EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA PARA A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO BRASILEIRO I - QUAL EDUCAÇÃO PARA QUAL DESENVOLVIMENTO NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO? 1. Conhecimentos e Desenvolvimento: Os saberes e as práticas são ações culturais relacionadas à forma de conceber, compreender, difundir e intervir numa dada realidade socioambiental. A capacidade criativa e criadora dos seres humanos possibilita o desenvolvimento de alternativas para a satisfação de necessidades. É inegável a importância da ciência e da tecnologia na busca de superação de limites: práticas, métodos e instrumentos que facilitam as diversas atividades culturais de modificação do espaço. O conhecimento é um instrumento fundamental para promover melhorias nas condições de vida da população local e para aumentar a produtividade econômica no Semiárido. Esses aspectos culturais são claramente perceptíveis na trajetória de ocupação e nos modelos de intervenção no Semi-árido, desde a colonização com a negativização do ambiente Semi-árido. O combate à seca, a modernização econômica e a convivência com o Semi-árido são também orientações culturais. A descontextualização explica o fracasso de algumas das concepções e políticas de intervenção no Semiárido. A “convivência com o Semiárido” reinterpreta os significados da sustentabilidade a partir da Da construção e experimentação de alternativas apropriadas (base de conhecimentos e tecnológica) e Da aprendizagem para a convivência e valorização das especificidades ambientais (base sociocultural e educativa). 2. Conhecimentos Descontextualizados no SAB Fundamentos: a) Olhares fragmentados: buscam na natureza a causa dos problemas, enfatizando as questões de ordem climática, as limitações hidrológicas e a irregularidade pluviométrica; b) Expressa um método mecanicista de analise, que fragmenta e simplifica a realidade, desconhecendo a integridade, a inteireza e as interconectividades dos ecossistemas e dos sistemas sociais e culturais. c) Paradigma iluminista do “progresso”, baseado na ciência e na tecnologia como instrumentos que permitiriam conhecer e controlar os fenômenos naturais “Ilhas de modernidade num sertão de pobreza” (Tânia Bacelar de Araújo). e) Miopia técnica: a engenharia hidráulica como solução para a seca combinada com ações de emergência. e) Obras e programas desconsideram a integridade do meio ambiente e os interesses sociais da população. f) Desconsideração dos aspectos socioambientais: a modernidade agrícola não foi direcionada à solução dos problemas sociais, priorizando a produção para o mercado externo. g) A generalização de soluções, muitas vezes, concorre para a perpetuação de problemas de ordem ecológica, social e econômica. II – FUNDAMENTOS DA CONTEXTUALIZAÇÃO DE CONHECIMENTOS NO SEMIÁRIDO BRASILEIRO 1. Pensamento Crítico: bases da educação contextualizada no Semiárido brasileiro Início do século XX: novos enfoques e percepções sobre o Semiárido resgatam a visão complexa da questão regional. Postura crítica sobre as estruturas socioeconômicas seculares que reproduzem o subdesenvolvimento, a dominação política e a situação de miséria da população. Crítica a crença nas soluções tecnológicas descontextualizadas, a serviço de interesses econômicos e políticos. Necessidade de desenvolver conhecimentos e tecnologias contextualizadas como alternativa para impulsionar o desenvolvimento no Semiárido. É possível desenvolver conhecimentos e soluções tecnológicas a partir de objetivos e com base em valores que atendam às verdadeiras e legítimas aspirações da população. 2. JOSUÉ DE CASTRO e a “Educação Emancipação” Para promover um novo modelo de desenvolvimento é preciso uma revolução cultural: a educação deveria ser a mais alta prioridade estabelecida nos investimentos. Propõe uma educação popular que liberte as pessoas: “[...] é preciso educá-los para se libertarem econômica, política e espiritualmente” (CASTRO, 2003, p. 118). Acultura dos povos deveria ser valorizada, promovendo a consciência popular: “[...] cultura de massa dinamizada por uma ideologia de igualdade” (CASTRO, 2003, p. 119). Priorizar modelos tecnológicos que possibilitem soluções técnicas adequadas que combinem a elevação da produtividade e da competitividade com o atendimento das demandas sociais e satisfação de necessidades básicas. 3. GUIMARÃES DUQUE: Educação Contextualizada no Semiárido Aceitação da semiaridez como vantagem: desenvolvimento de saberes e tecnologias que proporcionem uma convivência em harmonia dos seres humanos com a natureza “As soluções alternativas, modestas, como Importância dos saberes a procura, na tendência de improvisação locais: “os sentidos do povo, de novas formas de sucesso aguçados pelas induções inculcadas pelo sentir da natureza em ecológicas, o contato mais redor em face dos desejos inatos do íntimo com as dificuldades camponês, foram esquecidas ou vislumbram sucessos, encontram soluções locais”. desprezadas pelo técnico, que, preocupado com a artificialização do (Duque, 2004, p. 38) meio, julgou-se superior na compreensão Superar o autoritarismo pedagógico de transmissão e na experiência ambiental do habitante nativo, olvidando que esse foi plasmado de conhecimentos e pelas reações, pelas emoções e pelos tecnologias exógenas: sacrifícios de longa vida”. (DUQUE, 2004, p. 38). Educação orientada para o contexto socioambiental: a) Democratização: “objetivos do desenvolvimento com o esforço gigantesco de democratizar o ensino, de levar a instrução mais profundamente até a base da pirâmide demográfica e de trazer as práticas científicas ao alcance do homem da rua” (DUQUE, 2004, p. 112). b) Educação: instrumento de reabilitação da dignidade, da grandeza e das virtudes da população, estimulando atitudes e aptidões de cooperação para o bem comum, atenuando a tendência competitiva e individualista; c) Contextualização: integração da escola na vida da comunidade, evitando a uniformização dos programas escolares que desconsidera as condições regionais e o modo de vida da população local; d) Aprendizagem participativa: educação voltada para a realidade, superando o ensino demasiado intelectual e deficiente de valores e distante da vivência da realidade. e) Universal e local: articular os avanços e acúmulos dos conhecimentos científicos com os saberes e práticas acumulados em cada região. Isso porque o saber universal, em constante ebulição, tem que ser contextualizado, isso é, interpretado a partir das características próprias de cada local. f) A base da educação contextualizada para a convivência com o Semiárido: “Já era tempo das escolas primárias, secundárias e superiores terem os seus programas calcados no clima da região, na aridez, no açude, na água subterrânea, nas plantas resistentes à seca, na irrigação, na conservação dos alimentos e das forragens, nos minérios da região, na piscicultura nos lagos internos, nas plantas valiosíssimas que dão safras com umidade escassa, no solo calcinado que produz safras milagrosas, nos alimentos fortes da rapadura, do feijão, da carne seca, do caju, da manga, do refresco de pega-pinto, da cajuína, do pequi, do grão de faveleiro, da ameixa do umbuzeiro etc.” (Duque, 2001, p. 256). 4. Transições Paradigmáticas no Semiárido na atualidade: CONHECIMENTO: da fragmentação da realidade e da miopia técnica às tecnologias e saberes contextualizados. ECONOMIA: da exploração socioambiental à produção apropriada no Semiárido. POLÍTICA: do monopólio do poder à participação política. Sustentabilidade e Cultura da Convivência: a) A convivência com o Semiárido requer a valorização e a reconstrução dos saberes da população local sobre o meio em que vive, suas especificidades, fragilidades e potencialidades. b) Os processos formativos, sistemáticos e participativos, são fundamentais para o resgate e a construção de conhecimentos e práticas alternativas. c) A contextualização dos processos de ensino-aprendizagem à realidade local é apresentada como uma estratégia de sensibilização, mobilização e organização da população sertaneja, para identificar as problemáticas e construir soluções apropriadas de melhoria das condições de vida. d) A formação contextualizada deve servir de instrumento de mudanças de atitudes e valores, a partir de um conhecimento aprofundado da realidade local, induzindo ou fortalecendo as alternativas de convivência. III – A EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA E A CONSTRUÇÃO DE UMA PEDAGOGIA DA CONVIVÊNCIA 1. Desafios: a) Professoras/es sem acesso a formação adequada para a prática do magistério, dificulta a elaboração e execução de planos pedagógicos e currículos contextualizados. b) Péssimas condições das estruturas físicas e falta de material didático adequado para implementar processos didáticos e pedagógicos inovadores. c) Planos pedagógicos não acompanham a dinâmica da expansão urbana com a população que mantém características próprias de modos de vida no meio rural. d) Processos de desvalorização das culturas, pela imposição de modelos exógenos de modos de vida. 2. Educação contextualizada: concepção e diretrizes a) Princípio político pedagógico: acesso à qualidade da educação a partir das particularidades climáticas e socioculturais. b) Concepção: “A educação contextualizada é um processo dinâmico de construção de conhecimentos e atitudes dos seres humanos, considerando o ambiente no qual esta inserido”. c) Finalidade: construção de uma cultura da convivência, dos seus sentidos e significados que estão subjacentes nas diversas praticas produtivas apropriadas e nas tecnologias alternativas. d) Estratégia: formar agentes (crianças, jovens e adultos) multiplicadoras de novas visões, conhecimentos e práticas apropriadas ao Semiárido, explicitando suas potencialidades sem omitir as fragilidades dos seus ecossistemas. 3. Pedagogia da Convivência: a) Ponto de partida são as práticas, saberes e experiências dos participantes confrontadas e enriquecidas com o saber sistematizado. b) Não se trata, portanto, de processo exógeno, de ensinar às famílias do Semiárido. c) A convivência é fruto da sensibilidade e não apenas da racionalidade. d) Semiárido: ecossistema socioeducativo, um espaço de aprendizagens, no qual ocorrem, cotidianamente, processos formativos na interação entre ser humano e natureza (Alámo Pimentel, 2002). e) A combinação desses saberes locais com os conhecimentos universais acumulados pela humanidade complementa o processo de educação para a convivência. 4. A Conquista Política da Educação Contextualizada a) Enquanto projeto, a convivência com o Semi-árido, será uma conquista política da população do Semiárido. b) Fortalecer as práticas da pedagogia da convivência nos processos formais de ensino, nas atividades de assessoria e acompanhamento junto a comunidades e grupos populares. c) Ampliar a produção e a disseminação de material didático na rede pública de ensino, articulado a processos de formação de professores/as e gestores para elaboração e execução de planos pedagógicos e currículos contextualizados. d) Ampliar os espaços nas instituições de ensino, pesquisa e extensão, com financiamento público compatível com a necessidade de disseminar a educação contextualizada. e) Fortalecer a RESAB como espaço de articulação e de troca de experiências e saberes e de produção de novos conhecimentos e estratégias para a educação contextualizada OBRIGADO! Roberto Marinho Alves da Silva [email protected]