Percepções das Pessoas com Deficiência em Relação à Inserção no Mercado Formal de Trabalho: Um Estudo Realizado em Duas Regiões Metropolitanas de Minas Gerais Autoria: Luciana Alves Drumond Almeida, Cristiane Elias Penido Coimbra, Maria Nivalda de Carvalho-Freitas Resumo O presente artigo tem como finalidade ampliar o conhecimento sobre a realidade das pessoas com deficiência através da verificação da percepção delas sobre suas dificuldades e possibilidades de inserção no mercado formal de trabalho em duas regiões metropolitanas localizadas em Minas Gerais: Região Metropolitana de Belo Horizonte e Região Metropolitana do Vale do Aço. Baseados nos conceitos de princípios de diferenciação de Bourdieu (1996) e estigma de Goffman (1982), questionários estruturados em escala Likert foram respondidos por 55 pessoas com deficiência residentes nessas regiões. Quatro fatores - referentes às barreiras da cidadania, discriminação com relação ao trabalho, conhecimento de direitos e importância do trabalho para a pessoa com deficiência - foram analisados através de estatística descritiva e realizada análise da variância para averiguar diferenças entre as médias obtidas por fator nas duas regiões. Somente o fator sobre o conhecimento de direitos apresentou significativa diferença nas duas regiões. 1. Introdução Atualmente a globalização não pode ser definida apenas como uma mudança de ordem econômica, pois existem vários outros fatores que alteram também a ordem sócio-cultural e política, o que “implica em nova forma de agir, pensar e realizar negociações” (BATISTA, 2004, p. 84). O cenário de mudanças contínuas e aceleradas e a diversidade que caracteriza o mundo globalizado impõe às empresas novos desafios e demandas. Assim, as empresas, além de se preocuparem com seus produtos e clientes, ficam atentas às questões sociais, uma vez que isto é fator decisivo para a competitividade. Para Heinski (2004), as organizações que adotam uma realidade inclusiva podem obter benefícios como a imagem positiva que o consumidor passa a ter da empresa e do seu produto. Deste modo, em contextos organizacionais, se tornam cada vez mais presentes questões ligadas à diversidade, dotada de um conceito em constante evolução, uma vez que as definições variam de um contínuo em uma perspectiva restrita, que enfatiza a discriminação devido à raça, etnia, gênero e outros (CROSS, KATZ, MILLER e SEASHORE, 1994) para definições bastante ampliadas, que têm por critério aspectos que diferenciam os indivíduos e grupos (JAMIESON e O’MARA, 1991, dentre outros). Para Fleury e Jacomette (2000), a gestão da diversidade dentro das organizações possibilita um gerenciamento mais planejado e adequado, maximizando as vantagens potenciais da diversidade e minimizando as desvantagens da mesma. Circunscrita no campo de estudos sobre a diversidade, encontra-se a questão da inserção e gestão do trabalho de pessoas com deficiência, que significa para este grupo a oportunidade de ser inserido no mercado de trabalho e desempenhar um papel ativo na sociedade. Dessa forma, esse grupo deixa de ser “mero receptáculo passivo de serviço especializado, e se torna um produtor e consumidor” (HEINSKI, 2004, p. 2). 1 No Brasil, segundo o censo realizado em 2000 pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –, existem 24,5 milhões de brasileiros que possuem algum tipo de deficiência, o que corresponde a 14,5% da população brasileira. Por outro lado, segundo Neri et al (2003), apenas 2,05% do total de trabalhadores brasileiros são pessoas com deficiência, sendo que 29,05% deles vivem em situação de miséria e 27,61% não possuem nenhuma escolaridade. Em relação aos direitos trabalhistas, as pessoas com deficiência e acidentados são amparados pela Constituição brasileira. Em virtude disso, ocorre reserva de cargos e a proibição de qualquer discriminação relacionada à remuneração e critério de admissão dos amparados. Tais medidas foram regulamentadas pelas seguintes leis: Lei 8.213/91, que indica os percentuais de postos de trabalho de acordo com o número de empregados da empresa; e Lei 7.853/89, referente à política nacional voltada para o portador de deficiência. O direito ao trabalho do portador de deficiência também é assegurado pelo Decreto 3.298/99, que determina a forma de acesso ao mercado formal de trabalho. Haja vista que o mercado formal de trabalho representa o conjunto de organizações em que a relação capital-trabalho é mediada por um vínculo empregatício. Além desses dispositivos legais que asseguram a inserção das pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho, a Constituição, através da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Lei nº 8.742/93 e Decreto Federal n.º 1.744/95, assegura e regulamenta o Benefício da Prestação Continuada - BPC. Esse benefício consiste no pagamento de um salário mínimo mensal a idosos com idade igual ou superior a 65 anos e à pessoa com deficiência, desde que ambos pertençam a famílias com renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo. Como um benefício social de caráter temporário, o BPC está alicerçado na suposição de que o indivíduo que porventura venha a usufruir o benefício possa sair ou alterar a situação de carência que o levou a solicitá-lo. Contudo, em relação às possibilidades de inserção no mercado de trabalho, Batista (2004), em um estudo feito nas organizações do estado de Minas Gerais, constatou que a incorporação das práticas de responsabilidade social por parte das empresas tem favorecido a contratação e o desenvolvimento de relações inclusivas no ambiente de trabalho. Entretanto, a imposição legal de cotas não favorece a política de inclusão e representa uma fonte de resistência à mesma. Outras pesquisas também têm indicado que, apesar dessa lei ser o principal instrumento disponível às pessoas com deficiência para assegurar um lugar no mercado de trabalho formal, ela não é cumprida (NERI et al., 2003; HEINSKI e BIGNETT, 2002). São também encontrados, pelas pessoas com deficiência, obstáculos ao ingressarem, manterem-se e crescerem dentro das empresas (LEWIS e ALLEE, 1992). Tais impedimentos são exemplificados pela necessidade de adaptações em postos de trabalho, fato que é agravado pela falta de preparo do mundo industrial ao absorver pessoas com deficiência (SILVA, 1993) e maior possibilidade de contratação dessas pessoas por grandes empresas que possuam profissionais de Recursos Humanos (GOSS; GOSS e ADAM-SMITH, 2000). Além disso, destacam-se atitudes contraditórias entre as empresas, que vão desde a segregação (ao contratarem essas pessoas por grupos e categorias em trabalhos considerados inferiorizados, mantendo condutas discriminatórias), ao reconhecimento do desempenho das pessoas com deficiência, assim como da adequação essencial às necessidades diferenciadas dessas pessoas (BATISTA, 2004). No tocante a renda, observou-se que esta, no caso deste grupo, é aproximadamente, R$ 100,00 (cem reais) menor que a renda da população em geral. Isso ocorre mesmo nas circunstâncias em que o trabalho seja similar (NERI et al., 2003). 2 O trabalho, no entanto, associado a um emprego, desempenha um papel importante entre os grupos historicamente marginalizados, uma vez que diminuem as taxas de pobreza e torna possíveis a diminuição do isolamento social e o aumento da participação política (SCHUR, 2002). Atuam também melhorando a auto-estima (OLIVEIRA, 1993), fazendo-os se sentirem cidadãos completos, independente de suas limitações físicas (MARTINS, 1996). O trabalho para uma pessoa com deficiência representa, portanto, uma dimensão interdependente da percepção que tem de si mesma e da própria vida (CARVALHO-FREITAS et al., 2004). Além disso, pesquisas anteriores indicam a necessidade de maior conscientização por parte dos empresários e da sociedade a respeito da construção de uma sociedade para todos (MARTINS, 1996; GIL, 2002) e revelam que muitas das dificuldades notadas no processo de admissão dessas relacionam-se estreitamente às diversas dúvidas dos empregadores a respeito da própria inserção dessas pessoas no mercado de trabalho formal (OLIVEIRA, 1993; PETEAN et al., 1994). Ao considerar que o nível individual é uma das dimensões de análise do comportamento organizacional e que o desenvolvimento do conhecimento sobre a inserção e gestão do trabalho de pessoas com deficiência depende do conhecimento a respeito desta população, torna-se relevante investigar, do ponto de vista da pessoa com deficiência, quais as dificuldades e facilidades encontra para se inserir no mercado de trabalho, o que poderá contribuir para a construção de práticas organizacionais que minimizem as dificuldades dessas pessoas e facilitem sua inserção nas organizações de trabalho. Nessa perspectiva, já foram realizados alguns estudos nacionais, por exemplo; Carvalho-Freitas, Marques e Scherer (2004) pesquisaram a percepção das pessoas com deficiência sobre a inclusão no mercado formal de trabalho em uma cidade mineira e Carvalho-Freitas et al (2005), com essa mesma temática, realizou um estudo em Cabo Verde, África. No entanto, os locais dessas pesquisas se caracterizam pelo grande investimento no setor de serviços1, não tendo sido realizadas, ainda, pesquisas em localidades mais industrializadas. Com o objetivo de verificar quais as dificuldades e facilidades para se inserir no mercado de trabalho as pessoas com deficiência percebem em regiões de desenvolvimento industrial predominante foi realizada a presente pesquisa, a fim de ampliar o conhecimento sobre essa população que passa a fazer parte dos estudos sobre a diversidade nas organizações. As regiões metropolitanas escolhidas foram a Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA), ambas localizadas no estado de Minas Gerais, dotadas de um grande desenvolvimento industrial e significativo número de pessoas com deficiência2. Nessas regiões, buscou-se verificar e comparar as percepções das pessoas com deficiência, que não possuíam nenhum vínculo empregatício formal, a respeito da inserção no mercado de trabalho. Para apresentar os resultados da pesquisa, o texto foi organizado em quatro partes, além dessa introdução: o referencial teórico adotado na pesquisa; a metodologia; a análise de dados e considerações finais. 2. Referencial Teórico O termo inserção foi entendido como o ato de introduzir pessoas com deficiência junto às demais pessoas em ambientes de trabalho, para a realização de atividades profissionais. 3 Foi considerada uma abordagem mais abrangente sobre a deficiência, que não baseada unicamente em atributos pessoais3 ou sociais4 como elementos fundamentais para sua conceituação. A deficiência foi abordada, conforme Carvalho-Freitas (2007): [...] como o resultado da articulação entre a condição biológica e as contingências históricas, sociais e espaciais, o qual poderá significar uma maior ou menor possibilidade de inserção ou discriminação das pessoas com deficiência (p.23). Pois concorda-se com Omote (1996) que: [...] a definição de deficiência perde o caráter oficial e universal. Passa a ser contingencial. As pessoas começam a compreender que alguém é deficiente somente em um contexto temporal, espacial e socialmente determinado. Começam a compreender que é necessário especificar os critérios segundo os quais ele é deficiente (p. 130). Ademais, a expressão pessoas com necessidades especiais não foi utilizada, por contemplar além das pessoas com deficiência, pessoas obesas, obsessivas compulsivas ou com problemas de atenção e idosas. Foram consideras de forma indistinta, pessoas com deficiência física e sensorial (auditiva e visual) e que não possuíam nenhum déficit cognitivo ou distúrbio mental. Com o objetivo de verificar quais eram as dificuldades e facilidades percebidas pelas pessoas com deficiência para se inserirem no mercado formal de trabalho na Região Metropolitana de Belo Horizonte e na Região Metropolitana do Vale do Aço, foi utilizado o mesmo referencial teórico adotado em duas pesquisas anteriores: uma realizada junto a 121 pessoas com deficiência em uma cidade de Minas Gerais (CARVALHO-FREITAS, MARQUES e SCHERER, 2004) e outra realizada com 67 pessoas com deficiência em três ilhas de Cabo Verde – África (CARVALHO-FREITAS et al, 2005). Essas pesquisas adotaram como referencial teórico a concepção de Bourdieu (1996) de que a diferença é entendida como separação, traço distintivo, propriedade relacional, pois só existe quando relacionamos (comparamos) as propriedades de algo ou alguém. Para o autor, a idéia de diferença, de separação, estaria no fundamento da noção de espaço social. Os agentes seriam distribuídos neste espaço de acordo com o volume de capital que possuem, sendo os mais relevantes o capital econômico, capital social e capital cultural (BOURDIEU e WACQUANT, 1992). O primeiro capital refere-se à posse de rendas, bens materiais, patrimônios e recursos financeiros em geral. O capital social, à rede de relações mantidas pelo indivíduo e que lhe fornece possibilidades diferenciadas em seu espaço social. E o capital cultural, principalmente à educação legitimada pelas instituições escolares. A concentração desses diversos tipos de capital configura-se em poder simbólico, que confere prestígio àquele que o detém, o que o possibilita fazer ver o que antes não era visto e legitimar sua forma de compreender e ver o mundo. Ao ter como referência o conceito de princípios de diferenciação proposto por Bourdieu (1996), Carvalho-Freitas et al (2004) afirmou-se que, para compreender a inserção da pessoa com deficiência, foi necessário, além da análise da posse diferenciada de capital econômico e capital cultural dessa população, considerar que a própria definição de pessoa com deficiência as remete 4 a um critério de diferenciação das pessoas tidas como “normais” dentro dos supostos padrões nos quais a sociedade pode ser entendida. Essa diferenciação, associada à discriminação, pode ser concebida, no caso das pessoas com deficiência, segundo o conceito de estigma que, numa primeira acepção, se refere a “sinais corporais com os quais se procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava” (Goffman, 1989, p. 11). Goffman (1989) se propõe a compreender o estigma como um conceito que se funda numa relação e está referendado por atributos tidos como depreciativos em uma pessoa. Nesse sentido, afirma que o estigma se constrói sobre o que denomina de identidade social virtual (constituída por uma imputação feita por outrem) e identidade social real (constituída pelas características reais do sujeito, aquilo que o sujeito acredita que seja). Assim, pode-se considerar o estigma como um critério de diferenciação e distinção utilizado nos espaços sociais em relação à pessoa com deficiência, uma vez que ele se refere a um atributo (deficiência), mas que se configura em uma relação que conferem características de desvalorização aos que possuem o mesmo, discriminando-os. Ressalta-se que a inserção de pessoas com deficiência no mercado formal de trabalho se configura de forma recente, pois o direito delas ao trabalho foi legalizado somente após a Segunda Guerra Mundial, devido aos ex-combatentes que voltavam mutilados da guerra. E, devido a isto, desde a década de 1940 a Europa adota o esquema de cotas de emprego para os excombatentes, aplicável também a outras pessoas com deficiência, como uma forma de caridade social baseada na concepção de que essas não seriam capazes de cuidar de si mesmas ou fazer escolhas para suas próprias vidas. Isso favorece a veiculação de uma imagem negativa dessas pessoas, se comparadas às pessoas que não possuem deficiência (GOSS; GOSS e ADAMSMITH). Contudo, a partir das décadas de 1960 e 1970 essa postura assistencialista passou a ser questionada pelos movimentos sociais, especialmente nos Estados Unidos e no Reino Unido. Estes movimentos contribuíram para uma nova perspectiva ideológica relacionada às pessoas com deficiência, com forte ênfase nos direitos civis e para uma nova definição de deficiência, que passa a considerar os aspectos sociais – para além de uma limitação individual, a deficiência também é determinada pelas falhas da sociedade em acomodar as necessidades das pessoas que as possuem. A perspectiva utilizada por Carvalho-Freitas, Marques e Scherer (2004) foi, então, adotada como referência na presente pesquisa. Foram utilizados os fatores identificados pelos pesquisadores a partir da operacionalização, em forma de itens de questionário, dos conceitos de princípios de diferenciação e de estigma discutidos anteriormente e validados pela pesquisa sob referência. Os fatores identificados foram: ¾ Fator 1 - Barreiras à Cidadania: expressa a percepção das pessoas com deficiência sobre as dificuldades relacionadas à obtenção de um trabalho no mercado formal, como: número de vagas oferecidas, acessibilidade, informações etc. A fim de abarcar outras variáveis referentes a este fator, consideradas relevantes para uma possível inserção das pessoas com deficiência e não contempladas no questionário de Carvalho-Freitas, Marques e Scherer (2004), foram acrescentadas as seguintes afirmativas: São poucas as vagas de emprego oferecidas para pessoas com deficiência; São de fácil acesso as informações referentes às vagas que surgem para pessoas com deficiência; São de fácil acesso programas de capacitação que atendam às 5 necessidades das pessoas com deficiência para se inserirem no mercado de trabalho; Tenho oportunidade para desenvolver novos conhecimentos e aprimorar as minhas habilidades. ¾ Fator 2 - Discriminação em relação ao trabalho: percepção das pessoas com deficiência em relação ao sentimento de discriminação experimentado quando se dá a busca de emprego. ¾ Fator 3- Conhecimento dos direitos: refere-se ao conhecimento das leis que garantem o acesso das pessoas com deficiência ao mercado de trabalho e aos direitos de participação de programas de habilitação e reabilitação. ¾ Fator 4 – Importância do trabalho para as pessoas com deficiência: Ao invés do fator Auto-estima, identificado na pesquisa de Carvalho-Freitas, Marques e Scherer (2004), foi construído um fator que contempla uma dimensão relevante para análise e que se refere à importância do trabalho percebida pelas pessoas com deficiência. As afirmativas acrescentadas foram: Sinto que serei mais respeitado pela sociedade se tiver um emprego; Sinto que estar empregado é contribuir para com a sociedade; Acredito que o trabalho é um dos caminhos para crescer como pessoa humana. 3. Metodologia de pesquisa A pesquisa foi realizada em três etapas: coleta e análise de dados na Região Metropolitana de Belo Horizonte (realizada durante o primeiro semestre de 2006), coleta e análise dos dados na Região Metropolitana do Vale do Aço (realizada no segundo semestre do mesmo ano) e análise comparativa dos resultados encontrados nas duas regiões. A amostragem da pesquisa foi de conveniência, devido à dificuldade de acesso aos sujeitos da pesquisa: pessoas com deficiência residentes nas regiões pesquisadas e que não possuíam nenhum vínculo empregatício formal no momento da pesquisa. Foram consideradas de forma indistinta, pessoas com deficiência física e sensorial (auditiva e visual), que não possuíam nenhum déficit cognitivo ou distúrbio mental. Esta escolha se fez necessária devido às dificuldades impostas pelo questionário utilizado como instrumento de coleta de dados. O método de pesquisa adotado foi o survey de desenho transversal e o instrumento de coleta de dados utilizado foi o questionário de avaliação de percepções sobre as dificuldades de inserção no mercado formal de trabalho (CARVALHO-FREITAS; MARQUES e SCHERER, 2004). O questionário é composto por questões fechadas e utiliza a escala Likert para medição. Considerou-se uma variação de 1 a 5, conforme a seguinte classificação: 1 - discordo totalmente; 2 - discordo parcialmente; 3 - nem concordo, nem discordo; 4 - concordo parcialmente; 5 concordo totalmente. Os questionários foram aplicados individualmente e recolhidos logo após o término das respostas. As respostas dos participantes da amostra foram registradas na forma de banco de dados, através do programa de informática SPSS for windows (Statistical Package for Social Sciences). A amostra total foi composta por 55 pessoas com deficiência, dessas, 22 residentes na RMBH e 33 residentes na RMVA. Os dados foram analisados através do SPSS, o que consistiu numa análise descritiva (média, moda e desvio padrão) das respostas dadas às afirmativas referentes aos quatro fatores analisados por região. Além disso, foi feita uma análise da variância (ANOVA) das médias encontradas por cada fator, por região, com o objetivo de comparar e verificar se havia diferença entre as mesmas. 6 Durante a primeira fase de aplicação do questionário, realizada na RMBH, observou-se que algumas pessoas não respondiam à questão referente ao tempo que estavam procurando por emprego. Esta questão era composta pela seguinte pergunta: Há quanto tempo você está procurando por emprego? Havia quatro alternativas de resposta: menos de um mês; de um mês a três meses; de quatro meses a um ano; mais de um ano. Contudo, a ausência de resposta foi verificada em 41% dos respondentes, e poderia ter sido causada pelos seguintes fatores: as pessoas poderiam não ter entendido a pergunta e/ou as opções de resposta, esqueceram ou não quiseram responder a este item, ou poderiam ainda não estar procurando por emprego, uma vez que não havia esta alternativa de resposta. Diante disso, no questionário na RMVA, foi acrescentada a seguinte pergunta: Você está procurando por emprego? Com as opções de resposta sim ou não. Em caso positivo, era solicitada a resposta da questão descrita acima. 4. Análise dos dados Inicialmente será apresentada a caracterização das amostras pesquisadas (pessoas com deficiência residentes na RMBH e pessoas com deficiência residentes na RMVA), com o auxílio da estatística descritiva; uma vez que serão descritos os fatores e a sua interpretação. Posteriormente, com o auxílio dessa mesma estatística, serão apresentados os quatro fatores identificados e seus respectivos itens de referência. Por último, a análise das diferentes médias por fatores em cada região, que foi feita através da Análise de Variância (ANOVA), com o objetivo de averiguar a existência de médias diferentes nas duas regiões pesquisadas. 4.1 Caracterização da amostra Para a caracterização da amostra serão apresentados dados de identificação e indicativos sócioeconômicos na tabela 1. TABELA 1 Caracterização da amostra pesquisada (n = 55) Variáveis Masculino Sexo Feminino Até 20 anos De 20 a 25 anos Faixa Etária De 26 a 35 anos Acima de 36 anos Ensino Fundamental Incompleto Ensino Fundamental Completo Nível de Ensino Médio Incompleto Escolaridade Ensino Médio Completo Superior Incompleto Visual Auditiva Tipo de deficiência Física Múltipla Estado Civil Solteiro Casado RMBH 11 (50%) 11 (50%) 0 3 - 13,6% 7 - 31,8% 12 - 54,5% 8 - 36,4% 5 - 22,7% 0 9 - 40,9% 0 1 - 4,8% 1 - 4,8% 19 - 90,5% 0 15 - 68,2% 4 - 18,2% 7 Resultados RMVA Amostra total 13 - 39,4% 24 - 46,6% 20 - 60,6% 31 - 56,4% 2 - 6% 2 - 3,6% 5 - 15,2% 8 - 14,5% 12 - 36,4% 19 - 34,5% 14 - 42,4% 26 - 47,4% 19 - 57,6% 27 - 49% 2 - 6,1% 7 - 12,7% 3 - 9,1% 3 - 5,5% 8 - 24,2% 17 - 31% 1 - 3% 1 - 1,8% 11 - 33,3% 12 - 22,2% 8 - 24,2% 9 - 16,7% 12 - 36,4% 31 - 57,4% 2 - 6,1% 2 - 3,7% 23 - 69,7% 38 - 69,1% 10 - 30,3% 14 - 25,5% Viúvo Fonte: Dados da pesquisa, 2006. 3 - 13,6% 0 3 - 5,5% Com base nos resultados apresentados, pôde-se observar com relação ao sexo, que a amostra da RMBH é composta por um número igual de pessoas do sexo masculino e feminino. Este fato não se apresenta na RMVA, na qual houve maioria do sexo feminino (60,6%), acarretando em uma amostra total de 56,4% de pessoas do sexo feminino, quando consideradas as duas regiões. Com relação ao estado civil, a grande maioria da amostra total declarou-se solteira (69,1%). Sobre a idade, observou-se que em sua maioria, os entrevistados tinham a partir de 26 anos (81,9%). Na faixa etária de 26-35 anos, encontra-se 34,5% da amostra total, e na faixa etária acima de 36 anos, encontra-se 47,4% dos sujeitos entrevistados. Considerando toda a amostra, em relação ao nível de escolaridade, observa-se que a maioria dos entrevistados (49%) declarou possuir somente o Ensino Fundamental incompleto e uma outra grande parte (31%) o Ensino Médio completo. Contudo, a porcentagem de pessoas com estas escolaridades variou nas duas amostras. Na RMBH, houve uma pequena diferença entre esses dois grupos: 36,4% com o Ensino Fundamental incompleto e 40,9% com o Ensino Médio completo. Já na RMVA, essa diferença se mostrou de forma mais expressiva: 24,2% com o Ensino Médio completo e 57,6% com o Ensino Fundamental incompleto. Com relação ao tipo de deficiência que possuíam, o maior número de pessoas apresentava deficiência física (57,4%), sendo 90,5% na RMBH e 36,4% na RMVA. 4.2 Fatores analisados 4.2.1 Fator 1 – Barreiras à Cidadania TABELA 2 Estatística descritiva do fator Barreiras à Cidadania Descrição do item RMBH RMVA Méd. M o d São poucas as vagas de emprego 4,05 5 oferecidas para pessoas com deficiência Um dos fatores que me desestimula a 3,5 5 procurar um emprego são os meios de transporte oferecidos São de fácil acesso as informações 2,3 1 referentes às vagas que surgem para pessoas com deficiência 1 São de fácil acesso programas de 2,8 capacitação que atendam às necessidades das pessoas com deficiência para se inserirem no mercado de trabalho Tenho oportunidade para desenvolver 3,4 5 novos conhecimentos e aprimorar as minhas habilidades Méd.=Média; Mod = Moda; Des.P.= Desvio Padrão Fonte: Dados da pesquisa, 2006. Total Des. P. 1,32 Méd. 4,21 M o d Dês. P. 5 1,4 Méd. 4,15 M o d Des. P. 5 1,4 1,8 2,79 1 1,8 3,06 5 1,8 1,6 1,9 1 1,5 2,09 1 1,5 1,7 2,1 1 1,2 2,36 1 1,5 1,7 2,9 1 1,6 3,07 1 1,6 Os resultados obtidos com relação a este fator demonstram que a maioria dos respondentes, em ambas as regiões pesquisadas, tende a concordar que são poucas as vagas de emprego oferecidas às pessoas com deficiência e a discordar parcialmente que são de fácil acesso as informações referentes a essas vagas e a programas de capacitação adequados às suas necessidades. Com 8 relação às oportunidades que possuem para desenvolver novos conhecimentos e aprimorar habilidades, a amostra pesquisada apresenta em média, por região e no total, neutralidade para com esta questão. Sobre a afirmativa referente aos transportes oferecidos nas regiões e ao possível desestímulo provocado por eles, observou-se com relação ao total da amostra, que as pessoas não apresentam um consenso sobre esta questão. Especificamente na RMBH, em média as pessoas se mostram com tendência a concordarem com esse desestímulo. Na RMVA, observase que as pessoas tendem a discordar deste. 4.2.2 Fator 2 – Discriminação com relação ao trabalho TABELA 3 Estatística descritiva do Fator 2– Discriminação com relação ao trabalho Descrição do item RMBH RMVA Total Méd. Mod Des. P. Méd. Mod Des. P. Méd. Mod Des. P. Já perdi oportunidade de emprego por ser uma 3,6 5 1,80 3,97 5 1,42 3,82 5 1,6 pessoa com deficiência Já me senti discriminado ao pleitear uma vaga de 3,48 5 1,9 3,45 5 1,56 3,46 5 1,7 um emprego Méd.=Média; Mod = Moda; Des.P.= Desvio Padrão Fonte: Dados da pesquisa, 2006. Sobre a discriminação que percebem em relação à inserção no mercado de trabalho, as pessoas com deficiência entrevistadas, em ambas as regiões, tendem a concordar que já perderam oportunidade de emprego devido à deficiência e que já se sentiram discriminadas ao pleitear uma vaga do mesmo. 4.2.3 Fator 3 – Conhecimento de Direitos TABELA 4 Estatística descritiva do Fator 2 - Conhecimento de direitos RMBH RMVA Descrição do item Conheço meus direitos de participar dos programas de habilitação e reabilitação Conheço as leis que garantem o acesso das pessoas com deficiência ao mercado formal de trabalho Méd. 4 4,5 Mod Des. P. 1,68 5 5 1,24 Méd. 2,73 3,21 Total Mod Des. P. 1 1,64 1 1,6 Méd. 2,87 3,58 Mod Des. P. 1 1,67 5 1,52 Méd.=Média; Mod = Moda; Des.P.= Desvio Padrão Fonte: Dados da pesquisa, 2006. A respeito do conhecimento que possuem sobre seus direitos, as pessoas com deficiência entrevistadas residentes na RMBH afirmam conhecer os direitos que referentes à participação nos programas de habitação e qualificação profissional e as leis que garantem seu acesso ao mercado formal de trabalho. O mesmo não ocorre na amostra de pessoas residentes na RMVA as quais, em média, relatam desconhecer os direitos citados no primeiro item, o que ocasionou o rebaixamento verificado na média da amostra total (Média 2,87). Sobre o segundo item, apresentam, tanto na RMVA, quanto no total, neutralidade com leve tendência a conhecerem as leis referentes. 4.2.4 Fator 4 – Importância do trabalho para as pessoas com deficiência 9 TABELA 5 Estatística descritiva do Fator 4 - Importância do trabalho para as pessoas com deficiência Descrição do item RMBH RMVA Total Méd. Sinto que serei mais respeitado pela sociedade se tiver um emprego 4,5 Sinto que estar empregado é contribuir para com a 4,68 sociedade Acredito que o trabalho é um dos caminhos para 5 "crescer" como pessoa humana Méd.=Média; Mod = Moda; Des.P.= Desvio Padrão Fonte: Dados da pesquisa, 2006. Mod Des. P. Méd. Mod Des. P. Méd. Mod Des. P. 5 1,10 4,33 5 1,24 4,40 5 1 5 0,71 4,36 5 1,24 4,49 5 1 5 0 4,64 5 1,05 4,78 5 1 Referente à percepção que possuem sobre a importância do trabalho, a maioria do total dos entrevistados, em ambas as regiões, tende a concordar totalmente que será mais respeitada pela sociedade se possuir um emprego, e que ao trabalhar poderá contribuir para com a sociedade e também crescer como pessoa. 4.3 Diferenças entre as médias dos fatores por região Foi realizada a Análise de Variância (ANOVA), para verificar se havia diferenças entre as médias dos resultados obtidos na RMBH e na RMVA nos fatores analisados – Barreiras à cidadania, Conhecimento de direitos, Discriminação em relação ao trabalho e Importância do trabalho para as pessoas com deficiência. As médias dos fatores serão consideradas iguais quando o valor-p do teste for superior a 0,05. TABELA 6 Região RMBH RMVA Análise das diferenças das médias dos fatores por região Fator 1 Fator 2 Fator 3 Discriminação Conhecimento de Barreiras à com relação ao direitos cidadania trabalho 3,10526 3,5000 3,6591 Fator 4 Importância do trabalho 4,7273 2,7758 3,7121 2,9394 4,4444 Total 2,8962 Valor-p 0,118 Fonte: Dados da pesquisa, 2006. 3,6296 0,557 3,2273 0,032 4,5576 0,223 Conforme as médias apresentadas, somente o Fator 3 – Conhecimento dos Direitos – apresenta diferença significativa nas duas amostras: os entrevistados residentes na RMBH tendem a concordar que conhecem seus direitos de participar dos programas de capacitação e habilitação e sobre as leis que regulamentam o acesso ao mercado formal de trabalho. Este fato pode estar relacionado às características da própria Região Metropolitana de Belo Horizonte que propicia uma maior divulgação de informações e conhecimentos, tais como: maior aglomerado de pessoas, maior número de instituições civis que desenvolvem atividades ligadas a pessoas com deficiência, existência do Conselho Municipal de Apoio a Pessoa Portadora de Deficiência. 10 Vale ressaltar que, com relação à pergunta acrescentada ao questionário aplicado na RMVA, referente à não procura de emprego por parte da pessoa com deficiência, observou-se a maior parte (55%) afirmou que não está procurando por emprego. E, sobre este ponto faz-se necessária uma observação sobre o que foi observado durante a aplicação dos questionários. Desses sujeitos, 50% relataram espontaneamente que não estão à procura de emprego e este fato parece estar relacionado com o recebimento do BPC (Benefício de Prestação Continuada). Isso porque, segundo o relato dos entrevistados, a quantia ganha através deste benefício é de fundamental importância para o sustento familiar, e a contratação no mercado formal implicaria no imediato cancelamento deste benefício. Aliado a isso, relataram uma grande percepção negativa sobre a permanência no mercado, e, caso haja uma demissão, para voltar a receber o BPC seria necessário à submissão a uma nova perícia no INSS, processo que é relatado como custoso e demorado pelos sujeitos da pesquisa. Dos entrevistados que relataram este fato, somente um declarou receber o BPC e mesmo assim estar a procura de emprego. 5. Considerações Finais A inserção das pessoas com deficiência no ambiente de trabalho, implica no reconhecimento da diversidade e nos direitos das pessoas com deficiência, porém, apesar dos dispositivos legais, este processo de inserção ainda se encontra comprometido, uma vez que dos 9 milhões de brasileiros com alguma deficiência e em idade de trabalhar, somente 1 milhão exerce alguma atividade remunerada (NERI et al, 2003) e apenas 200.000 pessoas com deficiência, em todo o país, mantêm um vínculo empregatício formal (GIL, 2002). Através dos dados analisados, pôde-se apreender que nas regiões metropolitanas pesquisadas (RMBH e RMVA), são encontradas dificuldades de inserção no mercado formal de trabalho por parte das pessoas com deficiência residentes nas mesmas. Dificuldades essas verificadas através dos quatro fatores abordados no instrumento de pesquisa: Barreiras à cidadania; Conhecimento de direitos; Discriminação com relação ao trabalho e Importância do trabalho para as pessoas com deficiência. Os itens referentes aos dois primeiros fatores podem ser concebidos como oriundos de ações e atitudes da sociedade que dificultam a inserção da pessoa com deficiência, enquanto os referentes aos dois últimos são associados a percepções e ações provenientes do próprio indivíduo. O fator Barreiras à cidadania identificou as dificuldades colocadas pela sociedade em promover possibilidades iguais de participação para todos, tendo como foco nesta pesquisa as dificuldades relacionadas às possibilidades de obtenção de um emprego no mercado formal. Com relação à oferta de vagas de emprego, a maioria dos entrevistados, em ambas as regiões, afirma serem poucas as vagas oferecidas para as pessoas com deficiência. Além disso, as informações referentes às mesmas seriam de difícil acesso. A qualificação é também percebida de forma negativa, pois afirmam que os cursos de capacitação e qualificação profissional não possuem as adequações necessárias às suas especificidades. No tocante aos transportes oferecidos nas regiões, percebe-se que as pessoas com deficiência residentes na RMBH tendem a considerar esta questão mais desestimulante ao procurar um emprego do que as pessoas residentes na RMVA. Ressalta-se que nesta região houve um número maior de pessoas com deficiência auditiva e visual, e para este grupo de pessoas, os meios de transporte oferecidos podem não se apresentar de forma a limitar a circulação do mesmo pelos espaços públicos, contudo, essa relação deverá ser melhor verificada em futuros estudos. 11 O fator Discriminação em relação ao trabalho indica a percepção das pessoas com deficiência especificamente sobre as dificuldades encontradas na busca de emprego. Em ambas as regiões pesquisadas, as pessoas concordam que já perderam oportunidade de emprego por ter deficiência e já se sentiram discriminadas ao pleitear uma vaga do mesmo, o que demonstra que o estigma (GOFFMAN, 1989), se configura como um critério de diferenciação e distinção utilizado nos espaços sociais em relação à pessoa com deficiência. Em relação ao Conhecimento de direitos referentes ao trabalho das pessoas com deficiência, verificou-se que os entrevistados residentes na RMBH tendem a afirmar um maior conhecimento dos mesmos do que sujeitos oriundos da RMVA. Essa diferença pode estar relacionada às características de cada região, uma vez que a RMBH possui um número muito maior de habitantes e instituições políticas e civis que buscam o cumprimento e divulgação dos direitos da pessoa com deficiência. Ademais, Carvalho-Freitas, Scherer e Marques (2004) afirmam que este fator possui uma relação positiva direta com o nível de escolaridade. No caso das regiões pesquisadas, observou-se que o grau de escolaridade é maior na RMBH, na qual 63,6% dos entrevistados possuem escolaridade igual ou superior ao ensino fundamental completo, enquanto na RMVA essa porcentagem cai para apenas 42,4%, o que vai de encontro ao descrito pelos autores citados. Sobre a Importância do trabalho para a pessoa com deficiência, notou-se que o trabalho, para os entrevistados de ambas as regiões, é dotado de grande valor; seja pelo fato de acreditarem que trabalhar é um meio de crescer como pessoa, seja pela afirmativa de que poderão ajudar outras pessoas ao estar empregado, seja pela crença de que serão mais respeitados ao trabalhar. Dessa forma, o trabalho se configura como uma forma de obtenção de reconhecimento social, recompensa social e econômica e manutenção da sobrevivência por parte da pessoa com deficiência, conforme constatado em pesquisa realizada por Martins (1996). Contudo, apesar de toda a importância vista no trabalho pela pessoa com deficiência, a maior parte dos respondentes da RMVA afirmou não estar à procura de emprego. Este dado alarmante parece estar relacionado a todas as dificuldades percebidas pelos mesmos no processo de inserção descritos nos fatores acima. E, em metade desses respondentes, a não procura parece estar relacionada também ao recebimento do BPC e a todas conseqüências que o ingresso no mercado formal implicariam no cotidiano dessas pessoas e de seus familiares. Haja vista que a quantia recebida por este benefício na maioria das vezes é imprescindível para o sustento familiar e, uma vez que o benefício é cancelado imediatamente após a admissão, e somado a isso, não possuem muita segurança quanto à permanência no mercado formal. Dessa forma, diante de todas as barreiras sociais impostas e a instabilidade percebida quanto ao futuro em uma organização, se faz mais seguro para a sobrevivência de si e familiares, a manutenção do recebimento do BPC e a não procura por um emprego por parte das pessoas com deficiência entrevistadas. Entretanto, esta relação deverá ser aprofundada em estudos posteriores. Uma vez que a conscientização por parte dos gestores da importância da diversidade da mão-deobra nas empresas possibilita a construção de uma atitude ética que se amplia e passa a ser adotada como valor e prática nos negócios (HEINSKI e BIGNETTI, 2002) e, diante dos dados referentes às barreiras sociais encontradas no processo de inserção no trabalho formal pela pessoa com deficiência, os resultados da presente pesquisa indicam a necessidade do reconhecimento da 12 diversidade e adequação das práticas de gestão do trabalho específicas a este grupo de pessoas, principalmente no que diz respeito ao impacto dessa diversidade dos indivíduos e dos grupos sobre o comportamento dentro das organizações. Além disso, indica-se a necessidade de um reconhecimento da diversidade como um recurso a ser gerenciado pelas organizações e, paralelo a isso, o reconhecimento também da necessidade de um melhor planejamento e adequação das práticas de Recrutamento e Seleção, com vistas a garantir a real possibilidade de inserção da pessoa com deficiência em organizações do mercado formal. Haja vista que essas práticas de Recrutamento e Seleção se apresentam como um reflexo das práticas da gestão dessa dimensão da diversidade dentro das organizações. Finalmente, é importante constatar que embora as regiões pesquisadas tenham características diferentes das localidades em que pesquisas anteriores foram realizadas (CARVALHOFREITAS, MARQUES e SCHERER, 2004 e CARVALHO-FREITAS et al, 2005), os resultados são bastante similares, indicando que, embora seja um direito de todos, o trabalho ainda continua sendo um objetivo a perseguir. E por outro lado, este mesmo trabalho passa a ser visto como um local a se temer, pois se faz mais seguro manter uma pequena quantia fixa, recebida pelo BPC (um salário mínimo), a se arriscar em um mercado percebido como dotado de instabilidade. 6. Referências Bibliográficas BATISTA, C. A. M. Inclusão: construção na diversidade. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2004. BRASIL. Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências. BRASIL. Lei n. 8.742, de 07 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a Organização da Assistência Social e dá outras providências. BRASIL. Decreto n.1.744, de 08 de dezembro de 1995. Regulamenta o benefício de prestação continuada devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso, de que trata a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e dá outras providências. BRASIL. Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas: Papirus, 1996. 224 p. BOURDIEU, P.; WACQUANT, L. An invitation to reflexive sociology. Chicago: The University of Chicago Press, 1992. 319 p. CARVALHO-FREITAS, M. N. A Inserção de pessoas com deficiência em empresas brasileiras Um estudo sobre as relações entre concepções de deficiência, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho. 2007. 314 p. Tese (Doutorado em Administração) - Faculdade de Ciências Econômicas, Centro de Pós-Graduação e Pesquisas em Administração, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2007. CARVALHO-FREITAS, M. N. et al. Inserção social e no mercado formal de trabalho: um estudo realizado com portadores de deficiência em Cabo Verde – África. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 29., 2005, Brasília. Anais eletrônicos... Brasília: EnANPAD, 2005. Cd-rom. CARVALHO-FREITAS, M. N.; MARQUES, A. L.; SCHERER, F. L. Inclusão no Mercado de Trabalho: um Estudo com Pessoas Portadoras de Deficiência. In: Encontro Anual da Associação 13 Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 28., 2004, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: EnANPAD, 2004. Cd-rom. CROSS, E. Y., KATZ, J. H., MILLER, E., SEASHORE E, W. The promise of diversity. Burr Ridgne, IL: Irwin, 1994. 414 p. FLEURY, M. T. L.; JACOMETTE, E. A gestão da diversidade cultural – recriando o conceito em uma empresa no Brasil. In: BENTO, Maria Aparecida Silva (org.). Ação afirmativa e diversidade no trabalho. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2000, p. 173- 194. GIL, M. (Coord.). O que as empresas podem fazer pela inclusão das pessoas com deficiência. São Paulo: Instituto Ethos, 2002. 95 p. GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. São Paulo: J. Zahar, 1982. 158 p. GOSS, D; GOSS, F; ADAM-SMITH, D. Disability and employment: a comparative critique of UK legislation. The International Journal of Human Resource Management, 11:4, p. 807-821, Aug. 2000. HEINSKI, R. M. M. S. Um estudo sobre a pessoa portadora de deficiência no mercado de trabalho. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 28., 2004, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: EnANPAD, 2004. Cd-rom. HEINSKI, R. M. M. S; BIGNETTI, L. P. A inclusão de pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho. Cladea, 2002. Porto Alegre. Anais eletrônicos..., 2002. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Acesso em 05 abr. 2007. INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA. Cabo Verde em números: Censo 2000. Disponível em: http://www.ine.cv. Acesso em 11 jan. 2005. JAMIESON, D., O’MARA, J. Managing workforce 2000. San Francisco: Jossey-Bass, 1991. 371 p. LEWIS, G. B., ALLEE, C. L. The impact of disabilities on Federal Career Success. Public Administration Review, v. 53, n. 4, p. 389-397, july/aug. 1992. MARTINS, S. M. F. C. Deficiência física e mercado de trabalho: o ponto de vista do trabalhador deficiente. Consciência, Palmas-Pr, v. 10, n. 1, p. 55-70, jan./jun. 1996. MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES DO BRASIL. Política externa. Informações sobre Cabo Verde, 2005. Disponível em http://www.mre.gov.br/portugues/politica-externa. Acesso em: 20 jan. 2005. NERI, M. et al. Retratos da Deficiência no Brasil. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS, 2003. 188 p. OLIVEIRA, M. H. A. Núcleos cooperativos: uma perspectiva profissional para o portador de deficiência. Em Aberto, Brasília, ano 13, n. 60, p. 106-108, out./dez. 1993. OMOTE, S. Perspectivas para conceituação de deficiências. Revista Brasileira de Educação Especial, v. 2, n. 4, p. 127-135, 1996. PETEAN, E. B. L. et al. Caracterização da demanda de um serviço de profissionalização para pessoas portadoras de deficiência em Ribeiro Preto – SP. Didática, São Paulo, n. 29, p. 125-138, 1994. PRIESTLEY, M. Constructions and creations: idealism, materialism and disability theory. Disability & Society, v. 13, n. 1, p. 75-94, 1998. SCHUR, L. The difference a job makes: the effects of employment among people with disabilities. Journal of Economic Issues, v. 36, n. 2, p. 339-348, jun. 2002. SILVA, O. M. Uma questão de competência. São Paulo: Memnon, 1993, 127 p. 14 1 A cidade de São João Del Rei localiza-se no interior do estado de Minas Geraisl. Possui uma população estimada em 82.954 habitantes e PIB total de 495.243, sendo o valor adicionado na indústria 204.234 de mil reais e o valor adicionado no serviço de 273.632 mil reais (IBGE, 2004). Deste modo, observa-se um maior desenvolvimento do setor de serviços na cidade em detrimento do industrial. Em Cabo Verde, país localizado continente africano, há aproximadamente 450.000 habitantes (CENSO, 2000), Contudo, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (2005), mais de 50% da população emigra para países da Europa e continente americano em busca de melhores condições de vida. Referente a atividade econômica, é um país em que o turismo é uma das principais apostas de investimento. 2 A Região Metropolitana de Belo Horizonte é a terceira maior aglomeração urbana do Brasil, com 4,9 milhões de habitantes (IBGE, 2006). Seu produto interno bruto (PIB), em 2002 correspondia a cerca de 40 bilhões de reais, dos quais aproximadamente 65% pertenciam à cidade de Belo Horizonte. Apesar de ser formada por 34 municípios, 80% da população desta região concentra-se em apenas cinco; Belo Horizonte, Contagem, Betim, Ribeirão das Neves e Santa Luzia. O número de pessoas com deficiência é de aproximadamente, 13,5% da populaçao total. A Região Metropolitana do Vale do Aço foi instiutída em 1998. Sua denominação se deve a grande concentração de indúrias siderúrgicas nesta região. É constituída pelos munípios de Coronel Fabriciano, Ipatinga, Timóteo e Santana do Paraíso. Segundo Soares et al (2004) esta região representa mais de 5% do PIB mineiro, possui uma população em sua área de influência de cerca de 500.000 habitantes e uma importância estratégica e econômica para Minas Gerais e para o país. O número de pessoas com deficiência residentes nesta região corresponde a 12,5% da populaçao total. 3 Um exemplo de concepção de deficiência focada em atributos pessoais seria a definição feita pelo decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que a caracteriza como [...] toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano (art 3º, § 1º). 4 Estudos sociológicos apontam para diferentes conceituações, as quais dependeriam da análise ontológica (PRIESTLEY, 1998). A saber, tais perspectivas seriam: um “produto de vontades individuais (pessoas com e sem deficiência) envolvidas na criação de identidades e na negociação de papéis”; “produto físico da ação biológica sobre o funcionamento do corpo”; ou “produto material das relações sócio-econômicas desenvolvidas dentro de um contexto histórico específico”; ou ainda um como “um produto dos valores sociais desenvolvidos dentro de um contexto histórico específico”. 15