesso em: 07 jan. 2011, p.1.
106
bolsistas integrais; a nota do estudante obtida através do Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem); e a renda per capita familiar máxima de três salários mínimos.
Segundo dados do Ministério da Educação, o ProUni atendeu, desde sua criação até o
processo seletivo do segundo semestre de 2010, 748 mil estudantes, sendo 70% com bolsas
integrais.203
O FIES, Programa de Financiamento Estudantil, destina-se a financiar prioritariamente
a graduação no Ensino Superior de estudantes que não têm condições de arcar com os custos
de sua formação e estejam regularmente matriculados em instituições não gratuitas,
cadastradas no Programa, e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério
da Educação.
O financiamento é feito através de uma parceria da Caixa Econômica Federal, com o
objetivo de dar maior efetividade às políticas públicas do Governo Federal.
Os critérios de seleção desse programa são impessoais e objetivos e têm como
premissa atender à população com efetividade, destinando e distribuindo os recursos de forma
justa e igualitária, garantindo a prioridade no atendimento aos estudantes de situação
econômica menos privilegiada.
Os programas de incentivo ao ensino superior visam a democratização do acesso à
educação de qualidade, com o objetivo de propiciar ao maior número possível de estudantes a
permanência e a conclusão do ensino superior, contribuindo na formação dos líderes que
conduzirão o futuro deste país.
4.1.3 A realidade das parcerias público-privadas na educação
Assim como na área da saúde, as parcerias entre as instituições de ensino e o setor
público vêm sendo discutidas e ampliadas, com o objetivo de levar conhecimento para a
comunidade, investir em capacitação de profissionais, aperfeiçoar recursos públicos e abrigar
eficiência da iniciativa privada. Apesar da resistência do investidor privado e do Governo
Federal em aprimorar as parcerias público-privadas na efetivação dos serviços públicos, as
parcerias, no âmbito da educação, já podem ser consideradas realidade em nosso país, ainda
que bem timidamente.
Em reportagem para uma Revista de Ensino, Carlos Eduardo Guerra de Moraes, vicediretor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, destaca a
203
Revista.Época. MEC divulga dados do Censo da Educação Superior. Disponível
http://revistaepoca.globo.com/ Revista/Epoca/0,,EMI202123-15228,00.html. Acesso em: 07 jan. 2011, p.1
em:
107
importância das parcerias público-privadas, inclusive enfatizando a eficiência das parcerias na
desburocratização do setor público e a divulgação do conhecimento científico à
comunidade.204
As parcerias público-privadas na educação apresentam-se como uma forma de
captação de recursos adicionais para o fomento e a ampliação da pesquisa, em todas as áreas
do conhecimento.
As parcerias público-privadas estão efetivamente evoluindo. Um exemplo de parceria
público-privada em educação, no âmbito das Universidades, consiste na possibilidade de
formalização de contratos de formação de professores, tendo em vista a expertise das
Universidades e a necessidade do Governo nesta área.
Um dos principais objetivos da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
consiste em alfabetizar todos os alunos da Rede Estadual de Ensino com oito anos de idade e
o Programa Bolsa Alfabetização é uma das possibilidades encontradas pelo Governo para
atingir a meta proposta.
O Programa Bolsa Alfabetização consiste em um contrato de PPP, envolvendo os
alunos universitários dos cursos de graduação de letras e pedagogia, na alfabetização e
aprendizagem dos alunos da rede Estadual de Ensino com até oito anos. Esses alunos
universitários são considerados colaboradores dos professores na tarefa de ensinar os cidadãos
a ler e escrever.
O aluno universitário, batizado como aluno-pesquisador (AP), fará uma
exploração didática na sala de aula em que estiver atuando, para acompanhar
o avanço dos alunos na leitura e na escrita. Ele fará uma observação e um
registro das atividades didáticas desenvolvidas em sala de aula,
aprofundando estes procedimentos com estudos teóricos e práticos sobre os
temas desenvolvidos. 205
A parceria público-privada desse modelo tem como objetivos o aprimoramento da
formação inicial dos alunos estudantes dos cursos de Pedagogia e Letras, possibilitando que
atuem como docentes da Rede Pública de Ensino com conhecimento de sua realidade, o
acesso à leitura e à escrita a todos os alunos de até oito anos da rede Pública Estadual, e o
comprometimento da Instituição de Ensino Superior na formação didática da população
brasileira.
A Universidade Santa Cecília, em Santos, ganhou a concorrência para atender ao
Programa Bolsa Alfabetização na Escola Pública, em parceria com a Fundação para o
204
BONVENTTI. Rodolfo. Um é pouco, dois é bom. Disponível em: www.revistaensinosuperior.com.br. Acesso
em: 4 abril 2011, p.33.
205
Op.cit., p.33.
108
Desenvolvimento da Educação e a Secretaria de Educação do Estado. Em entrevista, o diretor
do curso de pedagogia da Unisanta, Fabio Giordano, expressou o que segue:
O programa é voltado para os futuros professores da rede estadual, em que
nossos alunos de pedagogia e letras se transformam em pesquisadores em
sala de aula das atividades de procedimentos de alfabetização dos alunos.
[...] Os melhores alunos são indicados para se transformar em pesquisadores
nas salas de aulas das escolas da Baixada Santista nas quais o estado é o
responsável pela educação.206
Essa parceria representa um ganho da qualidade de ensino, elementos práticos e
substanciais de pesquisa para as universidades e para os estudantes, que passam a
conhecer o mercado de trabalho antecipadamente.
Outro exemplo de parceria público-privada em educação é verificado no Estado do
Rio de Janeiro, onde as parcerias público-privadas estão em expansão, principalmente por
causa da Copa do Mundo e das Olimpíadas que serão realizadas no Brasil.
Em 2010, a Universidade Estácio de Sá venceu concorrência promovida pela
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Riotur e Ministério do Turismo, e assumiu o
Programa Rio + Hospitaleiro, que tem por objetivo capacitar mais de dois mil profissionais
que vão atuar no atendimento aos turistas durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
O projeto faz parte do Programa de Requalificação do Destino Turístico Cidade do
Rio de Janeiro, desenvolvido pela Riotur para melhorar a prestação de serviços para turistas
que visitarão a cidade durante a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Os cursos serão
direcionados aos profissionais dos ramos de alimentação, hotelaria e turismo (recepcionistas
de hotéis, agentes de viagem, guias e atendentes de postos de informação), transporte (taxistas
e motoristas) e segurança (guardas municipais e batalhão de policiamento turístico).207
As parcerias público-privadas na educação também se tornam fortes aliadas do
Governo nesse momento histórico de Copa e Jogos Olímpicos, pois, através das parcerias, a
capacitação dos profissionais que irão atuar nestes importantíssimos eventos transforma-se em
realidade.
Enfim, após sete anos de vigência da Lei Federal que regula as parcerias públicoprivadas em nosso país, os projetos de parceria entre a iniciativa privada e o Poder Público
encontram-se consolidados em diversos segmentos, como transporte, infraestrutura, energia e
206
BONVENTTI. Rodolfo. Um é pouco, dois é bom. Disponível em: www.revistaensinosuperior.com.br. Acesso
em: 4 abril 2011, p.33.
207
Revista.Globo.Programa Rio + Hospitaleiro qualificará 4 mil profissionais do turismo. Disponível
em:http://extra.globo.com/ noticias/ economia/estacio-ministrara-os-cursos-do-programa-rio-hospitaleiro.html.
Acesso em: 02 fev. 2011.
109
saneamento. Atualmente, as parcerias que envolvem as áreas dos serviços públicos em
educação e saúde vêm se tornando um grande diferencial para o país.
As parcerias público-privadas devem ser encaradas pelo Governo e pela sociedade
civil como possíveis soluções na efetivação dos serviços públicos de qualidade. Portanto, o
que se espera é a exploração ainda mais desse instituto, com o aproveitamento de suas
vantagens para uma melhor qualidade de vida da população brasileira.
4.2 A PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA SAÚDE
O presente trabalho não tem intenção de esgotar a questão da saúde pública no Brasil,
porém é imprescindível destacar que a assistência à saúde é uma obrigação do Estado,
preconizada pelo artigo constitucional 196. Também é igualmente importante frisar que a
saúde é atualmente um dos principais problemas existentes no nosso país. Vejamos o artigo,
in verbis:
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação.208
Deve-se destacar que os princípios do acesso universal e o acesso igualitário estão
intimamente ligados à questão da assistência à saúde no plano constitucional.
Assim, a assistência à saúde da população é um dos grandes desafios da
Administração Pública e, definitivamente, se traduz em um problema bastante complexo,
afetando diretamente a vida da população, em todos os seus níveis. E é no contexto de
resolução desse problema real de política pública que as parcerias público-privadas são
inseridas.
4.2.1 O Sistema Único de Saúde
As ações e serviços da área da saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada,
construindo um Sistema Único de Saúde. As regras do Sistema Único de Saúde encontram-se
no artigo 198 e seus incisos da Constituição Federal. Luiz Alberto David Araújo e Vidal
Serrano Nunes Júnior asseveram:
208
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
110
A Constituição preconizou um regime de cooperação entre União, Estados e
Municípios, que devem, em comunhão de esforços, incrementar o
atendimento à saúde da população.
Cada uma dessas esferas, embora devam agir em concurso e de forma
solidária, uma suplementando a outra, tem a sua competência administrativa
definida pela Lei n. 8.080/90.
O Sistema Único de Saúde rege-se por três princípios cardeais: a
descentralização, com direção única em cada esfera de governo, o
atendimento integral e a participação da comunidade.209
A descentralização é uma estratégia do Sistema Único de Saúde, que visa minimizar o
papel da União, com o repasse da responsabilidade aos Estados e Municípios, na crença de
que as tomadas de decisões devem ser aproximadas à realidade de cada ente federado. Já o
atendimento integral ao paciente tem o objetivo que fornecer ações globais, que combinem a
prevenção e a cura. A participação da comunidade sugere um controle social nas questões das
políticas públicas na área da saúde, através de entidades que representem a comunidade.
A assistência à saúde deve ser regulamentada, fiscalizada e controlada pelo Poder
Público, que pode executar o serviço diretamente ou através de terceiros.
O próprio artigo constitucional demonstra a relação entre a assistência à saúde e a
iniciativa privada. Porém, a iniciativa privada encontra alguns óbices na execução desse
serviço. Vejamos o artigo 199, parágrafos 1º, 2º e 3º, in verbis:
Art. 199 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do
sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de
direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as
sem fins lucrativos.
§ 2º - É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou
subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais
estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em
lei.210
Desta maneira, a Constituição Federal propõe uma ressalva à iniciativa privada, que
deverá observar as diretrizes do Sistema Único de Saúde, mediante contrato de direito público
ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fim lucrativo. As
instituições privadas participam do Sistema Único de Saúde de forma complementar.
Na gestão de política pública na área de saúde evidencia-se uma grande diferença de
regalias e exigências entre o Poder Público e a iniciativa privada, a qual, tanto sob o
209
ARAÚJO, Luiz Alberto David, NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 7.ed. São
Paulo: Saraiva, 2003, p. 434.
210
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal.
111
fundamento da legislação constitucional quanto infraconstitucional, encontra-se em
desvantagem em relação ao Poder Público.
4.2.2 A importância das parcerias público-privadas na saúde
As parcerias público-privadas são uma possibilidade de resolução do caos da saúde
pública no Brasil, uma vez que há um reconhecimento generalizado sobre a inadequação e
rigidez do modelo de Administração Pública, a autonomia limitada da Administração Pública,
o excesso de burocracia no modelo de gestão estatal e a morosidade e questionamentos de
ordem jurídica e administrativa que terminam por dificultar a gestão.
A participação da iniciativa privada na saúde, como em outras áreas de interesse
social, vem agregar valor nas prestações dos serviços. O contrato de PPP, na modalidade
administrativa, indica um contrato em que, de um lado está a iniciativa privada, e de outro a
Administração Pública, como usuária direta dos serviços, para que a população seja
beneficiada com um serviço gratuito de assistência à saúde.
[...] ressaltamos que os contratos de parceria público-privada na área da
saúde, pactuados como modalidade de concessão administrativa, não
representam a gestão do próprio serviço pelo setor privado, pois a
Administração Pública celebra o contrato como usuária direta deste serviço
para oferecê-lo gratuitamente à população e possui toda a responsabilidade
quanto à sua execução.211
Em relação à saúde pública, realmente o país encontra-se em um estado desastroso.
Tal fato pode ser verificado através de inúmeros casos de pacientes perdendo suas vidas na
porta de hospitais, corredores, filas gigantescas para atendimento, entre tantos outros casos
diariamente noticiados nos jornais de grande veiculação no país.
Portanto, pode-se afirmar que os contratos administrativos de parcerias públicoprivadas, tendo em vista seus princípios e suas garantias, constituem-se uma alternativa
viável, com real condição de modificar o cenário precário da saúde pública do Brasil.
A efetividade dos contratos de parcerias público-privadas, no âmbito da assistência à
saúde, deve ser exigida pela população, que merece um serviço público de qualidade.
4.2.3 A realidade das parcerias público-privadas na saúde
211
PALERMO, Fernanda Kellner de Oliveira. A Reestruturação do Sistema Único de Saúde através das
Parcerias
Público-Privadas.
Disponível
em:
www.advogado.adv.br/artigos/2006/fernandakellnerde
oliveirapalermo/reestruturacaodosus.htm. Acesso em: 20 fev. 2011, p.1.
112
As parcerias público-privadas na área da saúde são já realidade em nosso país. O
estado da Bahia foi pioneiro na implantação desta modalidade de PPP. O objeto desse projeto
precursor configura-se na construção e gestão do Hospital Subúrbio, em Salvador. Essa
parceria público-privada foi uma iniciativa do Governo Estadual da Bahia e o consórcio
formado pelas empresas Promédica (baiana) e Dalkia (francesa) foi o vencedor da licitação. O
projeto inclui a operação da unidade hospitalar, incluindo os serviços médicos, precedidos de
instalação e montagem dos equipamentos hospitalares.
Em entrevista, o secretário da saúde da Bahia, José Solla, expõe: “Esta é a primeira
PPP na área de saúde pública hospitalar do Brasil [...] e vai garantir qualidade e amplo acesso
ao atendimento.”212
O primeiro contrato de parceria público-privada na área da saúde está elaborado na
modalidade administrativa e tem o prazo estipulado em dez anos. As empresas privadas
vencedoras da licitação obtiveram êxito, pois apresentaram o menor custo fixo para o
atendimento, com valor de R$103,5 milhões no ano. O contrato ainda prevê um investimento
de R$ 10 milhões para atualização tecnológica dos equipamentos e instalações do hospital, a
partir de cinco anos do início do contrato.
O contrato de parceria público-privada ocorrido no governo baiano, tendo como objeto
a operação da unidade do Hospital Subúrbio, foi um início formalizado nas parcerias na área
da saúde, e é exemplo para toda a Administração Pública.
Seguindo o projeto baiano, as prefeituras de Belo Horizonte e de São Paulo já
lançaram consultas públicas, no âmbito das PPPs, na área da saúde.
Em Minas Gerais, o projeto tem como objeto a construção da segunda etapa da obra
do Hospital Metropolitano do Barreiro.
HOSPITAL METROPOLITANO DE BELO HORIZONTE-MG
Descrição: Concessão administrativa, pelo prazo de 20 anos, no valor de
R$1,2 bilhão, para realização de serviços e obras de engenharia e serviços de
apoio não assistenciais à gestão e operação do Hospital Metropolitano de
Belo Horizonte.213
O projeto mineiro de parceria entre o Poder Público e a iniciativa privada envolve a
construção do Hospital Metropolitano de Belo Horizonte. O projeto tem como objeto os
serviços e obras de engenharia e serviços de apoio não assistenciais à gestão e operação do
212
COTTA, Elaine. Sai do papel a primeira PPP do setor de saúde no Brasil. Disponível em:
http://www.brasileconomico.com.br/noticias/nprint/77772.html. Acesso em: 30 abril 2011.
213
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Projetos PPP Municipal Belo Horizonte – MG. Disponível
em:http://www.azevedosette.com.br/ ppp/projetos/exibir/hospital_metropolitano_de_belo_horizonte/26. Acesso
em: 30 abril 2011, p.1.
113
Hospital, o que significa dizer que os serviços médicos não estão incluídos no projeto,
diferentemente do projeto baiano.
A unidade, objeto de PPP, será construída em uma área de 12,5 mil metros quadrados,
com 320 leitos, sendo 40 de Unidade de Tratamento Intensiva (UTI) e 40 de observação no
Pronto Socorro. O projeto conta com 13 andares, com 12 salas de cirurgia, além da área para
cirurgia ambulatorial.
O terceiro projeto de parceria público-privada voltado à área da saúde, será sediado na
cidade de São Paulo. O objeto do projeto é a construção de três novos hospitais e quatro
centros de diagnóstico por imagem, ampliação de cinco hospitais já existentes e reforma e
modernização de outros seis.
O investimento está previsto em aproximadamente R$1,3
bilhão.
O anúncio do projeto de PPP na área da saúde foi feito pelo Secretário Municipal de
Saúde de São Paulo, Januário Montone, na abertura do II Seminário Terceiro Setor e Parceria
na Área da Saúde, em agosto de 2010.
[...] Já nas PPP os concessionários investem dinheiro do setor privado na
Saúde, em troca da concessão para exploração do serviço por determinado
tempo, transformando-se em sócios do poder público. Porém, só podem
começar a cobrar pelos serviços depois que estiverem prontos e funcionando.
214
Ou seja, risco zero para o governo.
No projeto paulista, o parceiro privado construirá e equipará os hospitais com recursos
próprios e nos parâmetros definidos pela Prefeitura Municipal de São Paulo. Após a entrega
do hospital, o particular prestará os serviços não clínicos por quinze anos. Através da
concessão administrativa, a iniciativa privada começará a receber o valor investido após a
entrega do objeto da parceria, ou seja, o hospital construído e equipado.
Apesar do avanço nos discursos e projetos acerca das parcerias público-privadas na
área da saúde, até o presente momento somente o projeto baiano envolve os serviços médicos
propriamente ditos como objeto de PPP. Os demais projetos consistem ainda em concessões
parciais do serviço público de saúde, uma vez que estão limitados à construção de
infraestrutura de hospitais e centros médicos e aos serviços de saúde não clínicos.
Evidentemente, que a própria legislação constitucional e infraconstitucional distancia a
possibilidade da gestão, do gerenciamento e a execução dos serviços médicos clínicos pela
iniciativa privada, indicando o Poder Público como detentor da direção e da execução desses
214
Notícia.Estado.Prefeitura
paulista
anuncia
primeira
PPP
na
saúde.
Disponível
em:
http://www.direitodoestado.com.br/noticias/10944/Prefeitura-paulista-anuncia-primeira-PPP-na-saude. Acesso
em: 06 jan. 2011.
114
serviços. A legislação pátria vigente sugere o “congelamento” dessa modalidade “parcial” de
parceria, quando não integra o público e o privado.
A reengenharia da assistência à saúde no Brasil merece uma posição de destaque nos
discursos parlamentares, pois não se pode esquivar do problema da saúde pública brasileira,
sob a justificativa de uma legislação estática, que em mais um segmento distancia o Poder
Público da iniciativa privada.
As parcerias público-privadas na saúde devem servir para melhorar o atendimento dos
cidadãos, de forma mais célere e com qualidade, na gestão do SUS, com o enfoque na vida
dos brasileiros.
4.2.4 A parceria público-privada, na modalidade de administrativa, como forma de ampliar a
prestação dos serviços públicos na área da saúde por particulares
A prestação dos serviços públicos que são disponibilizados para a população
frequentemente não pode ser cobrada. A Constituição Federal indica que a prestação dos
serviços destinados à assistência à saúde e ao ensino deve ser feita de forma gratuita.
A Lei federal no. 11.079/2004 indica que as concessões administrativas devem versar
os contratos de parcerias público-privadas em que não há participação do usuário na
remuneração do parceiro privado. Destaca-se, portanto, que, nessa modalidade, a população é
diretamente beneficiada, sem que haja um custo de contraprestação diretamente do usuário do
serviço público.
Porém, para que haja o aumento significativo das PPPs, são necessárias algumas
considerações no intuito de ampliar as parcerias público-privadas na efetivação dos serviços
públicos.
Em relação especificadamente ao acesso à assistência à saúde no Brasil, a Constituição
Federal preconiza que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantindo, mediante
políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doença e de outros agravos e o acesso
universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação,
conforme artigo 196 da Constituição Federal.
As ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público
dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua
execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica
de direito privado, como dispõe o artigo 197 da Constituição Federal.
115
Segundo a Lei orgânica da Saúde, a Lei no 8.080/1990, a iniciativa privada pode
participar do Sistema Único de Saúde, em caráter complementar. Desta forma, quando as
disponibilidades governamentais forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à
população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde deve recorrer aos serviços
ofertados pela iniciativa privada.
Os contratos de parcerias público-privadas na modalidade administrativa são, portanto,
uma possibilidade de efetivar e ampliar o serviço público de assistência à saúde.
Algumas questões devem ser respondidas: Atualmente a gestão governamental dos
serviços públicos de assistência à saúde, praticamente exclusiva do Estado, atende as
necessidades da população? Qual seria o cenário, sem a iniciativa privada, da saúde no país?
A parceria público-privada na modalidade administrativa é uma possibilidade de
efetivação dos serviços de assistência à saúde, garantindo maior autonomia gerencial e
orçamentária, flexibilização referente às relações trabalhistas e autonomia para compras e
contratos, a fim de atender os anseios da sociedade, com valores agregados no atendimento,
sem lentidão, sem burocracia, com tecnologia e eficiência.
Alguns pontos de vantagens podem ser destacados na gestão da saúde através de
parceria público-privada são a premiação ao bom desempenho profissional de destaque e a
possibilidade de repasse de recursos financeiros àqueles que honram o cumprimento de metas
da organização; no entanto, as vantagens são inúmeras, uma vez que a capacidade de
empreender é inerente a organizações privadas.
De um modo geral, na efetivação dos serviços públicos, observações devem ser
consideradas. Primeiramente, com respeito à própria legislação federal das parcerias, que é o
valor determinado para o contrato de PPP, o valor de vinte milhões de reais. O valor imposto
pela Lei Federal no. 11.079/2004, com todo o respeito técnico dos legisladores, se encontra
em um patamar extremamente alto, restringindo as possibilidades de parcerias públicoprivadas. Os pequenos centros, por exemplo, são os mais prejudicados, pois muitas vezes os
possíveis contratos não exigem valores tão elevados.
A questão do prazo contratual, expresso da Lei Federal no. 11079/2004, carece de
reflexão, já que o investimento do parceiro privado, muitas vezes altíssimos, tende a não ser
amortizado no prazo máximo de trinta e cinco anos. Nesses casos, após a intensa fiscalização
pública e comprovação de gerência administrativa, a possibilidade de revisão de prazo
contratual torna-se uma garantia para o instituto.
Outro aspecto relevante a ser considerado é o paternalismo estatal, em relação a certas
atividades. Há de se destacar que o país realmente avançou na descentralização dos serviços
116
públicos, porém ainda existe bastante resistência ao instituto das parcerias público-privadas. É
necessário que os governantes e a sociedade civil vislumbrem as vantagens da PPP nos
serviços públicos, principalmente em relação ao compartilhamento de risco entre as partes e a
remuneração do parceiro privado, que está vinculada à obrigação de resultado.
Por fim, indubitavelmente, as parcerias público-privadas são uma alternativa viável na
efetivação dos serviços públicos e algumas vantagens devem resumidamente ser enaltecidas:
possibilidade e exigência de fiscalização e controle do Poder Público, com o escopo de
observar o atendimento do objeto contratual por parte da iniciativa privada; a não obrigação
de o Estado arcar com os custos do projeto, de forma imediata, uma vez que o investimento
do parceiro privado é amortizado ao longo de um período amplo; e a última e talvez a mais
importante das utilidades, que é o serviço público de qualidade, disponibilizado à comunidade
de forma adequada e eficiente.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. No Brasil, sempre existiu a relação do setor público com a iniciativa privada, com o
objetivo de suprir a escassez do Poder Público e ampliar as ofertas de atividades públicas.
Ocorre que o reconhecimento da iniciativa privada na gestão das políticas públicas
intensificou-se a partir dos anos 80, com o início da Reforma do Estado.
2. A iniciativa privada atua no âmbito público, através de uma possibilidade da própria
estrutura da Administração Pública, que é a descentralização administrativa. A
descentralização administrativa dispõe a transferência de atribuições de umas das pessoas
jurídicas do Estado (União, Estados, Distrito Federal ou Municípios) para outra pessoa
jurídica, restando expressamente que os princípios constitucionais inerentes à atividade estatal
sejam preservados.
3. Os serviços públicos constituem-se em atividades essenciais disponibilizadas à sociedade,
prestadas pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sendo que os serviços públicos inerentes
à atividade estatal estão elencados na própria Constituição Federal.
4. A prestação do serviço de forma indireta caracteriza-se pela delegação da atividade. A
descentralização por delegação dos serviços públicos, por contrato administrativo, para a
iniciativa privada, através de concessão, nas modalidades patrocinadas ou administrativas,
fundamenta os contratos de parcerias público-privadas.
5. A clássica divisão entre os dois ramos do Direito encontra-se superada pela releitura de
uma summa divisio constitucionalizada, ou seja, a intensa comunicação entre os interesses
públicos e privados, aproximando o individual e o coletivo, com a realidade trazida pelas
parcerias público-privadas.
6. Os princípios norteadores dos contratos de parcerias público-privadas encontram-se nas
duas esferas, a pública e a privada, remetendo-nos a uma leitura principiológica relativizada,
capaz de compreender a harmonia necessária para atender aos interesses dos contratantes.
Nesses contratos, a Administração Pública e a iniciativa privada estão colocadas lado a lado,
com o escopo de aplicar o instituto de acordo com sua fundamentação: falta de
118
disponibilidade de recursos públicos e aproveitamento da eficiência da gestão da iniciativa
privada.
7. O Estado Contemporâneo baseia-se no fenômeno da desburocratização, que consiste em
encontrar meios efetivos de administração, atrelados ao resultado planejado e logo atingido.
Esta ideia da desburocratização deve traduzir as parcerias público-privadas a fim de
demonstrar a efetividade deste instituto, que se finca em base sólida, frente às necessidades e
anseios da população na prestação positiva de serviços estatais.
8. O perfil das parcerias público-privadas passa pelo processo de reengenharia, embasado
pelos princípios da administração privada, principalmente no que diz respeito aos indicadores
de desempenho, como custos, qualidade, atendimento e prazo.
9. As mudanças presenciadas nos institutos nacionais, principalmente nas parcerias públicoprivadas, encontram respaldo também nas experiências internacionais positivas acerca do
tema.
10. O modelo britânico de PPP abrange amplamente as formas de parcerias entre a
Administração Pública e a iniciativa privada, enquanto que, no sistema nacional, o modelo de
descentralização administrativa tem características próprias. Os princípios centrais da Private
Finance Initiative, como são conhecidas as parcerias britânicas, fundam-se na assunção do
risco do projeto pelo setor privado e na observância do good value of money, que determina
que o projeto busque a otimização da prestação do serviço público, com eficiência, qualidade
e menor custo agregado. A principal semelhança do modelo britânico com o brasileiro está no
marco histórico que regula as parcerias público-privadas, marcadas por políticas de
desestatização, de regulação e de flexibilização da gestão pública.
11. No modelo de parceria norte-americano constata-se que a iniciativa privada tem um
grande espaço reservado na gestão das políticas públicas dos Estados Unidos, não havendo
modalidade específica para as parcerias público-privadas, sugerindo uma Administração
Pública “aberta” a sempre novas parcerias.
12. Em Portugal, a classificação das parcerias público-privadas encontra-se em um campo
mais restrito, semelhante às parcerias público-privadas em sentido restrito no Brasil. A
119
legislação portuguesa dispõe que a parceria público-privada é um contrato ou a união de
contratos, por via dos quais os parceiros privados se obrigam, de forma duradoura, perante um
parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma atividade, com fulcro na satisfação
de uma coletividade, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela
exploração serão, no todo ou em parte, do parceiro privado. A experiência portuguesa de
parceria público-privada demonstrou que os projetos financiados através de remuneração do
tipo “SCUT” tornam-se insustentáveis financeiramente.
13. O Governo chileno apostou nas parcerias público-privadas para desenvolver o país,
principalmente na questão de infraestrutura, o que se tornou uma referência para as parcerias
que têm por objeto construção de empreendimentos.
14. A intensidade das parcerias público-privadas nos diferentes países encontra-se em estágios
diferentes; porém, em todos os países apresentados, o instituto apresenta-se como uma
alternativa viável nas gestões públicas, uma vez que os países ampliam sua visão acerca do
tema, ano a ano.
15. O início do Estado Moderno se deu a partir do desmoronamento do Feudalismo, passagem
marcada pela transformação do poder da esfera privada para o âmbito público. Na era do
Absolutismo, o Estado estava personificado no Rei, que centralizava o poder político e
desconhecia os direitos fundamentais do homem.
16. Os anseios da sociedade pelos direitos de liberdade, de igualdade e de propriedade, com
influência das Revoluções Liberais, são fundamentos para o surgimento de um modelo de
Estado, marcado pela intervenção mínima do Estado e a defesa plena do individualismo, que
tinha como principal objetivo assegurar o desenvolvimento da economia, através da
circulação livre do capital em favor do individualismo. O momento é marcado por uma
expressão francesa: “Laissez faire, laissez passer, lê monde va de lui-même” (Deixe fazer,
deixe passar, o mundo caminha por si mesmo). Nesse período apresenta-se o fenômeno da
despublicização, caracterizado pela desnecessária intervenção do Estado na economia.
17. O individualismo exacerbado e a “plena liberdade” econômica entram em crise, pois as
“mãos invisíveis” da economia, preconizadas por Adam Smith no Estado Liberal, não foram
capazes de suportar os inúmeros problemas de ordem social e econômicos surgidos no
120
modelo. Por culpa da omissão do Estado, acredita-se que o individualismo prevaleceu em
detrimento do liberalismo, desvirtuando os anseios de fraternidade, evidenciado pela
concentração de riquezas nas mãos dos representantes da burguesia.
18. As reações contrárias ao Estado Liberal motivam a transformação deste em um Estado
Social. Por culpa da transformação dos modelos, os princípios sociais são somados aos
princípios liberais no Estado Social.
19. O Estado Social é marcado pelo caráter intervencionista estatal, com o escopo de delimitar
o poder econômico e regular a atividade econômica nacional. Esse período é marcado
fortemente pelo protecionismo social, definindo os direitos sociais e trabalhistas como direitos
fundamentais da pessoa humana. O Estado figura como garantidor dos direitos
disponibilizados à população, como saúde, educação, lazer, habitação, alimentação,
previdência e assistência social.
20. O modelo de Estado “gigante” entra em declínio, mostrando-se incapaz de desenvolver e
gerenciar todas as atividades assumidas, desencadeando um processo descentralizante no se
refere à prestação de serviço público e realização de obras públicas.
21. A crise econômica dos anos 80 é compreendida nas vertentes de crise fiscal, crise do
modo estatizante de intervenção do Estado e crise do modelo burocrático de gestão pública,
fundamentando a Reforma do Estado. A Reforma do Estado tem a finalidade de repensar o
papel fundamental do Estado, inclusive no que diz respeito às suas funções. Definitivamente,
o Estado mostra sua incapacidade como gestor, reduzindo o seu papel de executor ou
prestador direto dos serviços públicos, para tornar-se coordenador e regulador das atividades
públicas. A mudança traz em seu pleito o ápice do princípio da eficiência dos serviços
públicos.
22. O Estado Democrático de Direito forma-se a partir das ideias de Reformas do Estado,
apoiado pelas políticas neoliberais, restando um Estado regulador, garantidor e planejador do
desenvolvimento econômico e social do país. Esse modelo é marcado principalmente pela
transferência das atividades públicas para o setor privado. O novo modelo de Estado
contemporâneo, portanto, fica consagrado pela intensidade da participação da iniciativa
121
privada na gestão pública, através de parcerias nas diferentes modalidades, como franquia,
terceirização, autorização, permissões e concessão, entre outras formas.
23. No contexto de mudança do perfil do Estado, a Lei Federal no. 11/079, de 30 de dezembro
de 2004, foi promulgada, após intenso debate civil e político, a fim de regulamentar mais uma
modalidade de parceria entre a iniciativa privada e o Poder Público: a parceria públicoprivada. Essa modalidade de concessão apresenta-se como uma alternativa: a racionalização
dos recursos públicos e a eficiência dos serviços privados na gestão pública.
24. A parceria público-privada é um contrato administrativo celebrado entre a Administração
Pública e a iniciativa privada, com o objetivo de promover o incremento social, com
eficiência, em áreas de interesse público, através do desenvolvimento de uma obra ou
prestação de serviço público, com a amortização do investimento privado em médio ou longo
prazo. São modalidades desta parceria: a concessão na modalidade patrocinada, ou a
concessão na modalidade administrativa.
25. A concessão patrocinada é definida como a concessão de serviço público ou de obra
pública, tratada pela Lei das Concessões e Permissões já existente em nosso ordenamento,
quando, além da tarifa cobrada do usuário, há uma prestação pecuniária feita pelo parceiro
público à iniciativa privada.
26. A concessão administrativa refere-se aos contratos em que o particular assume os
encargos de investir em infraestrutura acrescida da prestação de serviços de forma direta ou
indireta para a Administração Pública, com remuneração em médio ou longo prazo. Essa
modalidade é aplicada nos casos em que não houver possibilidade de cobrança de tarifa dos
usuários.
27. A Lei Federal no. 11.079/2004 impõe a Sociedade de Propósito Específico como uma
exigência, com a finalidade de implantar e gerir o objeto do contrato de parceria públicoprivada. Essa Sociedade é constituída anteriormente à celebração do contrato e deve
demonstrar padrões de contabilidade e transparência financeira das parcerias. Seu controle é
feito pela pessoa jurídica que venceu a licitação, responsável pela execução do contrato que,
obrigatoriamente, deverá ter capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica
e fiscal. Como regra, o Poder Público não pode obter a maioria do capital da Sociedade, com
122
apenas uma ressalva na legislação: nos casos em que houver inadimplemento do contrato de
financiamento.
28. Os contratos de parcerias público-privadas devem ser precedidos de licitação, na
modalidade de Concorrência, condicionados à autorização de órgão competente, com
fundamento em estudo técnico que demonstre conveniência e oportunidade, inclusive com
identificação das razões que justifique a opção pela modalidade da “Torre Trina”.
29. A Lei 11.079/2004 traz a exigência da observância da Lei de Responsabilidade Fiscal nos
contratos de PPPs, impondo que os gastos públicos estão condicionados ao Plano Plurianual,
a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a Lei Orçamentária Anual e, apesar da dificuldade da
adequação destes padrões nos contratos que envolvem as parcerias público-privadas que
geralmente são longos, as estimativas orçamentárias de todo o projeto de PPP devem ser
elaboradas em consonância com a legislação.
30. A legislação determinou o prazo de validade dos contratos, que é de cinco a trinta e cinco
anos. Nos casos em que, após o término do prazo contratual, o investimento do parceiro
privado não tiver sido amortizado, há a possibilidade de prorrogação do tempo do contrato,
até que o projeto se torne sustentável financeiramente.
31. Os princípios contratuais do projeto de parceria devem ser basilares do equilíbrio
econômico-financeiro das partes contratantes. O compartilhamento dos riscos e resultados
inova as parcerias público-privadas no contexto contemporâneo, pois a previsão de
compartilhamento é inédito, inexistente nas concessões tradicionais.
32. A Lei no. 11.079/2004 prevê inúmeras garantias para as partes envolvidas nos contratos
de parceria público-privadas, quais sejam: a iniciativa privada, o Poder Público e o
financiador. As garantias têm a finalidade de assegurar o adimplemento dos contratos, como a
constituição de um fundo garantidor de parcerias público-privadas, vinculação de receitas,
contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas
pelo Poder Público, garantias a serem prestadas por organismos internacionais ou instituições
financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público, dentre outros mecanismos
admitidos em lei. Essas garantias constituem uma diferenciação dessa modalidade de
concessão.
123
33. As parcerias público-privadas no âmbito da educação já são realidade em nosso país e
apresentam-se como uma forma de efetivação desse serviço público, desburocratizando o
setor público e levando conhecimento a toda a coletividade.
34. Existem várias possibilidades de aprimoramento da educação do Brasil, através de PPP. A
utilização do instituto pode focar a melhora e o aprimoramento do ensino público brasileiro,
através de Programas de Incentivo, ampliação das pesquisas no âmbito público e privado,
capacitação de profissionais para o mercado de trabalho, entre outros.
35. As parcerias público-privadas no âmbito da assistência à saúde merecem destaque no
cenário das discussões parlamentares, pois, no âmbito constitucional, a iniciativa privada é
tratada com desvantagem frente ao Poder Público, especificamente no que tange à questão da
saúde pública.
36. Os contratos de parceria público-privada na modalidade administrativa sugerem uma
possibilidade de efetivação do serviço à assistência a saúde. Nesta modalidade, o contrato é
celebrado diretamente com a Administração Pública, que é a usuária direta do serviço, não
caracterizando afrontamento à nossa Constituição.
37. Apesar da resistência nacional aos contratos de parceria público-privada no âmbito da
assistência à saúde, três Estados já indicaram expressamente a sua adoção. Porém, apenas no
Estado da Bahia verifica-se que o contrato de PPP firmado incluiu todos os serviços médicos
propriamente ditos; os demais contratos ainda se restringem à construção hospitalar e a
demais serviços não clínicos.
38. As parcerias públicas privadas estão inseridas no contexto contemporâneo e vieram para
ficar. As parcerias público-privadas devem ser utilizadas como forma de garantir a efetividade
dos serviços públicos disponibilizados à população, a fim de concretizar a qualidade de
atividades públicas, com a racionalização dos gastos públicos, propiciando o desenvolvimento
econômico e as mudanças sociais, tão almejados por todos os brasileiros.
124
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