SIMULADO DISSERTATVIO PROVA D-4 GRUPO EXM RESOLUÇÃO DA PROVA DE CONHECIMENTOS ESPECÍFICOS DE LITERATURA QUESTÃO 1. (UNICAMP) — (…) Quando o Bugre sai da furna, é mau sinal: vem ao faro do sangue como a onça. Não foi debalde que lhe deram o nome que tem. E faz garbo disso! — Então você cuida que ele anda atrás de alguém? — Sou capaz de apostar. É uma coisa que toda a gente sabe. Onde se encontra Jão Fera, ou houve morte ou não tarda. Estremeceu Inhá com um ligeiro arrepio, e volvendo em torno a vista inquieta, aproximou-se do companheiro para falar-lhe em voz submissa: — Mas eu tenho-o encontrado tantas vezes, aqui perto, quando vou à casa de Zana, e não apareceu nenhuma desgraça. — É que anda farejando, ou senão deram-lhe no rasto e estão-lhe na cola. — Coitado! Se o prendem! — Ora qual. Dançará um bocadinho na corda! — Você não tem pena? — De um malvado, Inhá! — Pois eu tenho! (José de Alencar, Til, em Obra completa, vol. III. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958, p. 825.) O trecho do romance Til transcrito acima evidencia a ambivalência que caracteriza a personagem Jão Fera ao longo de toda a narrativa. a) Explicite quais são as duas faces dessa ambivalência. b) Exemplifique cada face dessa ambivalência com um episódio do romance. a) A ambivalência da personagem é sugerida pela própria designação com que é referida: Jão Fera. Isso porque seu comportamento na trama se caracteriza, de um lado, pela porção humana (ligada ao nome “Jão”) e, de outro, pela dimensão selvagem e animalesca (que se associa ao apelido “Fera”). A proteção que dedica à menina Berta e o amor que sente pela mãe desta, Besita, comprovam o traço generoso e humanitário de seu caráter, enquanto seu poder de agressividade e sua condição de assassino profissional evidenciam sua tendência à ação bárbara e violenta. b) A face humana de Jão Fera é fartamente demonstrada pelos inúmeros episódios da narrativa em que protege Berta dos perigos que a assolam, como o ataque de queixadas (capítulo “A garrucha”) ou a ameaça dos inimigos que encurralam a ambos em uma gruta (“Luta”). Sua dimensão mais agressiva é evidenciada quando assassina violentamente seus inimigos (“Vampiro”), quando estraçalha com as próprias mãos o maior deles, Ribeiro (“O cipó”) e ainda quando se vê vítima de seu próprio desejo por Berta (“Luta”), instinto que será vencido pelo afeto que nutre pela moça. QUESTÃO 2. (FUVEST) Leia o excerto de A cidade e as serras, de Eça de Queirós, e responda ao que se pede. Na sala, a tia Vicência ainda nos esperava desconsolada, entre todas as luzes, que ardiam no silêncio e paz do serão debandado: — Ora uma coisa assim! Nem querem ficar para tomar um copinho de geleia, um cálice de vinho do Porto! — Esteve tudo muito desanimado, tia Vicência! — exclamei desafogando o meu tédio. — Todo esse mulherio emudeceu, os amigos com um ar desconfiado… Jacinto protestou, muito divertido, muito sincero: — Não! Pelo contrário. Gostei imenso. Excelente gente! E tão simples … Todas estas raparigas me pareceram ótimas. E tão frescas, tão alegres! Vou ter aqui bons amigos, quando verificarem que eu não sou miguelista. Então contamos à tia Vicência a prodigiosa história de D. Miguel escondido em Tormes… Ela ria! Que coisas! E mau seria… — Mas o Sr. Jacinto, não é? — Eu, minha senhora, sou socialista… a) Defina sucintamente o miguelismo a que se refere o texto e indique a relação que há entre essa corrente política e a história do Brasil. b) Tendo em vista o contexto da obra, explique o que significa, para Jacinto, ser “socialista”. a) O termo miguelismo designa uma corrente política de Portugal que apoiou D. Miguel, defensor da monarquia absoluta, na luta pela implantação do liberalismo em Portugal. Após a morte do rei português D. João VI, em 1826, D. Pedro I, Imperador do Brasil e herdeiro presuntivo da Coroa, outorgou uma Constituição a Portugal, designando a própria filha como futura rainha. D. Miguel opôs-se às medidas do irmão, dando início a uma grande guerra civil. Ao abdicar da Coroa brasileira, D. Pedro I retornou a Portugal e venceu o conflito, tornando-se D. Pedro IV. Ao longo do século XIX, miguelismo veio a denotar qualquer corrente política conservadora que prometia restaurar a prosperidade do reino mediante a rejeição do liberalismo. b) Antes da passagem em que afirma ser “socialista”, Jacinto travara contato com a extrema pobreza de seus trabalhadores, o que o levara a empreender uma série de reformas de caráter assistencialista: mandou construir novas habitações, creche, escola e farmácia, além de melhorar as relações de trabalho. Sua autodefinição como “socialista” refere-se, portanto, às tentativas de atenuar os efeitos da aguda desigualdade social presente em suas fazendas. Cabe ressaltar que, no contexto, o termo não pressupõe a partilha igualitária das propriedades, compatível com o socialismo histórico. QUESTÃO 3. (UNICAMP) O trecho abaixo pertence ao capítulo XXII (“Empenhos”), de Memórias de um Sargento de Milícias. Isto tudo vem para dizermos que Maria-Regalada tinha um verdadeiro amor ao Major Vidigal; o Major pagava-lho na mesma moeda. Ora, D. Maria era uma das camaradas mais do coração de Maria-Regalada. Eis aí porque falando dela D. Maria e a comadre se mostraram tão esperançadas a respeito da sorte do Leonardo. Já naquele tempo (e dizem que é defeito do nosso) o empenho, o compadresco, era uma mola real de todo o movimento social. (Manuel Antonio de Almeida, Memórias de um Sargento de Milícias. Mamede Mustafá Jarouche (org.). Cotia: Ateliê Editorial, 2000, p. 319.) a) Explique o “defeito” a que o narrador se refere. b) Relacione o “defeito” com esse episódio, que envolveu o Major Vidigal e as três mulheres. a) O “defeito” consiste na utilização de relações pessoais privilegiadas e conchavos para a obtenção de favorecimentos sociais ou pessoais. O narrador assume uma postura crítica ao afirmar a permanência desse “defeito”: “Já naquele tempo [de D. João VI] (e dizem que é defeito do nosso) [do período regencial]”... b) A passagem se insere no trecho da narrativa em que a comadre, auxiliada por D. Maria, busca a ajuda de MariaRegalada, para que essa intercedesse em favor de Leonardo, que o Major havia prendido. Com o empenho de MariaRegalada, o Major Vidigal deixa de aplicar a lei e age segundo seus próprios interesses, na expectativa dos favores de sua amada. Exemplificam-se, desse modo, as “defeituosas” relações de favor, entendidas como “a mola real de todo o movimento social”, como aponta o fragmento selecionado. QUESTÃO 4. (FUVEST) Embora seja, com frequência, irônico a respeito do livro e de si mesmo, o narrador das Viagens na minha terra não deixa de declarar ao leitor que essa obra é “primeiro que tudo”, “um símbolo”, na medida em que, diz ele, “uma profunda ideia (…) está oculta debaixo desta ligeira aparência de uma viagenzita que parece feita a brincar, e no fi m de contas é uma coisa séria, grave, pensada (…)”. Tendo em vista essas declarações do narrador e considerando a obra em seu contexto histórico e literário, responda ao que se pede. a) Do ponto de vista da história social e política de Portugal, o que está simbolizado nessa viagem? b) Considerada, agora, do ponto de vista da história literária, o que essa obra de Garrett representa na evolução da prosa portuguesa? Explique resumidamente. a) Ao declarar que a sua viagem é “uma coisa séria, grave, pensada”, o autor marca a diferença da sua obra em relação ao gênero “relato de viagens”. Mais que uma narrativa que retrata o pitoresco das paisagens visitadas, a viagem a Santarém apresentada no livro de Garrett simboliza uma incursão pela sociedade portuguesa em busca das raízes históricas e da identidade cultural da nação. Essa busca assume uma dimensão profunda quando se considera que, no momento em que a obra foi escrita, o Liberalismo se firmava como sistema político após a Guerra Civil que agitou a nação entre os anos de 1832 e 1834. Nesse sentido, a viagem serve também como reflexão sobre as mudanças recentes ocorridas no país. b) A obra de Garrett representou uma modernização da prosa em língua portuguesa na medida em que apresentou novidades formais assimiladas das literaturas inglesa e francesa, tais como o relato intensamente digressivo, a ironia, a descontração linguística, a coloquialidade, o diálogo com o leitor e a metalinguagem. A importância dessa inovação pode ser aquilatada pela influência das Viagens na minha terra na obra de grandes escritores posteriores, tais como Eça de Queirós e Machado de Assis.