Direito Penal Juvenil e Responsabilização Estatutária: elementos aproximativos e/ou distanciadores Profa. Dra. Josiane Rose Petry Veronese ROTEIRO DA APRESENTAÇÃO Evolução histórica dos Direitos da Criança e do Adolescente: 1. Direito Penal do Menor 2. Doutrina Tutelar do Menor 3. Doutrina da Proteção Integral O ato infracional, as medidas socioeducativas e a responsabilização estatutária EVOLUÇÃO HISTÓRICA 1. Doutrina do Direito Penal do Menor Códigos Penais de 1830 e 1890: delinquência praticada pelo “menor” Imputabilidade baseada no discernimento 2. Doutrina do menor em situação irregular Lei dirigida aos efeitos Seis situações de irregularidades: Falta de condições de subsistência (saúde ou instrução) Menor vítima de maus tratos ou castigos imoderados Menor privado de representação ou assistência legal (pais ou responsáveis) Menor em ambiente contrário aos bons costumes Menor com desvio de conduta (familiar ou comunitária) Menor autor de infração penal 3. A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL Novas preocupações com a realidade infanto-juvenil a partir dos anos 80 (século XX) Fórum Nacional Permanente dos Direitos da Criança e do Adolescente: grande articulador da mobilização social em torno do tema (mais de 250 mil assinaturas na proposta de Emenda popular na Assembleia Nacional Constituinte) A Constituição Federal de 1988 incorpora os princípios da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (aprovada pela ONU em 1989) CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Art. 227 – Síntese da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) Art. 228. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL – MUDANÇA DE PARADIGMA Crianças e adolescentes enquanto sujeitos de direitos (não mais como objetos de tutela alheia) Condição peculiar de pessoa em desenvolvimento Prioridade absoluta no atendimento Integração e co-responsabilidade: família, sociedade e estado Gestão política: descentralização políticoadministrativa e participação da população Nova terminologia que não reproduz o estigma da opressão e que respeita o “direito a ter direitos” (Lefort): DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) substitui menor em situação irregular por CRIANÇA e ADOLESCENTE Composto por dois livros: Livro I: Parte geral – crianças e adolescentes como sujeitos de direitos fundamentais (saúde, educação, lazer, cultura, convivência familiar etc); prioridade absoluta Livro II: Parte especial – políticas de atendimento, medidas de prevenção, prática do ato infracional, medidas socioeducativas, responsabilidades dos pais, crimes contra a infância, dentre outros. NOVO PARADIGMA ESTATUTÁRIO Substitui a punição pela intervenção socioeducativa ou sociopedagógica Responsabilização Estatutária Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das medidas previstas no art. 101, I a VI. § 1.º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2.º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado. § 3.º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. Merece destaque o art. 105: “Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101”. Abolicionismo? Ideia da proteção estatutária? Desjurisdicionalização? MEDIDAS ESPECÍFICAS DE PROTEÇÃO: Art. 101 I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de estudo fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; O ECA E A RESPONSABILIZAÇÃO DO ADOLESCENTE Responsabilidade: como um direito – o da socioeducação – face ao ato infracional praticado Espécies (clássicas) de responsabilidade: *Responsabilidade civil: reparação do dano causado – ressarcimento da vítima do ato ilícito *Responsabilidade penal: reprimir o criminoso – punir *Responsabilidade estatutária: Medidas socioeducativas educar –resgatar (social) o adolescente DIFERENÇAS ENTRE O SISTEMA ESTATUTÁRIO (SOCIOPEDAGÓGICO) E O DIREITO PENAL Estatuto da Criança e do Adolescente: . Educar Regra: não privação da liberdade Exceção: privação (brevidade e excepcionalidade) Medidas determinadas pela necessidade pedagógica art. 100, ECA Resgate social Direito Penal: Punir, isolar Regra: privação da liberdade Exceção: penas alternativas – substitutas Relação direta entre ato e consequência: ameaça Ex: art. 155, CP . Retributividade AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM ESPÉCIE Advertência: art. 115 Obrigação de reparar o dano: art. 116 Não confundir crítica à conduta com crítica à pessoa Ato infracional com reflexos patrimoniais (restituir, ressarcir ou compensar) Prestação de serviços à comunidade: art. 117 Tarefas gratuitas de interesse geral Máximo de 6 meses; jornada de 8h semanais (estudo e trabalho) Opcional (vedado o trabalho forçado – art. 112, ECA) AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM ESPÉCIE Liberdade assistida: art. 118 e 119, ECA Liberdade com condições – mínimo de 6 meses Acompanhamento por orientador Semiliberdade: art. 120, ECA Internação noturna; atividades externas (escola, trabalho) durante o dia Aplicam-se quase todas as disposições que regulam a internação Internação: art. 121 a 125, ECA medida privativa da liberdade Reavaliação a cada 6 meses e prazo máx. de 3 anos O grande questionamento: Existiria um caráter penal ou socioeducativo nas medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente? O Direito da Criança e do Adolescente se consubstancia como um marco histórico, político e social. O Direito Penal, ainda que não possa ser reduzido ao penitenciarismo, pelos seus vícios históricos é imprestável para servir de modelo, de paradigma por excelência para o Direito da Criança e do Adolescente. DESLEGITIMAÇÃO DO SISTEMA PENAL: * O modo como é estruturado o sistema prisional, lido como um grande panótico social, não tem servido para conter ou mesmo diminuir a prática de condutas lesivas à sociedade. * A suposta “ressocialização”, fundamentada na ideologia do tratamento do criminoso através do seu encarceramento, apresenta-se como um mero mito. * Os índices de criminalidade * Flagrante seletividade do sistema : escolha da sua “clientela”fenômeno do etiquetamento (“labelling aproach”) * Não tutela os interesses comuns a toda a sociedade, suas necessidades e anseios, mas cuida da defesa de interesses de grupos e classes detentoras do poder político-econômico . * Reproduz e legitima ideologicamente tais relações. * Conotação microcriminal * Violência operacional – 4ª. População carcerária do mundo (500 mil presos) “NOVO” OLHAR: Princípio da subsidariedade do Direito Penal: * a intervenção do Direito Penal somente pode ser justificada quando fracassarem as demais formas protetoras do bem jurídico previstas em outros ramos do Direito * o Direito Penal não pode ser visto tão-somente como ultima ratio, é essencialmente subsidiário. * existência de meios aptos. DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Não é necessário que recorramos ao Direito Penal e ao seu conjunto de punições. O Estatuto da Criança e do Adolescente (acrescidas as importantes normas trazidas pela Lei do Sinase) prevê um sistema autônomo, não punitivo, mas protetivo e responsabilizador. um modelo mais apto, com condições de responder as demandas concernentes às práticas de atos infracionais. Faz-se necessário rompermos com a cultura do Talião, do castigo, da pena como sinônimo de fazer sofrer, de expiar pelo mal cometido, para a ideia da efetiva autonomia do sujeito adolescente que está no âmago da responsabilização social. Ao responsabilizarmos, estamos impondo limites, limites estes bem definidos pelo Estatuto que possibilitam o chamamento social, a partir dos 12 anos de idade. Se a Lei nº 8.069/1990 não funciona, sob este prisma, é porque estamos trabalhando com profissionais inabilitados e/ou programas inadequados. O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a pretensão de quebrar com a ideologia da normalidade punitiva e se instaura como um grande sistema alternativo à pena. O sistema estatutário implica um rompimento com o senso comum instituído: a carcerização DIREITO PENAL JUVENIL Cultura da PENA possibilitará o desencadeamento ou mesmo servirá como justificativa para alicerçar as concepções dos que advogam a tese de que os adolescentes devam responder penalmente, ou seja, que sejam imputáveis frente a Justiça Penal Comum. O garantismo pretendido - previsto no próprio Estatuto - Arts. 106 ao 109: Direitos Individuais - Arts. 110 e 111: Garantias processuais: o devido processo legal, o contraditório, pleno e formal conhecimento da atribuição do ato infracional, entre outros. LEI DO SINASE - LEI N. 12.594, DE 18 DE JANEIRO DE 2012: Lei do Sistema Nacional do Atendimento Socioeducativo Artigos 36 ao 48 – procedimentos Artigos 49 ao 51 - garantias Art. 1o Esta Lei institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) e regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. § 1o Entende-se por Sinase o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei. § 2o Entendem-se por medidas socioeducativas as previstas no art. 112 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), as quais têm por objetivos: I - a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei. [...] (grifamos) A LEI DO SINASE E A JUSTIÇA RESTAURATIVA Art. 35. A execução das medidas socioeducativas reger-se-á pelos seguintes princípios: I - legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; II - excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III - prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; IV - proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V - brevidade da medida em resposta ao ato cometido, em especial o respeito ao que dispõe o art. 112 da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); VI - individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; VII - mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; VIII - não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX - fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE PRECISA SER: * Assimilado de forma sistêmica - dentro de sua nova concepção (cultura) *Pois afinal por que toda a nossa dificuldade em cumprirmos esta lei, por que não somos capazes de viabilizar o Direito da Criança e do Adolescente? *E ainda, que modelo de Justiça da Infância e da Juventude queremos para o séc. XXI, o modelo do controle social, da exclusão, da carcerização, ou o modelo da autonomia, sustentada no trinômio: Liberdade, respeito e dignidade responsável? libertadora e ao mesmo tempo Obrigada!!! Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente/CCJ Universidade Federal de Santa Catarina