ESTIMATIVAS DE PALEOTEMPERATURAS DE ÁGUAS PROFUNDAS A PARTIR
DA ANÁLISE DE ISÓTOPOS DE OXIGÊNIO
Karen B. Costa1; Felipe A. L. Toledo1; Edmundo Camillo Jr.2; Juliana P. de Quadros2
1
Depto.Oceanografia Física, Química e Geológica, Instituto OceanográficoIOUSP([email protected]);
2
Curso de Pós-Graduação, Instituto Oceanográfico-IOUSP
______________________________________________________________________________
Abstract. We present Holocene and Last Glacial Maximum (LGM) oxygen isotopes
measurements on benthic foraminifera (Cibicidoides species) in three western South Atlantic
piston cores. The stratigraphy of the cores is mainly based on radiocarbon AMS dating of
monoespecific foraminiferal samples. Down-core measurements of individual benthic
foraminifera δ18O were able to reproduce the standard SPECMAP δ18O stratigraphy. Glacialinterglacial fluctuations of foraminifera δ18O combine signals of changing temperatures and
changing δ18O of seawater. The temperature variations between LGM and Holocene can be
estimated using oxygen isotopes and three independent methods: (1) from paleotemperature
equation; (2) from the calcite values if the foraminifera tests should precipitated in δ18O
equilibrium with seawater at LGM (δ18Oeq); and (3) from the direct relationship between
temperature and δ18O. The resulting data indicate the paleotemperatures estimates using the three
different methods are insignificant. The cores located in water depths less than 1500m, show
temperature variation of ~2,5°C between Holocene and LGM, while the deepest (1500-2500m),
show ~3,2°C.
Palavras-chave: [Paleotemperatura, isótopos de oxigênio, foraminíferos]
1. Introdução
A análise de isótopos de oxigênio
mostra-se de grande importância no
estabelecimento da estratigrafia glacialinterglacial nos testemunhos marinhos. Esta
utilidade se origina do fato de que o volume
de gelo global controla os valores médios do
δ18O oceânico e, conseqüentemente, controla
o δ18O nos foraminíferos. Assim, sabe-se que
2/3 do sinal de δ18O no Quaternário é devido
a variabilidade do δ18O na água do mar
(Emiliani, 1955).
Labeyrie et al. (1987) elaboraram uma
curva de variações da temperatura no
Oceano Atlântico profundo. A média das
temperaturas no oceano profundo somente
foram similares às do oceano moderno
durante o intervalo de nível do mar mais alto
(aproximadamente 120 mil anos). Em todos
os outros períodos o mar profundo estava
aproximadamente 2°C mais frio do que
atualmente.
Os valores de δ18O assumidos como
sendo representativos do volume de gelo
durante o Último Máximo Glacial (UMG)
podem variar, dependendo da estimativa
utilizada. Isto terá reflexo nas estimativas de
paleotemperaturas, as quais podem diferir
em mais de 1°C entre si, dependendo do
valor utilizado para representar o volume de
gelo.
Numa escala de tempo de 1 milhão de
anos ou menos, existe somente um modo de
1
alterar a composição isotópica da água do
mar: a partir do crescimento e retração das
calotas de gelo. Do mesmo modo, na mesma
escala de tempo, o nível global do mar pode
ter sofrido alterações somente em resposta a
quantidade de água armazenada nestas
calotas. Deste modo, a análise da razão de
isótopos de oxigênio em testas de
foraminíferos bentônicos em testemunhos de
mar profundo devem fornecer um registro
das variações do volume de gelo nos
continentes.
A variação média dos valores de δ18O,
medida nos foraminíferos bentônicos de mar
profundo, é de 1,7‰. Labeyrie et al. (1987)
sugeriram um valor de 1,1‰ para as
variações isotópicas da água do mar entre o
Holoceno e o UMG como sendo devidas ao
aumento no volume de gelo continental
durante o UMG. Fairbanks (1989) estimou
que no máximo 1,3‰ dos valores de δ18O
poderia ser devido ao volume de gelo.
Schragg et al. (1996) sugerem que a média
global de variação nos valores de δ18O,
relacionada ao aumento no volume de gelo
continental, deve ser 1,0‰.
As estimativas de paleotemperaturas são
baseadas no fato de que o fracionamento
isotópico entre a calcita precipitada
inorganicamente e a água da qual ela é
precipitada, aumenta em média 0,21‰ para
cada 1°C de diminuição de temperatura
(O'Neil et al., 1969). Assim, dependendo dos
valores de δ18O relativos ao volume de gelo
utilizados, as oscilações de temperaturas
estimadas para o oceano profundo, entre o
UMG e o Holoceno, podem variar entre 2,8°
C (Labeyrie et al., 1987), 3,3°C (Schragg et
al., 1996) e 1,9°C (Fairbanks, 1989).
Neste trabalho serão apresentados os
dados de δ18O medidos nos foraminíferos
bentônicos do gênero Cibicidoides ao longo
de testemunhos. Com base nas datações de
radiocarbono, juntamente com os dados de δ
18
O em Cibicidoides, será estabelecido um
arcabouço cronoestratigráfico para os
testemunhos estudados e serão estimadas as
variações de temperatura entre o Holoceno e
o UMG.
2. Métodos e Técnicas
Neste estudo foram utilizados três
testemunhos (CMU-14, ESP-08 e SAN-76)
coletados na Margem Continental Brasileira
em profundidades que variam entre 965 e
1995m (Figura 1).
CMU-14
ESP-08
SAN-76
Fig. 1: Localização dos testemunhos estudados.
Foram utilizados dados isotópicos
obtidos na literatura (Curry e Lohman,
1982; Oppo e Horowitz, 2000), medidos no
mesmo gênero de foraminífero bentônico
em testemunhos no Atlântico Sul.
As idades das amostras foram
calculadas para valores individuais de δ18O
em Cibicidoides em cada testemunho a
partir de uma escala de idade comum
(SPECMAP), refinada no Holoceno e no
UMG por datações de radiocarbono (14C)
em foraminíferos plantônicos. As espécies
de foraminíferos bentônicos utilizadas ao
longo dos testemunhos são todas
pertencentes ao gênero Cibicidoides
(C.wuellerstorfi no SAN-76 e no ESP-08, e
C.pachyderma e C. kullenbergi no CMU14).
2
As datações de radiocarbono foram
realizadas no “National Ocean Science
Accelerator Mass Spectrometrer Facility”
(NOSAMS)
no
“Woods
Hole
Oceanographic Institution”. Foram datadas
um total de oito amostras, duas no CMU-14
e em ESP-08 e quatro no SAN-76. Cada
amostra
foi constituída por 100
foraminíferos plantônicos da espécie
Globigerinoides rubber.
As análises de isótopos de oxigênio nos
testemunhos foram feitas usando Finnigan
MAT 252 com um dispositivo automatizado
KIEL no laboratório do “Woods Hole
Oceanographic Institution”. Segundo o
“National Bureau of Standards” (NBS), o
desvio padrão dos valores isotópicos do
carbonato padrão NBS-19 é ±0.08‰. Os
valores isotópicos de NBS-19 foram
calibrados de acordo com o Pee Dee
Belemnite (δ18O= -2.2 Vienna Pee Dee
Belemnite (VPDB).
Neste trabalho, será utilizada a
estimativa de 1,1‰ atribuída ao volume de
gelo de Labeyrie et al. (1987), por ela ser
intermediária entre os valores mínimos de
1,0‰ de Schragg et al. (op.cit) e máximos
de 1,3‰ de Fairbanks (op.cit.). Talvez este
valor seja o mais representativo das
condições do UMG.
3. Resultados e Discussões
As amostras com a média dos valores
de δ O em Cibicidoides mais elevados e
mais baixos foram utilizadas para estimar a
composição isotópica do UMG e do
Holoceno respectivamente. Depois de testar
a confiabilidade das amostras selecionadas
em registrar as características oceânicas do
Holoceno e do UMG, pode-se comparar e
combinar os dados de δ18O obtidos em
Cibicidoides com aqueles da literatura para
observar a distribuição do δ18O destes
períodos na parte oeste do Atlântico Sul.
18
Duas suposições são necessárias para
interpretar os dados de δ18O em Cibicidoides
em termos quantitativos: 1) a espécie de
foraminífero bentônico selecionada para ser
analisada registre com confiabilidade a
temperatura da água ambiente; e 2) as
variações no δ18O da água do mar (variações
devidas ao volume de gelo formado) possam
ser separadas do efeito da temperatura no
sinal de δ18O em foraminíferos bentônicos. A
primeira suposição já foi testada (Costa,
2000), onde verificou-se que as testas de
foraminíferos
bentônicos
do
gênero
Cibicidoides registram com confiabilidade a
temperatura da água em que elas foram
precipitadas. Com relação à segunda
suposição, assume-se aqui que o δ18O da
água do mar variou 1,1‰ entre o UMG e o
Holoceno, como resultado do efeito do
armazenamento de gelo (enriquecido em
16
O) mais leve nos continentes (Labeyrie et
al., 1987). Deste modo, qualquer incremento
nos valores de δ18O em Cibicidoides, além de
1,1‰ relativo ao volume de gelo, será
indicativo da diminuição da temperatura da
água em que as testas foram precipitadas.
As diferenças de temperaturas entre o
UMG e o Holoceno podem ser estimadas a
partir de três métodos independentes: (1)
através da equação de paleotemperatura; (2)
através dos valores que a calcita deveria
apresentar se a testa dos foraminíferos fosse
precipitada em equilíbrio isotópico com a
água do mar no UMG (δ18Oeq); e (3) através
da relação entre a temperatura e o δ18O. A
seguir, será discutido cada um destes
métodos.
(1) É possível estimar as variações de
temperatura entre o UMG e o Holoceno,
utilizando a equação de paleotemperatura de
Kim e O'Neil (1997):
δ18OCibic.(PDB) = δ18Oágua - 0,27 + 3,25 (0,2 x T)
Foram utilizados os valores de δ18O em
Cibicidoides, obtidos para o Holoceno e o
3
UMG. Os valores de δ18O da água do mar
para as amostras do Holoceno foram
calculados para cada testemunho, enquanto
que para o UMG assume-se que os valores
de δ18O foram 1,1‰ mais elevados que do
Holoceno. As estimativas de temperaturas
para o Holoceno e UMG, utilizando esta
equação estão apresentadas na Tabela 1.
(2) O perfil vertical dos valores de δ
18
Oeq para o UMG pode ser estimado,
simplesmente pela adição de 1,1‰ aos
valores de δ18Oeq do Holoceno. Para estimar
as variações nas paleotemperaturas da
coluna d'água, utilizou-se a relação entre a
temperatura e o δ18O de Bemis et al. (1998),
segundo a qual ocorre um aumento de
0,21‰ para cada 1°C de diminuição na
temperatura. Os valores de δ18O em
Cibicidoides (Tabela 1) sugerem que as
temperaturas das águas durante o UMG eram
diferentes
das
atuais
nas
águas
intermediárias/ profundas (1000-2800m), da
porção oeste do Atlântico Sul.
(3) A maneira mais utilizada para
estimar as variações de temperatura entre o
UMG e o Holoceno, através dos dados de δ
18
O em Cibicidoides, consiste em aplicar a
relação direta entre a temperatura e o δ18O
(Bemis et al., 1998). Antes, deve-se subtrair
1,1‰ dos valores de δ18O em Cibicidoides
do UMG para levar em consideração o
aumento no volume do gelo (Tabela 1).
Observando as estimativas da variação
da temperatura entre o UMG e o Holoceno,
obtidas através dos três diferentes métodos
verifica-se que existe uma pequena diferença
entre os valores. Isto se deve ao fato de que,
pelo método 1, a temperatura estimada para
o Holoceno (através de δ18O em
Cibicidoides) é ligeiramente diferente da
temperatura da coluna d'água obtida pelo
GEOSECS. Já pelo método 2, foram
utilizados os dados de temperatura do
GEOSECS para calcular o δ18Oeq do
Holoceno. Além disso, cabe salientar que a
comparação entre o UMG e o Holoceno é
efetuada através do δ18Oeq, e não do δ18O em
Cibicidoides. Por sua vez, o método 3 é
baseado somente nos dados de δ18O em
Cibicidoides.
Durante o UMG os valores de δ18O em
Cibicidoides obtidos em todos os
testemunhos analisados, independente dos
métodos utilizados, são mais elevados que os
esperados se somente tivesse ocorrido um
aumento no volume de gelo global. Isto
reflete os efeitos combinados do aumento do
efeito do volume de gelo global e da
diminuição na temperatura da água do mar
durante este período.
Como as variações de temperatura
calculadas pelos três métodos são bastante
semelhantes, decidiu-se utilizar a média dos
valores para caracterizar as variações de
temperaturas da água do mar entre o UMG e
o Holoceno na região oeste do Atlântico Sul
(Tabela 1). Deste modo, verifica-se que nos
testemunhos coletados em profundidades
menores que 1500 metros, a variação de
temperatura foi de aproximadamente 2,5°C,
enquanto que aqueles de águas mais
profundas (1500-2500m) a variação foi de
aproximadamente 3,2°C. O resfriamento
observado para as águas intermediárias a
profundas, na porção oeste do Atlântico Sul
durante o UMG, deve estar relacionado a
uma diferente distribuição vertical das
massas d'água neste período.
4. Conclusões
As
amostras
selecionadas
para
representar o Holoceno e o UMG parecem
registrar com confiança as características
oceânicas destes intervalos.
As diferenças de temperaturas entre o
UMG e o Holoceno foram estimadas através
de três métodos independentes: equações de
paleotemperatura, δ18O da calcita precipitada
em equilíbrio isotópico com a água do mar
no UMG e através da relação direta entre a
temperatura e o δ18O. Recomenda-se a
4
utilização da relação direta entre a
temperatura e o δ18O para estimar
paleotemperaturas no UMG.
Verificou-se que as diferenças dos
resultados deste método simples e rápido,
em relação aos outros que exigem
numerosos cálculos, não é significativa. Os
valores de δ18O em Cibicidoides no UMG
são mais elevados que os esperados pelo
efeito do volume de gelo formado em todos
os testemunhos, refletindo os efeitos
combinados de aumento no volume de gelo
global e diminuição na temperatura da água
do mar.
Os novos dados de δ18O apresentados
neste trabalho, combinados com dados
isotópicos obtidos na literatura (Curry e
Lohman, 1982; Oppo e Horowitz, 2000),
medidos no mesmo gênero de foraminífero
bentônico, permitiu estimar as variações das
temperaturas entre o UMG e o Holoceno na
porção oeste do Atlântico Sul.
Nos testemunhos localizados em
profundidades mais rasas que 1500m, as
variações de temperaturas entre o UMG e o
Holoceno foram de aproximadamente 2,5°C,
enquanto que em águas mais profundas
(1500-2500m), as variações foram em média
3,2°C.
5. Agradecimentos
À Petrobrás, pela doação dos
testemunhos utilizados neste estudo. Esta é a
contribuição número 04 do Laboratório de
Paleoceanografia do Atlântico Sul (LaPAS)
do IO-USP.
6. Referências
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LEA, D.W. 1998. Reevaluation of the
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composition
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entre o Último Máximo Glacial e o
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e Carbono e a razão Cd/Ca em
Foraminíferos Bentônicos. Tese do
Doutorado. Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, RS.250p.
CURRY, W.B. E LOHMAN, G.P. 1982.
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18, 218 - 235.
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glacio-eustatic sea level record 0-17,000
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5
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147-160.
Tabela 1. Estimativas de temperaturas (°C) para o Holoceno e o LGM e a diferença de temperatura
entre estes períodos, com base nos valores de δ18O medido em Cibicidoides (‰) e no δ18O da água (‰). ∆
representa a diferença entre os valores do LGM e do Holoceno estimados pelos 3 métodos diferentes.
Testemunhos
CMU-14
SAN-76
ESP-08
RC16-119
V24-253
RC16-84
KNR159-5-36
CHN115-88PC
Profundi- δ18Ocibic. δ18Ocibic.
Valores
∆(°C)
∆(°C)
∆(°C)
dade (m) Holoceno LGM Método 1 Método 2 Método 3 médios
965
1682
1995
1567
2069
2438
1268
2941
2,36
2,52
2,56
2,29
2,39
2,50
2,40
2,62
3,90
4,30
4,34
4,04
4,25
4,36
4,1
4,17
2,2
2,8
3,4
3,2
2,7
2,7
2,3
2,2
2,6
3,6
3,2
2,4
2,9
3,3
2,9
2,2
2,1
3,2
3,2
3,1
3,6
3,6
2,8
2,1
2,3
3,2
3,2
2,9
3,1
3,2
2,6
2,1
6
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