A INTELIGÊNCIA COMO RECURSO RELEVANTE NO DESENVOLVIMENTO HUMANO Tatiana de Amorim Badaró Fundação Visconde de Cairu - CEPPEV O século XX agraciou a humanidade, por meio dos seus cientistas, com a energia do átomo. Entretanto, essa grandiosa conquista do intelecto humano converteu-se em arma de auto-imolação da humanidade. E é assim que aquele século ficou marcado na história como o mais violento, cruel e (des)humano: duas guerras mundiais e centenas de pequenas guerras caracterizadas por diferenças étnicas, religiosas e políticas, demonstrando o pouco grau de desenvolvimento da Inteligência até então atingido pela sociedade. No entanto, negar ou impedir o movimento humano é o mesmo que negar a própria vida humana. O Ser Humano, como ser histórico, construído e construtor do meio social no qual está inserido, é responsável pela construção do destino que venha a ser configurado pela sua sociedade. Tornamo-nos seres humanos conscientes a partir do processo dialético proveniente das relações humanas que nos possibilita a compreensão da realidade, e para tanto necessitamos da nossa Inteligência. Assim, nossa preocupação com o despertamento, construção e desenvolvimento desta faculdade, com o fato de que o único movimento humano capaz de nos levar adiante sem mais fomentar e/ou promover o conflito é aquele que manifesta-se dinamicamente equilibrado, e, com as relações diretamente proporcionais e factualmente inegáveis entre estes dois e o desenvolvimento humano nos fazem escolher este tema para a dissertação de mestrado. Palavras-Chave: Inteligência; equilíbrio dinâmico; consciência; Ser Humano. 1 A INTELIGÊNCIA COMO RECURSO RELEVANTE NO DESENVOLVIMENTO HUMANO Tatiana de Amorim Badaró Fundação Visconde de Cairu - CEPPEV Temos visto muita divergência com relação às diferenças e semelhanças entre intelecto e Inteligência, bem como à função dessa última para o Ser Humano e o seu viver, inclusive em prol de sua evolução abreviada e consciente, ou melhor, em equilíbrio dinâmico. Assim posto, interessa-nos, especificamente, direcionar nossa pesquisa para a seguinte inquietação: quais as possíveis relações entre Consciência, equilíbrio dinâmico e Inteligência em prol do desenvolvimento humano integral? Os teóricos mais influentes no tocante a tal assunto, a Inteligência, embora possam parecer divergir em suas definições, mostram-se, também, unidos e relacionados, isto porque seus conceitos e teorias, não raro, são, senão novos, complementares. Zohar em seu livro QS: Inteligência Espiritual (2002) sustenta que ser Inteligente implica em buscar o sentido da existência de todas as coisas e da Vida em si, é, então, analisar nossos sentimentos, pensamentos e atos, tanto de dentro quanto de fora, sempre a partir de nós mesmos, afinal não é possível buscar sentido de vida, senão em nossa essência, mesmo porque não podemos agir, pensar e sentir a partir do outro, ou melhor, só se pode viver a partir de si mesmo. Com isto percebemos que a Inteligência Espiritual possibilita-nos o autoconhecimento. Numa outra vertente não muito distante, Goleman (1995) afirma que fazer bom uso, isto é, direcionar intencionalmente suas emoções a fim de manter-se equilibrado e com boas relações é ser Inteligente, ou seja, ser Inteligente implica também em adaptar-nos facilmente ao meio no qual nos inserimos. Mas adaptação não é aceitação irresponsável, tampouco uma imposição inevitável, mas sim algo como a maleabilidade que nos ensina a Natureza através, entre outras demonstrações, da água ao se moldar ao meio pelo qual transita sem perder suas características fundamentais, exortando, claramente, inclusive, o valor de se manter no seu centro, ela é o que é não importa onde, como, tampouco com quem. Gardner (2001) considera como Inteligência a capacidade que um Ser Humano tem de resolver problemas e/ou de criar produtos novos e valorizados em determinada cultura. A Organização Científica de Estudos Materiais, Naturais e Espirituais – O.Ci.D.E.M.Nt.E. considera que “a Inteligência é a capacidade que faculta ao Ser 2 Humano perceber e conceber o valor significativo real que habita em todas as coisas” (ORGANIZAÇÃO..., 2009, p.492). Estas duas últimas concepções indicam a Inteligência como disponibilizando-nos o potencial criador, isto é, ela nos possibilita reconhecer a Verdade e, portanto preenche-nos daquela habilidade que nos permite lidar de maneira sempre nova com as contingências da Vida, a Criatividade. Não é preciso muito para se concluir que a experiência é a base do conhecimento. Para Locke (1690) a destacada asserção poderia definir a Inteligência da maneira mais clara possível. Este filósofo acreditava na proporcionalidade entre o grau dela e as experiências vividas. Em contrapartida, para Kant (1787) a mente não possuía nenhuma base material, ele considerava essa faculdade como um aspecto divino do Ser Humano; e o único modo de acessá-la seria interiorizar-nos, buscar encontrar e entrar em contato com Deus, com a nossa origem, ainda que este contato se desse através de uma experiência tangível. Descartes (1637), em seu livro O Discurso do Método, buscou estabelecer um método seguro de busca da verdade que pudesse ser utilizado por qualquer Ser Humano para construir conhecimentos sólidos e seguros, enfim, verdadeiros. Deste modo, ele expressa a razão pura, que é para nós seu conceito de Inteligência, como o meio para encontrar a Verdade, e o método dela agir é o aprofundamento do pensamento, ou nas palavras do autor, “nenhuma idéia merece o qualificativo de verdadeira, se não for objeto de um questionamento radical que permita chegar a princípios, proposições primeiras, que sejam, de fato, indubitáveis” (DESCARTES, 1637, p.7). Tendo formação em biologia, Piaget alicerça sua teoria no desenvolvimento biológico do indivíduo. A Inteligência é, então, o conjunto das estruturas mentais que o corpo humano tem à sua disposição, e esta varia de acordo com a sua fase de desenvolvimento (pautada na maturação biológica – idade), ele considera ainda que a função da Inteligência é dar significado ao meio, compreendê-lo, “assim como o organismo estrutura o meio ambiente imediato” (PIAGET apud LA TAILLE, 2000, p. 11). Por outro lado, Vygotsky propõe que a Inteligência é a ferramenta que o Ser Humano utiliza para codificar e decodificar o mundo; e esta é construída através das interações com o meio e com as pessoas, ou seja, a Inteligência é construída através das relações; enquanto a psicogênese da pessoa completa de Wallon exorta a necessidade de observarmos os processos psíquicos de interação com o meio sob as óticas dos domínios afetivo, cognitivo e motor, ou ainda, do sentir, pensar e agir. Segundo esta teoria, a construção da Inteligência parte do desenvolvimento biológico do indivíduo, porém 3 torna-se mais complexa à medida que as interações sociais e emocionais vão se aperfeiçoando, isto é, quanto mais lapidamos os três níveis de domínio humano, mais acesso temos à nossa Inteligência, deste modo, ela não é somente produtora de equilíbrio, mas também fruto deste. Assim posto, parece-nos claro o fato de que a atual crise da pós-modernidade é fruto, inclusive, do uso pouco inteligente feito da Inteligência pelos Seres Humanos, considerando o fato destes demonstrarem preferir conviver com problemas, não raro, dispensáveis, embora de prejuízos quase que irreparáveis; possivelmente pelo grau pouco significativo do desenvolvimento de tal instrumento, a Inteligência, o que certamente dificulta aos mesmos empreender em conhecer sua natureza genuína, por conseguinte, seu real valor. Eis uma das importâncias da Inteligência, porquanto suas reivindicações são sempre autênticas; é dela nos levar àquele Centro Universal, inclusive de nós mesmos, de onde partem todas as ações, em relação ao qual somos estabelecidos em identidade. Sugerimos então que o desenvolvimento da Inteligência auxilia o Ser Humano quanto ao seu autoconhecimento, sua totalização, enfim, sua Iluminação, portanto, a atingir graus de qualidade de vida cada vez maiores, isto porque sustentamos, conforme explicitamos anteriormente, que esta faculdade humana é necessidade precípua do indivíduo pós-moderno; portanto a nossa pesquisa prima por construir hipóteses no mínimo com respaldo da ciência, filosofia e religião, racionais, sensatas e bem intencionadas para contribuir com esta busca humana, essencial, racionalmente justificável e inadiável. O Ser Humano não vive sem o saber, ou melhor, sem o conhecimento, contudo o presente conflito vivido social e individualmente, nos indica que o foco do conhecimento tem sido, senão equivocado, muito limitado. Deste modo, sugerimos que o único conhecimento que ele – Ser Humano – não pode desprezar é o conhecimento de si mesmo. Assim, indicamos que para ter qualidade de vida em grau cada vez mais significativo o Ser Humano deve buscar uma faculdade única e específica: a Inteligência. Vale ressaltar que o gênero humano concentra em si mesmo a Totalidade da existência e necessita compreender o seu processo de autodesenvolvimento numa só ação de integração; porquanto considerando que vivemos num mundo de causalidades – isto é, num mundo onde cada ação provoca uma reação igual e em sentido contrário – só o 4 integrado pode gerar integração, para tanto, reafirmamos, Inteligência em grau significativo o bastante. Segundo Khalfa (1996, p.7): embora todos concordem que não pode haver ciência sem inteligência, a existência desta foi muitas vezes vista e usada como um argumento contra a moderna explicação científica do mundo. Não é a inteligência que faz os seres vivos agirem de maneira não-mecânica e muitas vezes imprevisível? Não que o seu comportamento seja inconsciente, mas porque o que o determina é da ordem das razões, não da ordem das causas. O que a ciência moderna faz, contudo, é precisamente desprezar as razões que as estrelas ou átomos podem ter para mover-se da maneira que o fazem, procurando apenas apontar as causas que determinam seus movimentos. Neste sentido, observamos que o que indica um agir inteligente não é o seu grau de complexidade, mas sim a razão pela qual foi determinado a agir, portanto, o que tem gerado, mantido e ampliado o conflito social vivido na pós-modernidade é justamente a falta de Inteligência nas ações humanas. Isto é, a falta de observação da razão do agir nos mantém reproduzindo padrões de ações de forma excessivamente mecânica. Mesmo porque copiar condutas, técnicas e/ou teorias é muito pouco, inclusive, porque a repetição não pode levar-nos à transformação, e no que se refere à estagnação e a evolução, somente a última pode ser considerada. Assim, indica Gregory (1996), apud Khalfa (1996, p.22) “[...] a seleção natural é sumamente inteligente se definimos a inteligência em termos de criar respostas a problemas difíceis”. Então, sugerimos que existem três pilares básicos para a conduta Inteligente, são estes: a vigilância constante, a atenção plena, e a percepção inabalável. Para discutir tal questão é necessário recordarmos que inteligente é aquele que reconhece a verdade e se liberta. Ora, e o que pode ser mais felicitador que a liberdade? Contudo, só é possível compreender o valor desta auto-observação constante, plena e inabalável aos seres humanos inteligentes o bastante, mesmo porque ele – o valor da auto-observação – encerra-se, inclusive, no reconhecimento da nossa verdadeira busca. Ainda referindo-nos à felicidade, Descartes (1637, p.34) em seu Discurso do Método nos diz que a verdadeira felicidade, o bem supremo, consiste, principalmente, na conquista da verdade, o que pressupõe, existencialmente, a escolha de determinadas condições que possibilitem que esse fim seja alcançado. E, dentre essas condições, o exercício da liberdade é absolutamente essencial, pois sem ele, o pensamento seria refém de idéias atrasadas. Vale considerar que o equilíbrio que nos importa viver não é aquele que resulta numa constante, mas sim numa variável que ainda que inconstante não é inesperada, isso é, 5 viver em equilíbrio dinâmico, que nos indica a existência do movimento consciente rumo ao avanço. Al Gore (2009) sabiamente expressou no seu documentário Uma verdade inconveniente: “fazer a coisa certa nos leva adiante”. Esta colocação nos ensina que agir inteligentemente, apesar de evitar problemas nos leva sempre adiante, mesmo porque a Inteligência nos dá além de direção e sentido, também a velocidade que necessitamos para acompanhar a própria vida e seu curso. Ora, quem ainda não percebe os tempos intensos que temos vivido? Quem pode se dizer livre de pressões, provocações e tentações diárias? Toda essa dinâmica nada mais é que a vida nos impulsionando à evolução, e deve ser encarada como tal. Para tanto, necessitamos de Inteligência em grau cada vez mais significativo, até que isto seja o bastante para vivermos sem quedas, tropeços ou mesmo topadas, indo adiante, com tranqüila mobilidade consciente, mesmo porque vida implica em viver e este em relações, estas que nos provam, como Darwim bem promulgou, que estamos fadados à evolução. Cabe a nós escolher de que forma nos portaremos diante desta Verdade inquestionável. REFERÊNCIAS UTILIZADAS DESCARTES, Renè. O discurso do Método. Porto Alegre: L&PM, 2005. GARDNER, Howard. Inteligência: Um Conceito Reformulado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. ?: S.l.: Edições e Publicações Brasil, [1787] LA TAILLE, Yves de. et. al. Piaget; Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. 9 ed. São Paulo: Summus, 2000. LOCKE, John. Ensaio acerca do Entendimento Humano. Trad. Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1999. O.CI.D.E.M.NT.E. – 7º C.D.E. – ORGANIZAÇÃO CIENTÍFICA DE ESTUDOS MATERIAIS NATURAIS E ESPIRITUAIS. Arca Sagrada. Salvador: OCIDEMNTE, 2009. STERNBERG, Robert J. Psicologia Cognitiva. Trad. Ana Maria Dalle Luche e Roberto Galman. São Paulo: Cengage Learning, 2010. 6 UMA VERDADE incoveniente. Direção: Davis Guggenheim. [S.l.]: :Paramount Classics; UIP, 2006. ZOHAR, Danah. Qs Inteligencia Espiritual. São Paulo: Record, 2000.