Responsabilidade Social: um novo papel das empresas Silmara Cimbalista Este texto procura mostrar algumas mudanças nos valores das organizações brasileiras desenvolvidas pela responsabilidade social, assim como alguns dos resultados obtidos por estas ações. Contrastes sociais brasileiros Em termos de Brasil, observa-se que a responsabilidade atribuída ao Estado, no que concerne ao bemestar do cidadão, não tem colhido os resultados esperados pela sociedade. O governo parece ter esquecido sua função primeira, a de prestar serviços à sociedade. O Estado não tem sido capaz de desempenhar, sozinho, grande parte das suas funções sociais do bemestar social ao desenvolvimento, passando pela proteção ambiental, buscando soluções alternativas e cooperativas. O Brasil continua a ser um país de contrastes sociais gritantes. Apesar de ser considerado o 10º maior Produto Interno Bruto (PIB) mundial, tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que mede a qualidade de vida da população, na 74.a colocação em termos mundiais. Além da distância entre desempenho econômico e situação social, comparativamente a outros países, verifica-se um contraste ainda maior internamente: enquanto o Estado de São Paulo tem um IDH que seria o equivalente ao 27º posto em termos mundiais, o do Estado do Piauí equivaleria à 135ª posição na escala mundial. Apesar de estar entre as maiores economias do mundo, o Brasil tem 15 milhões de analfabetos com idade igual ou superior a 15 anos (o que equivale à população do Chile ou três vezes a de Israel), sem contar que 29,4 % da população são de analfabetos funcionais, ou seja, pessoas que não completaram os quatro primeiros anos do ensino fundamental.1 Na opinião de alguns teóricos, seria fundamental que o país aumentasse seus índices de educação para além dos 5,6 anos de estudo (menos que o ensino fundamental completo), diminuindo o impacto negativo causado na economia pela má formação educacional, e acreditasse que desenvolvimento econômico também se dá pelo investimento em educação. Na sinopse preliminar do Censo 2000, divulgada em maio último pelo IBGE, projetou-se uma população de 171.320.069 pessoas. Deste contingente, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), 22,6 milhões de brasileiros não têm condições de se alimentar por conta própria, ou seja, estão abaixo da linha de indigência, e outros 53,1 milhões, um pouco acima da escala, são considerados abaixo da linha de pobreza.2 Como se observa, o país tem uma imensa dívida social, em áreas básicas como saúde, educação e alimentação, que ultrapassa a capacidade de solução por parte do Estado. Em face desse cenário, deverá ter um árduo trabalho pela frente, tendo que realizar inúmeras reformas estruturais para resgatar seu déficit social e tornar-se uma sociedade mais justa e humanizada. Empresas e responsabilidade social Para diminuir ou mesmo erradicar essas desigualdades, o país deveria acordar para um novo tempo, de desenvolvimento sustentável, educação, saúde, justiça social, ou seja, de bem-estar geral da sociedade. Não necessariamente estas ações têm sido implementadas pelo governo. Muitas estão sendo substituídas pelo que se convencionou chamar de responsabilidade social empresarial. Pelo menos nas duas últimas décadas, tem-se observado que o mundo tem sido constantemente afetado por decisões que são tomadas em escritórios. Como conseqüência, muitas vezes tanto o meio ambiente como o próprio homem sofrem, inadvertidamente, os resultados dessas decisões. Segundo VERGARA e BRANCO,3 as empresas são construções sociais, isto é, sujeito e objeto da realidade da qual fazem parte. São, portanto, partícipes dos problemas sociais e, atualmente, uma das instituições mais influentes nos rumos da sociedade. Sob o ponto de vista conceitual, a empresa que, além do seu negócio, prevê a colaboração corporativa efetiva na construção de uma sociedade mais justa e ambientalmente sustentável, exerce o que se convencionou chamar cidadania corporativa. A organização ou empresa-cidadã que exerce responsabilidade social conduz seus negócios de tal maneira que se torna parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social. A empresa socialmente responsável é aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio-ambiente) e conseguir incorporá-los no planejamento de suas atividades, buscando atender às demandas de todos e não apenas dos acionistas ou proprietários.4 *Mestre em Administração Pública pela FGV/RJ, técnica da equipe permanente desta publicação. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.12, maio/jun. 2001 Para estas empresas a filantropia não deve ser confundida com responsabilidade social, pois trata da ação social externa à empresa, beneficiando principalmente a comunidade em suas diversas formas (conselhos comunitários, organizações nãogovernamentais, associações comunitárias, etc.). Desde meados da década de 80, a integração dos mercados e a queda das barreiras comerciais geraram grandes impactos na economia mundial. Para muitas empresas brasileiras sua inserção numa competição em nível mundial passou a ser questão de vida ou morte. Em um curto espaço de tempo, empresas tiveram que reestruturar padrões gerenciais, desenvolver novas estratégias de negócio para não perder oportunidades, ampliar seus negócios e, ainda, cuidar da concorrência. Ao mesmo tempo, passaram a acompanhar a evolução tecnológica e o aumento do fluxo de informações, cada dia mais acelerado devido aos avanços das telecomunicações e da internet. Nesse novo contexto, o mundo da internet e das comunicações potencializou profundas mudanças no modo como as sociedades se organizavam. Mudamse os papéis das empresas e das pessoas, e redefinese a noção de cidadania. Atualmente, um dos grandes desafios das empresas está na conquista de níveis cada vez maiores de competitividade e produtividade, associada à preocupação crescente com a legitimidade social de sua atuação. Como resposta, as empresas têm passado a investir em qualidade, num contínuo aprendizado que, inicialmente, preocupa-se com os produtos, evolui para a abordagem dos processos, até chegar ao tratamento abrangente das relações da atividade empresarial, com os empregados, os fornecedores, os consumidores, a comunidade, a sociedade e o meio ambiente. Hoje, a gestão empresarial que tome como referência apenas os interesses dos acionistas é insuficiente, pois a gestão deve ser balizada pelos interesses e contribuições de um conjunto maior de partes interessadas. A busca de excelência pelas empresas passa a ter como objetivo a qualidade nas relações e a sustentabilidade econômica, social e ambiental. A responsabilidade social empresarial tem se manifestado baseada em princípios éticos elevados e na busca pela qualidade das relações entre empresa e sociedade. Em tempos em que não existem mais negócios em segredo absoluto, a transparência passou a ser um atributo positivo para a imagem pública e reputação das empresas. A adoção de padrões de conduta ética que valorizem o ser humano, a sociedade e o meio ambiente são uma exigência cada vez maior. Para que isso aconteça, é necessário o envolvimento de toda a empresa na prática da responsabilidade social, gerando sinergias, precisamente, com os públicos dos quais ela tanto depende.5 A prática da responsabilidade social constrói internamente um ambiente de trabalho saudável e propício à realização profissional das pessoas. No meio empresarial, empresas que fomentam o trabalho voluntário de seus funcionários criam um fator competitivo em relação a outras que não atuam nesse sentido. Uma das formas de a empresa demonstrar responsabilidade social é comprometendo-se com programas sociais voltados para o futuro da comunidade e da sociedade. O investimento em conservação ambiental e no uso racional dos recursos naturais é valorizado por atender ao interesse tanto da empresa como da coletividade. Esse tipo de iniciativa revela à sociedade a preocupação da empresa e sua crença de que só uma sociedade saudável pode gerar empresas saudáveis. Responsabilidade social no Brasil O investimento social deixa de ser um apêndice no cotidiano das empresas e passa a ser um fator motivacional no negócio. Empresários viabilizam ações sociais direcionadas aos seus funcionários e familiares, bem como à comunidade, geralmente em volta de sua empresa. As enormes carências e desigualdades sociais no Brasil conferem à responsabilidade social empresarial uma relevância ainda maior. Diferentemente do sentimento ou expectativa com relação ao governo, a sociedade brasileira tem repassado às empresas, de certa forma, o cumprimento de um novo papel no processo de desenvolvimento, isto é, serem atores de mudança social, construtores de uma sociedade melhor. No Brasil, o movimento de valorização da responsabilidade social empresarial ganhou forte impulso na década de 90, mediante a ação de entidades não-governamentais, institutos de pesquisa e empresas sensibilizadas para a questão. Desde o final dos anos 80, o trabalho do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) passou a desenvolver e mobilizar ações políticas, campanhas públicas, monitoramento de processos legislativos e políticas públicas tendo como figura principal um de seus fundadores, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Atualmente, o Ibase, além de continuar defendendo causas públicas, trabalha também com o exercício da responsabilidade social através da idéia de se desenvolver empresas-cidadãs, comprometidas com a qualidade de vida da sociedade e que, por meio de seu Balanço Social, apresentem seus investimentos nos mais diversos projetos sócio-culturais. A promoção do Balanço Social (que divulga os investimentos realizados pela empresa na área social e para onde são destinados) é uma de suas expressões e tem logrado grande repercussão. O principal dirigente da entidade, Betinho, semeou convicções que hoje se transformaram em conquistas concretas e estão mudando a realidade social brasileira. A responsabilidade das empresas públicas e privadas com o bem-estar da comunidade é uma delas. O Ibase criou um selo pelo qual as empresas com preocupação social poderão mostrar através de seus anúncios, embalagens de produtos, balanço social e campanhas publicitárias que investem em educação, saúde, cultura, meio ambiente, enfim, em tudo aquilo que é preciso preservar. ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.13, maio/jun. 2001 Além do selo, um outro símbolo de avanço na área é a obtenção de certificados de padrão de qualidade e de adequação ambiental, como as normas ISO, que empresas brasileiras têm obtido gradativamente. A iniciativa privada tem conseguido agir em problemas de difícil solução. Um exemplo é o número expressivo de empresas que adotaram o selo Empresa Amiga da Criança, da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança, que luta pela erradicação do trabalho infantil no Brasil. No mês de junho último, a Fundação aumentou as exigências para a obtenção do selo, incluindo ações de educação e saúde. Essa mudança se deu em virtude da boa receptividade por parte dos consumidores com relação a empresas que investem no social.6 Um outro instituto que tem se destacado por disseminar a responsabilidade social e orientar empresas nesse segmento é o Instituto Ethos, que recentemente criou os indicadores Ethos, os quais ao mesmo tempo em que servem de instrumento de avaliação para as empresas, reforçam a tomada de consciência dos empresários e da sociedade brasileira sobre o tema. Trata-se de uma empresa sem fins lucrativos, fundada em 1998, que reúne mais de 306 empresas associadas em operação no Brasil, de diferentes portes e setores de atividade. A entidade tem como missão mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade mais próspera e justa. Dissemina a prática da responsabilidade social por intermédio de atividades de intercâmbio de experiências, publicações, programas e eventos voltados para seus associados e para a comunidade de negócios em geral.7 Na Conferência Nacional 2001 de Empresas e Responsabilidade Social, realizada em junho último, em São Paulo, o instituto lançou um guia cujo objetivo é criar um padrão nacional de Balanços Sociais. O modelo nada mais é do que uma ampliação do modelo proposto pelo Ibase desde 1997. O instituto também se baseou em propostas feitas pelo Institute of Social and Ethical Accountability, da Inglaterra e da Global Reporting Iniciative, que propõe obrigatoriedade de apresentação do Balanço Social por empresas que negociam com o governo. A idéia é aumentar o número de empresas brasileiras que já fazem seu Balanço Social, que hoje conta com cerca de 200 organizações.8 Recentemente, o IPEA divulgou alguns resultados da Pesquisa Ação Social das Empresas, realizada nas regiões Sudeste, Nordeste e Sul, abrangendo 1.752 empresas das quase 700 mil em atuação no Brasil, constatando que boa parte delas tem algum tipo de projeto na área social. Uma das conclusões do estudo é que o setor privado já pode ser considerado como o grande interlocutor das políticas públicas do País no tocante à ação social.9 Como se pode observar no gráfico 1, a seguir, o estudo mostra que a região Sudeste possui mais empresas investindo em projetos sociais do que nas regiões Nordeste e Sul. Foram ouvidas pequenas, médias e grandes empresas sobre todos os tipos de atividades sociais que realizam, levando-se em conta, assim, um conceito amplo de ação social, que abrange atividades não obrigatórias realizadas para atender aos empregados da empresa ou da comunidade em setores como assistência social, saúde e educação. A pesquisa revela, ainda, que os incentivos fiscais não têm servido de grande estímulo para que as empresas promovam atividades na área social, como mostra o gráfico 2. Uma outra organização que sistematiza os investimentos sociais no Brasil oriunda da iniciativa privada é o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife), criado informalmente no final dos anos 80 e tendo sido formalizado em 1995, atraindo, desta forma, um maior número de associados.10 O Gife realizou, em maio último, um estudo sobre o investimento social no País, revelando que as empresas doam e desenvolvem projetos sem fins lucrativos do mesmo modo como gerenciam seus negócios. Contratam consultores e auditores externos, montam joint-ventures com outros doadores, investem no mercado financeiro e formam equipes com pessoal altamente qualificado. Isto significa dizer que a profissionalização cresce junto com o investimento. O grupo ouviu 48 de seus 57 associados através de entrevistas, visitas e questionários. Entre os seus sócios estão empresas como a Xerox, C&A, Bradesco, Kellogg, Volkswagen, Fundação Abrinq e Instituto Ayrton Senna. No total, os associados doam R$ 593 milhões por ano. Conclui-se que os maiores beneficiados do dinheiro privado e dos seus projetos estão localizados geralmente nas imediações das fábricas ou escritórios dos doadores: são crianças (66,7%), jovens (70,8%), população em geral (56,2%), sociedade civil (43,7%) e professores (41,7%).11 Para a maioria dos membros do Gife, os temas prioritários são a educação, seguida da cultura e artes, fortalecimento da sociedade civil, saúde e outros, como mostra o gráfico 3. Contudo, apesar de mostrar um significativo crescimento, o investimento social privado ainda não é proporcional ao tamanho do capital no Brasil. O gráfico 4 mostra a evolução dos investimentos entre 1997 e 2000. Os promotores da pesquisa ficaram admirados com o dado de que apenas 30% dos membros buscam incentivos fiscais. Os doadores preferem buscar parcerias com outras fundações ou instituições em 85% dos casos, com o governo em 77%, com organizações não-governamentais em 75%, e com empresas em 55% dos casos. A busca de parceiros normalmente visa ampliar o apoio aos projetos, trocar experiências e aumentar o volume de recursos disponível. Os investimentos ainda são humildes em se tratando, por exemplo, de empresas como a Volkswagen, que fechou 2000 com um faturamento na ordem de R$ 9 bilhões no País. A Basf, por outro lado, reserva R$ 400 milhões para pesquisas e desenvolvimento em sua divisão agrícola. Segundo a pesquisa, ao contrário do norte-americano, o ambiente fiscal brasileiro é inóspito para o investimento social, com exceção da área cultural. Num país em que 15 milhões de jovens, adultos e idosos não sabem ler ou escrever, onde ainda tem-se um índice de mortalidade infantil alto, apesar de ter diminuído nos últimos anos, onde a desigualdade social e a má distribuição de renda estão entre as piores em termos ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.14, maio/jun. 2001 GRÁFICO 1 - PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS EM AÇÕES SOCIAIS, NAS REGIÕES SUDESTE, NORDESTE E SUL DO BRASIL (%) 70 60 50 40 67 30 55 46 20 10 0 Sudeste Nordeste Sul FONTE: Pesquisa Ação Social das Empresas - IPEA/DICOD (2001), extraído de CAVALCANTI, Hylda. Ipea relaciona ação social das empresas. Gazeta Mercantil, São Paulo, 29 maio 2001. p.a11 G R Á F IC O 2 - U S O D E IN CE N TIV OS F IS C A IS E M A Ç Õ E S S O C IA IS , PE LAS E M P R ESA S D AS R E GIÕ ES SU D E STE , N O R D E S TE E S U L D O B R AS IL 100 % 90 22 80 41 7 47 71 33 70 60 50 23 40 30 20 36 20 10 0 S u des te S im N ordes te Não Sul N ã o respo nd e u FONTE: Pesquisa Ação Social das Empresas - IPEA/DICOD (2001), extraído de Cavalcanti, Hylda. Ipea relaciona ação Social das Empresas. Gazeta Mercantil, São Paulo, 29 maio 2001. p.a11 ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.15, maio/jun. 2001 G R Á F IC O 3 - T EM A S P R IO R ITÁ R IO S D O S M E M B R O S D O G IF E , PAR A O IN V E S T IM E N T O S O C IA L P R IVA D O , N O B R A S IL M elhorias h abita ciona is/sa neam ento 8,3 E s portes 10,4 Tecno logia 12,5 C om u nicaç ões 14,6 25 D esen volv im ento da eono m ia popula r D esen volv im ento c om unitá rio 31,2 M eio am bie nte 37,5 A s sis tência s ocial 37,5 C idadania 41,7 S aúd e 43,7 F ortalecim entos de O N G s 43,7 56,2 C ultura e artes 85,4 E duc aç ão 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 F O N T E: S C H A R F, R eg ina . Inve stim e nto social p rivad o está m a is p ro fission al. Gazeta M ercantil . S ão P a ulo , 2 3 m a io 20 01 . p .4 9 G R Á F IC O 4 - E V O LU Ç Ã O D O IN V E S TIME N TO S O C IA L E P R IVA D O E N TR E 1 99 7 E 20 0 0, N O B R A S IL C res ceram m ais d e 200 % D im in uíram N ão inv es tia em 19 97 6% 18% 6% C res ceram entre 101 % e 200 % 10% 17% 13% C res ceram até 3 0% N ão re spo ndeu 15% C res ceram entre 31% e 60% 15% C res ceram entre 61% e 100% F O N T E : S C H A R F, R eg ina . Investim en to social priva do está m ais profissio na l. Gazeta M ercantil. S ã o P au lo, 23 m aio 2 00 1. p.49 ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.16, maio/jun. 2001 mundiais, é necessário confiar na sociedade organizada e nas organizações para que tal quadro desastroso se transforme, já que o braço social do Estado é curto demais para alcançar todos os bolsões de carência. Experiências de responsabilidade social em empresas brasileiras Fundações e instituições de todo o mundo estudam maneiras de mostrar às empresas que não basta realizar ações sociais de forma isolada, mas é preciso integrá-las aos sistemas de planejamento, avaliação, monitoramento e em seus processos de gestão. Do universo de empresas brasileiras que estão engajadas em projetos de responsabilidade social, muitas admitem que ações voltadas para o público externo acabam se integrando ao modo de produção. A Natura ilustra bem essa tendência. Na sua linha Natura Ekos, demonstrou como o social acaba incorporando o gerencial. A partir de espécies amazônicas, vendidas por extrativistas, a empresa investe no desenvolvimento sustentável da biodiversidade botânica da Amazônia brasileira, afirmando ser este o pilar de sustentação do negócio nos próximos 10 anos. Considera, também, ser uma experiência definitiva e transformadora na empresa, pois aproximou-se de uma realidade que não conhecia, as organizações não-governamentais, bem como das comunidades de reservas extrativistas do Amapá e do Amazonas que fornecem partidas de castanha do Pará, andiroba ou guaraná. Como resposta, há um aumento de consumidores que demonstram gostar e incorporar o novo conceito do produto.12 A discussão sobre o papel da propaganda e marketing na responsabilidade social é recente e mostra ser este um campo muito perigoso. O alerta aos empresários é para que não usem a propaganda para promover as causas sociais, ou, quando o fizerem, tenham muito critério, bom senso e ética. Uma experiência cujos resultados de vendas e estratégia de comunicação estão alinhados com a filosofia da ética social é a do Boticário, que atualmente é referência no uso de ações de preservação do meioambiente em prol de sua imagem de fabricante de perfumes e cosméticos. Cite-se também o Pão de Açúcar, que pretende investir R$ 6 milhões em atividades do Terceiro Setor, argumentando ter construído uma nova relação com o consumidor, amparada em conceitos de relacionamento com o cliente, tecnologia e apoio a causas sociais. Atualmente vem investindo em atividades ligadas à educação, esporte, reciclagem de lixo e preservação do meio-ambiente.13 Enfim, essas experiências são alguns exemplos das inúmeras ações que podem ser desenvolvidas pela responsabilidade social empresarial. Considerações finais Sabe-se que o investimento social privado pode gerar saldos positivos ou negativos, dependendo do grau de comprometimento da empresa e de sua estratégia. A empresa precisa ter conhecimento das necessidades da comunidade ao seu redor a da sociedade em que está inserida, trabalhar no sentido de eliminar ou amenizar essas carências, combinar seu foco de negócio com o de seus clientes e criar parcerias para maximizar sua atuação social, fazendo disso um diferencial de competitividade. Para que todos esses fatores estejam em harmonia é necessário um esforço conjunto de empresários, funcionários, ONGs e sociedade em geral. Embora haja mudanças positivas sobre ações sociais, somente será possível colher resultados efetivos quando apenas as não grandes, mas as médias e pequenas empresas incorporarem esses valores em sua gestão. Em um país como o Brasil, a responsabilidade social só será importante quando, numa empresa, tiver o mesmo peso que as questões econômicas. Espera-se que num futuro breve, as empresas sejam julgadas pelas suas ações, pelo seu compromisso com o social, com a ética pelo foco nas pessoas (funcionários, clientes, fornecedores, concorrentes e cidadãos em geral) e com o meio ambiente. Como já ocorre na Europa, é muito provável que a sociedade brasileira escolha produtos, bens ou serviços mediante análise da responsabilidade social exercida pela empresa. O lucro será mútuo, ganhando-se também uma sociedade mais justa e humanizada. . ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.17, maio/jun. 2001 NOTAS 1 MANDL, Carolina; VIANA, Diego. Pesquisadores vinculam analfabetismo e economia. Folha de S. Paulo, 27 mar. 2001. Caderno Especial Trainee, p.2. BALANÇO social 2001: rumo certo no desafio da injustiça. Expressão, Florianópolis, v.11, n.112, 2001. p.17. 2 3 VERGARA, Sylvia Constant; BRANCO, Paulo Durval. Empresa humanizada: a organização necessária e possível. Revista de Administração de Empresas, São Paulo: FGV, v. 41, n. 2, abr./jun. 2001. p.21. INSTITUTO ETHOS. Perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 06 jun. 2001. 4 INSTITUTO ETHOS. Perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 06 jun. 2001. 5 6 ATHIAS, Gabriela. Amigas da criança tem novas exigências. Folha de S. Paulo, 13 jun. 2001. Caderno Cotidiano, p.C1 INSTITUTO ETHOS. Perguntas e respostas. Disponível em: <http://www.ethos.org.br>. Acesso em: 08 Jun 2001. 7 8 SCHARF, Regina. Instituto Ethos lança guia de balanços sociais. Gazeta Mercantil, São Paulo, 06 jun. 2001. Caderno Administração & Marketing, p.C5. CAVALCANTI, Hylda. Ipea relaciona ação social das empresas. Gazeta Mercantil, São Paulo, 29 maio 2001. p.A11. 9 A informação referente ao GIFE foi extraída de: SCHARF, Regina. Investimento social privado está mais profissional. Gazeta Mercantil, São Paulo, 23 maio 2001. p.A9. 10 11 SCHARF, Regina. Investimento social privado está mais profissional. Gazeta Mercantil, São Paulo, 23 maio 2001. p.A9 12 SCHARF, Regina; ANTIQUERA, Daniel. Social entra para o coração das empresas. Gazeta Mercantil, São Paulo, 07 jun. 2001. Caderno Nacional, p.A6. 13 Informações sobre Boticário e Pão de Açúcar foram extraídas de: COMPANHIA com responsabilidade social se destaca no marketing. Valor Econômico, São Paulo, 8 a 10 jun. 2001. Caderno Empresas, p.B2. REFERÊNCIAS AGLIERI, Liliam; BORINELLI, Benilson. Responsabilidade social empresarial. Folha do Paraná, Londrina, 13 set. 2000. p.3. BALANÇO social 2001. Expressão, Florianópolis: Ed. Expressão Sul, v.11, n.112, 2001 BITTAR, Rodrigo. Pesquisa do IPEA faz mapa do investimento no terceiro setor. Valor Econômico, São Paulo, 29 maio 2001. Caderno Empresas, p.B2. FERREIRA, Alessandra. Chama do social continua acesa. Gazeta Mercantil, São Paulo, 27 set. 2000. Caderno Paraná, p.5. HANAN, Samuel. Uma visão do holocausto social brasileiro. Gazeta Mercantil, São Paulo, 14 mar. 2001. p.A3 ANÁLISE CONJUNTURAL, v.23, n.5-6, p.18, maio/jun. 2001