Percepções das Pessoas com Deficiência em Relação à Inserção no Mercado Formal de
Trabalho: Um Estudo Realizado em Duas Regiões Metropolitanas de Minas Gerais
Autoria: Luciana Alves Drumond Almeida, Cristiane Elias Penido Coimbra, Maria Nivalda de Carvalho-Freitas
Resumo
O presente artigo tem como finalidade ampliar o conhecimento sobre a realidade das pessoas com
deficiência através da verificação da percepção delas sobre suas dificuldades e possibilidades de
inserção no mercado formal de trabalho em duas regiões metropolitanas localizadas em Minas
Gerais: Região Metropolitana de Belo Horizonte e Região Metropolitana do Vale do Aço.
Baseados nos conceitos de princípios de diferenciação de Bourdieu (1996) e estigma de Goffman
(1982), questionários estruturados em escala Likert foram respondidos por 55 pessoas com
deficiência residentes nessas regiões. Quatro fatores - referentes às barreiras da cidadania,
discriminação com relação ao trabalho, conhecimento de direitos e importância do trabalho para a
pessoa com deficiência - foram analisados através de estatística descritiva e realizada análise da
variância para averiguar diferenças entre as médias obtidas por fator nas duas regiões. Somente o
fator sobre o conhecimento de direitos apresentou significativa diferença nas duas regiões.
1. Introdução
Atualmente a globalização não pode ser definida apenas como uma mudança de ordem
econômica, pois existem vários outros fatores que alteram também a ordem sócio-cultural e
política, o que “implica em nova forma de agir, pensar e realizar negociações” (BATISTA, 2004,
p. 84). O cenário de mudanças contínuas e aceleradas e a diversidade que caracteriza o mundo
globalizado impõe às empresas novos desafios e demandas. Assim, as empresas, além de se
preocuparem com seus produtos e clientes, ficam atentas às questões sociais, uma vez que isto é
fator decisivo para a competitividade.
Para Heinski (2004), as organizações que adotam uma realidade inclusiva podem obter benefícios
como a imagem positiva que o consumidor passa a ter da empresa e do seu produto. Deste modo,
em contextos organizacionais, se tornam cada vez mais presentes questões ligadas à diversidade,
dotada de um conceito em constante evolução, uma vez que as definições variam de um contínuo
em uma perspectiva restrita, que enfatiza a discriminação devido à raça, etnia, gênero e outros
(CROSS, KATZ, MILLER e SEASHORE, 1994) para definições bastante ampliadas, que têm
por critério aspectos que diferenciam os indivíduos e grupos (JAMIESON e O’MARA, 1991,
dentre outros).
Para Fleury e Jacomette (2000), a gestão da diversidade dentro das organizações possibilita um
gerenciamento mais planejado e adequado, maximizando as vantagens potenciais da diversidade
e minimizando as desvantagens da mesma.
Circunscrita no campo de estudos sobre a diversidade, encontra-se a questão da inserção e gestão
do trabalho de pessoas com deficiência, que significa para este grupo a oportunidade de ser
inserido no mercado de trabalho e desempenhar um papel ativo na sociedade. Dessa forma, esse
grupo deixa de ser “mero receptáculo passivo de serviço especializado, e se torna um produtor e
consumidor” (HEINSKI, 2004, p. 2).
1
No Brasil, segundo o censo realizado em 2000 pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística –, existem 24,5 milhões de brasileiros que possuem algum tipo de deficiência, o que
corresponde a 14,5% da população brasileira. Por outro lado, segundo Neri et al (2003), apenas
2,05% do total de trabalhadores brasileiros são pessoas com deficiência, sendo que 29,05% deles
vivem em situação de miséria e 27,61% não possuem nenhuma escolaridade.
Em relação aos direitos trabalhistas, as pessoas com deficiência e acidentados são amparados pela
Constituição brasileira. Em virtude disso, ocorre reserva de cargos e a proibição de qualquer
discriminação relacionada à remuneração e critério de admissão dos amparados. Tais medidas
foram regulamentadas pelas seguintes leis: Lei 8.213/91, que indica os percentuais de postos de
trabalho de acordo com o número de empregados da empresa; e Lei 7.853/89, referente à política
nacional voltada para o portador de deficiência. O direito ao trabalho do portador de deficiência
também é assegurado pelo Decreto 3.298/99, que determina a forma de acesso ao mercado formal
de trabalho. Haja vista que o mercado formal de trabalho representa o conjunto de organizações
em que a relação capital-trabalho é mediada por um vínculo empregatício.
Além desses dispositivos legais que asseguram a inserção das pessoas com deficiência no
mercado formal de trabalho, a Constituição, através da Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS), Lei nº 8.742/93 e Decreto Federal n.º 1.744/95, assegura e regulamenta o Benefício da
Prestação Continuada - BPC. Esse benefício consiste no pagamento de um salário mínimo mensal
a idosos com idade igual ou superior a 65 anos e à pessoa com deficiência, desde que ambos
pertençam a famílias com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Como um benefício
social de caráter temporário, o BPC está alicerçado na suposição de que o indivíduo que
porventura venha a usufruir o benefício possa sair ou alterar a situação de carência que o levou a
solicitá-lo.
Contudo, em relação às possibilidades de inserção no mercado de trabalho, Batista (2004), em um
estudo feito nas organizações do estado de Minas Gerais, constatou que a incorporação das
práticas de responsabilidade social por parte das empresas tem favorecido a contratação e o
desenvolvimento de relações inclusivas no ambiente de trabalho. Entretanto, a imposição legal de
cotas não favorece a política de inclusão e representa uma fonte de resistência à mesma. Outras
pesquisas também têm indicado que, apesar dessa lei ser o principal instrumento disponível às
pessoas com deficiência para assegurar um lugar no mercado de trabalho formal, ela não é
cumprida (NERI et al., 2003; HEINSKI e BIGNETT, 2002).
São também encontrados, pelas pessoas com deficiência, obstáculos ao ingressarem, manterem-se
e crescerem dentro das empresas (LEWIS e ALLEE, 1992). Tais impedimentos são
exemplificados pela necessidade de adaptações em postos de trabalho, fato que é agravado pela
falta de preparo do mundo industrial ao absorver pessoas com deficiência (SILVA, 1993) e maior
possibilidade de contratação dessas pessoas por grandes empresas que possuam profissionais de
Recursos Humanos (GOSS; GOSS e ADAM-SMITH, 2000). Além disso, destacam-se atitudes
contraditórias entre as empresas, que vão desde a segregação (ao contratarem essas pessoas por
grupos e categorias em trabalhos considerados inferiorizados, mantendo condutas
discriminatórias), ao reconhecimento do desempenho das pessoas com deficiência, assim como
da adequação essencial às necessidades diferenciadas dessas pessoas (BATISTA, 2004). No
tocante a renda, observou-se que esta, no caso deste grupo, é aproximadamente, R$ 100,00 (cem
reais) menor que a renda da população em geral. Isso ocorre mesmo nas circunstâncias em que o
trabalho seja similar (NERI et al., 2003).
2
O trabalho, no entanto, associado a um emprego, desempenha um papel importante entre os
grupos historicamente marginalizados, uma vez que diminuem as taxas de pobreza e torna
possíveis a diminuição do isolamento social e o aumento da participação política (SCHUR,
2002). Atuam também melhorando a auto-estima (OLIVEIRA, 1993), fazendo-os se sentirem
cidadãos completos, independente de suas limitações físicas (MARTINS, 1996). O trabalho para
uma pessoa com deficiência representa, portanto, uma dimensão interdependente da percepção
que tem de si mesma e da própria vida (CARVALHO-FREITAS et al., 2004).
Além disso, pesquisas anteriores indicam a necessidade de maior conscientização por parte dos
empresários e da sociedade a respeito da construção de uma sociedade para todos (MARTINS,
1996; GIL, 2002) e revelam que muitas das dificuldades notadas no processo de admissão dessas
relacionam-se estreitamente às diversas dúvidas dos empregadores a respeito da própria inserção
dessas pessoas no mercado de trabalho formal (OLIVEIRA, 1993; PETEAN et al., 1994).
Ao considerar que o nível individual é uma das dimensões de análise do comportamento
organizacional e que o desenvolvimento do conhecimento sobre a inserção e gestão do trabalho
de pessoas com deficiência depende do conhecimento a respeito desta população, torna-se
relevante investigar, do ponto de vista da pessoa com deficiência, quais as dificuldades e
facilidades encontra para se inserir no mercado de trabalho, o que poderá contribuir para a
construção de práticas organizacionais que minimizem as dificuldades dessas pessoas e facilitem
sua inserção nas organizações de trabalho.
Nessa perspectiva, já foram realizados alguns estudos nacionais, por exemplo; Carvalho-Freitas,
Marques e Scherer (2004) pesquisaram a percepção das pessoas com deficiência sobre a inclusão
no mercado formal de trabalho em uma cidade mineira e Carvalho-Freitas et al (2005), com essa
mesma temática, realizou um estudo em Cabo Verde, África. No entanto, os locais dessas
pesquisas se caracterizam pelo grande investimento no setor de serviços1, não tendo sido
realizadas, ainda, pesquisas em localidades mais industrializadas.
Com o objetivo de verificar quais as dificuldades e facilidades para se inserir no mercado de
trabalho as pessoas com deficiência percebem em regiões de desenvolvimento industrial
predominante foi realizada a presente pesquisa, a fim de ampliar o conhecimento sobre essa
população que passa a fazer parte dos estudos sobre a diversidade nas organizações.
As regiões metropolitanas escolhidas foram a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)
e Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA), ambas localizadas no estado de Minas Gerais,
dotadas de um grande desenvolvimento industrial e significativo número de pessoas com
deficiência2. Nessas regiões, buscou-se verificar e comparar as percepções das pessoas com
deficiência, que não possuíam nenhum vínculo empregatício formal, a respeito da inserção no
mercado de trabalho.
Para apresentar os resultados da pesquisa, o texto foi organizado em quatro partes, além dessa
introdução: o referencial teórico adotado na pesquisa; a metodologia; a análise de dados e
considerações finais.
2. Referencial Teórico
O termo inserção foi entendido como o ato de introduzir pessoas com deficiência junto às demais
pessoas em ambientes de trabalho, para a realização de atividades profissionais.
3
Foi considerada uma abordagem mais abrangente sobre a deficiência, que não baseada
unicamente em atributos pessoais3 ou sociais4 como elementos fundamentais para sua
conceituação. A deficiência foi abordada, conforme Carvalho-Freitas (2007):
[...] como o resultado da articulação entre a condição biológica e as
contingências históricas, sociais e espaciais, o qual poderá significar uma maior
ou menor possibilidade de inserção ou discriminação das pessoas com
deficiência (p.23).
Pois concorda-se com Omote (1996) que:
[...] a definição de deficiência perde o caráter oficial e universal. Passa a ser
contingencial. As pessoas começam a compreender que alguém é deficiente
somente em um contexto temporal, espacial e socialmente determinado.
Começam a compreender que é necessário especificar os critérios segundo os
quais ele é deficiente (p. 130).
Ademais, a expressão pessoas com necessidades especiais não foi utilizada, por contemplar além
das pessoas com deficiência, pessoas obesas, obsessivas compulsivas ou com problemas de
atenção e idosas. Foram consideras de forma indistinta, pessoas com deficiência física e sensorial
(auditiva e visual) e que não possuíam nenhum déficit cognitivo ou distúrbio mental.
Com o objetivo de verificar quais eram as dificuldades e facilidades percebidas pelas pessoas
com deficiência para se inserirem no mercado formal de trabalho na Região Metropolitana de
Belo Horizonte e na Região Metropolitana do Vale do Aço, foi utilizado o mesmo referencial
teórico adotado em duas pesquisas anteriores: uma realizada junto a 121 pessoas com deficiência
em uma cidade de Minas Gerais (CARVALHO-FREITAS, MARQUES e SCHERER, 2004) e
outra realizada com 67 pessoas com deficiência em três ilhas de Cabo Verde – África
(CARVALHO-FREITAS et al, 2005).
Essas pesquisas adotaram como referencial teórico a concepção de Bourdieu (1996) de que a
diferença é entendida como separação, traço distintivo, propriedade relacional, pois só existe
quando relacionamos (comparamos) as propriedades de algo ou alguém. Para o autor, a idéia de
diferença, de separação, estaria no fundamento da noção de espaço social. Os agentes seriam
distribuídos neste espaço de acordo com o volume de capital que possuem, sendo os mais
relevantes o capital econômico, capital social e capital cultural (BOURDIEU e WACQUANT,
1992). O primeiro capital refere-se à posse de rendas, bens materiais, patrimônios e recursos
financeiros em geral. O capital social, à rede de relações mantidas pelo indivíduo e que lhe
fornece possibilidades diferenciadas em seu espaço social. E o capital cultural, principalmente à
educação legitimada pelas instituições escolares. A concentração desses diversos tipos de capital
configura-se em poder simbólico, que confere prestígio àquele que o detém, o que o possibilita
fazer ver o que antes não era visto e legitimar sua forma de compreender e ver o mundo.
Ao ter como referência o conceito de princípios de diferenciação proposto por Bourdieu (1996),
Carvalho-Freitas et al (2004) afirmou-se que, para compreender a inserção da pessoa com
deficiência, foi necessário, além da análise da posse diferenciada de capital econômico e capital
cultural dessa população, considerar que a própria definição de pessoa com deficiência as remete
4
a um critério de diferenciação das pessoas tidas como “normais” dentro dos supostos padrões nos
quais a sociedade pode ser entendida. Essa diferenciação, associada à discriminação, pode ser
concebida, no caso das pessoas com deficiência, segundo o conceito de estigma que, numa
primeira acepção, se refere a “sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa
de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava” (Goffman, 1989, p. 11).
Goffman (1989) se propõe a compreender o estigma como um conceito que se funda numa
relação e está referendado por atributos tidos como depreciativos em uma pessoa. Nesse sentido,
afirma que o estigma se constrói sobre o que denomina de identidade social virtual (constituída
por uma imputação feita por outrem) e identidade social real (constituída pelas características
reais do sujeito, aquilo que o sujeito acredita que seja). Assim, pode-se considerar o estigma
como um critério de diferenciação e distinção utilizado nos espaços sociais em relação à pessoa
com deficiência, uma vez que ele se refere a um atributo (deficiência), mas que se configura em
uma relação que conferem características de desvalorização aos que possuem o mesmo,
discriminando-os.
Ressalta-se que a inserção de pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho se
configura de forma recente, pois o direito delas ao trabalho foi legalizado somente após a
Segunda Guerra Mundial, devido aos ex-combatentes que voltavam mutilados da guerra. E,
devido a isto, desde a década de 1940 a Europa adota o esquema de cotas de emprego para os excombatentes, aplicável também a outras pessoas com deficiência, como uma forma de caridade
social baseada na concepção de que essas não seriam capazes de cuidar de si mesmas ou fazer
escolhas para suas próprias vidas. Isso favorece a veiculação de uma imagem negativa dessas
pessoas, se comparadas às pessoas que não possuem deficiência (GOSS; GOSS e ADAMSMITH). Contudo, a partir das décadas de 1960 e 1970 essa postura assistencialista passou a ser
questionada pelos movimentos sociais, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido.
Estes movimentos contribuíram para uma nova perspectiva ideológica relacionada às pessoas
com deficiência, com forte ênfase nos direitos civis e para uma nova definição de deficiência, que
passa a considerar os aspectos sociais – para além de uma limitação individual, a deficiência
também é determinada pelas falhas da sociedade em acomodar as necessidades das pessoas que
as possuem.
A perspectiva utilizada por Carvalho-Freitas, Marques e Scherer (2004) foi, então, adotada como
referência na presente pesquisa. Foram utilizados os fatores identificados pelos pesquisadores a
partir da operacionalização, em forma de itens de questionário, dos conceitos de princípios de
diferenciação e de estigma discutidos anteriormente e validados pela pesquisa sob referência.
Os fatores identificados foram:
¾ Fator 1 - Barreiras à Cidadania: expressa a percepção das pessoas com deficiência
sobre as dificuldades relacionadas à obtenção de um trabalho no mercado formal,
como: número de vagas oferecidas, acessibilidade, informações etc. A fim de abarcar
outras variáveis referentes a este fator, consideradas relevantes para uma possível
inserção das pessoas com deficiência e não contempladas no questionário de
Carvalho-Freitas, Marques e Scherer (2004), foram acrescentadas as seguintes
afirmativas: São poucas as vagas de emprego oferecidas para pessoas com deficiência;
São de fácil acesso as informações referentes às vagas que surgem para pessoas com
deficiência; São de fácil acesso programas de capacitação que atendam às
5
necessidades das pessoas com deficiência para se inserirem no mercado de trabalho;
Tenho oportunidade para desenvolver novos conhecimentos e aprimorar as minhas
habilidades.
¾ Fator 2 - Discriminação em relação ao trabalho: percepção das pessoas com
deficiência em relação ao sentimento de discriminação experimentado quando se dá a
busca de emprego.
¾ Fator 3- Conhecimento dos direitos: refere-se ao conhecimento das leis que garantem
o acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho e aos direitos de
participação de programas de habilitação e reabilitação.
¾ Fator 4 – Importância do trabalho para as pessoas com deficiência: Ao invés do fator
Auto-estima, identificado na pesquisa de Carvalho-Freitas, Marques e Scherer (2004),
foi construído um fator que contempla uma dimensão relevante para análise e que se
refere à importância do trabalho percebida pelas pessoas com deficiência. As
afirmativas acrescentadas foram: Sinto que serei mais respeitado pela sociedade se
tiver um emprego; Sinto que estar empregado é contribuir para com a sociedade;
Acredito que o trabalho é um dos caminhos para crescer como pessoa humana.
3. Metodologia de pesquisa
A pesquisa foi realizada em três etapas: coleta e análise de dados na Região Metropolitana de
Belo Horizonte (realizada durante o primeiro semestre de 2006), coleta e análise dos dados na
Região Metropolitana do Vale do Aço (realizada no segundo semestre do mesmo ano) e análise
comparativa dos resultados encontrados nas duas regiões.
A amostragem da pesquisa foi de conveniência, devido à dificuldade de acesso aos sujeitos da
pesquisa: pessoas com deficiência residentes nas regiões pesquisadas e que não possuíam
nenhum vínculo empregatício formal no momento da pesquisa. Foram consideradas de forma
indistinta, pessoas com deficiência física e sensorial (auditiva e visual), que não possuíam
nenhum déficit cognitivo ou distúrbio mental. Esta escolha se fez necessária devido às
dificuldades impostas pelo questionário utilizado como instrumento de coleta de dados.
O método de pesquisa adotado foi o survey de desenho transversal e o instrumento de coleta de
dados utilizado foi o questionário de avaliação de percepções sobre as dificuldades de inserção no
mercado formal de trabalho (CARVALHO-FREITAS; MARQUES e SCHERER, 2004). O
questionário é composto por questões fechadas e utiliza a escala Likert para medição.
Considerou-se uma variação de 1 a 5, conforme a seguinte classificação: 1 - discordo totalmente;
2 - discordo parcialmente; 3 - nem concordo, nem discordo; 4 - concordo parcialmente; 5 concordo totalmente. Os questionários foram aplicados individualmente e recolhidos logo após o
término das respostas. As respostas dos participantes da amostra foram registradas na forma de
banco de dados, através do programa de informática SPSS for windows (Statistical Package for
Social Sciences).
A amostra total foi composta por 55 pessoas com deficiência, dessas, 22 residentes na RMBH e
33 residentes na RMVA. Os dados foram analisados através do SPSS, o que consistiu numa
análise descritiva (média, moda e desvio padrão) das respostas dadas às afirmativas referentes aos
quatro fatores analisados por região. Além disso, foi feita uma análise da variância (ANOVA) das
médias encontradas por cada fator, por região, com o objetivo de comparar e verificar se havia
diferença entre as mesmas.
6
Durante a primeira fase de aplicação do questionário, realizada na RMBH, observou-se que
algumas pessoas não respondiam à questão referente ao tempo que estavam procurando por
emprego. Esta questão era composta pela seguinte pergunta: Há quanto tempo você está
procurando por emprego? Havia quatro alternativas de resposta: menos de um mês; de um mês a
três meses; de quatro meses a um ano; mais de um ano. Contudo, a ausência de resposta foi
verificada em 41% dos respondentes, e poderia ter sido causada pelos seguintes fatores: as
pessoas poderiam não ter entendido a pergunta e/ou as opções de resposta, esqueceram ou não
quiseram responder a este item, ou poderiam ainda não estar procurando por emprego, uma vez
que não havia esta alternativa de resposta. Diante disso, no questionário na RMVA, foi
acrescentada a seguinte pergunta: Você está procurando por emprego? Com as opções de
resposta sim ou não. Em caso positivo, era solicitada a resposta da questão descrita acima.
4. Análise dos dados
Inicialmente será apresentada a caracterização das amostras pesquisadas (pessoas com deficiência
residentes na RMBH e pessoas com deficiência residentes na RMVA), com o auxílio da
estatística descritiva; uma vez que serão descritos os fatores e a sua interpretação. Posteriormente,
com o auxílio dessa mesma estatística, serão apresentados os quatro fatores identificados e seus
respectivos itens de referência. Por último, a análise das diferentes médias por fatores em cada
região, que foi feita através da Análise de Variância (ANOVA), com o objetivo de averiguar a
existência de médias diferentes nas duas regiões pesquisadas.
4.1 Caracterização da amostra
Para a caracterização da amostra serão apresentados dados de identificação e indicativos sócioeconômicos na tabela 1.
TABELA 1
Caracterização da amostra pesquisada (n = 55)
Variáveis
Masculino
Sexo
Feminino
Até 20 anos
De 20 a 25 anos
Faixa Etária
De 26 a 35 anos
Acima de 36 anos
Ensino Fundamental Incompleto
Ensino Fundamental Completo
Nível de
Ensino Médio Incompleto
Escolaridade
Ensino Médio Completo
Superior Incompleto
Visual
Auditiva
Tipo de
deficiência Física
Múltipla
Estado Civil Solteiro
Casado
RMBH
11 (50%)
11 (50%)
0
3 - 13,6%
7 - 31,8%
12 - 54,5%
8 - 36,4%
5 - 22,7%
0
9 - 40,9%
0
1 - 4,8%
1 - 4,8%
19 - 90,5%
0
15 - 68,2%
4 - 18,2%
7
Resultados
RMVA
Amostra total
13 - 39,4%
24 - 46,6%
20 - 60,6%
31 - 56,4%
2 - 6%
2 - 3,6%
5 - 15,2%
8 - 14,5%
12 - 36,4%
19 - 34,5%
14 - 42,4%
26 - 47,4%
19 - 57,6%
27 - 49%
2 - 6,1%
7 - 12,7%
3 - 9,1%
3 - 5,5%
8 - 24,2%
17 - 31%
1 - 3%
1 - 1,8%
11 - 33,3%
12 - 22,2%
8 - 24,2%
9 - 16,7%
12 - 36,4%
31 - 57,4%
2 - 6,1%
2 - 3,7%
23 - 69,7%
38 - 69,1%
10 - 30,3%
14 - 25,5%
Viúvo
Fonte: Dados da pesquisa, 2006.
3 - 13,6%
0
3 - 5,5%
Com base nos resultados apresentados, pôde-se observar com relação ao sexo, que a amostra da
RMBH é composta por um número igual de pessoas do sexo masculino e feminino. Este fato não
se apresenta na RMVA, na qual houve maioria do sexo feminino (60,6%), acarretando em uma
amostra total de 56,4% de pessoas do sexo feminino, quando consideradas as duas regiões. Com
relação ao estado civil, a grande maioria da amostra total declarou-se solteira (69,1%). Sobre a
idade, observou-se que em sua maioria, os entrevistados tinham a partir de 26 anos (81,9%). Na
faixa etária de 26-35 anos, encontra-se 34,5% da amostra total, e na faixa etária acima de 36 anos,
encontra-se 47,4% dos sujeitos entrevistados. Considerando toda a amostra, em relação ao nível
de escolaridade, observa-se que a maioria dos entrevistados (49%) declarou possuir somente o
Ensino Fundamental incompleto e uma outra grande parte (31%) o Ensino Médio completo.
Contudo, a porcentagem de pessoas com estas escolaridades variou nas duas amostras. Na
RMBH, houve uma pequena diferença entre esses dois grupos: 36,4% com o Ensino Fundamental
incompleto e 40,9% com o Ensino Médio completo. Já na RMVA, essa diferença se mostrou de
forma mais expressiva: 24,2% com o Ensino Médio completo e 57,6% com o Ensino
Fundamental incompleto. Com relação ao tipo de deficiência que possuíam, o maior número de
pessoas apresentava deficiência física (57,4%), sendo 90,5% na RMBH e 36,4% na RMVA.
4.2 Fatores analisados
4.2.1 Fator 1 – Barreiras à Cidadania
TABELA 2
Estatística descritiva do fator Barreiras à Cidadania
Descrição do item
RMBH
RMVA
Méd. M o d
São poucas as vagas de emprego 4,05
5
oferecidas para pessoas com deficiência
Um dos fatores que me desestimula a 3,5
5
procurar um emprego são os meios de
transporte oferecidos
São de fácil acesso as informações 2,3
1
referentes às vagas que surgem para
pessoas com deficiência
1
São de fácil acesso programas de 2,8
capacitação que atendam às necessidades
das pessoas com deficiência para se
inserirem no mercado de trabalho
Tenho oportunidade para desenvolver 3,4
5
novos conhecimentos e aprimorar as
minhas habilidades
Méd.=Média; Mod = Moda; Des.P.= Desvio Padrão
Fonte: Dados da pesquisa, 2006.
Total
Des. P.
1,32
Méd.
4,21
M o d Dês. P.
5
1,4
Méd.
4,15
M o d Des. P.
5
1,4
1,8
2,79
1
1,8
3,06
5
1,8
1,6
1,9
1
1,5
2,09
1
1,5
1,7
2,1
1
1,2
2,36
1
1,5
1,7
2,9
1
1,6
3,07
1
1,6
Os resultados obtidos com relação a este fator demonstram que a maioria dos respondentes, em
ambas as regiões pesquisadas, tende a concordar que são poucas as vagas de emprego oferecidas
às pessoas com deficiência e a discordar parcialmente que são de fácil acesso as informações
referentes a essas vagas e a programas de capacitação adequados às suas necessidades. Com
8
relação às oportunidades que possuem para desenvolver novos conhecimentos e aprimorar
habilidades, a amostra pesquisada apresenta em média, por região e no total, neutralidade para
com esta questão. Sobre a afirmativa referente aos transportes oferecidos nas regiões e ao
possível desestímulo provocado por eles, observou-se com relação ao total da amostra, que as
pessoas não apresentam um consenso sobre esta questão. Especificamente na RMBH, em média
as pessoas se mostram com tendência a concordarem com esse desestímulo. Na RMVA, observase que as pessoas tendem a discordar deste.
4.2.2 Fator 2 – Discriminação com relação ao trabalho
TABELA 3
Estatística descritiva do Fator 2– Discriminação com relação ao trabalho
Descrição do item
RMBH
RMVA
Total
Méd. Mod Des. P. Méd. Mod Des. P. Méd. Mod Des. P.
Já perdi oportunidade de emprego por ser uma
3,6
5
1,80 3,97
5
1,42 3,82
5
1,6
pessoa com deficiência
Já me senti discriminado ao pleitear uma vaga de 3,48
5
1,9 3,45
5
1,56 3,46
5
1,7
um emprego
Méd.=Média; Mod = Moda; Des.P.= Desvio Padrão
Fonte: Dados da pesquisa, 2006.
Sobre a discriminação que percebem em relação à inserção no mercado de trabalho, as pessoas
com deficiência entrevistadas, em ambas as regiões, tendem a concordar que já perderam
oportunidade de emprego devido à deficiência e que já se sentiram discriminadas ao pleitear uma
vaga do mesmo.
4.2.3 Fator 3 – Conhecimento de Direitos
TABELA 4
Estatística descritiva do Fator 2 - Conhecimento de direitos
RMBH
RMVA
Descrição do item
Conheço meus direitos de participar dos programas
de habilitação e reabilitação
Conheço as leis que garantem o acesso das pessoas
com deficiência ao mercado formal de trabalho
Méd.
4
4,5
Mod Des. P.
1,68
5
5
1,24
Méd.
2,73
3,21
Total
Mod Des. P.
1
1,64
1
1,6
Méd.
2,87
3,58
Mod Des. P.
1
1,67
5
1,52
Méd.=Média; Mod = Moda; Des.P.= Desvio Padrão
Fonte: Dados da pesquisa, 2006.
A respeito do conhecimento que possuem sobre seus direitos, as pessoas com deficiência
entrevistadas residentes na RMBH afirmam conhecer os direitos que referentes à participação nos
programas de habitação e qualificação profissional e as leis que garantem seu acesso ao mercado
formal de trabalho. O mesmo não ocorre na amostra de pessoas residentes na RMVA as quais,
em média, relatam desconhecer os direitos citados no primeiro item, o que ocasionou o
rebaixamento verificado na média da amostra total (Média 2,87). Sobre o segundo item,
apresentam, tanto na RMVA, quanto no total, neutralidade com leve tendência a conhecerem as
leis referentes.
4.2.4 Fator 4 – Importância do trabalho para as pessoas com deficiência
9
TABELA 5
Estatística descritiva do Fator 4 - Importância do trabalho para as pessoas com deficiência
Descrição do item
RMBH
RMVA
Total
Méd.
Sinto que serei mais respeitado pela sociedade se
tiver um emprego
4,5
Sinto que estar empregado é contribuir para com a
4,68
sociedade
Acredito que o trabalho é um dos caminhos para
5
"crescer" como pessoa humana
Méd.=Média; Mod = Moda; Des.P.= Desvio Padrão
Fonte: Dados da pesquisa, 2006.
Mod Des. P.
Méd.
Mod Des. P.
Méd.
Mod Des. P.
5
1,10
4,33
5
1,24
4,40
5
1
5
0,71
4,36
5
1,24
4,49
5
1
5
0
4,64
5
1,05
4,78
5
1
Referente à percepção que possuem sobre a importância do trabalho, a maioria do total dos
entrevistados, em ambas as regiões, tende a concordar totalmente que será mais respeitada pela
sociedade se possuir um emprego, e que ao trabalhar poderá contribuir para com a sociedade e
também crescer como pessoa.
4.3 Diferenças entre as médias dos fatores por região
Foi realizada a Análise de Variância (ANOVA), para verificar se havia diferenças entre as médias
dos resultados obtidos na RMBH e na RMVA nos fatores analisados – Barreiras à cidadania,
Conhecimento de direitos, Discriminação em relação ao trabalho e Importância do trabalho
para as pessoas com deficiência. As médias dos fatores serão consideradas iguais quando o
valor-p do teste for superior a 0,05.
TABELA 6
Região
RMBH
RMVA
Análise das diferenças das médias dos fatores por região
Fator 1
Fator 2
Fator 3
Discriminação
Conhecimento de
Barreiras à
com relação ao
direitos
cidadania
trabalho
3,10526
3,5000
3,6591
Fator 4
Importância do
trabalho
4,7273
2,7758
3,7121
2,9394
4,4444
Total
2,8962
Valor-p
0,118
Fonte: Dados da pesquisa, 2006.
3,6296
0,557
3,2273
0,032
4,5576
0,223
Conforme as médias apresentadas, somente o Fator 3 – Conhecimento dos Direitos – apresenta
diferença significativa nas duas amostras: os entrevistados residentes na RMBH tendem a
concordar que conhecem seus direitos de participar dos programas de capacitação e habilitação e
sobre as leis que regulamentam o acesso ao mercado formal de trabalho. Este fato pode estar
relacionado às características da própria Região Metropolitana de Belo Horizonte que propicia
uma maior divulgação de informações e conhecimentos, tais como: maior aglomerado de
pessoas, maior número de instituições civis que desenvolvem atividades ligadas a pessoas com
deficiência, existência do Conselho Municipal de Apoio a Pessoa Portadora de Deficiência.
10
Vale ressaltar que, com relação à pergunta acrescentada ao questionário aplicado na RMVA,
referente à não procura de emprego por parte da pessoa com deficiência, observou-se a maior
parte (55%) afirmou que não está procurando por emprego. E, sobre este ponto faz-se necessária
uma observação sobre o que foi observado durante a aplicação dos questionários. Desses sujeitos,
50% relataram espontaneamente que não estão à procura de emprego e este fato parece estar
relacionado com o recebimento do BPC (Benefício de Prestação Continuada). Isso porque,
segundo o relato dos entrevistados, a quantia ganha através deste benefício é de fundamental
importância para o sustento familiar, e a contratação no mercado formal implicaria no imediato
cancelamento deste benefício. Aliado a isso, relataram uma grande percepção negativa sobre a
permanência no mercado, e, caso haja uma demissão, para voltar a receber o BPC seria
necessário à submissão a uma nova perícia no INSS, processo que é relatado como custoso e
demorado pelos sujeitos da pesquisa. Dos entrevistados que relataram este fato, somente um
declarou receber o BPC e mesmo assim estar a procura de emprego.
5. Considerações Finais
A inserção das pessoas com deficiência no ambiente de trabalho, implica no reconhecimento da
diversidade e nos direitos das pessoas com deficiência, porém, apesar dos dispositivos legais, este
processo de inserção ainda se encontra comprometido, uma vez que dos 9 milhões de brasileiros
com alguma deficiência e em idade de trabalhar, somente 1 milhão exerce alguma atividade
remunerada (NERI et al, 2003) e apenas 200.000 pessoas com deficiência, em todo o país,
mantêm um vínculo empregatício formal (GIL, 2002).
Através dos dados analisados, pôde-se apreender que nas regiões metropolitanas pesquisadas
(RMBH e RMVA), são encontradas dificuldades de inserção no mercado formal de trabalho por
parte das pessoas com deficiência residentes nas mesmas. Dificuldades essas verificadas através
dos quatro fatores abordados no instrumento de pesquisa: Barreiras à cidadania; Conhecimento
de direitos; Discriminação com relação ao trabalho e Importância do trabalho para as pessoas
com deficiência. Os itens referentes aos dois primeiros fatores podem ser concebidos como
oriundos de ações e atitudes da sociedade que dificultam a inserção da pessoa com deficiência,
enquanto os referentes aos dois últimos são associados a percepções e ações provenientes do
próprio indivíduo.
O fator Barreiras à cidadania identificou as dificuldades colocadas pela sociedade em promover
possibilidades iguais de participação para todos, tendo como foco nesta pesquisa as dificuldades
relacionadas às possibilidades de obtenção de um emprego no mercado formal. Com relação à
oferta de vagas de emprego, a maioria dos entrevistados, em ambas as regiões, afirma serem
poucas as vagas oferecidas para as pessoas com deficiência. Além disso, as informações
referentes às mesmas seriam de difícil acesso. A qualificação é também percebida de forma
negativa, pois afirmam que os cursos de capacitação e qualificação profissional não possuem as
adequações necessárias às suas especificidades. No tocante aos transportes oferecidos nas
regiões, percebe-se que as pessoas com deficiência residentes na RMBH tendem a considerar esta
questão mais desestimulante ao procurar um emprego do que as pessoas residentes na RMVA.
Ressalta-se que nesta região houve um número maior de pessoas com deficiência auditiva e
visual, e para este grupo de pessoas, os meios de transporte oferecidos podem não se apresentar
de forma a limitar a circulação do mesmo pelos espaços públicos, contudo, essa relação deverá
ser melhor verificada em futuros estudos.
11
O fator Discriminação em relação ao trabalho indica a percepção das pessoas com deficiência
especificamente sobre as dificuldades encontradas na busca de emprego. Em ambas as regiões
pesquisadas, as pessoas concordam que já perderam oportunidade de emprego por ter deficiência
e já se sentiram discriminadas ao pleitear uma vaga do mesmo, o que demonstra que o estigma
(GOFFMAN, 1989), se configura como um critério de diferenciação e distinção utilizado nos
espaços sociais em relação à pessoa com deficiência.
Em relação ao Conhecimento de direitos referentes ao trabalho das pessoas com deficiência,
verificou-se que os entrevistados residentes na RMBH tendem a afirmar um maior conhecimento
dos mesmos do que sujeitos oriundos da RMVA. Essa diferença pode estar relacionada às
características de cada região, uma vez que a RMBH possui um número muito maior de
habitantes e instituições políticas e civis que buscam o cumprimento e divulgação dos direitos da
pessoa com deficiência. Ademais, Carvalho-Freitas, Scherer e Marques (2004) afirmam que este
fator possui uma relação positiva direta com o nível de escolaridade. No caso das regiões
pesquisadas, observou-se que o grau de escolaridade é maior na RMBH, na qual 63,6% dos
entrevistados possuem escolaridade igual ou superior ao ensino fundamental completo, enquanto
na RMVA essa porcentagem cai para apenas 42,4%, o que vai de encontro ao descrito pelos
autores citados.
Sobre a Importância do trabalho para a pessoa com deficiência, notou-se que o trabalho, para os
entrevistados de ambas as regiões, é dotado de grande valor; seja pelo fato de acreditarem que
trabalhar é um meio de crescer como pessoa, seja pela afirmativa de que poderão ajudar outras
pessoas ao estar empregado, seja pela crença de que serão mais respeitados ao trabalhar. Dessa
forma, o trabalho se configura como uma forma de obtenção de reconhecimento social,
recompensa social e econômica e manutenção da sobrevivência por parte da pessoa com
deficiência, conforme constatado em pesquisa realizada por Martins (1996).
Contudo, apesar de toda a importância vista no trabalho pela pessoa com deficiência, a maior
parte dos respondentes da RMVA afirmou não estar à procura de emprego. Este dado alarmante
parece estar relacionado a todas as dificuldades percebidas pelos mesmos no processo de inserção
descritos nos fatores acima. E, em metade desses respondentes, a não procura parece estar
relacionada também ao recebimento do BPC e a todas conseqüências que o ingresso no mercado
formal implicariam no cotidiano dessas pessoas e de seus familiares. Haja vista que a quantia
recebida por este benefício na maioria das vezes é imprescindível para o sustento familiar e, uma
vez que o benefício é cancelado imediatamente após a admissão, e somado a isso, não possuem
muita segurança quanto à permanência no mercado formal. Dessa forma, diante de todas as
barreiras sociais impostas e a instabilidade percebida quanto ao futuro em uma organização, se
faz mais seguro para a sobrevivência de si e familiares, a manutenção do recebimento do BPC e a
não procura por um emprego por parte das pessoas com deficiência entrevistadas. Entretanto, esta
relação deverá ser aprofundada em estudos posteriores.
Uma vez que a conscientização por parte dos gestores da importância da diversidade da mão-deobra nas empresas possibilita a construção de uma atitude ética que se amplia e passa a ser
adotada como valor e prática nos negócios (HEINSKI e BIGNETTI, 2002) e, diante dos dados
referentes às barreiras sociais encontradas no processo de inserção no trabalho formal pela pessoa
com deficiência, os resultados da presente pesquisa indicam a necessidade do reconhecimento da
12
diversidade e adequação das práticas de gestão do trabalho específicas a este grupo de pessoas,
principalmente no que diz respeito ao impacto dessa diversidade dos indivíduos e dos grupos
sobre o comportamento dentro das organizações.
Além disso, indica-se a necessidade de um reconhecimento da diversidade como um recurso a ser
gerenciado pelas organizações e, paralelo a isso, o reconhecimento também da necessidade de um
melhor planejamento e adequação das práticas de Recrutamento e Seleção, com vistas a garantir a
real possibilidade de inserção da pessoa com deficiência em organizações do mercado formal.
Haja vista que essas práticas de Recrutamento e Seleção se apresentam como um reflexo das
práticas da gestão dessa dimensão da diversidade dentro das organizações.
Finalmente, é importante constatar que embora as regiões pesquisadas tenham características
diferentes das localidades em que pesquisas anteriores foram realizadas (CARVALHOFREITAS, MARQUES e SCHERER, 2004 e CARVALHO-FREITAS et al, 2005), os resultados
são bastante similares, indicando que, embora seja um direito de todos, o trabalho ainda continua
sendo um objetivo a perseguir. E por outro lado, este mesmo trabalho passa a ser visto como um
local a se temer, pois se faz mais seguro manter uma pequena quantia fixa, recebida pelo BPC
(um salário mínimo), a se arriscar em um mercado percebido como dotado de instabilidade.
6. Referências Bibliográficas
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continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, de que trata a Lei nº 8.742, de 7
de dezembro de 1993, e dá outras providências.
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14
1
A cidade de São João Del Rei localiza-se no interior do estado de Minas Geraisl. Possui uma população estimada
em 82.954 habitantes e PIB total de 495.243, sendo o valor adicionado na indústria 204.234 de mil reais e o valor
adicionado no serviço de 273.632 mil reais (IBGE, 2004). Deste modo, observa-se um maior desenvolvimento do
setor de serviços na cidade em detrimento do industrial. Em Cabo Verde, país localizado continente africano, há
aproximadamente 450.000 habitantes (CENSO, 2000), Contudo, segundo dados do Ministério das Relações
Exteriores do Brasil (2005), mais de 50% da população emigra para países da Europa e continente americano em
busca de melhores condições de vida. Referente a atividade econômica, é um país em que o turismo é uma das
principais apostas de investimento.
2
A Região Metropolitana de Belo Horizonte é a terceira maior aglomeração urbana do Brasil, com 4,9 milhões de
habitantes (IBGE, 2006). Seu produto interno bruto (PIB), em 2002 correspondia a cerca de 40 bilhões de reais, dos
quais aproximadamente 65% pertenciam à cidade de Belo Horizonte. Apesar de ser formada por 34 municípios, 80%
da população desta região concentra-se em apenas cinco; Belo Horizonte, Contagem, Betim, Ribeirão das Neves e
Santa Luzia. O número de pessoas com deficiência é de aproximadamente, 13,5% da populaçao total. A Região
Metropolitana do Vale do Aço foi instiutída em 1998. Sua denominação se deve a grande concentração de indúrias
siderúrgicas nesta região. É constituída pelos munípios de Coronel Fabriciano, Ipatinga, Timóteo e Santana do
Paraíso. Segundo Soares et al (2004) esta região representa mais de 5% do PIB mineiro, possui uma população em
sua área de influência de cerca de 500.000 habitantes e uma importância estratégica e econômica para Minas Gerais e
para o país. O número de pessoas com deficiência residentes nesta região corresponde a 12,5% da populaçao total.
3
Um exemplo de concepção de deficiência focada em atributos pessoais seria a definição feita pelo decreto 3.298, de
20 de dezembro de 1999, que a caracteriza como [...] toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão
considerado normal para o ser humano (art 3º, § 1º).
4
Estudos sociológicos apontam para diferentes conceituações, as quais dependeriam da análise ontológica
(PRIESTLEY, 1998). A saber, tais perspectivas seriam: um “produto de vontades individuais (pessoas com e sem
deficiência) envolvidas na criação de identidades e na negociação de papéis”; “produto físico da ação biológica sobre
o funcionamento do corpo”; ou “produto material das relações sócio-econômicas desenvolvidas dentro de um
contexto histórico específico”; ou ainda um como “um produto dos valores sociais desenvolvidos dentro de um
contexto histórico específico”.
15
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1 Percepções das Pessoas com Deficiência em Relação à