DIREITO PÚBLICO SANITÁRIO CONSTITUCIONAL
(Antonio G. Moreira Maués e Sandro Alex de Souza Simões)
Antonio G. Moreira Maués
Professor Adjunto da Universidade Federal do Pará
Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo
Sandro Alex de Souza Simões
Professor do Centro de Ensino Superior do Pará
Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade de Brasília
ÍNDICE
1. A constitucionalização do Direito Sanitário. 2. Caracterização do Direito à
Saúde. 3. Princípios constitucionais do Direito Sanitário. 4. O conceito de
relevância pública e o papel do Ministério Público. 5. Estrutura legal do
Sistema Único de Saúde: competências das três esferas de governo. 5.1.
Sobre os conceitos de autonomia e de descentralização. 5.2. Distribuição de
competências na federação brasileira. 5.3. O federalismo cooperativo e o
princípio da subsidiariedade. 6. A Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90). 6.1.
Das disposições gerais. 6.2. O Sistema Único de Saúde. 6.3. Dos serviços
privados de assistência à saúde. 6.4. Dos recursos humanos. 6.5. Do
financiamento. 7. Normas Operacionais Básicas e Norma Operacional de
Assistência à Saúde. 8. A Lei 8.142/90 (o controle social no SUS). 9.
Agência Nacional de Vigilância Sanitária. 10. Agência Nacional de Saúde
Complementar. 11. Bibliografia.
1. A constitucionalização do direito sanitário
A constitucionalização do direito sanitário na atual Carta Magna possui
duas características principais: o reconhecimento do direito à saúde como direito
fundamental e a definição dos princípios que regem a política pública da saúde.
A caracterização da saúde como direito fundamental ocorre pela primeira
vez na história constitucional brasileira. A saúde consta como um dos direitos sociais
reconhecidos no art. 6°, que abre o Capítulo II (“Dos Direitos Sociais”) do Título II
(“Dos Direitos Fundamentais”) da Constituição de 1988; além disso, o caput do art. 196
define a saúde como “direito de todos e dever do Estado”. Essa forma de
constitucionalização acarreta uma série de conseqüências:
a) o texto constitucional anterior reconhecia em seu artigo 165, XV, no Título III,
“Da Ordem Econômica e Social”, o direito à “assistência sanitária, hospitalar e
médica preventiva”, nos termos da lei. Isso permitia, na legislação
infraconstitucional, a separação entre o sistema de saúde dos segurados da
Previdência Social, integrantes do mercado formal de trabalho, e a maioria da
população, que não tinha acesso a esse sistema. Com a definição da saúde como
direito fundamental, abre-se o caminho para que todos os cidadãos brasileiros
possam dela usufruir tendo em vista que a saúde passa a constituir um direito
público subjetivo que é garantido pela existência do Sistema Único de Saúde;
b) direito à saúde como cláusula pétrea da Constituição: as chamadas “cláusulas
pétreas” são limites ao poder de reforma da Constituição, já que as matérias por
elas alcançadas não podem ser abolidas, nem mesmo tendencialmente, por
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emendas constitucionais. Os direitos e garantias individuais incluem-se entre
esses limites, de acordo com o inciso IV do art. 60, § 4º, da CF. Na aplicação
desse dispositivo, o intérprete não deve se pautar pelo critério literal, já que o
reconhecimento de todos os direitos fundamentais é uma decisão do poder
constituinte que não pode ser alterada pelo poder reformador. Essa interpretação
encontra acolhida na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que na ADIN
nº 939 decidiu que tais direitos e garantias individuais não se esgotam no elenco
do art. 5º da CF, podendo ser identificados em outros dispositivos da Carta
Magna. Sendo o direito à saúde, além de fundamental, condicionante da
dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do Estado Brasileiro, é
correto seu enquadramento entre as cláusulas pétreas;
c) direito à saúde como valor: os direitos fundamentais reconhecidos pela
Constituição possuem não apenas uma dimensão subjetiva, atribuindo direitos
aos cidadãos, mas também uma dimensão objetiva, na qual se estabelecem os
valores ou bens jurídicos principais que devem ser objeto de proteção pelo
Estado e pela sociedade. Portanto, mesmo quando não haja violação direta do
direito subjetivo à saúde, os operadores do direito devem verificar se o bem
jurídico saúde está sendo afetado por ações ou omissões dos poderes públicos.
Isso justifica, por exemplo, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato
normativo que venham contrariar o direito à saúde;
d) direito à saúde e efeitos sobre terceiros: apesar dos direitos fundamentais terem
sido concebidos, na sua origem, como direitos oponíveis ao Estado, admite-se
contemporaneamente que eles também incidem nas relações jurídicas entre
particulares. Assim, os direitos fundamentais produzem efeitos não apenas na
relação Estado-cidadão (efeitos verticais), mas também na relação cidadãocidadão (efeitos horizontais ou efeitos sobre terceiros). Em um primeiro
momento, cabe observar que a violação de certos direitos é inclusive mais
provável exatamente no âmbito dessas ultimas relações, como ocorre com o
direito à privacidade e o direito à honra. No campo do direito à saúde, esta noção
impõe aos Poderes Públicos a obrigação de proteger a saúde no âmbito das
relações privadas, devendo o legislador estabelecer leis adequadas a essa
proteção e os tribunais interpretar as normas do direito privado de acordo com a
Constituição, inclusive declarando-as inconstitucionais quando violarem o bem
jurídico da saúde. Uma aplicação dessa idéia encontra-se na anulação de
cláusulas contratuais dos planos de saúde tendo em vista o prejuízo que
acarretam à saúde do usuário.
2. Caracterização do direito à saúde
O direito à saúde emerge no constitucionalismo contemporâneo dentro da
categoria dos chamados direitos sociais, o que nos obriga a recorrer à história
constitucional para compreender o significado desse enquadramento.
No primeiro século do constitucionalismo moderno, inaugurado pela
Constituição Americana de 1787 e pela Constituição Francesa de 1791, os direitos
fundamentais eram compostos pelos chamados direitos individuais, inspirados pelo
liberalismo e voltados à garantia da autonomia pessoal dos cidadãos. Tais direitos
visavam a proteção dos indivíduos contra o próprio Estado, que ficava obrigado a
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abster-se de interferir na esfera privada. A título de exemplo, podemos lembrar que o
Estado Liberal não deveria intervir no gozo da propriedade pelos cidadãos, atuando
apenas na repressão à violação ou ameaça de violação de tal direito, o mesmo se dando
com as diferentes dimensões do direito à liberdade, como a liberdade de opinião ou de
imprensa. A partir do século XX, o rol dos direitos fundamentais passa a incluir os
direitos sociais, de inspiração socialista, que se voltam para a dimensão social do ser
humano e implicam ações do Estado destinadas à garantia de condições materiais de
vida para todos os cidadãos. Ao contrário dos direitos individuais, que constituem
direitos a abstenções do Estado, os direitos sociais são direitos a prestações do Estado,
requerendo um dar ou fazer estatal para seu exercício e impondo a realização de
políticas públicas, isto é, de um conjunto sistematizado de programas de ação
governamental. (ALEXY, 1985; CANOTILHO, 1998)
A Constituição de 1988 incorpora claramente esse caráter do direito à
saúde quando, no art. 196, estabelece que ele será “garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso
universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
Além disso, outros dispositivos da Constituição também impõem obrigações ao Estado
nesse campo, como o art. 23, II, que estabelece como competência comum dos entes
federativos “cuidar da saúde”, e o art. 24, XII, que inclui no âmbito da competência
concorrente a legislação sobre “proteção e defesa da saúde”.
Portanto, o direito à saúde foi constitucionalizado em 1988 como direito
público subjetivo a prestações estatais, ao qual corresponde o dever dos Poderes
Públicos desenvolverem as políticas que venham garantir esse direito. Tal forma de
constitucionalização é o ponto de partida para analisar a eficácia e aplicabilidade do
direito à saúde, examinando também sua exigibilidade judicial.
Como os demais direitos a prestações, o direito à saúde coloca problemas
particulares para sua efetivação. Não obstante, algumas dimensões da eficácia e da
aplicabilidade do direito à saúde comportam poucas polêmicas (CANOTILHO,
op.cit.:436; SARLET, 2001:272-276; BARROSO, 1996; SILVA, 1999). Assim, uma
primeira dimensão da eficácia das normas constitucionais referentes à saúde consiste em
vincular o legislador à elaboração das leis necessárias para a regulamentação da matéria.
Isso significa que o legislador não dispõe de discricionariedade quanto ao exercício
dessa competência, ao contrário, seu dever de legislar é reforçado pela previsão
constitucional de garantias como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e o
mandado de injunção. Como veremos abaixo, nessa tarefa concretizadora o legislador
deve observar os princípios elencados na própria Constituição, sob pena de
inconstitucionalidade material.
De modo semelhante, o direito à saúde também vincula os demais
Poderes Públicos, os quais, no desempenho de suas funções, devem respeitar e
promover o direito à saúde, sendo-lhes vedadas ações que o contrariem. Isso obriga, por
exemplo, a considerar não-recepcionadas as normas anteriores à Constituição que se
opõem às disposições constitucionais sobre a saúde, e a utilizar essas disposições como
parâmetro de interpretação das demais normas jurídicas.
Por fim, o direito à saúde deve ser utilizado pelo Poder Judiciário quando
for necessário um juízo de ponderação de bens e interesses para verificar a
constitucionalidade da restrição de outros direitos fundamentais. Por exemplo, com base
no direito à saúde pode-se e deve-se justificar limites impostos pelo Poder Público à
livre iniciativa ou a outros direitos de caráter econômico.
Essas dimensões da eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais
referentes à saúde demonstram a importância de sua constitucionalização e eliminam a
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possibilidade de que essas normas sejam consideradas meros programas políticos, a cujo
cumprimento não estão vinculados os Poderes Públicos. Não obstante, é necessário
examinar o tema da aplicabilidade imediata do direito à saúde, isto é, se as normas que
conferem o direito subjetivo à saúde são auto-aplicáveis, podendo ser exigidas,
inclusive judicialmente, com base apenas no texto constitucional, ou se, ao contrário,
tais normas só permitem exigir determinadas prestações do Estado após sua
regulamentação pelo legislador.
O ponto de partida a ser adotado nessa discussão é a norma do § 1º do
art. 5º da CF, que estabelece que “as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata”. O enquadramento do direito à saúde nessa
norma decorre não apenas de seu explícito caráter de direito fundamental, mas também
de sua positivação como direito público subjetivo.
No entanto, há razões que levam a recusar aplicabilidade direta ao direito
à saúde. Em primeiro lugar, aponta-se que a competência para desenvolver as políticas
públicas necessárias para a garantia desse direito cabe ao Poder Legislativo, por meio da
elaboração de leis, inclusive orçamentárias, e ao Poder Executivo, por meio da definição
de prioridades e da escolha dos meios para sua realização. Assim, os direitos a
prestações só poderiam ser exigidos por seus titulares quando o legislador houvesse
formulado a lei que permitisse determinar o conteúdo dessas prestações e destinasse os
recursos para seu atendimento. Em conseqüência desse raciocínio, o Poder Judiciário
estaria invadindo a esfera de competência dos demais Poderes caso viesse obrigá-los a
prestar o atendimento da saúde aos cidadãos.
Por outro lado, o atendimento dos direitos sociais implica um custo para
o Estado, que muitas vezes pode não dispor dos meios financeiros necessários. Assim, a
realização desses direitos estaria sujeita à “reserva do possível”, o que mais uma vez
reforça o papel do legislador, a quem cabe a definição de prioridades diante de recursos
escassos.
Sem negar totalmente a correção desses argumentos, cabe não tomá-los
de modo absoluto, a fim de evitar a diminuição da eficácia do direito constitucional à
saúde. Nesse sentido, a doutrina (ALEXY, op.cit.:494-501; CANOTILHO, op.cit.: 438440; SARLET, op.cit.:315-325) e a jurisprudência têm refletido em busca de fórmulas
que não levem os direitos a prestações a sempre dependerem da interposição do
legislador, reconhecendo em alguns casos sua aplicabilidade imediata. No que se refere
aos limites financeiros, vale destacar que a jurisprudência do STF admite que a
competência orçamentária do legislativo poderá não prevalecer diante do direito à
saúde. Por exemplo, no Agravo Regimental 273.834-4, foi mantido acórdão do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul, que, com base na Constituição Federal e na Lei
9.313/96, havia reconhecido incumbir solidariamente ao Município de Porto Alegre e ao
Estado do Rio Grande do Sul a obrigação de fornecer gratuitamente medicamentos
necessários ao tratamento da AIDS para aqueles pacientes destituídos de recursos
financeiros, considerando que:
“A falta de previsão orçamentária não deve preocupar ao juiz que lhe
incumbe a administração da justiça, mas, apenas ao administrador que
deve atender equilibradamente as necessidades dos súditos,
principalmente os mais necessitados e os doentes.”
Em seu voto, o Ministro Relator, Celso de Mello, negou que o acórdão
recorrido houvesse desrespeitado a ordem constitucional: “Na realidade, o cumprimento
do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado,
consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator, que,
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associado a um imperativo de solidariedade social, impõe-se ao Poder Público, qualquer
que seja a dimensão institucional em que este atue no plano de nossa organização
federativa. (...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se
qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria
Constituição da República (art. 5º, caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa
prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo –
uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético-jurídica impõem ao
julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e
à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legislação local, ao
programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas
carentes.” No mesmo sentido, RE 236.200, RE 247.900 e RE 271.286.
Dessa forma, ainda que no caso houvesse previsão legal acerca do
fornecimento de medicamentos, não cabe dúvida de que é o caráter fundamental do
direito à saúde que sustenta a obrigação de cumprir com o disposto em lei mesmo na
ausência de regulamentação ou de recursos previamente destinados a esse fim.
Indo mais além, mesmo quando algumas ações não estão previstas em lei
como prestações do Estado para garantia do direito à saúde, pode-se aplicá-lo
diretamente quando estiver em risco a continuidade da vida humana, que só poderá ser
garantida com a intervenção estatal. Nesses casos, o fundamento encontra-se na
obrigação do Estado garantir um nível de vida para seus cidadãos que seja compatível
com o princípio da dignidade humana, cabendo ao Judiciário determinar o cumprimento
dessa obrigação. É o que ocorre quando o Poder Público é condenado a fornecer
medicamentos ou a custear despesas com tratamento médico no exterior para pessoas
carentes. Dentre outras decisões, podemos citar a que incidiu na Ação Ordinária nº
1999.61.00.047566-7, da 14ª Vara da Justiça Federal do Estado de São Paulo, da Juíza
Regina Helena Costa:
“Diante desse quadro normativo, exsurge inafastável a conclusão
segundo a qual cabe ao Poder Público, obrigatoriamente, zelar pela
saúde de todos e, em especial, pela saúde dos portadores de
deficiência, os quais já se encontram em situação de desvantagem em
relação às demais pessoas. Em sendo assim, impende ao Poder
Público fazer valer esse direito constitucional, disponibilizando,
àqueles que precisarem de prestações atinentes à saúde pública, os
meios necessários à sua obtenção. Os fatos demonstrados nos autos,
configuram, exatamente, situação que impõe seja o Poder Público
instado a tornar efetiva a garantia constitucionalmente outorgada ao
exercício do direito à saúde, mormente por ser a autora portadora de
moléstia progressiva e fatal, restando-lhe pouco tempo de vida.”
Em casos como esse, nota-se a necessidade de realizar um juízo de
ponderação para identificar as situações em que o direito à saúde deve prevalecer sobre
a distribuição de competências entre o Poder Judiciário e os demais Poderes. Em
situações nas quais a intervenção judicial é a única via para garantir o mínimo
necessário para a vida digna, está justificado impor ao Estado o cumprimento de suas
obrigações constitucionais referentes aos direitos a prestações.
Por fim, vale lembrar que a vinculação dos direitos a prestações com a
realização de políticas públicas, aumenta a importância das suas garantias institucionais,
isto é, do conjunto de instituições necessárias para o gozo desses direitos. Isso significa,
no campo do direito à saúde, reconhecer o caráter de garantia institucional do Sistema
Único de Saúde, protegendo-o contra mudanças que o desfigurem.
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3. Princípios constitucionais do direito sanitário
Em todos os campos do Direito, podemos observar um aumento da
importância dos princípios, que hoje são consensualmente considerados autênticas
normas jurídicas, vinculando os poderes públicos e os particulares às suas disposições
(CANOTILHO, op.cit: 1033-1049; ALEXY, op.cit: 81-138). Além disso, os princípios,
particularmente no direito constitucional, também fornecem pautas hermenêuticas para
os operadores do Direito, como é o caso daqueles presentes no Título I da Constituição
de 1988.
Sem esquecer a aplicabilidade de outros princípios constitucionais ao
campo do direito sanitário, como os referentes à administração pública (art. 37) e os
princípios gerais da ordem social (art. 193), passamos a examinar os princípios
constitucionais da seguridade social (art. 194) e da saúde (arts. 196 e 198).
A análise desses dispositivos demonstra que eles estabelecem as
diretrizes que devem ser observadas pelos Poderes Públicos no cumprimento de suas
obrigações. Dessa forma, os princípios impõem um conjunto de objetivos ao Estado
cujo alcance é o vetor que deve orientar o desenvolvimento das políticas públicas,
limitando o campo da discricionariedade. Para o operador do Direito, os princípios
permitem verificar a constitucionalidade e legalidade materiais das políticas públicas,
tanto no que se refere as suas atividades-fim quanto as suas atividades-meio. A leitura
combinada dos arts. 194, 196 e 198, cujo conteúdo foi desenvolvido pela Lei 8.080/90
(Lei Orgânica da Saúde – LOS), em seu art. 7º, destaca os seguintes princípios:
a) universalidade (art. 194, I; art. 196, caput): essa diretriz rompe com a divisão
que existia anteriormente entre os segurados do sistema de previdência social e o
resto da população. Como direito de todos, a saúde não requer nenhum requisito
para sua fruição, devendo ser universal e igualitário o acesso às ações e serviços
de saúde, “em todos os níveis de assistência” (art. 7º, I, da LOS). Além disso, a
assistência à saúde deve estar pautada pela igualdade, “sem preconceitos ou
privilégios de qualquer espécie” (art. 7º, IV, da LOS). Vale lembrar que, em
situações desiguais, a aplicação do princípio da igualdade pode significar a
prestação de um atendimento prioritário, como ocorre com crianças,
adolescentes, gestantes e pessoas portadoras de deficiências; assim, os serviços
de saúde devem adaptar-se às necessidades existentes, diferenciando o
atendimento de acordo com elas;
b) caráter democrático e descentralizado da administração, com participação da
comunidade (art. 194, VII; art. 198, I e III): a descentralização é aqui entendida
como “uma redistribuição das responsabilidades pelas ações e serviços de saúde
entre os vários níveis de governo, a partir da idéia de que, quanto mais perto do
fato a decisão for tomada, mais chance haverá de acerto. Deverá haver uma
profunda redefinição das atribuições dos vários níveis de governo, com um
nítido reforço do poder municipal no tocante à saúde.” Como veremos, essa
diretriz tem orientado a regulamentação do sistema, pautada pela
municipalização, ou seja, pela maior responsabilidade dos Municípios na
implementação das ações de saúde, como indica o art. 7º, IX, a, da LOS;
c) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais (art. 198, II): este princípio impõe a
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articulação e continuidade do conjunto das ações e serviços preventivos e
assistenciais ou curativos, em todos os níveis do sistema (art. 7º, II, da LOS). A
integralidade implica ainda que “Os serviços de saúde devem funcionar
atendendo o indivíduo como um ser humano integral, submetido às mais
diferentes situações de vida e de trabalho, que o levam a adoecer e morrer. O
indivíduo deve ser entendido como um ser social, cidadão que biológica,
psicológica e socialmente está sujeito a riscos de vida. Dessa forma, o
atendimento deve ser feito para a sua saúde e não somente para as suas doenças.
Isso exige que o atendimento seja feito também para erradicar as causas e
diminuir os riscos, além de tratar os danos.” (id.ibid.: 35-36) Isso significa que o
SUS deve garantir o acesso a ações de promoção, que buscam eliminar ou
controlar as causas das doenças e agravos, envolvendo ações também em outras
áreas, como habitação, meio ambiente, educação etc; proteção, que visam a
prevenção de riscos e exposições às doenças, para manter o estado de saúde,
incluindo ações de saneamento básico, imunizações, ações coletivas e
preventivas, vigilância à saúde e sanitária etc; recuperação, que são as ações que
evitam a morte de pessoas doentes, bem como as seqüelas, atuando sobre os
danos (atendimento médico, tratamento e reabilitação para os doentes). (id.ibid:
36);
d) regionalização e hierarquização (art. 198, caput): este princípio busca permitir
um conhecimento maior, por parte da rede de serviços do SUS, dos problemas
de saúde da população de uma área delimitada, favorecendo ações de vigilância
epidemiológica, sanitária, controle de vetores, educação em saúde, além das
ações de atenção ambulatorial e hospitalar em todos os níveis de complexidade.
Dessa forma, o acesso da população à rede deve dar-se por intermédio dos
serviços de nível primário de atenção, que devem ser e estar qualificados para
atender e resolver os principais problemas que demandam serviços de saúde. Os
que não podem ser resolvidos nesse nível deverão ser referenciados para os
serviços de maior complexidade tecnológica” (id. ibid.:37) A regionalização,
portanto, não significa apenas distribuir espacialmente os serviços, “mas
também e sobretudo organizá-los com o indispensável suporte técnico e de
recursos humanos, com suficiência de recursos e poder decisório definido.”
(CARVALHO e SANTOS, 1995:85)
Além desses princípios, o já citado art. 7º enumera outros, a saber:
a)
b)
c)
d)
e)
preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade
física e moral, o que significa o respeito à capacidade do indivíduo
tomar decisões, inclusive elegendo o procedimento a ser adotado,
desde que eficaz para a preservação da sua saúde ou da comunidade
(art. 7º, III);
direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde (art. 7º,
V);
divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde
e sua utilização pelo usuário (art. 7º VI);
utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a
alocação de recursos e a orientação programática (art. 7º, VII);
integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e
saneamento básico (art. 7º, X);
8
f)
g)
h)
conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e
humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
na prestação de serviços de assistência à saúde da população (art. 7º,
XI);
capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de
assistência, isto é, capacidade dos serviços de saúde resolverem, no
nível de sua complexidade, os problemas que lhes forem apresentados
(art. 7º, XII);
organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de
meios para fins idênticos (art. 7º, XIII).
Como se pode observar, esses princípios regulam não apenas as
prestações de serviços de saúde, mas também a própria organização do Sistema Único
de Saúde, o qual “segue a mesma doutrina e os mesmos princípios organizativos em
todo o território nacional, sob a responsabilidade das três esferas autônomas de governo:
federal, estadual e municipal. Assim, o SUS não é um serviço ou uma instituição, mas
um sistema, que significa um conjunto de unidades, serviços e ações que interagem para
um fim comum.” (ALMEIDA, CHIORO e ZIONI, op.cit.:35)
4. O conceito de relevância pública e o papel do Ministério Público
O art. 197 da CF dispõe que “São de relevância pública as ações e
serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.
Esse dispositivo, além de vir reforçar a exigibilidade do direito à saúde,
por atribuir-lhe o caráter de serviço público essencial, possui duas conseqüências
principais. Em primeiro lugar, estabelece que “a saúde é sempre assegurada através da
atuação de uma função pública estatal, mesmo quando prestada por particulares, sendo
que apenas as suas „ações e serviços‟ não têm exercício exclusivo do Estado” (FERRAZ
e BENJAMIN, 1994:41). Por essa razão, vê-se limitada a liberdade dos prestadores
privados, já que “cabe ao Estado a direção da prestação de serviços e ações de saúde,
devendo aquele fixar as diretrizes e parâmetros para o exercício destes.” (id.ibid.: 41)
Além disso, o art. 197 deve ser combinado com o art. 129, II, incluindo
entre as funções institucionais do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito dos
Poderes Públicos às ações e serviços de saúde, promovendo as medidas necessárias a
sua garantia (FRISCHEISEN, 2000). Também neste caso nota-se que a competência do
Ministério Público não se dirige apenas aos atos praticados diretamente pelos Poderes
Públicos, mas também aos serviços de relevância pública, mesmo quando não prestados
diretamente pelo Estado.
5. Estrutura legal do sistema único de saúde: competências das três
esferas de governo
O Sistema Único de Saúde – SUS é um modelo de ação social integrada
e descentralizada de matiz constitucional como visto anteriormente. Seu conceito é
obtido na legislação ordinária como sendo “o conjunto de ações e serviços de saúde,
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prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da
Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público” (Lei
8.080/90, art. 4º).
No plano infraconstitucional o legislador não se esquivou da tradição de
compor a normatização do SUS através de uma lei orgânica que, como tal, pretende
sistematizar de maneira lógica e funcional os desideratos do direito à saúde enquanto
política pública em uma ordem institucional complexa, tal como o federalismo
brasileiro.
É precisamente esse, a partir de uma perspectiva político-constitucional,
o mais delicado desafio da legislação básica de direito sanitário no país: organizar e
equilibrar coerentemente a exigência da realização do mandamento constitucional da
saúde enquanto direito fundamental, e assim sendo amplo e indefectível, com o modelo
tripartite de federalismo acolhido pela Constituição de 1988 em um ambiente
claramente assimétrico, assinalado por desigualdades inter e intraestaduais.
Sobre o conceito de autonomia e descentralização
Ensina RAUL MACHADO HORTA, maior autoridade sobre federalismo
na doutrina jurídica nacional, citando farta bibliografia alienígena, que a jurisprudentia
atribui inúmeros e multifários sentidos ao termo “autonomia”, ora alargando-o ora
restringindo-o. Não há um modelo próprio de federação no direito comparado,
ressaltando apenas algumas condições objetivas para uma caracterização mínima capaz
de identificar a forma de Estado mencionada, tais como:
“1. A decisão constituinte criadora do Estado-federal e de suas partes
indissociáveis, a federação ou União, e os Estados-membros;
2. A repartição de competências entre a federação e os Estados-membros;
3. O poder de auto-organização constitucional dos Estados-membros,
atribuindo-lhes autonomia constitucional;
4. A intervenção federal, instrumento para restabelecer o equilíbrio
federativo, em casos constitucionalmente definido;
5. A câmara dos Estados, como órgão do poder legislativo federal, para
permitir a participação do Estado-membro na formação da legislação
federal;
6. A titularidade dos Estados-membros, através de suas Assembléias
Legislativas, em número qualificado, para propor emenda à Constituição
Federal;
7. A criação de novo Estado ou modificação de Estado existente
dependendo da aquiescência da população do Estado afetado.
8. A existência no Poder Judiciário Federal de um Supremo Tribunal ou
Corte Suprema, para interpretar e proteger a Constituição Federal, e
dirimir litígios ou conflitos entre a União, os Estados, outras pessoas
jurídicas de direito interno, e as questões relativas à aplicação ou vigência
da lei federal” , porém, faz observar o autor adiante que, “não obstante a
permanência de determinados requisitos, como a repartição de
competências, a autonomia constitucional do Estado-membro, a intervenção
federal, a Câmara dos Estados, recebem eles definições individualizadoras
e contrastantes nos diversos modelos reais de federalismo. Em alguns casos
a autonomia constitucional do Estado-membro praticamente deixa de
existir, quando a Constituição Federal se encarrega de preordenar o
Estado-membro em seu texto, tornando a Constituição Federal um
documento híbrido, federal e estadual” (1995:347).
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De fato, o que se depreende do trecho supra colecionado é que se
configura possível, sem agressão à doutrina ou ao direito comparado, uma federação
centralizada, como sem sombra de dúvida, é a direção implicada nas recentes reformas
efetuadas pelo governo federal brasileiro, o que não é novidade neste país. A bem da
verdade, a história da federação brasileira desde a proclamação da República, onde
encontra o seu nascedouro, tem sido a alternância entre modelos mais ou menos
centralizados. Finda com a República Velha uma nefasta experiência nacional em
termos de debilidade do governo federal, onde a descentralização descambou para a
cruel realidade da política oligárquica, fenômeno que inscreveu seu nome na história
brasileira como “coronelismo”, prostrando a política nacional, a começar pela
manipulação e distorção dos resultados eleitorais (que já era uma realidade no Império)
até a marginalização de Estados-membros não participantes do restrito pacto.
A centralização ou descentralização são conformadas por técnicas de
distribuição de competências que atendem a princípios que devem estar definidos na
própria Carta Magna sob pena de dissolução da ordem interna em virtude do embate de
competências. Não se pode jamais falar em “autonomia absoluta” ao mesmo passo que
também não é correto juridicamente afirmar que a fiscalização ou a instituição de
normas gerais pelo ente político competente para tanto seja, aprioristicamente,
interferência indevida ou agressão a autonomia. Isto porque a centralização ou
descentralização serão sempre parciais, como ensina magistralmente um dos maiores
juristas do século XX, HANS KELSEN:
“A centralização ou descentralização de uma ordem jurídica podem
ser de graus quantitativamente variáveis. O grau de centralização ou
descentralização é determinado pela proporção relativa do número e
da importância das normas centrais e locais da ordem.
Conseqüentemente pode-se fazer distinção entre centralização totais e
parciais. A centralização é total se as normas forem válidas para o
território inteiro. A descentralização é total se as normas forem válidas
apenas para partes diferentes do território, para subdivisões
territoriais(...)Quando nem a centralização nem a descentralização são
totais, falamos de descentralização parcial e centralização parcial, que,
desse modo, são iguais. A centralização e a descentralização totais são
apenas pólos ideais. Existe certo grau determinado abaixo do qual a
centralização não pode descer, e certo grau máximo que a
descentralização não pode ultrapassar sem a dissolução da
comunidade jurídica (...) O Direito Positivo conhece apenas a
centralização e descentralização parciais” (1995:291 / Grifos nossos).
Sobre o tema, indica também o ilustre Prof. Meirelles Teixeira, já na
década de 40 que são traços do novo federalismo:
a)aumento da intervenção estatal, tanto central como dos poderes
locais;
b)desenvolvimento de uma vasta área de cooperação entre os poderes
central e locais, com mútuas vantagens, sem distribuição
constitucional dos poderes. O governo federal necessita de maiores
contatos com os poderes e com os problemas locais; os governos
locais, por sua vez, necessitam de mais e mais ajuda, de maior
assistência dos governos centrais. Daí acordos, uso de pessoal
burocrático, serviços em comum, empréstimos federais aos Estadosmembros, etc.
c)reforço dos poderes dos governos centrais, na forma já exposta (...).
11
d)necessidade de reajustamento na distribuição dos poderes
governamentais e de adoção de sistemas mais ou menos simples de
reforma constitucional (...) (1991:658).
Distribuição de competências na Federação brasileira
O sistema de distribuição de competências adotado pela Constituição de
1988 é complexo, baseado na melhor técnica do direito constitucional alemão e
austríaco. A Carta Magna estipula competências da seguinte ordem, de acordo com
HORTA:
“I. Competência geral da União (art.21, I até XXV);
II. Competência de legislação privativa da União (art.22, I a XXIX,
parágrafo único);
III. Competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios (art.23, I a XII, parágrafo único);
IV. Competência de legislação concorrente da União, dos Estados e do
Distrito Federal (art.24, I a XVI, parágrafos 1º , 2º , 3º e 4º );
V. Competência dos poderes reservados aos Estados (art.25, parágrafo 1º e
125, parágrafos 1º, 2º,3º e 4º)” (op.cit:407).
A competência geral da União diz respeito aos poderes materiais da
União, tais como os poderes soberanos, poderes de defesa do Estado e da estrutura
federal, de Administração e fiscalização econômico-financeira etc, e segue este mesmo
critério a atribuição das matérias a que incumbe à União tratar. A competência
legislativa privativa “incorpora os preceitos declaratórios e autorizativos da
competência geral na legislação federal, através da lei e da norma jurídica, sob o
comando privativo da União federal, por intermédio dos órgãos de manifestação da
vontade legislativa” (id.ibidem:411). A competência comum condensa obrigações do
poder público, “condensa preceitos e recomendações dirigidas à União, aos Estados,
ao Distrito Federal e aos Municípios, traduzindo intenções programáticas do
constituinte, reunidas em conjunto de normas não uniformes, muitas com as
características de fragmentos que foram reunidos na regra geral por falta de outra
localização mais adequada. São regras não exclusivas, não dotadas de privatividade e
que deverão constituir objeto da preocupação comum dos quatro níveis de governo,
dentro dos recursos e das peculiaridades de cada um” (id.ibidem:417). Já a
competência concorrente dispõe sobre temas de legislação que tocam aos Estadosmembros, Distrito Federal e União simultaneamente, contudo em níveis ou estratos
diferenciados de tratamento, quais sejam, aqueles que determinam a formulação de
normas gerais e normas suplementares. Aos Estados-membros e DF cabe a competência
para elaboração de normas sobre as matérias elencadas no art.24, que será plena na
inexistência de normas gerais, cuja competência para edição é da União. À guisa de
observação cabe afirmar que a competência dos Estados-membros manter-se-á plena
naquilo que não contrariar a norma federal, seja esta preexistente ou superveniente em
relação àquela.
As normas gerais são as denominadas no direito francês de “leis de
quadro”, ou seja, leis que irão realizar os contornos ou referências normativas cujo
preenchimento será conferido pela competência suplementar dos Estados-membros
consoante suas necessidades ou peculiaridades regionais, respeitados os limites
previamente traçados pela lei federal geral. Acrescenta HORTA:
12
“A legislação concorrente, que amplia a competência legislativa dos
Estados, retirando-a da indigência em que a deixou a pletórica
legislação federal no domínio dos poderes enumerados, se incumbirá
do aperfeiçoamento da legislação estadual às peculiaridades locais, de
forma a superar a uniformização simétrica da legislação federal”
(id.ibidem:418).
De acordo com a atual Constituição Federal é competência comum da
União, Estados, Distrito Federal e Municípios cuidar da saúde a assistência pública e
promover programas de saneamento básico (art. 23, II e IX, in fine). Em seguida, a
Constituição estabelece que caberá concorrentemente à União, aos Estados e Distrito
Federal a proteção e defesa da saúde (art.24, XII), sabendo-se que nesse último caso a
União restringir-se-á a elaborar normas gerais as quais os Estados poderão suplementar.
Mas o papel do Município não é do estrito cumprimento da legislação
federal e estadual acompanhado da “esterilidade normativa” como pode sugerir a sua
ausência no rol da competência concorrente. No art. 30, I, II, VII da Constituição
Federal de 1988 fica insculpida a competência do município para legislar sobre assuntos
de interesse local, suplementando no que couber a legislação federal e estadual, assim
como prestar serviços de saúde à população. Observe-se que a fórmula do interesse
local somada a capacidade de suplementar naquilo que caiba, ou seja nos próprios
assuntos locais, a legislação dos outros entes federativos dá uma margem razoável de
discricionariedade ao legislador municipal para aquilo que as normas gerais, no caso
federais e estaduais, não conseguirem alcançar satisfatoriamente ou sobre o que
silenciarem. Exemplos desse exercício suplementar encontram-se sugeridos pela Lei
8.080/90 no seu art. 15, incisos V, VI, XI, XVI, XX e XXI, tais como a regulação da
proteção à saúde do trabalhador, fomento à pesquisa, planejamento de políticas
sanitárias etc.
Dos arts. 16 a 18 da Lei 8.080/90 teremos o tratamento das competências
dos três entes federativos quanto à direção do SUS, as quais podem ser definidas sem
prejuízo da leitura posterior dos incisos a partir da seguinte compreensão: à União
caberão as ações relativas ao planejamento, incentivo e cooperação técnica na política
sanitária, como dão mostra os verbos adotados nos dispositivos do art.16 (“formular”,
“promover”, “prestar”, “elaborar”, “definir”, “coordenar”...). Neste aspecto a Lei
procura realizar o papel de normatização genérica que a Constituição Federal destina à
União. Os Estados-membros, por seu turno, tem o dever desde já estabelecido na LOS
de promover a descentralização das ações de saúde para os municípios, cuidando
sempre da prestação do apoio técnico-financeiro necessário para isso (art. 17, I e III).
Incumbe aos Estados-membros a execução, em caráter complementar, das ações de
vigilância epidemiológica, sanitária, alimentação e nutrição e saúde do trabalhador. Em
termos de competência regulatória expressa na LOS os Estados-membros estabelecerão
normas de caráter suplementar sobre procedimentos de controle de qualidade para
produtos e substâncias de consumo humano.
Já as competências da Direção Municipal do SUS envolvem de um lado a
participação no planejamento das políticas sanitárias junto aos demais órgãos
federativos e a execução das ações, primordialmente. Cabe também ao Município a
normatização complementar das ações e serviços públicos de saúde no seu âmbito de
atuação (LOS, art.18, XII), com o que a própria Lei efetiva a previsão constitucional
sobre o papel regulatório dos municípios sobre a matéria.
13
O federalismo cooperativo e o princípio de subsidiariedade
É sintomático que os desafios que o nosso tempo impõe aos países são de
tal ordem que os pequenos grupos e associações obrigatoriamente cedem espaço à
macroorganizações, sejam públicas, sejam no seio da sociedade civil. A invenção
federalista não se encontra imune a este fenômeno que nele reveste-se na tendência à
centralização dos poderes nas mãos da União, órgão político federal, titular de
soberania, em contraposição à autonomia dos entes políticos parciais.
De outro lado, não se pode negar que a reação à centralização é
necessária nas sociedades abertas. Não se consente na absorção dos poderes maiores por
poderes totalizantes. É nessa perspectiva que se deve falar em federalismo cooperativo,
explicando, a esse respeito o mestre PAULO BONAVIDES:
“Dois princípios regem todo sistema federativo: a autonomia e a
participação. O primeiro, concorrendo para manter a descentralização;
o segundo, para garantir a união, mas descentralização e união
fundadas sempre no consenso, na legitimidade, na consciência
cooperativa (...)” e, dissertando sobre a centralização, pondera adiante:
“Não resta dúvida que a época tem sido de concentração de poderes e
ações intervencionistas da parte do Estado, por decorrência inelutável
de pressões sociais que deixam às vezes arquejante o organismo
democrático das Sociedades Abertas. O problema de instituições
estáveis se torna mais grave nos sistemas de governo dos países em
desenvolvimento, onde a vinculação do poder com a ordem jurídica
não se apóia em elementos da tradição e da cultura política da
sociedade, a qual basicamente não existe. E, quando tais países se
organizam sob a forma federativa, o único caminho para evitar o
´Leviatã´ unitário das burocracias tecnocráticas passa necessariamente
pelo meridiano de um federalismo cooperativo, de inspiração
democrática. Esse federalismo não é fechado, tanto que reconhece
também por legítimo que, nas uniões federativas, certas matérias,
como política exterior e defesa, pesquisa básica de grande porte,
economia, finanças, planejamento e proteção do meio ambiente, com a
defesa do patrimônio ecológico, tenham suas regras e decisões básicas
referidas à órbita de competência do poder central” (in, A Constituição
aberta. São Paulo, 2º ed., Malheiros editores, 1996:432/435).
A existência do sistema constitucional de repartição de competências e
receitas tributárias deve ser entendido dentro do conceito de federalismo cooperativo
democrático. Assim também, o incremento das responsabilidades dos entes políticos
parciais em saúde, educação e trânsito. A idéia é de que entes menores devam ser
responsáveis pela prestação de serviços e de incumbir-se de todas as tarefas que estejam
ao seu alcance, que possam ser absorvidas pela sua capacidade de trabalho e
organização. Este é o significado do que se convencionou chamar “princípio de
subsidiariedade”, tão timidamente estudado no Brasil. BONAVIDES refere-se a ele,
inclusive, como princípio cardeal de toda Constituição Federal legítima, juntamente
com o princípio da solidariedade e da pluralidade (op.cit.:435). Não obstante o princípio
da subsidiariedade não possuir exclusiva aplicação no domínio das formas de Estado,
ele “pode ser aplicável nas relações entre órgãos centrais e locais, verificando-se,
também, o grau de descentralização. A descentralização é um domínio predileto de
aplicação do princípio de subsidiariedade, sendo que a doutrina menciona as possíveis
relações entre o centro e a periferia” (BARACHO, 1997:30).
Sobre o conceito escolhe o citado autor a lição de VLADIMIRO
LAMSDORFF-GALAGANE:
14
“que a autoridade só faça o que é preciso para o bem comum, mas
aquilo que os particulares não podem ou não querer<sic>fazer por si
mesmos. A necessidade de intervenção da autoridade se estabelece,
pois, eventualmente, e cessa rapidamente assim que os particulares
voltem a manifestar capacidade para resolver o problema sem ajuda
alheia”(op.cit.:37).
O caso sob análise é perfeitamente definível dentro dos limites da
discussão sobre o federalismo na Constituição Federal de 1988 e, nela, a verticalidade
da aplicação do princípio de subsidiariedade. Daí a busca imprescindível pelo ideal
equilíbrio federativo, inclusive em termos de sistemas de proteção social. Sobre isto
aduz ainda BARACHO:
“O princípio de subsidiariedade é considerado como instrumento
utilizado pelo governante, na procura de equilíbrios, necessários a
redefinir novas mudanças procuradas pela sociedade, na compreensão
e efetivação de suas necessidades. Para tal efetivação, surgem os
questionamentos acerca das fronteiras de ingerência e da nãoingerência, que variam de acordo com a capacidade e as necessidades
dos atores sociais. A doutrina social não exclui formas de intervenção
estatal, em casos de necessidade, mas recusa a liberdade e igualdade
sacralizadas” (op.cit.:57/ grifos nossos).
Ao nosso parecer, em poucos momentos o legislador infraconstitucional
foi tão feliz em implementar a estrutura cooperativa no federalismo brasileiro quanto na
área da saúde na década de 1990. O papel de planejamento conjunto das políticas como
realizado pela previsão da LOS, os Conselhos de Saúde da Lei 8.142/90 e os perfis de
habilitação das Normas Operacionais Básicas, que desde a nº01/93 vêm ampliando o
processo de municipalização desejado pela Carta Magna, são notáveis argumentos em
socorro dessa afirmação.
6. A Lei Orgânica da Saúde (lei 8.080/90)
A Lei Orgânica da Saúde veio regulamentar as ações de saúde no Brasil,
entendida amplamente a expressão, seja para abrigar a saúde preventiva e curativa
propriamente dita, seja a vigilância sanitária, seja mesmo os fatores externos
concernentes a saúde como o saneamento básico, alimentação, trabalho, dentre outros.
O Art. 198 da Constituição Federal de 1988 prevê a integralização em
rede hierarquizada e regionalizada dos serviços e ações de saúde em forma de sistema
único e o art. 200 trata de estabelecer os objetivos de tal sistema.
“Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da
lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a
saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos,
hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde
do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento
básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
15
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional,
bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização
de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”
(Grifos nossos).
A norma constitucional como destacado acima é quem faz a referência à
atividade regulamentadora do legislador infraconstitucional. A Lei 8.080/90 nasce para
dar visibilidade e estrutura ao SUS, juntamente com a Lei 8.142/90, que deriva da
necessidade de ultrapassar-se os vetos que a LOS recebeu, criando os Conselhos e
Conferência de Saúde bem como implementando os instrumentos de controle social das
políticas de saúde.
A Lei 8.080/90 é dividida em cinco títulos que tratam, respectivamente
sobre: disposições gerais, o sistema único de saúde, os serviços privados de assistência
à saúde, recursos humanos e financiamento. Passamos a fazer uma breve análise de
apresentação sobre cada qual.
Das disposições gerais
Nesse título a LOS avança em relação à conceituação do direito à saúde
em dois pontos substancialmente.
Em primeiro lugar ao tratar do direito à saúde, consoante a perspectiva
constitucional, como um direito fundamental. Nesse ponto de vista não se trata de
defender o direito à vida compreensivamente, e sim de entender a saúde como um
direito à vida qualificado, direito às condições mínimas necessárias para uma existência
digna. Dessa maneira o Estado não pode mais conformar-se à rudimentar função de
prestador de serviços de saúde, o que traduziria uma relação individual, contratual, de
consumo entre o cidadão e o SUS. Em face da saúde enquanto direito fundamental o
Estado reveste-se do papel de garantidor positivo de uma política sanitária ampla com o
fito de desincumbir-se da sua responsabilidade, de seu dever constitucional de prestar.
Em segundo lugar ao abordar no art. 3º os fatores determinantes ou
condicionantes da saúde tais como a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o
meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos
bens e serviços essenciais, a LOS ampliou de maneira corajosa o conceito da saúde. O
conceito inclusivo ou compreensivo de saúde presente na LOS permite compreender
que os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do
País, o que situa nitidamente e intencionalmente o direito à saúde como elemento
basilar da construção da cidadania brasileira.
É de se entender que o espectro de abrangência da LOS alcança não
apenas o setor público, mas igualmente o setor privado já que as ações e serviços de
saúde são de relevância social.
O Sistema Único de Saúde
Como já dito anteriormente a organização dos serviços e ações de saúde
em forma de Sistema único já era mandamento de índole constitucional, de maneira que
a LOS surge para integrar a eficácia da previsão.
Sobre o alcance da vinculação dos serviços públicos em todas as esferas
federativas ao SUS afirmam categoricamente CARVALHO e SANTOS (op.cit.:63):
16
“Com o comando único em cada esfera de governo e a determinação
legal de que esse comando será exercido nos Estados pela Secretaria
de Saúde, todos os serviço de saúde nos Estados e Municípios terão,
obrigatoriamente, de ficar subordinados à normatividade do SUS. A
LOS não deixou espaço para o que ERNANI BRAGA uma vez
denominou „feudalismo institucional‟.
Desse modo, os serviços de saúde, ainda que não estejam formalmente
subordinados ou vinculados às Secretarias Estaduais ou Municipais de
Saúde, como os hospitais penitenciários (geralmente subordinados às
Secretarias de Justiça ou de Segurança), os hospitais das Forças
Armadas e os hospitais universitários, integram o SUS e,
constitucionalmente e legalmente, hão de submeter-se à direção única
do SUS, no tocante à política de saúde.”
De ressaltar que a participação dos hospitais universitários no plano do
SUS far-se-á mediante convênio (art. 45 da LOS), e não automaticamente como a
princípio de depreende do texto do art. 4º da Lei em comento.
Quanto aos objetivos do SUS, é notável a ampliação que a LOS confere
aos oito incisos do art.200 da CF/88, que nela transformam-se em vinte e um. Todas as
finalidades aqui traçadas, a bem da verdade, encontram respaldo constitucional, pois
não fogem aos assuntos referentes à vigilância sanitária, à saúde do trabalhador, ao
saneamento básico, ao controle e fiscalização de serviços e produtos e recursos
humanos. Quanto aos princípios e diretrizes, já forma tratados no princípio desse
trabalho.
Para finalizar essa parte, cabe a referência ao art. 8º que encomenda a
direção do SUS para cada esfera federativa, no plano federal, ao Ministério da Saúde,
nos Estados, às Secretarias Estaduais, e, nos Municípios, às Secretarias Municipais.
Menção obrigatória merece também a previsão do consórcio entre os Municípios
facultado pelo art. 10 da LOS.
Acerca da competência regulatória das três entidades federativas (arts. 16
a 18) já aludimos no capítulo anterior.
Dos serviços privados da assistência à saúde
Quanto aos serviços privados de saúde a LOS prevê duas classificações:
aqueles que não pertencem ao SUS, respaldados pela liberdade que a Constituição
Federal de 1988 confere à iniciativa privada no setor, feitas apenas as restrições
concernentes ao capital estrangeiro, constantes do art. 199, §3º desse Excelso Diploma,
e os que mediante convênio prestam serviço complementar de saúde ao Sistema Único.
Para a contratação dos particulares pessoas jurídicas que prestarão o
serviço de saúde privado complementar (art.199, §1º da CF/88), na hipótese das
condições do setor público não cobrirem a demanda, o que é uma realidade nacional
evidente, faz-se necessária a realização de licitação nos moldes da Lei 8.666/93.
Advertem CARVALHO e SANTOS (op.cit.:183) que a inobservância dessa regra tem
sido generalizada no plano federal, sem que haja qualquer justificativa palpável para o
afastamento da aplicação da Lei 8.666/90.
O art. 25 da LOS lembra o mandamento constitucional de que a
preferência para formulação de convênios para que as entidades privadas integrem o
SUS é das instituições de fins filantrópicos.
O art. 26, §1º fala sobre os critérios para remuneração e parâmetros da
cobertura assistencial, pelo que é importante assinalar que são duas atividades
17
submetidas à competência da Direção Nacional do SUS mediante aprovação do
Conselho Nacional de Saúde.
Dos recursos humanos
Uma das preocupações da Constituição Federal na área da saúde foi,
expressamente, a formação de recursos humanos (art. 200, III). A LOS busca
implementar uma política de fomento à qualificação específica na área através de
programas de aperfeiçoamento pessoal em todos os níveis de ensino, inclusive pósgraduação, bem como a valorização da dedicação exclusiva ao SUS. Sobre o tema
socorro-me novamente de CARVALHO e SANTOS (op.cit.:208):
“Por mais bem estruturado que venha a ser o Sistema Único de Saúde,
por mais abrangente e pormenorizada que venha a ser a legislação
ordenadora do SUS, por mais recursos financeiros e materiais de que
disponha o sistema, e por mais avançados que sejam os enunciados da
política de saúde e os objetivos fixados na Lei Orgânica da Saúde, O
SUS NÃO FUNCIONARÁ A CONTENTO E OS IDEAIS NELE
TRADUZIDOS ESTARÃO FADADOS AO FRACASSO se não
dispuser de recursos humanos qualificados e, obviamente, valorizados
sempre” (Grifos no original).
A Norma Operacional Básica nº01/93, no documento A ousadia de
cumprir e fazer cumprir a Lei, incumbia um grupo de trabalho especificamente para
elaborar diretrizes e apoio técnico à “preparação e gestão de RH para o Sistema; ordenar
a formação em articulação com o aparelho formador e entidades profissionais”.
Do financiamento
A norma inspiradora da matéria é de matiz constitucional. Reza o art. 195
da Constituição Federal que “a seguridade social será financiada por toda a sociedade,
de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das
seguintes contribuições sociais”.
A EC 29/2000 também introduziu modificações que repercutem na
elaboração dos orçamentos da saúde nas três esferas federativas na obrigatoriedade da
observância de percentuais vinculados à saúde, in verbis:
“Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes
diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º . O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do
orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes.
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em
ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais
calculados sobre:
18
I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no §
3º;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a
que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a,
e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios;
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159,
inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:
I - os percentuais de que trata o § 2º;
II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus
respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;
III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas
federal, estadual, distrital e municipal;
IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.”
Há de se levar em conta após a referida emenda constitucional que o
orçamento da seguridade social conta na área de saúde com receita vinculada de
impostos, além de contribuição social específica no nível federal (CPMF).
No caso dos Estados-membros e Distrito Federal, comporá o orçamento
nacional da saúde 12% da receita do imposto sobre transmissão causa mortis, do ICMS
e do IPVA, assim como suas participações na distribuição da receita do IRPJ pago à
União pelos seus órgãos, do FPE e do IPI (Art. 77, II do ADCT). Quanto aos
Municípios 15% dos valores recebidos de sua receita originária e transferida. Já a União
assumiu um critério mais financeiro-atuarial, acrescendo em 5% o montante de sua
contribuição de 1999 ao orçamento da saúde para 2000, e de 2001 a 2004, a quantia de
2001 corrigida pela variação nominal do PIB.
A LOS prevê a somatória de outras fontes ao orçamento da saúde como
aquelas provenientes de doações, alienações patrimoniais, taxas e emolumentos na área
de saúde e serviços que possam ser prestados, contanto que não interfiram na área-fim
do SUS (art.32).
É de ressaltar que a Lei adverte que as ações de saneamento básico
executadas supletivamente pelo SUS serão financiadas com recursos do Sistema
Financeiro de Habitação, precipuamente (art. 32, §3º da LOS), assim como o fomento à
pesquisa poderão ser co-financiadas por Universidades e Instituições de fomento, além
das próprias unidades executoras.
7. Normas Operacionais Básicas e Norma Operacional de Assistência à
Saúde
O desenvolvimento normativo do direito sanitário revela sua natureza
eminentemente regulatória, por meio de uma significativa atividade legiferante do
Executivo, destacadamente as chamadas Normas Operacionais Básicas (NOB) e,
atualmente, Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), editadas pelo
Ministério da Saúde.
Esse aspecto próprio do direito sanitário é apontado pelo Professor
BARROS TOJAL (1994:22) que afirma com acerto:
“A partir do momento em que se consolida o modelo do Estado
Social, e a sua evidência resta absolutamente clara entre nós,
19
especialmente à luz das considerações a propósito da ordem
econômica da Constituição de 1988, o direito assume o papel de fator
implementador das transformações sociais, veiculando inclusive
prestações públicas. Por conseqüência, opera-se uma rematerialização
da racionalidade legal”.
Esse aspecto é bastante sensível no direito sanitário em função da
dinâmica do seu objeto, bem como de seus particularismos, o que o torna especialmente
avesso aos moldes de normatização estatutária do direito clássico, aos princípios de
segurança jurídica e separação de poderes analisados sob uma ótica estreita, ponto de
vista, ademais, em geral inconveniente para o cientista social.
No direito sanitário a tendência comumente apontada pelos publicistas
desde LOEWENSTEIN, consoante noticia Clèmerson Clève (1993:49) quanto ao
robustecimento do Poder Executivo em face da nova e volátil dinâmica da sociedade
pós-moderna e pós-industrial, é destacada. O Estado passa a assumir a função de suprir
demandas que antes eram resolvidas no espaço individual ou familiar. A saúde é um
exemplo mais do que claro do argumento, pois, se doenças menos ofensivas ainda se
prestam aos preparos medicamentosos caseiros, as epidemias e a saúde preventiva
apresentam espectro meta-individual e meta-familiar.
A regulamentação do Sistema Único de Saúde começa com a NOB
01/91, à qual se sucedem a NOB 01/92 e NOB 01/93. Esta última, criada pela Portaria
545, de 20 de maio de 1993, é sob muitos aspectos divisora de águas no plano do
desenvolvimento da política sanitária brasileira desde a CF/88. Primordialmente por ter
sido concebida em um amplo debate nascido na IX Conferência Nacional de Saúde, em
Brasília, de 9 a 14 de agosto de 1992. Nesse momento, as avaliações dos gestores e
secretários de saúde, assim como técnicos dos Estados e Municípios já permitia antever,
diante da mudança de administração no Ministério da Saúde, a verticalização do
processo de municipalização. Em 24 de maio de 1993 é publicado o documento A
ousadia de cumprir e fazer cumprir a Lei, uma exposição de motivos que compõe a
NOB 01/93. Importa notar agora que a NOB 01/93 perfilou situações transacionais para
o processo de municipalização plena da gestão, estabelecendo três situações distintas: a
transacional incipiente, parcial e semiplena. A NOB 01/93 também acentuou a
importância da implantação de uma política de formação de recursos humanos na área
de saúde, o efetivo funcionamento dos Conselhos de Saúde e Conferência de Saúde
criados pela Lei 8.142/90, e a implantação das Comissões Intergestores tripartite
(federal) e bipartite (estadual) e, last but not least, o aporte de recursos para o Fundo
Nacional de Saúde pelas três esferas de governo. Cabe observar que a NOB 01/93
resulta de um processo de convicção de que os objetivos já desenhados pela
Constituição e as Leis 8.080/90 e 8.142/90 estavam corretos e provocariam as mudanças
desejadas para uma situação ideal de “política sanitária cidadã” para o Brasil. Mister
recordar, contudo, que apenas em novembro de 1994 com o decreto 1.232, de 30 de
agosto daquele ano, foi regulamentada e viabilizada operacionalmente a transferência
automática e direta de recursos para os municípios em gestão semiplena.
Por maior que tenha sido o avanço técnico proposto pela NOB 01/93,
noticia MONTEIRO DE ANDRADE (2001:58):
“Pode-se constatar que, dos 4.976 municípios brasileiros, apenas
3.127 (62.84%) estavam enquadrados em algum tipo de gestão.
Ressalte-se que, destes, 2.367 (47,56%) achavam-se em gestão
incipiente, 616 (12,38%) na parcial e somente 144 (2,89%) em gestão
semiplena. Isto demonstra que, mesmo com a NOB 01/93, a grande
20
maioria dos municípios brasileiros, 97,7%, encontravam-se na
condição de prestadores de serviço de saúde.
“Outras limitações que podem ser percebidas na NOB 01/93 seriam a
ausência de definições acerca da vigilância sanitária, epidemiológica e
de endemias como também quanto ao estímulo para inversão do
modelo de atenção”.
A NOB 01/96, editada pela Portaria 2.203, publicada no DOU de 6 de
novembro de 1996, por sua vez amplia em consonância com a LOS a atuação da política
de saúde em três áreas, quais sejam a assistência, as intervenções ambientais e as
políticas externas ao setor saúde.
A NOB 01/96 vai definir com maior clareza o papel dos gestores nas três
esferas de governo, pela primeira vez quanto à União, ademais. Demonstra, como visto
acima, uma preocupação legítima com a necessidade de integrar as ações de maneira a
evitar o enfraquecimento global do SUS na assimetria dos municípios brasileiros, com a
manutenção do papel das Comissões bipartite e tripartite e dos Conselhos de Saúde
como órgãos de programação e pactuação entre os gestores.
Deve-se assinalar a criação da proposta do cartão sus municipal que
permitiria a identificação simultânea do cidadão com seu sistema municipal de saúde e
o sistema nacional e o incentivo ao modelo de agentes comunitários de saúde no
combate aos riscos epidemiológicos. A NOB 01/96 vai instituir o Piso Assistencial
Básico – PAB que garantirá o repasse automático para ações básicas em saúde.
Para os municípios que adotem os programas de saúde da família e
agentes comunitários, foram garantidos acréscimos percentuais ao montante do PAB, o
que revela a clara intenção do Ministério da Saúde em minimizar os obstáculos ao
estabelecimento do paradigma ético-participativo na gestão sanitária em substituição ao
modelo assistencial-curativo. A NOB 01/96 propôs ainda dois modelos de gestão aos
quais habilitaram-se 99% dos municípios brasileiros conforme notícia do Ministério da
Saúde. São eles: a Gestão Plena da Atenção Básica e a Gestão Plena do Sistema
Municipal.
Nesse diapasão, tomando-se por base que a NOB 01/96 foi bem sucedida
na expansão da municipalização da gestão, já que cerca de 99% dos municípios
brasileiros já eram participantes de alguma das formas de gestão estabelecidas, mas que
ainda restava a regionalização e hierarquização preconizada pela Lei 8.080/90, foi
editada a Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS-SUS) 01/2001, pela
Portaria 95, de 26 de janeiro de 2001. De acordo com ela, os Estados-membros e o
Distrito Federal devem elaborar o Plano Diretor de Regionalização, em harmonia com o
plano estadual de saúde, a fim de assegurar o mais amplo acesso possível do cidadão às
atividades de proteção à saúde em qualquer nível de complexidade. São os PDRs os
documentos que devem prever e estabelecer as regiões ou microrregiões de saúde que
serão divididas pelo critério de melhor atendimento administrativo a situações comuns a
diversos municípios e estados-membros; os módulos assistenciais, que são unidades
com poder de resolução no plano básico de assistência abrangendo um ou mais
municípios, que nesse caso deverá eleger uma sede e as unidades territoriais de
qualificação na assistência à saúde, nas Unidades da federação em que o modelo de
regionalização não permitir microrregiões de saúde. Além disso, a NOAS estabelece
duas formas de habilitação para os Municípios (Gestão Plena da Atenção Básica
Ampliada e Gestão Plena do Sistema Municipal) e duas formas de habilitação para os
Estados (Gestão Avançada do Sistema Estadual e Gestão Plena do Sistema Estadual).
21
8. A Lei 8.142/90 (o controle social do SUS)
Tendo em vista os vetos recebidos pela Lei 8.080/90, foi necessário outro
diploma legislativo para regular o princípio constitucional da participação da
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde. Assim, a Lei 8.142/90 buscou
concretizar nesse âmbito a democracia participativa, que consiste em uma série de
mecanismos que permitem aos cidadãos participar diretamente, ou por meio de
associações representativas, no processo de tomada de decisões políticas.
Vale lembrar que a Constituição de 1988, como declarado logo no
parágrafo único do art. 1º, conformou um sistema de democracia mista, no qual as
instituições da democracia representativa, como eleições periódicas, livres e imparciais
para os cargos públicos, são complementadas pelos mecanismos da democracia
participativa (MAUÉS, 1999). Esse princípio foi especialmente desenvolvido no âmbito
da Ordem Social, o que inclui as políticas de saúde. Desenvolvendo a Constituição, a lei
acima referida criou dois mecanismos de participação da comunidade na gestão do
sistema:
a) Conferência de Saúde: reúne-se, no mínimo, uma 1 vez a cada 4 anos com a
representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação da saúde e
propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis
correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por
este ou pelo Conselho de Saúde;
b) Conselho de Saúde: de caráter permanente e deliberativo, é o órgão colegiado
composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de
saúde e usuários, atuando na formulação de estratégias e no controle da
execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos
aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe
do poder legalmente constituído em cada esfera de governo. A representação dos
usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências é paritária em relação ao
conjunto dos demais segmentos.
A principal inovação desses mecanismos consiste em seu caráter
deliberativo e não apenas consultivo, o que significa que as decisões sobre as políticas
de saúde terão que ser compartilhadas pelos representantes do poder público e da
sociedade. Além disso, os Conselhos constituem-se em instrumentos de fiscalização
pela comunidade do desempenho das funções estatais, favorecendo uma maior eficácia
na aplicação dos recursos e, portanto, a concretização dos princípios que orientam o
Sistema Único de Saúde (CARVALHO, 1995; CORREIA, 2000).
Esta matéria também foi regulada pela Resolução nº 33, de 23 de
dezembro de 1992, do Conselho Nacional de Saúde, que aprovou o documento
“Recomendações para a Constituição e Estruturação de Conselhos Estaduais e
Municipais de Saúde”. Dentre seus pontos mais importantes, a Resolução afirma que os
Conselhos consubstanciam “a participação da sociedade organizada na administração do
Sistema de Saúde, propiciando o controle social desse sistema.” Respeitada a paridade
entre usuários e os demais segmentos, sugere-se a seguinte composição para os
Conselhos Estaduais de Saúde: representante(s) do Governo Federal, indicado(s) pelo
Ministro de Estado da Saúde e outros Ministérios; representante da Secretaria de Saúde
22
do Estado; representante das Secretarias Municipais de Saúde; representante(s) dos
trabalhadores na área de saúde; representante(s) de prestadores de serviço de saúde,
sendo 50% de entidades filantrópicas e 50% de entidades não filantrópicas. A
representação dos usuários deverá ser composta por representante(s) de entidades
congregadas de sindicatos de trabalhadores urbanos e rurais; representante(s) de
movimentos comunitários organizados na área da saúde; representante(s) de conselhos
comunitários, associações de moradores ou entidades equivalentes; representante(s) de
associações de portadores de deficiências; representante(s) de associações de portadores
de patologias; representante(s) de entidades de defesa do consumidor. A representação
total dos conselhos deve ser distribuída da seguinte forma: 50% de usuários, 25% de
trabalhadores de saúde e 25% de prestadores de serviços (público e privado). Os
representantes dos usuários deverão ser indicados impreterivelmente pelas suas
entidades.
Quanto à estrutura, os órgãos de Governo Estadual e Municipal deverão
dar apoio e suporte administrativo para a estruturação e funcionamento dos Conselhos,
garantindo-lhes dotação orçamentária. O Conselho deverá ter como órgãos o Plenário,
que reunir-se-á ordinariamente uma vez por mês, e uma Secretaria Executiva, que
funcionará como unidade de apoio ao funcionamento do Conselhos, secretariando suas
reuniões e servindo de instrumento divulgador de suas deliberações, mantendo
intercâmbio constante com as unidades do SUS e articulando os entendimentos
necessários ao seu aprimoramento. Para tal, deverá contar com pessoal administrativo e
pessoal técnico, que funcionará como Assessoria Técnica ao Plenário e mobilizará
consultorias e assessoramento por parte das instituições, órgãos e entidades da área de
saúde que possam dar suporte e apoio técnico ao Conselho. Os órgãos do Governo
Estadual ou Municipal devem prestar apoio, informações e assessorias aos Conselhos de
Saúde.
Recomenda-se ainda que o ato de criação do Conselho, bem como sua
composição, organização, estrutura e competência devem ser estabelecidos por lei, e
que o mandato dos conselheiros não deve coincidir com o mandato do Chefe do Poder
Executivo.
Por fim, dentre as competências dos Conselhos destacam-se:
 atuar na formulação e controle da execução da política de saúde, incluídos seus
aspectos econômicos, financeiros e de gerência técnico-administrativa;
 estabelecer estratégias e mecanismos de coordenação e gestão do SUS,
articulando-se com os demais colegiados em nível nacional, estadual e
municipal;
 traçar diretrizes de elaboração e aprovar os planos de saúde, adequando-os às
diversas realidades epidemiológicas e à capacidade organizacional dos serviços;
 propor a adoção de critérios que definam qualidade e melhor resolutividade,
verificando o processo de incorporação dos avanços científicos e tecnológicos na
área;
 propor medidas para o aperfeiçoamento da organização e do funcionamento do
Sistema Único de Saúde - SUS;
 examinar propostas e denúncias, responder a consultas sobre assuntos
pertinentes a ações e serviços de saúde, bem como apreciar recursos a respeito
de deliberações do Colegiado;
 fiscalizar e acompanhar o desenvolvimento das ações e serviços de saúde;
23
 propor a convocação e estruturar a comissão organizadora das Conferências
Estaduais e Municipais de Saúde;
 fiscalizar a movimentação de recursos repassados à Secretaria de Saúde e/ou
ao Fundo de Saúde;
 estimular a participação comunitária no controle da administração do Sistema
de Saúde;
 propor critérios para a programação e para as execuções financeira e
orçamentária dos Fundos de Saúde, acompanhando a movimentação e
destinação de recursos;
 estabelecer critérios e diretrizes quanto à localização e ao tipo de unidades
prestadoras de serviços de saúde públicos e privados, no âmbito do SUS;
 elaborar o Regimento Interno do Conselho e suas normas de funcionamento;
 estimular, apoiar ou promover estudos e pesquisas sobre assuntos e temas na
área de saúde de interesse para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde;
 outras atribuições estabelecidas pela Lei Orgânica da Saúde e pela IX
Conferência Nacional de Saúde.
Ao Ministério Público também cabe um papel relevante na promoção
desses mecanismos de participação, por meio, por exemplo, do incentivo à organização
dos Conselhos, do acompanhamento de suas atividades e da utilização de procedimentos
judiciais e extra-judiciais para o cumprimento de suas decisões pelos gestores do
sistema.
9. Agência Nacional de Vigilância Sanitária
A ANVISA foi criada pela Medida Provisória 1.791, de 1998
posteriormente convertida na Lei 9.782 de 26 de janeiro de 1999. Sua finalidade é
administrar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, a qual foi definida na Lei
Orgânica da Saúde como “um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou
prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio
ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da
saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se
relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao
consumo e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou
indiretamente com a saúde” (art. 6º, §1º da Lei 8.080/90).
Foi concebida no novel modelo das Agências Nacionais, cuja natureza
jurídica é de autarquia submetida a regime especial. É gerida por uma Diretoria
Colegiada composta por até cinco membros escolhidos pelo Presidente da República e
ratificados pelo Senado Federal, nos moldes da indicação para Ministros dos Tribunais
Superiores e altas autoridades do Executivo. O mandato da Diretoria será de três anos
permitida uma única recondução e dentre tais membros o Presidente da República
escolherá o Diretor-Presidente. Além da Diretoria Colegiada a ANVISA conta também
com um Procurador e um Ouvidor.
Na sua estrutura, foi criado também um Conselho Consultivo formado
por membros de no mínimo, representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal,
dos Municípios, dos produtores, dos comerciantes, da comunidade científica e dos
usuários. A Lei deixa para o regulamento estabelecer a competência e o número de
membros do Conselho. Diz o Decreto 3.029 de 16 de abril de 1999:
24
“Art. 17. O Conselho Consultivo tem a seguinte composição:
I - Ministro de Estado da Saúde ou seu representante legal, que o presidirá;
II - Ministro de Estado da Agricultura e do Abastecimento ou seu representante
legal ;
III - Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia ou seu representante legal;
IV - Conselho Nacional de Saúde - um representante;
V - Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde - um representante;
VI - Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde - um
representante;
VII - Confederação Nacional das Indústrias - um representante;
VIII - Confederação Nacional do Comércio - um representante;
IX - Comunidade Científica, convidados pelo Ministro de Estado da Saúde dois representantes;
X - Defesa do Consumidor - dois representantes de órgãos legalmente
constituídos.
§ 1º O Diretor-Presidente da Agência participará das reuniões do Conselho Consultivo,
sem direito a voto.
§ 2º O Presidente do Conselho Consultivo, além do voto normal, terá também o de
qualidade.
§ 3º Os membros do Conselho Consultivo poderão ser representados, em suas
ausências e impedimentos, por membros suplentes por eles indicados e designados pelo
Ministro de Estado da Saúde.” (NR) (Parágrafo incluído pelo Dec. nº 3.571, de
21.8.2000)”
A ANVISA tem como objetivos precípuos a regulação, controle e
fiscalização dos produtos que impliquem riscos à saúde pública, tais como
medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e
tecnologias, alimentos, inclusive bebidas, águas envasadas, seus insumos, suas
embalagens, aditivos alimentares, limites de contaminantes orgânicos, resíduos de
agrotóxicos e de medicamentos veterinários, cosméticos, produtos de higiene pessoal e
perfumes, saneantes destinados à higienização, desinfecção ou desinfestação em
ambientes domiciliares, hospitalares e coletivos, conjuntos, reagentes e insumos
destinados a diagnóstico, equipamentos e materiais médico-hospitalares, odontológicos
e hemoterápicos e de diagnóstico laboratorial e por imagem, imunobiológicos e suas
substâncias ativas, sangue e hemoderivados, órgãos, tecidos humanos e veterinários
para uso em transplantes ou reconstituições, radioisótopos para uso diagnóstico in vivo e
radiofármacos e produtos radioativos utilizados em diagnóstico e terapia, cigarros,
cigarrilhas, charutos e qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco,
quaisquer produtos que envolvam a possibilidade de risco à saúde, obtidos por
engenharia genética, por outro procedimento ou ainda submetidos a fontes de radiação
(art. 7º da Lei 9.782/99).
Na sua atuação, a ANVISA deve pautar-se pelos objetivos de atuar sobre
as circunstâncias especiais que provoquem potencialmente riscos à saúde, por isso seu
espectro de ação é amplo, envolvendo não apenas poder de polícia, mas poder de
normatizar.
A Lei é expressa ao exigir a observância do princípio da descentralização
administrativa da gestão, na efetividade do princípio de subsidiariedade visto acima,
para que a ANVISA possa delegar poderes, inclusive de arrecadação como veremos
adiante, aos demais entes federativos, mediante assentimento dos Conselhos de Saúde.
Mas será sempre sua a responsabilidade superior de prestar orientação técnica aos
Estados-membros e Municípios, bem como será incumbência do Ministério da Saúde a
formulação, acompanhamento e avaliação no plano nacional da política e prioridades
das ações de vigilância sanitária para o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, que é
25
coordenado pela ANVISA. Para a implementação da política de descentralização, a
referência legislativa é a Lei 8.080/90 já estudada anteriormente.
A ANVISA veio substituir a extinta Secretaria de Vigilância Sanitária,
órgão do Ministério da Saúde e hoje ocupa, juntamente com o Ministério da Saúde e o
Conselho Nacional de Vigilância Sanitária, a trindade que deve desincumbir-se das
ações dessa natureza no país. Para a consecução de suas atribuições a Lei 9.782/99
estabelece uma gama ampla de poderes à Agência os quais realizam com clareza um
novo perfil intervencionista para o poder Executivo no atendimento à demandas
dinâmicas cuja resolução muitas vezes escapa ao ritmo lento das tramitações
legislativas. Dentre as prerrogativas da ANVISA cabe citar:
“Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos
incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:
III - estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as
ações de vigilância sanitária;
IV - estabelecer normas e padrões sobre limites de contaminantes, resíduos tóxicos,
desinfetantes, metais pesados e outros que envolvam risco à saúde;
V - intervir, temporariamente, na administração de entidades produtoras, que sejam
financiadas, subsidiadas ou mantidas com recursos públicos, assim como nos
prestadores de serviços e ou produtores exclusivos ou estratégicos para o abastecimento
do mercado nacional, obedecido o disposto no art. 5º da Lei nº 6.437, de 20 de agosto de
1977, com a redação que lhe foi dada pelo art. 2º da Lei nº 9.695, de 20 de agosto de
1998;
VI - administrar e arrecadar a taxa de fiscalização de vigilância sanitária, instituída pelo
art. 23 desta Lei;
VII - autorizar o funcionamento de empresas de fabricação, distribuição e importação
dos produtos mencionados no art. 8º desta Lei e de comercialização de
medicamentos;(Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)
VIII - anuir com a importação e exportação dos produtos mencionados no art. 8º desta
Lei;
IX - conceder registros de produtos, segundo as normas de sua área de atuação;
X - conceder e cancelar o certificado de cumprimento de boas práticas de fabricação;
.....
XIV - interditar, como medida de vigilância sanitária, os locais de fabricação, controle,
importação, armazenamento, distribuição e venda de produtos e de prestação de
serviços relativos à saúde, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco
iminente à saúde;
XV - proibir a fabricação, a importação, o armazenamento, a distribuição e a
comercialização de produtos e insumos, em caso de violação da legislação pertinente ou
de risco iminente à saúde;
XVI - cancelar a autorização de funcionamento e a autorização especial de
funcionamento de empresas, em caso de violação da legislação pertinente ou de risco
iminente à saúde;
XVII - coordenar as ações de vigilância sanitária realizadas por todos os laboratórios
que compõem a rede oficial de laboratórios de controle de qualidade em saúde;
XVIII - estabelecer, coordenar e monitorar os sistemas de vigilância toxicológica e
farmacológica;
XIX - promover a revisão e atualização periódica da farmacopéia;
XX - manter sistema de informação contínuo e permanente para integrar suas atividades
com as demais ações de saúde, com prioridade às ações de vigilância epidemiológica e
assistência ambulatorial e hospitalar;
XXI - monitorar e auditar os órgãos e entidades estaduais, distrital e municipais que
integram o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, incluindo-se os laboratórios
oficiais de controle de qualidade em saúde;
XXII - coordenar e executar o controle da qualidade de bens e produtos relacionados no
art. 8º desta Lei, por meio de análises previstas na legislação sanitária, ou de programas
especiais de monitoramento da qualidade em saúde;
26
XXIII - fomentar o desenvolvimento de recursos humanos para o sistema e a
cooperação técnico-científica nacional e internacional;
XXIV - autuar e aplicar as penalidades previstas em lei.
XXV - monitorar a evolução dos preços de medicamentos, equipamentos, componentes,
insumos e serviços de saúde, podendo para tanto:
a. requisitar, quando julgar necessário, informações sobre produção, insumos,
matérias-primas, vendas e quaisquer outros dados, em poder de pessoas de
direito público ou privado que se dediquem às atividades de produção,
distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste inciso,
mantendo o sigilo legal quando for o caso;( Redação dada pela MP nº 2.00012, de 13 de janeiro de 2000)
b. proceder ao exame de estoques, papéis e escritas de quaisquer empresas ou
pessoas de direito público ou privado que se dediquem às atividades de
produção, distribuição e comercialização dos bens e serviços previstos neste
inciso, mantendo o sigilo legal quando for o caso;(Redação dada pela MP nº
2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)
c. quando for verificada a existência de indícios da ocorrência de infrações
previstas nos incisos III ou IV do art. 20 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de
1994, mediante aumento injustificado de preços ou imposição de preços
excessivos, dos bens e serviços referidos nesses incisos, convocar os
responsáveis para, no prazo máximo de dez dias úteis, justificar a respectiva
conduta;(Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro 2000)
d. aplicar a penalidade prevista no art. 26 da Lei nº 8.884, de 1994;(Redação
dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)
§ 1º A Agência poderá delegar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a
execução de atribuições que lhe são próprias, excetuadas as previstas nos incisos I, V,
VIII, IX, XV, XVI, XVII, XVIII e XIX deste artigo.”
Entre os poderes da ANVISA, o que mais impressiona, senão incomoda,
encontra-se no art.8º , §4º , o qual além dos produtos listados na Lei de interesse à
proteção sanitária e portanto autorizadores da ação da ANVISA, “a Agência poderá
regulamentar outros produtos e serviços de interesse para o controle de riscos à saúde
da população, alcançados pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária”.
A norma citada constitui uma verdadeira norma em branco como as
constantes da doutrina penalista, hoje muito em voga na seara ambiental, onde os riscos
muitas vezes apenas podem ser avaliados diante do fato, dificilmente cabíveis no raio de
uma previsão legislativa. Trata-se de uma prerrogativa fronteiriça do Estado de Direito,
um alargamento de fronteiras que sugere uma alteração de paradigmas.
Trata-se de saber que os regulamentos expedidos pela ANVISA teriam o
poder de obrigar a terceiros coercitivamente tal como uma lei formal. A doutrina
costuma apontar três dificuldades fundamentais para tanto, quais sejam o fato de que a
atividade normativa no plano administrativo submete apenas por obra do dever de
obediência hierárquica na Administração Pública, sendo pífio seu alcance em face de
terceiros. No mesmo diapasão, a regulamentação no rigor da disciplina constitucional é
faculdade do Presidente da República (art. 84, IV da CF/88), sendo a Diretoria
Colegiada da ANVISA incompetente para expedir regulamentos para a fiel execução da
lei. Por fim, o art. 8º , §4º , da Lei 9.782/99 parece autorizar a ANVISA a inovar na
ordem jurídica ao conferir-lhe poderes para definir outros produtos que não estejam
compreendidos pela referida Lei, sendo este papel estranho ao poder regulamentar que
existe, por excelência, para disciplinar a execução da Lei e não para ultrapassar-lhe os
limites, acrescentando-lhe novos elementos ou subtraindo os já definidos. Nesse sentido
aponta MORAES (2001:47):
“Portanto, o §4º do art. 8º da Lei 9.782 deverá, nesse aspecto, ser
interpretado restritivamente, isto é, os outros produtos de que trata o artigo
27
em comento, só poderão ser aqueles já cuidados nessa Lei ou em outra
vigente. Não poderá a Agência fiscalizar ou controlar outros produtos não
previstos em lei porque, do contrário, estaria inovando a ordem jurídica e,
por conseguinte, afrontando o princípio constitucional da legalidade”
A autora citada chega a mencionar a perspectiva de entendimento da
atividade normativa da ANVISA caracterizar-se como complementar de “norma em
branco”, mas refuta a idéia por aceitá-la cabível na seara de tipificação criminal e não
no que concerne a fiscalização de bens e serviços pela Agência, ao que pensamos opor o
argumento de quem pode o mais, também pode o menos... Parece-nos que se a
tipificação a partir de norma penal em branco, mesmo em matéria de vigilância sanitária
é possível, como já sói acontecer no direito penal ambiental, igualmente e com mais
razão a dilatação do rol de bens afeitos à supervisão da ANVISA seria aceitável, porque
a autorização genérica está perfeitamente expressa na Lei, a natureza dos objetos
claramente delineável pela enumeração dos artigos 7º e 8º, bem como os anexos da Lei,
e, finalmente, as finalidades da ANVISA definidas em lei no conceito de vigilância
sanitária dado pela LOS permitiriam o controle efetivo das ações da agência.
Não se trata de delegação legislativa camuflada, o que seria claramente
inconstitucional pelo disposto no art. 68 e parágrafos da CF/88, já que essa apenas pode
ser dada nas hipóteses previstas naquele dispositivo ao Presidente da República.
Também não há que se falar em decreto autônomo, figura de aceitação controvertida
entre os administrativistas, pois mesmo para quem os admita sua expedição é privativa
do Chefe máxime do Executivo, nos termos do já citado art. 84, IV da Constituição
Federal.
Como já dito acima, o poder conferido à ANVISA apenas se pode
admitir no direito brasileiro como o de complementar por força de dever regulamentar
uma norma em branco. Os limites do poder regulamentar com mais razão estarão
presentes no caso, isso porque se ao decreto do Chefe do Executivo já se impõe o dever
de conformar-se à Lei, com mais razão as Instruções, Resoluções e Portarias que órgãos
administrativos podem expedir estarão cingidas por tais barreiras. Como ensina a
palavra precisa de BANDEIRA DE MELLO (1996:208):
“Se o regulamento não pode criar direitos ou restrições à liberdade,
propriedade e atividades dos indivíduos que já não estejam
estabelecidos e restringidos na lei, menos ainda poderão faze-lo
instruções, portarias ou resoluções. Se o regulamento não pode ser
instrumento para regular matéria que, por ser legislativa, é insuscetível
de delegação, menos ainda poderão faze-lo atos de estirpe inferior,
quais instruções, portarias ou resoluções. Se o Chefe do Poder
Executivo não pode assenhorear-se de funções legislativas nem
recebe-las para isso por complacência irregular do Poder Legislativo,
menos ainda poderão outros órgãos ou entidades da Administração
direta ou indireta”.
Eis aí a questão que em um esforço exegético mais correto resolve-se: a
autorização do §4º do art. 8º da Lei 9.782/99 não pode ser interpretada extensivamente
como a permitir a criação de outras modalidades de imputação ou restrição a direitos
que não as previstas na lei, mas sim como ampliação do rol de bens e serviços passíveis
da fiscalização, quando sejam tais que possuam conexão intrínseca com a natureza da
atividade protetiva de vigilância sanitária. Observe-se que não se cuida de extensão de
poder algum, pois a ANVISA continuará dispondo das mesmas prerrogativas de polícia
e normativa que a Lei formal já lhe faculta, senão de um detalhamento dos objetos
passíveis de fiscalização, os quais pela sua natureza, pelos riscos que potencialmente
28
apresentam já se encontram compreendidos na finalidade, na justificativa ontológica da
ANVISA. Portanto, não vemos ofensa alguma ao princípio da legalidade já que não
importa a permissão em uma ampliação da capacidade de ANVISA fazer ou obrigar
alguém a fazer alguma coisa que não esteja prevista em lei formal. Os meios de coerção
da ANVISA definidos em lei não podem ser ampliados por regulamentos de qualquer
lavra. Mas o detalhamento da enumeração de produtos e serviços sujeitos às mesmas
condições de fiscalização legalmente previstas parece-nos possível de harmonizar-se no
ordenamento jurídico brasileiro.
Um detalhe interessante também a mencionar sobre a ANVISA é que a
sua administração faz-se fundamentada juridicamente em um contrato de gestão que é
assinado entre o Ministério da Saúde e o Diretor-Presidente que assumir a agência. É
esse contrato de gestão que consignará as prioridades e objetivos do mandato a ser
cumprido pela Diretoria e os critérios de avaliação de desempenho. Reza a Lei:
“Art. 19. A Administração da Agência será regida por um contrato de gestão, negociado
entre o seu Diretor-Presidente e o Ministro de Estado da Saúde, ouvidos previamente os
Ministros de Estado da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão, no prazo
máximo de cento e vinte dias seguintes à nomeação do Diretor-Presidente da autarquia.
(Redação dada pela MP nº 2.000-12, de 13 de janeiro de 2000)
Parágrafo único. O contrato de gestão é o instrumento de avaliação da atuação
administrativa da autarquia e de seu desempenho, estabelecendo os parâmetros
para a administração interna da autarquia bem como os indicadores que
permitam quantificar, objetivamente, a sua avaliação periódica.
Art. 20. O descumprimento injustificado do contrato de gestão implicará a exoneração
do Diretor-Presidente, pelo Presidente da República, mediante solicitação do Ministro
de Estado da Saúde
Por fim, a Lei 9.782/99 autoriza a exoneração imotivada do DiretorPresidente da Agência ao nuto do Presidente da República nos primeiros quatro meses
de mandato, após o que será afastado apenas nos casos de prática de ato de improbidade
administrativa, de condenação penal transitada em julgado e de descumprimento
injustificado do contrato de gestão da autarquia.
Sua manutenção financeira advém basicamente da receita da Taxa de
Vigilância sanitária, paga anualmente em valores fixos pelas empresas nas hipóteses,
exemplificativamente, de autorização de funcionamento por estabelecimento ou unidade
fabril e para cada tipo de atividade, sobre a indústria de medicamentos, equipamentos
(medicina nuclear, tomografia computadorizada, ressonância magnética e
cineangiocoronografia), etc.
Além disso a ANVISA arrecada receita do seu patrimônio alienado ou
arrendado, de doações, da cobrança de sua dívida ativa e da imposição de multas (art. 22
da Lei 9.782/99).
10 – Agência Nacional de Saúde Complementar
A ANS foi criada pela Lei 9.961 de 28 de janeiro de 2000 para promover
a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as
operadoras setoriais, inclusive quanto às suas relações com prestadores e consumidores,
contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País.
Dentre suas finalidades institucionais encontra-se a proposição de
políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar - Consu para a
regulação do setor de saúde suplementar, o estabelecimento das características gerais
29
dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras, a fixação de
critérios para os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de prestadores
de serviço às operadoras, o estabelecimento de parâmetros e indicadores de qualidade e
de cobertura em assistência à saúde para os serviços próprios e de terceiros oferecidos
pelas operadoras, de normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS e
relativas à adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de
mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde.
Sua natureza jurídica, como a ANVISA, é de autarquia sob regime
especial, entendido assim aquele que permite maior autonomia na gestão dos seus
recursos e estabilidade para os gestores que exercerão mandatos.
Sua administração submete-se às mesmas regras da ANVISA
explicitadas acima: Diretoria Colegiada indicada pelo Presidente da república e
ratificada pelo Senado; três anos de mandato; Diretor-Presidente indicado dentre os
demais membros da Diretoria Colegiada; Procuradoria e Ouvidoria compondo a
estrutura administrativa; adoção do contrato de gestão como instrumento de
estabelecimento de objetivos e critérios de avaliação de desempenho.
Correspondente do Conselho Consultivo da ANVISA, a ANS possui a
Câmara de Saúde Suplementar de caráter permanente e consultivo. Assim a Lei define
sua composição:
“Art. 13. A Câmara de Saúde Suplementar será integrada:
I - pelo Diretor-Presidente da ANS, ou seu substituto, na qualidade de Presidente;
II - por um diretor da ANS, na qualidade de Secretário;
III - por um representante de cada Ministério a seguir indicado:
a) da Fazenda;
b) da Previdência e Assistência Social;
c) do Trabalho e Emprego;
d) da Justiça;
e) da Saúde;
IV - por um representante de cada órgão e entidade a seguir indicados:
a) Conselho Nacional de Saúde;
b) Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Saúde;
c) Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde;
d) Conselho Federal de Medicina;
e) Conselho Federal de Odontologia;
f) Conselho Federal de Enfermagem;
g) Federação Brasileira de Hospitais;
h) Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços;
i) Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades
Filantrópicas;
j) Confederação Nacional da Indústria;
l) Confederação Nacional do Comércio;
m) Central Única dos Trabalhadores;
n) Força Sindical;
o) Social Democracia Sindical;
V - por um representante de cada entidade a seguir indicada:
a) de defesa do consumidor;
b) de associações de consumidores de planos privados de assistência à saúde;
c) do segmento de auto-gestão de assistência à saúde;
d) das empresas de medicina de grupo;
e) das cooperativas de serviços médicos que atuem na saúde suplementar;
f) das empresas de odontologia de grupo;
g) das cooperativas de serviços odontológicos que atuem na área de saúde
suplementar;
h) das entidades de portadores de deficiência e de patologias especiais.
§ 1º Os membros da Câmara de Saúde Suplementar serão designados pelo DiretorPresidente da ANS.”
30
A receita da ANS provém fundamentalmente da Taxa de Saúde
Suplementar cujos sujeitos passivos são as pessoas jurídicas, condomínios ou
consórcios constituídos sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa
ou entidade de autogestão, que operem produto, serviço ou contrato com a finalidade de
garantir a assistência à saúde visando a assistência médica, hospitalar ou odontológica,
devida nas hipóteses de plano de assistência à saúde, quando seu valor será o produto da
multiplicação de R$ 2,00 (dois reais) pelo número médio de usuários de cada plano
privado de assistência à saúde, deduzido o percentual total de descontos apurado em
cada plano e por registro de produto, registro de operadora, alteração de dados referente
ao produto, alteração de dados referente à operadora, pedido de reajuste de
contraprestação pecuniária em saúde suplementar.
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