Artigo Original Identificação de síndrome metabólica em policiais civis do Distrito Federal, Brasil Eliziane Brandão Leite e Vânia Cristine Cavalcante Anchieta DOI: RESUMO Introdução. A definição de síndrome metabólica baseia-se na detecção de aumento do perímetro abdominal, elevação de triglicerídeos e glicemia de jejum, redução da lipoproteína de alta densidade – HDL colesterol e presença de hipertensão arterial. Objetivo. Identificar a presença da síndrome metabólica entre policiais civis durante Programa de Inspeção Médico-Psicológica da Polícia Civil do Distrito Federal (PIMP-PCDF). Método. No período de março de 2008 a fevereiro de 2009, foram avaliados 3.745 policiais da ativa durante o PIMP/PCDF. Os servidores apresentaram-se por convocação à Policlínica da PCDF para inspeção psicológica e médica, munidos de exames laboratoriais. Foram analisados os resultados de 1.927 servidores: 1.433 homens e 494 mulheres. A equipe de enfermagem realizou aferição de pressão arterial, perímetro abdominal e medidas antropométricas em balança digital. Resultados. O perímetro abdominal estava alterado em 68,2% das mulheres e 54,3% dos homens. Tomando-se por base o perímetro abdominal alterado, correlacionado com os dados de hipertensão arterial, triglicerídeos elevados, HDL colesterol baixo, glicemia de jejum superior a 100 mg/dL, pôde-se diagnosticar a síndrome metabólica em 18,6% das mulheres e 15,8% dos homens. Conclusões. A síndrome metabólica foi identificada em aproximadamente um quarto dos agentes policiais avaliados, com alerta a esse grupo de indivíduos identificados sobre a necessidade de intervenção no estilo de vida. 186 • Brasília Med 2013;50(3):186-193 Eliziane Brandão Leite – médica endocrinologista, Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, Brasília-DF Vânia Cristine Cavalcante Anchieta – psicóloga, mestre e doutora em Psicologia, agente de polícia da Polícia Civil do Distrito Federal, Brasília-DF Correspondência: Eliziane Brandão Leite. SMPW quadra 17 conjunto 12, lote 7, casa H, Park Way. CEP: 71741-712. Brasília/DF. Telefone: 61 8285-1300. Fax: 3245-2360. Internet: [email protected] Estudo realizado na Policlínica da Polícia Civil do Distrito Federal. Conflito de interesses: nada a declarar pelas autoras. Recebido em 12-11-2012. Aceito em 12-4-2013. Palavras-chave. Fatores de risco; síndrome metabólica; policiais; obesidade abdominal; epidemiologia. Abstract Identification of metabolic syndrome in civil police officers in the Federal District of Brazil Introduction. The diagnosis of metabolic syndrome is based on detection of increased waist circumference, elevated triglycerides and fasting glucose, decreased HDL cholesterol, and presence of hypertension. Objective. To identify the presence of metabolic syndrome in civil police officers during the MedicalPsychological Inspection Program from the Civil Police of the Federal District (PIMP-PCDF). Eliziane Brandão Leite e col. • Síndrome metabólica em policiais Method. From March 2008 to February 2009, 3,745 officers on active duty were evaluated during the PIMP/ PCDF. They were convened by the Polyclinic PCDF for psychological and medical evaluation. Participants were asked to bring laboratory tests results. We analyzed the results of 1,927 officers; 1,433 were men and 494, women. The nursing team took their blood pressure, measured their waist circumference and collected anthropometric measurements using digital scales. Results. The frequency of increased circumference was 68.2% among women and 54.3% among men. Considering waist circumference increases and correlating them with data on hypertension, high triglycerides, low HDL cholesterol, and fasting glucose > 100 mg/dL, 18.6% of women and 15.8% of men were diagnosed with metabolic syndrome. Conclusions. Metabolic syndrome was identified in approximately a quarter of the officers evaluated, prompting the recommendation for lifestyle changes. Key words. Risk factors; metabolic syndrome; policimen; abdominal obesity; epidemiology. prevalência de síndrome metabólica está associada à excessiva deposição de gordura abdominal e é maior entre indivíduos em classes socioeconômicas mais baixas.3,4 Os componentes da síndrome metabólica, aumentam em 1,5 a 3 vezes o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares e em cinco vezes o risco de desenvolvimento de diabetes melito do tipo 2.5 A doença cardiovascular ocupa o primeiro lugar entre as causas de mortalidade no Brasil. Estimase que existam hoje 366 milhões de diabéticos, de 40 a 59 anos etários, no mundo. A expectativa é de alcançar cifras de aproximadamente 552 milhões de pessoas em 2030, segundo dados da Federação Internacional de Diabetes.6 O diabetes melito é uma epidemia mundial com alta morbimortalidade cardiovascular e elevado custo socioeconômico. No Brasil, 49% dos indivíduos maiores de 20 anos de idade estão com sobrepeso. Em dez anos, a expectativa é que dois terços da população brasileira alcance sobrepeso ou obesidade, segundo divulgação da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE (2008-2009). A definição de síndrome metabólica baseia-se na detecção de perímetro abdominal maior que 94 cm em homens e 80 cm em mulheres, concentração sérica de triglicerídeos maior que 150 mg/dL e glicemia de jejum maior que 100 mg/dL, HDL colesterol inferior a 40 mg/dL para homens e 50 mg/dL para mulheres e presença de hipertensão arterial definida como pressão sanguínea arterial maior que 130 por 85 mmHg, com algumas distinções para valores e critérios estabelecidos pelo National Cholesterol Education Program- Adult Treatment Panel III (NCEPATP III) e International Diabetes Federation (IDF).1 A possibilidade de identificação de síndrome metabólica entre policiais civis, durante avaliação periódica de saúde, permite alertar os acometidos sobre maior risco de adoecimento. As condições que caracterizam a síndrome metabólica, isoladas ou em conjunto, podem ser fatores determinantes de afastamento do trabalho, limitações laborais e até aposentadorias precoces. Ao identificar um individuo como portador de síndrome metabólica o médico, em geral endocrinologista, cardiologista ou de outras especialidades, propõe ações de modificações de estilo de vida, reeducação de hábitos e, às vezes, intervenções medicamentosas precoces, com o objetivo de interferir na evolução desses fatores de risco de adoecimento e morte prematura. A patogênese da síndrome metabólica é multifatorial. A resistência à insulina, que se associa à gordura visceral, e a obesidade são os principais aspectos envolvidos. Sedentarismo, idade avançada, estresse emocional, modificações hormonais e determinantes genéticos contribuem para a prevalência com variações de acordo com a etnia.2 A Nessa perspectiva, a identificação precoce poderá oferecer ao policial com síndrome metabólica o reconhecimento da necessidade da busca por recursos médicos assistenciais para o restabelecimento da saúde de modo individual, na comunidade e com os parceiros de trabalho, por meio de programas de incentivo à prática de atividade física, de controle INTRODUÇÃO Brasília Med 2013;50(3):186-193 • 187 Artigo Original do excesso de peso, de tabagismo, de controle do estresse entre outras ações oferecidas pela instituição policial a que pertence. Por ocasião da realização do Programa de Inspeção Médico-Psicológica da Polícia Civil do Distrito Federal (PIMP-PCDF), em caráter pioneiro na instituição policial, foi realizado estudo com o objetivo de avaliar a presença de síndrome metabólica entre policiais civis para proposição aos gestores das unidades policiais da necessidade de abordagens preventivas e de promoção à saúde entre os policiais. MÉTODO Foi realizado um estudo descritivo, transversal, com base na avaliação médica em 3.745 policiais que compareceram à Policlínica da PCDF no período de março de 2008 a fevereiro de 2009. A convocação para avaliação médica e psicológica foi dirigida a 4.228 policiais, mas 483 (11,8%) não fizeram avaliação médica. A identificação dos policiais com síndrome metabólica se deu pela pesquisa clínica durante o Programa de Inspeção Médico Psicológica da Polícia Civil do Distrito Federal para avaliação periódica da saúde. Os servidores avaliados foram submetidos a exames laboratoriais, incluindo-se hemograma, glicemia, ureia, creatinina, colesterol total, lipoproteína de alta densidade (HDL), lipoproteína de baixa densidade (LDL), lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL), triglicerídeos, ácido úrico, transaminase glutâmica oxalacética (TGO), transaminase glutâmica pirúvica (TGP), hormônio tireoestimulante (TSH) e antígeno prostático específico (PSA) nos homens acima de 45 anos de idade. Aqueles com mais de 40 anos foram submetidos a radiografias do tórax, e mulheres com idade superior a 40 anos, a mamografia. A pesquisa de dados antropométricos foi realizada pela equipe de três enfermeiras, com aferição de pressão arterial em equipamento do tipo pressão não invasiva (PNI), marca Dixtal; perímetro abdominal localizado na linha média entre a borda costal e a crista ilíaca, aferido com fita métrica de 1,50 m, flexível, porém não distensível, 188 • Brasília Med 2013;50(3):186-193 com o paciente em pé e com os braços estendidos, com a camisa suspensa; medidas antropométricas em balança digital. O cálculo do índice de massa corporal (IMC) foi feito pela fórmula da razão entre peso em quilogramas e o quadrado da altura em metros (peso/altura2), e classificou-se conforme os critérios da Organização Mundial da Saúde: saudável menor de 25 kg/m2, sobrepeso de 25 a 29,9 kg/ m2 e obeso igual ou maior de 30 kg/m2. Para a avaliação médica e psicológica os servidores foram solicitados a assinar o termo de consentimento livre esclarecido no momento da aplicação de questionário com dados sociodemográficos, elaborados pela coordenação médica e psicológica do programa, antes da verificação da enfermagem. Durante a avaliação médica, os servidores foram submetidos a exame físico sucinto, análise dos exames laboratoriais e receberam orientações gerais sobre sua condição de saúde e tiveram encaminhamento especializado quando necessário. O exame médico foi realizado pelos treze médicos lotados na Policlínica da PCDF. Para alcançar o objeto do estudo, foram selecionadas as seguintes características: triglicerídeos elevados e glicemia de jejum maior que 100 mg/ dL, que asseguram a presença de síndrome metabólica nos indivíduos previamente identificados pela equipe da enfermagem com perímetro abdominal aumentado, de acordo com os critérios da Federação Internacional de Diabetes. Do total de 3.745 policiais civis avaliados, 2.189 tiveram os dados inseridos em computador, com software desenvolvido para a realização do Programa de Inspeção Médico-Psicológica. Foram excluídos indivíduos sabidamente hipertensos e diabéticos. Para análise do tempo de serviço os policiais civis foram separados de acordo com a matrícula desde o início da carreira policial em até dez anos, de 11 a 20 anos e de 21 anos ou mais. Os dados foram analisados pelo software SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 15.0. Utilizou-se o qui ao quadrado para análise dos resultados. Considerou-se o p menor ou igual a 0,05 como significativo. Eliziane Brandão Leite e col. • Síndrome metabólica em policiais RESULTADOS Para a pesquisa de síndrome metabólica foram analisados os resultados de 1.927 servidores: 1.433 homens e 494 mulheres. A amostra foi composta de servidores com idades de 35 a 50 anos, com escolaridade de 2.º grau (20%) a nível superior (80%). Conforme apresentado na tabela 1, o perímetro abdominal alterado foi encontrado em 1.116 policiais (57,9%) e foi mais frequente nas mulheres (p < 0,0001). Na tabela 2, apresenta-se a frequência da síndrome metabólica de acordo com o perímetro abdominal alterado e os parâmetros envolvidos em seu diagnóstico. Observou-se que 16,5% dos policiais tinham a síndrome metabólica, distribuídos em 15,8% dos homens e 18,6% das mulheres. A associação do perímetro abdominal com HDL baixo e triglicérides altos e a glicemia maior que 100 mg/ dL e triglicérides altos foram mais frequentes nos homens. Nas mulheres, a frequência maior foi com o HDL baixo e triglicérides altos. Tabela 1. Frequência de distribuição do perímetro abdominal elevado entre policiais civis Homens > 94 cm Número % 779 54,3 Mulheres > 80 cm 337* 68,2 Total 1.116 57,9 A presença de diabetes e pressão arterial elevada autorreferida no questionário inicial foi diabetes em 3,4% e hipertensão arterial de 24,3% e foi mais frequente na categoria com mais de 21 anos de serviço e no sexo masculino. As alterações das concentrações de colesterol maior de 240 mg/dL e de triglicerídeos maiores que 150 mg/dL foram mais frequentes nos servidores de 11 a 20 anos de serviço. Quanto à análise do índice de massa corpórea nas mulheres policiais, este foi normal em 37%, e compatível com sobrepeso ou obesidade em 32,6%. Os homens tiveram como mais frequente o quesito sobrepeso mais obesidade de 60,1% e apenas 12,5% apresentou peso normal. Na tabela 3, é apresentada a distribuição do índice de massa corpórea e a frequência de síndrome metabólica, de acordo com o tempo de serviço. Observa-se que, quanto maior o tempo de serviço, maior a frequência de sobrepeso e obesidade. A maior frequência de magros, determinada pelo Tabela 3. Classificação do índice de massa corporal e frequência de síndrome metabólica de acordo com o tempo de serviço IMC* (%) < 2 5 kg/m2 > 25 kg/m2 Síndrome metabólica (%) 21 ou mais 8,6 60,4 43,2 11 a 20 18,4 56,2 36,5 10 ou mais 21,8 45,5 20,3 Tempo serviço (anos) * Índice de massa corporal. *p < 0,0001 em relação aos homens Tabela 2. Frequência dos componentes da síndrome metabólica entre policiais com perímetro abdominal elevado, de acordo com o sexo Homens > 94 cm Mulheres > 80 cm n % n % Com a síndrome 227 15,8 92 18,6 HDL+ triglicerídeos 66 29 51 55,4 Glicemia + triglicerídeos 57 25,1 11 11,9 Hipertensão arterial + triglicerídeos 37 16,2 8 8,6 HDL+ glicemia 27 11,8 11 11,9 Hipertensão arterial + glicemia 24 10,5 2 2,1 HDL+ hipertensão arterial 16 7 9 9,7 Brasília Med 2013;50(3):186-193 • 189 Artigo Original Tabela 4. Prática do exercício físico de acordo com o tempo de serviço entre homens e mulheres Tempo serviço (anos) masculino (%) feminino (%) sim não sim não 21 ou mais 18,6 11,1 16,8 17,8 11 a 20 22,8 9,3 19,1 14,6 10 ou mais 17,5 13,9 20,3 17,7 índice de massa corpórea, foi observada naqueles com menos de dez anos de serviço. A frequência de síndrome metabólica também aumentou com o tempo de serviço de maneira significativa. Quando observado por faixa etária, entre os portadores de síndrome metabólica, 130 policiais (87,8%) tinham mais de 40 anos. Foram identificados 25% do contingente de servidores com mais de dez anos de carreira policial como padecentes de síndrome metabólica. A análise da prática de exercício físico ocorreu em uma amostra de 426 servidores e, de acordo com o tempo de serviço, observou-se que as mulheres são as que mais praticam exercício físico. A tabela 4 mostra que a prática é mais frequente entre os servidores com 11 a 20 anos de serviço (22,8%), seguidos por aquelas com menos de dez anos de serviço (20,3%). DISCUSSÃO Nesta pesquisa, constatou-se que 16,5% dos policiais civis do Distrito Federal tinham a síndrome metabólica e que a frequência foi semelhante entre os sexos. Os componentes da síndrome metabólica correlacionados com a presença do perímetro abdominal elevado foram o HDL baixo e os triglicerídeos aumentados. A prevalência de síndrome metabólica pode ser muito variável, com índices abaixo de 10% ou 15% como os encontrados em trabalhadores administrativos da indústria do petróleo.7 Apesar 190 • Brasília Med 2013;50(3):186-193 das diferenças de faixa etária, em amostra aleatória de 240 moradores (25 a 87 anos) do distrito de Cavunge, no semiárido da Bahia, foram identificados 38,4% mulheres e 18,6% homens adultos com a síndrome.8 A explicação para essas variações pode estar relacionada aos métodos diagnósticos aplicados e às variáveis de faixa etária. Na capital Vitória, a prevalência da síndrome metabólica foi 29,8%,9 semelhante à do Distrito Federal, onde a prevalência foi 32% sem distinção de sexo.10 A presença de síndrome metabólica em 16,5% dos policiais civis do Distrito Federal é inferior a esses dados. Mas, quando se observa a prevalência entre categorias de trabalhadores, é próxima à dos 17,6% dos trabalhadores da Marinha do Brasil com síndrome metabólica.11 Considerando-se a categoria funcional, entre motoristas de caminhão do sexo masculino, foi identificada a prevalência de 18,8%12 e 24% da síndrome,13 concordante com a prevalência observada entre os policiais civis masculinos do Distrito Federal de 15,8%. No Distrito Federal, entre os policiais civis a síndrome metabólica foi mais frequente, 43,2% naqueles com mais de 21 anos de carreira, dados muito próximos dos encontrados entre os marinheiros, com 40% de casos da síndrome em maiores de 40 anos de idade.11 Nos dados encontrados entre os trabalhadores administrativos da indústria do petróleo, há indicadores que sugerem forte relação com a faixa etária, em que indivíduos acima de 40 anos têm 3,8 vezes maior possibilidade de ter a síndrome. O fato está relacionado à associação entre o envelhecimento e a patogênese do distúrbio metabólico,8 especialmente relacionado ao aumento da obesidade visceral nas faixas etárias maiores. Referente ao índice de massa corpórea, 45% a 60% dos agentes policiais do presente estudo apresentaram sobrepeso ou obesidade em associação direta com o tempo de serviço. O perímetro abdominal aumentado esteve presente em 68% das mulheres e em 45% dos homens, características também observadas entre motoristas do sexo masculino, com 82% dos participantes com sobrepeso ou obesidade e 58% com aumento do perímetro abdominal.13 Eliziane Brandão Leite e col. • Síndrome metabólica em policiais Quanto à identificação de pressão arterial elevada mais frequente na população de policiais com mais de 21 anos de exercício profissional, este achado é condizente com a maior frequência de hipertensão arterial em adultos com mais de 40 anos etários. Segundo dados do Ministério da Saúde, 24,3% da população brasileira estão hipertensos e a incidência cresce à medida que a idade aumenta.14 A pressão arterial elevada em homens e circunferência abdominal aumentada em mulheres eleva em cinco vezes o risco de síndrome metabólica, de acordo com amostra populacional do Distrito Federal.10 Entre os policiais civis do Distrito Federal, o perímetro abdominal aumentado foi mais frequente entre mulheres do que entre homens (p < 0,0001) e 18,6% delas apresentaram a síndrome em questão. Os dados mais relevantes na associação com síndrome metabólica entre os policiais civis do Distrito Federal foram o HDL colesterol baixo e triglicerídeos elevados, em ambos os sexos, fatores concordantes com os observados em estudo com policiais venezuelanos.15 Os triglicerídeos elevados tiveram maior relevância no entanto. Entre os marinheiros, o HDL baixo também foi o fator mais frequente, seguido pela pressão arterial elevada.11 Entre motoristas do sexo masculino, os níveis pressóricos, seguidos pelos triglicerídeos elevados foram os mais encontrados quando se utilizaram os critérios diagnósticos da síndrome metabólica pela ATP III naqueles profissionais.13 Vários autores citam forte relação do tabagismo, prática atual ou referência passada (ex-tabagista) com o distúrbio em estudo, pela indução a resistência à insulina e hiperinsulinemia16 e, apesar de o tabagismo estar presente nos relatos dos policiais durante a realização do Programa de Inspeção Médico-Psicológica em aproximadamente 15% dos servidores, não foi objeto do presente estudo essa correlação. Durante a pesquisa que utilizou a base de dados coletados do Vigitel, observaram-se associação de maior idade, atividade física insuficiente e excesso de peso em ambos os sexos como fatores de risco identificados como pertencentes à síndrome metabólica.14 Entre os fatores de proteção, ficou configurada a alta escolaridade entre mulheres, fato citado por outros autores,17 dado este confirmado como único fator de proteção para desenvolvimento de síndrome metabólica na população do Distrito Federal estudada.10 Dentre os policiais civis do presente estudo, 80% tinham escolaridade de nível superior e, assim, não foi possível constatar a correlação de escolaridade com a proteção contra a síndrome, pois a prevalência foi pouco inferior à encontrada entre os motoristas de caminhão, que tiveram escolaridade em grau de até o ensino fundamental em 68,1%12 e 71%.13 No presente estudo, a prática de exercícios físicos foi mais frequente entre as mulheres e inversamente proporcional ao tempo de serviço em ambos os sexos, porém não foi objeto de comparação desta pesquisa quanto à associação com síndrome metabólica. Alguns autores relataram associação positiva com o desenvolvimento da síndrome entre policiais militares quanto ao grau de inatividade física e a maior faixa de idade.15 Entre militares da Marinha brasileira, notou-se a constância da presença de obesidade abdominal no fenótipo da síndrome metabólica, a presença do tabagismo, a baixa atividade física e o fator idade como fatores de risco independentes para a ocorrência do distúrbio em análise.11 Dentre as limitações do estudo, cita-se a falta da distinção nos turnos de trabalho entre os policiais analisados em correlação com a presença de síndrome metabólica. Entre policiais norte-americanos avaliados para identificação da síndrome, observou-se ser esta mais frequente entre os agentes policiais que trabalhavam em plantões noturnos, 30% de casos da síndrome superior à prevalência estimada para aquela população de 21,8%, e foi mais frequente em policiais mais jovens.18 As principais características encontradas entre os policiais civis no presente estudo foram presença de sobrepeso e obesidade, nas faixas etárias e de tempo de serviço maiores, presença de HDL colesterol baixo e triglicerídeos elevados. A atividade policial é caracterizada por períodos de intenso estresse, jornadas de trabalho longas e dificuldades de seguimento ao planejamento Brasília Med 2013;50(3):186-193 • 191 Artigo Original alimentar satisfatório. A prática de plantões, alternados com períodos de folga, também interfere com o planejamento dietético e com a prática regular de exercícios físicos, fatores implicados diretamente na patogênese da síndrome metabólica.2 A relação direta, demonstrada pelo fator idade com a síndrome, atingirá servidores em fase próxima à aposentadoria e com grande impacto na qualidade de vida nessa fase da vida. A intenção deste primeiro Programa de Inspeção Médico-Psicológica da Polícia Civil do Distrito Federal foi possibilitar ao servidor acesso a informações sobre sua condição de saúde e orientações para modificações de estilo de vida prejudiciais a sua saúde e ao seu bem-estar e propiciar, bem como a criação de uma base de dados. O estudo tem limitações relacionadas à utilização de dados secundários, os quais não foram colhidos com a finalidade precípua da análise realizada. A identificação precoce desses componentes sindrômicos em policiais possibilitou à equipe de saúde promover orientações ao servidor quanto à necessidade da procura por tratamentos especializados. Todos receberam recomendações para consultas com cardiologista, endocrinologista, atendimento nutricional e sugestão para prática de exercício físico. Permitiu, ainda, a apresentação de propostas de programas aos gestores da Polícia Civil do DF, que favoreçam as mudanças para um estilo de vida saudável aos servidores que atuam na área de segurança pública e, como primeiro impacto, sensibilizou o próprio policial para o autocuidado. Ressalte-se que são necessárias políticas públicas de promoção da saúde, que possibilitem a interferência em fatores modificáveis do estilo de vida, os quais provocam grande impacto na prevenção e no tratamento da síndrome metabólica. O diagnóstico clínico de populações de risco deve ocorrer, e a responsabilidade por ações de promoção da saúde além do caráter individual deve ser compartilhada pelo poder público. 192 • Brasília Med 2013;50(3):186-193 Agradecimentos As autoras agradecem a todos os servidores da Polícia Civil do DF que tornaram possível esta pesquisa, em especial à psicóloga Ester Ribeiro Carvalho por colaborar na elaboração do pré-projeto de pesquisa de obesidade e síndrome metabólica entre policiais; ao Dr. José Ribamar Ribeiro Malheiros – idealizador do Programa de Inspeção Médico-Psicológica, perito médico da PCDF – exdiretor da Policlínica da PCDF e ao Dr. Cleber Monteiro de Carvalho – ex-diretor geral da PCDF por ter acreditado, apoiado e tornado possível a realização do Programa de Inspeção MédicoPsicológica no período de 2008 a 2010. REFERÊNCIAS 1. National Institute of Health. Executive summary of the third report of the national cholesterol education program (NCEP) expert panel on detection, evaluation and treatment of high blood cholesterol in adults (adult treatment panel III). JAMA. 2011;285(19):2486-97. 2. Eckel RH, Grundy SM, Zimmet PZ. The metabolic syndrome. Lancet. 2005;365(9468):1415-28. 3. Rosmond R, Bjorntorp P. Occupational status, cortisol secretory pattern, and visceral obesity in middle-aged men. Obes Res. 2000;8:445-50. 4. Park YW, Zhu S, Palaniappan L, Heshka S, Carnethon MR, Heymsfield SB. The metabolic syndrome: prevalence and associated risck factor findings in the US population from the Third National Health and Nutrition Examination Survey, 1988-1994. Arch Intern Med. 2003;163(4):427-36. 5. Geloneze B, Síndrome metabólica: mito ou realidade? Editorial. Arq Bras Endocrinol Metab. 2006;50(3):411. 6. Whiting DR, Guariquata L, Well C, Shaw J. IDF diabetes atlas: global estimates of the prevalence of diabetes for 2011 and 2030. Diabetes Res Clin Pract. 2011;94(3):311-21. 7. Felipe-de-Melo ERT, Silva RCR, Assis AMO, Pinto EJ. Fatores associados a síndrome metabólica em trabalhadores administrativos de uma indústria de petróleo. Cinc Saúde Coletiva. 2011;16(8):3443-52. 8. Oliveira EP, de Souza MLA, de Lima MDA. Prevalência de síndrome metabólica em uma área rural do semiárido baiano. Arq Bras Endocrinol Metab. 2006;50(3):456-65. 9. Salaroli LB, Barbosa GC, Mill JG, Molina MCB. Prevalência de síndrome metabólica em estudo de base populacional, Vitória, ES – Brasil. Arq Bras Endocrinol Metab. 2007;51(7):1143-152. 10. Dutra ES. Síndrome metabólica no Distrito Federal: prevalência e fatores associados [tese]. Brasília:Universidade de Brasília; 2011. 11. Costa FC, Montenegro VB, Lopes TJAL, Costa EC. Combinação de fatores de risco relacionados à síndrome metabólica em militares da Marinha do Brasil. Arq Bras Cardiol. 2011;97(6):485-92. Eliziane Brandão Leite e col. • Síndrome metabólica em policiais 12. Molina, MCB, Morais AO, Coelho APS, Saporiti AF, Salaroli LB. Síndrome metabólica em motoristas profissionais de transporte de cargas especiais nas rodovias do Espírito Santo. UFES Rev Odontol. 2008;10(4):37-47. 13. Cavagioni LC, Bensenõr IM, Halpern A, Pierin AMG. Síndrome metabólica em motoristas profissionais de transporte de cargas da rodovia BR-116 no trecho Paulista-Régis Bittencourt. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008;52(6):1015-23. 14. VIGITEL BRASIL 2011. Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico, estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2011. Série G. Estatística e Informação em Saúde. Brasília-DF; 2012. 15. Agobian G, Agobian S, Traviezo L, Garcia D. Síndrome metabólico y predicción de riesgo de enfermedad coronaria en la brigada de seguridad urbana de la fuerza armadapolicial del estado Lara. Bol Méd Post. 2006; XXII(3-4). 16. Jesus GM, Jesus EFA. Predisposição para desenvolver resistência insulínica em policiais militares. Pensar a Prática, Goiânia, 2010; 13(2):115-30. 17. Sá NNB, Moura EC. Fatores associados à carga de doenças da síndrome metabólica entre adultos brasileiros. Cad Saúde Pública. 2010;26(9):1853-62. 18. Violanti JM, Burchfiel CM, Hartley TA, Mnatsakanova A, Fekedulegn D, Andrew ME, et al. Atypical work hours and metabolic syndrome among police officers. Arch Environ Occup Health. 2009;64(3):194-201. Brasília Med 2013;50(3):186-193 • 193