RESSIGNIFICANDO
IMAGENS/MEMÓRIAS DE EXALUNAS DO INSTITUTO DE
EDUCAÇÃO OLAVO BILAC:
PROCESSO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORAS (1929 –
1969) por Rosangela
Montagner
Esse trabalho insere-se no âmbito de
estudos acerca da história da educação
feminina;
é construído a partir de narrativas de
ex-alunas do curso de formação de
professoras primárias do IEOB;
• a inscrição do discurso de que o ensino
primário é de âmbito feminino precisa
insistentemente ser refletida enquanto
prática social;
• carrega uma complexidade de saberes
e discursos onde pesam vários
dispositivos que incidem diretamente no
modo como essa prática foi e é
experienciada;
• o processo de formação de professoras deve
ser pensado numa articulação com as
construções sociais de gênero; é pelas
relações entre os distintos sexos que tem se
correspondido significados aos eventos
sociais; nessa direção, buscar perceber
como se constituiu a formação de
professoras, em um respectivo tempo e
espaço, frente as transformações, se justifica
em função das necessidades que requerem
uma alternativa para se pensar as práticas
educativas;
• assim, o problema é: como se constituiu o
processo de formação de ex-alunas do
Instituto de Educação Olavo Bilac entre os
anos de 1929 a 1969.
• dentre as perspectivas de delimitação do
tema é imprescindível demonstrar alguns
aspectos da organização/funcionamento do
IEOB, com o propósito de conhecer as
significações
das
“escolhas”
dessas
mulheres pela formação docente; verificar as
representações sobre mulher-professora
presentes nas narrativas; identificar como
ocorria o processo de disciplinarização na
escola; conhecer os dispositivos usados para
salvaguardar a sexualidade das alunas;
• ÁREAS DE ESTUDO E CATEGORIAS DE
ANÁLISE: POSSIBILIDADES DE
ARTICULAÇÕES
• os pressupostos teóricos (Scott, Nóvoa, etc..)
são costurados pela noção das relações de
poder foucaultiana, tanto em gênero, quanto
em história, formação, disciplinarização e
sexualidade.
• é no movimento das relações de poder que
se criam os saberes e se constituem os
espaços possíveis de ação dos sujeitos
humanos;
História, poder e gênero: para Foucault a
história é um saber sobre lutas, que é,
conjuntamente, formado e cruzado por
essas mesmas lutas; Scott trata a história
como um lugar que, além de mostrar as
mudanças em distintos espaços e tempos,
abrangem a construção social do gênero,
também a trata como um espaço necessário
a produção de saberes e significados
embricados a essa construção social.
• Formação e o poder disciplinador: nesse
aspecto o trabalho articula uma perspectiva
teórica que compreende a pedagogia e a
escolarização como produtoras de sujeitos,
nesse caso, sujeitos femininos, professoras,
tomando-se a preocupação de Nóvoa, de
que se construa a partir da história dos
processos de formação uma narrativa que
ajude a enfrentar os problemas atuais na
educação; e entender como “cada pessoa se
formou é encontrar as relações entre as
pluralidades que atravessam a vida”
• Sexualidade e formação: Abre-se espaço
para articular dispositivos da sexualidade em
Foucault. Deve-se fazer “imergir a produção
exuberante dos discursos sobre o sexo no
campo das relações de poder, múltiplas e
móveis” . Propõe interrogar uma sociedade
onde todo mundo fala do sexo, para afirmar
que ele é cerceado, reprimido pela moral
burguesa, pelo modelo conjugal e familiar,
sendo que o próprio discurso sobre a
opressão do sexo faz voar, aniquila, essa
“hipótese repressiva”.
É hipocrisia pura
numa sociedade que demoradamente fala do
seu próprio silêncio, que se apega em
descrever o que não diz.
PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS
• Fusão de dois corpus documentais distintos:
fotografias e histórias de vida,
imagens/memórias
• Nova história  caminhos novos: estes
pressupostos se filiam aos estudos
abordados pela nova história, onde a história
não se prende somente a investigar as
mudanças na esfera social ou os fatos
decorrentes dos movimentos sociais,também
se incumbe de buscar compreender o valor
das micro-histórias e para tanto alargou o
âmbito do documento histórico pesquisado.
• Os objetos passam a ser compreendidos pelo(a)
historiador(a) não somente como instituídos pela
vida material, mas como instituintes dessa
mesma vida (Vovelle:1991).
• Para Joutard, a interpretação das lacunas, das
faltas, das discrepâncias com o real conhecido,
está no núcleo da análise (198).
• Registro de imagens: fotografias para o tempo:
as fotografias foram usadas como recurso
catártico, provocar para ressignificar a história
do cotidiano dessas mulheres durante os seus
processos de formação. As fotografias foram
selecionadas junto ao arquivo do IEOB, outras
foram coletadas de álbuns de ex-alunas da
instituição.
• Lugares da memória: a recuperação da
capacidade narrativa é a humanização da
história - desafio ao pesquisador contemporâneo.
A história oral capta e ressignifica as formas de
apreensão e análise social, implicando, enfim,
uma continuidade social que inclui gênero, etnia,
classe, idade.
• Lembranças que falam: Mas como compreendo a
história oral, modalidade histórias de vida? Como
conjunto de técnicas empregada na recolha,
fixação e utilização das memórias de pessoas
para servirem de fonte histórica. Através da
história oral de vida será possível penetrar em
um campo que, de outra maneira, seria mais
difícil, pois no momento em que esta permite
transformar os “objetos” de estudo em “sujeitos”
os resultados serão mais ricos, comoventes e
verdadeiros.
• Aproximação
e apresentação das exalunas: trabalhei com depoimentos de doze
ex-alunas (seis delas voltaram a escola como
professoras, no ensino normal, e quatro
como alfabetizadoras no colégio anexo),
voltados principalmente para a trajetória na
escola. As narrativas foram estimuladas
através de conversas informais, o que
possibilitou que elas “conduzissem” os rumos
dos depoimentos. Havia a preocupação de
conseguir ouvir os sentidos que elas fazem
sobre suas próprias vidas.
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CONTEXTUALIZANDO O ESPAÇO
considerações que permitam vislumbrar o contexto em que
se deu o processo de fundação da escola.
inauguração da escola distrital em 1901;
com a reforma da Instrução Pública, em 1906,
desapareceram os colégios distritais, dando lugar a Escola
Complementar;
em 1910 foi extinta a Escola Complementar e criado o
Colégio Elementar;
somente em 1929, volta a funcionar em Santa Maria a
Escola Complementar, o número de inscrições chegou a
154, para prestarem exame de admissão ao novo
estabelecimento de formação de professoras (es). Destes,
141 conseguiram ser aprovados sendo 121 alunas e 20
alunos. Mas em abril de 1932, quando da formatura,
somente 30 conseguem se formar, sendo 28 “alunasmestras” e 2 “alunos-mestres.
em 1941 a escola é denominada Escola Normal Olavo Bilac;
em 1962 a escola normal é transformada em Instituto de
Educação.
• FAZENDO-SE PROFESSORAS
• Escolhas e/ou caminhos que levaram ao
curso normal do IEOB: a perspectiva ao se
focar: por quê da escolha pelo magistério, no
IEOB? Abre um pressuposto de se pensar
que a própria escolha deveria trazer
intrínseca várias possibilidades, para que só
assim se possa conhecer e admitir como
praticável
uma
outra
sucessão
de
alternativas. A escolha pela escola e pela
profissão para quase todas não foi livre,
muito pelo contrário, assumiu até certo ponto
um caráter de única possibilidade.
• Representações que elas fazem de suas
profissões: como determinado grupo social é
representado
e/ou
se
representa
pode
demonstrar nuanças de o quanto esse grupo
exercita e/ou sofre o poder, podendo indicar
quem mais geralmente é “objeto” ou é “sujeito de
representação”. Nessa perspectiva se pode
entender o discurso da vocação,
o qual é
argumentado, através de uma lógica ancorada na
compreensão social da docência, como trabalho
ideal para mulheres e na sua extensão à
maternidade Quando a maternidade não fosse
possível fisicamente essa deveria se realizar
espiritualmente.
• É significativo nas falas a visão da professora
como uma segunda mãe. Discurso que
ultrapassa os anos, de que a mulher é mais
sentimento, mais capaz de devotar amor aos
pequenos(as).
• Abre-se o precedente para a representação
de que a professora não estaria muito
preocupada com salário, em nome do amor o
desapego material ganha forma.
Esse
discurso é uma constante nas narrativas,
com exceção de Eva e Ivete.
• (...)uma coisa que eu não me preocupava
muito era com a remuneração(...). Então o
salário do magistério sempre foi pequeno,
mas não era a preocupação maior do
professor o salário (...) Então o professor
fazia questão de ter bom nome de
professor.(Arminda).
• Outra representação é a do casamento, e nesse
sentido, muitas práticas na escola colaboravam
para que suas alunas fossem visualizadas com
potencialidade para boas esposas e mães. Até
porque, no próprio ingresso na escola já era
exigido o “atestado de boa conduta moral e
social” aliado a muitas práticas que prestavam
um caráter de que desse espaço surgiram “boas
moças”, com disposição para casar e, ainda
porque, a própria escola, através de várias
normas, tratava de regular a vida das meninas.
• Todas as narrativas falam do orgulho que
sentiam ao usar o uniforme, e serem vistas com
ele, embora discordassem de algum item do
vestuário sentiam-se honradas e orgulhosas no
vesti-lo o que significava, na rua, que eram
alunas de uma escola importante. Os mínimos
detalhes eram pensados no concernente as
atividades de uma professora.
• Em relação a moral, Neiva relata que elas sentiam que
“devia se comportar , devia ter uma moral bem elevada.
Porque professora era um exemplo em qualquer
comunidade (...) O que tinha que ser um exemplo prá todos
isso aí foi muito passado pra gente.”
• Fica claro que além de professoras, também se estava
formando esposas e mães, com atenção a todos os prérequisitos que envolviam essa preparação. Os “saberes
domésticos” foram incorporados e transformados em
“saberes escolares”. Esse fator faz pensar sobre o quanto
o espaço privado “persegue” as mulheres até mesmo em
relação as suas profissões, o quanto ele se torna
extensivo, pois sempre é lembrado, reelaborado,
sistematizado como sendo uma extensão “grudada na
mulher”. Junto com a visão da professora ideal estava
também atrelada a visão da esposa e mãe ideal, a qual
devia ter sólidos princípios morais e religiosos, os quais
eram perpetuados no cotidiano escolar através da
cobrança, da repetição e da introjeção. Assim, a escola se
constituiu como um modelo de organização/funcionamento
no bem formar moças com predicados para docência,
matrimônio e maternidade.
• A disciplinarização no IEOB: encontramos inscrito o
processo de disciplinarização. Os instrumentos do poder
disciplinar são, primeiro a “vigilância hierárquica”, e na
escola é para organizar o controle através de funções de
fiscalização no interior das práticas de ensino, nesse
sentido ocupar o tempo e para tanto, o corpo deve estar
bem disciplinado. Em relação as ex-alunas esse tempo
bem ocupado,
lhes fará incorporar um jeito de ser
professora, também um jeito de ser esposa e ser mãe.
Essa ocupação diz respeito ao cumprimento de várias
tarefas, também ao uso de todos os espaços
que
constituem a escola e ainda os espaços fora da escola,
onde as estudantes circulavam, ou seja, está presente em
todo o cotidiano das alunas, nos seus gestos, falas,
práticas. Beloni se culpa o tempo todo pelo que não fez,
mas “era muito nova e muito católica e segundo as leis de
Deus, era pecado.”
O olhar do “panopticon” está
introjetado no interior de cada uma, contra elas.
• O segundo instrumento é a “sanção
normalizadora”, que trata de penalizar “um
conjunto de comportamentos”, que foge do
esperado na conduta e, nesse sentido, “tudo
passa a servir para punir a mínima coisa”,
nesse caso a pessoa se encontra restringida
numa globalidade “punível-punidora”
(Foucault: 1998). Um pequeno desvio
cometido por Arminda durante uma aula
prática, demonstra a penalidade que ela
sofreu: a humilhação. As micropenalidades
aplicadas a Eva ficavam por conta da
“sexualidade”. Tudo devido ao seu namoro,
que o pai não queria, e por extensão, ela era
vigiada na escola por todos os elementos.
• O último instrumento é o “exame” com a intenção
de “qualificar, classificar e punir”. No próprio
ingresso na escola já está presente esse
mecanismo do poder disciplinar, elas
confrontavam forças e eram comparadas entre si,
obtendo um valor quantificável. Todos os
instantes que elas passaram na escola estavam
sendo avaliadas no seu “cumprimento a
operação do ensino” (p.155). Para Foucault é “um
ritual de poder constantemente renovado”
porque traz todo um “campo de saber” e todo um
“tipo de poder”. O exame garante ao (a) professor
(a) transmitir seu saber e ao mesmo tempo
conhecer seus alunos.
• Sexualidade: “vidro quebrado”: através da
disciplina exercida no IEOB se estava instituindo
saberes sobre a sexualidade, que não se
restringiam aos professores (as)
mas que
também constituíram as alunas-professoras. Em
meio aos espaços, as atitudes, as falas, os
gestos consentidos e banidos construíram uma
respectiva feminilidade.
• Se verifica que o comportamento da estudante,
em todo o seu cotidiano, era decisivo no seu
aproveitamento escolar, se tem uma extensão da
escola na vida toda da aluna, em todo o seu
processo de formação mais atual. A escola está
inscrita nos corpos femininos das professoras,
também enquanto o discurso da negação e
silêncio sobre a sexualidade, de acordo com um
modelo conjugal e familiar.
• Se percebe, através das falas que a escola buscava cercar
a sexualidade das meninas. E por isso lançou mão de
vários recursos e dispositivos. Mas de vários e diversos
modos, através de proibições, de arranjos do espaço, da
distribuição,
das normas, dos símbolos, acabava-se
tratando do sexo no âmbito escolar e a direção,
coordenação, supervisão, docentes, famílias, colocavamse “num estado de alerta perpétuo”, enfim, o sexo
colocado como “discurso assume amplitude considerável”
(Foucault: 1997).
• Nas palavras de Gisela se percebe que o discurso sobre o
sexo acompanhava as preocupações na educação para
normalistas, num sentido de desviá-las do sexo antes do
casamento.
• A professora sempre falava no exemplo da tomada e da
flexinha, que a gente nunca deixasse acontecer de colocar a
flexinha na tomada (...) não podia acontecer uma aproximação
e se isso acontecesse queimava etapas(...)o sexo devia ser
deixado para depois do casamento. (...) que o homem podia
fazer tudo que nele nada pegava, a moça não, é como um
vidro, quebra e nunca mais concerta, então era assim ... tinha
• Em relação a construção da sexualidade são
produzidos códigos e símbolos, numa hierarquia
distante entre mulheres e homens através de um
processo educativo que pretende, corresponder
essa sexualidade aos modelos convencionais. Os
discursos sobre o sexo nunca se proliferaram
fora do poder ou contra ele, mas sim onde o
poder é exercido e como mecanismo para que ele
seja exercido. É nessa rede de poder que se tem
a imposição para que todos façam de sua
sexualidade um discurso permanente e, os vários
mecanismos “incitam, extraem, organizam e
institucionalizam o discurso do sexo” (Foucault
1997).
• Considerações
• Ao percorrer alguns anos, através das narrativas,
das histórias de vida das ex-alunas do IEOB,
vislumbrei representações, doutrinas
comportamentos, posturas, práticas que as
instituíram como mulheres professoras na
sociedade. Mas, notei que, em alguns instantes,
os discursos de várias ordens acabaram
garantindo consequências análogas, a partir de
controvérsias variadas. E mesmo que a escola
tenha incorporado, construído, organizado e
reorganizado esses discursos, é necessário
salientar que as ex-alunas, fazendo-se
professoras, não satisfizeram sempre, nem
cumpriram a risca, essas prescrições
discursivas. E que, muitas delas, se
posicionaram através de características
singulares e plurais, em contradição as
perspectivas sociais inscritas nos distintos
tempos.
• Ao dessas mulheres compreendi que suas
histórias de formação docente se
constituíram, e ainda constituem-se,
atravessadas por relações sociais, onde elas
exerceram mas também sofreram efeitos, de
poder. As ex-alunas compartilharam em
todas as esferas sociais, presentes em seus
cotidianos, infinitesimais e intrincadas
relações de micropoderes, onde todas
praticaram, sofreram ou produziram, em
maior e/ou menor grau e intensidade.
• “olhar”, escutar, sentir as narrativas
• As semelhanças e diferenças, as aproximações e
afastamentos, que observei nas histórias de
formação das doze depoentes, como: “escolha”
pelo curso, representações presentes sobre a
docência, disciplinarização e sexualidade,
ressaltaram alguns aspectos, dando conta de que
através de várias práticas discursivas elas
fizeram-se professoras e produziram saberes que
lhes possibilitaram espaços possíveis de ação.
Algumas assumindo, outras se aproximando e/ou
se afastando, da imagem/modelo da “professora
ideal”, vocacionada, “comportada”, de “moral
inatacável”, com amor e dedicação a sua
“missão” de bem educar as crianças, mesmo
com sacrifício salarial, ensinada e defendida pelo
curso de formação de professoras primárias do
IEOB, nesses quarenta anos.
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Cultura, Memória e Patrimônio na URI/Santiago