PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 0060639-96.2011.8.19.0000
RELATORA: MARIA AUGUSTA VAZ M. DE FIGUEIREDO
AÇÃO REVOCATÓRIA E FALÊNCIA. LEVANTAMENTO DE VALOR DEPOSITADO
NA REVOCATÓRIA EM CUMPRIMENTO A ACORDO FIRMADO ANTES DO
ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA E HOMOLOGADO APÓS. LEGITIMIDADE E
INTERESSE DO FALIDO. ARTIGO 153 DA LEI 11.101/05 E PENDÊNCIA DE
DÉBITOS FISCAIS.
Requer a agravante, a falida, o levantamento de quantia depositada pelo
agravado, réu em revocatória ajuizada pela massa, decorrente de acordo
celebrado naquela ação. Paralelamente à ação revocatória, corria a própria
falência da agravante, cuja sentença de encerramento foi proferida antes
do levantamento pela massa falida. O artigo 153 da Lei de Falências
determina que, pagos todos os credores, o saldo, se houver, será entregue
ao falido. O numerário depositado em juízo na ação revocatória nada mais
é do que saldo, e ao falido se destina. A falida agravante participou, com
reconhecida torpeza, no ato revogado. O banco para quem o MP quer
destinar o levantamento, entretanto, participou igualmente do negócio
revogado, em grau de torpeza equivalente. Entre duas partes em igualdade
de condições na demanda pela titularidade do numerário, este deve ser
entregue àquela que tem respaldo legal para o recebimento. Inexiste
qualquer previsão legal de retorno do valor da condenação ou, neste caso,
do acordo, para o réu da revocatória, cujo contrato foi tornado sem
eficácia. Invertendo-se a data dos atos de encerramento da falência e
homologação do acordo, o dinheiro iria para a massa falida, e ou bem se
prestaria à quitação do débito de IPTU, ou bem seria levantado pela
CAPEMI. Reconhecida a ineficácia de ato ou julgada procedente a ação
revocatória, as partes retornarão ao estado anterior, que nada mais é do
que a titularidade dos valores ali referidos pela agravante e falida.
Temerário dizer que o saldo, expressamente destinado à massa, e
posteriormente ao falido por previsão legal, não lhe possa ser entregue por
não te havido tempo de levantamento antes do encerramento da falência.
Por aparente falha do síndico, o expressivo valor depositado não foi
noticiado ao juízo antes do encerramento, situação em que, por certo, seria
trazido à esfera jurídica da massa para repasse posterior. Não se fala em
sucessão processual pela sociedade falida à massa no polo ativo da ação
revocatória no sentido de continuação da lide, com exercício de atos de
petitórios, instrutórios ou de defesa, mas sim mero levantamento de valor
inconteste, acordado com o réu, homologado e depositado. Não fosse um
ativo, não haveria outra natureza para o depósito incontroverso, tanto que
poderia ser livremente utilizado pela massa para quitar eventual
pendência.
Mais ressalta a incorreção da entrega do depósito ao banco réu da
revocatória a existência de débitos de IPTU pela Fazenda contra a falida
CAPEMI, que deverá agora ser quitado, pertencendo ao agravante o
remanescente.
Dá-se provimento ao recurso.
Vistos, relatados e decididos estes autos de agravo de instrumento
n° 0060639-96.2011.8.19.0000, em que é agravante CAPEMI ADMINISTRAÇÃO E
PARTICIPAÇÕES LTDA e agravado BANCO DE DESENVOLVIMENTO DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO S/A BD RIO.
Acordam os Desembargadores da Primeira Câmara Cível do Tribunal
de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em dar
provimento ao agravo de instrumento.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por CAPEMI
ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES LTDA., em face de BANCO DE
DESENVOLVIMENTO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO S/A BD RIO, requerendo
a reforma da decisão proferida pelo juiz da 7ª Vara empresarial da Comarca da
Capital, que determinou a expedição de mandado de pagamento em favor do
agravado, em ação revocatória na qual houve homologação e cumprimento de
proposta de acordo, com o depósito pelo agravado do valor de
R$1.100.000.00.
Alega o agravante que entre os ativos remanescentes da massa se
encontra o depósito realizado pelo agravado, cabendo o levantamento do valor
pela falida, considerando que, quando o processo falimentar se encerrou, a
sentença que julgara procedente a ação revocatória já havia transitado em
julgado, momento em que a massa passou a ser credora do agravado. Aduz que
após o crédito estar constituído em favor da massa por sentença revocatória
transitada em julgado, o encerramento da falência importa na sub-rogação desse
crédito à falida, independentemente de qual tenha sido a sua origem. Afirma que
não há mais necessidade de intervenção do Ministério Público no processo, após
o encerramento da falência e que a decisão agravada violou a coisa julgada, por
ter dado destino diverso daquele estabelecido no acordo homologado por
sentença transitada em julgado, ao valor depositado. Requereu ao final a
reforma da decisão para deferimento do levantamento do depósito em questão
pelo agravante ou para determinar que o montante depositado seja utilizado
para pagar a dívida de IPTU faltante.
Deferimento de efeito suspensivo ao recurso (fl.152).
Contrarrazões, às fls. 154/159, alegando que o agravante desistiu
expressamente do levantamento da importância, de modo que falta requisito de
admissibilidade recursal, e no mérito que a decisão agravada merece ser
mantida.
Informações do juízo a quo, às fls. 163.
do recurso.
Parecer do Ministério Público às fls.165/167, pelo não provimento
É O RELATÓRIO.
O recurso é tempestivo, estando presentes os demais requisitos de
admissibilidade.
Primeiramente, cabe destacar não ter havido desistência do pedido
de levantamento da quantia pelo agravante, com base apenas no teor da petição
de fl.116. Isso porque a decisão agravada determinou o levantamento do valor
depositado pelo agravado, sendo que na inicial deste recurso o falido requereu o
levantamento deste valor e, alternativamente, que o juízo determinasse que o
montante fosse utilizado para pagar a dívida de IPTU faltante, de modo que
petição anterior no processo principal não importa na desistência do pedido de
levantamento no presente recurso.
O âmago da questão consiste em determinar se cabe ao agravante
o levantamento de quantia depositada pelo agravado, decorrente de acordo
celebrado nos autos de ação revocatória, ou, não cabendo à agravante, se cabe
ao agravado.
A decisão merece reforma, equivocados o juízo agravado e o MP,
por se aterem a formalidades processuais em detrimento da questão de direito
material, verdadeiro fundamento da existência do processo, esse seu
instrumento de realização e tutela. Verifica-se que, por simples questão de datas
de atos processuais, se comprometeu direito da agravante que, não fosse a
ordem de determinadas decisões (que não devem, em tese, comprometer a
validade das demais), o destino da vultosa quantia teria sido outro.
Houve ajuizamento de ação revocatória da Massa Falida de CAPEMI
contra o banco agravado (fls. 18), com sentença de procedência e acórdão de
manutenção proferidos em 1998 (fls. 28 e 31). Em razão do trânsito em julgado
e consubstanciado o título judicial, celebrou-se o acordo de fls. 38/40, com
participação da falida, massa falida e banco réu, ora agravado, por meio do qual
se determinou o pagamento de R$1.100,000,00 pelo banco, mediante depósito
judicial em favor da massa falida. Com concordância do MP (fls. 48), o acordo foi
homologado em 03/09/2010 (fls. 57), ocasionando o depósito do valor às fls.
61/62, em 14/09/2010.
Paralelamente à ação revocatória, corria a própria falência da
CAPEMI (fls. 70/71), cuja sentença de encerramento data de 22/07/2010,
mesmo reconhecendo pendência fiscal, porque o IPTU em débito estaria
garantido pelo imóvel gerador da obrigação. Findo o processo falimentar, a
CAPEMI requereu o levantamento do valor depositado na ação revocatória (fls.
68), com expedição de mandado em seu nome. Autos ao MP, inaugurou-se a
celeuma: em bem fundamentado parecer, o parquet, fls. 77/81, opina pelo
indeferimento da entrega do depósito à agravante CAPEMI e, no mérito, por não
se poder beneficiar a torpeza de parte que atuou no ato revogado, ao fim de
ação na qual ela sequer atuou ativamente na busca da tutela jurisdicional de
desconstituição do negócio fraudulento. Pelo viés processual, inexistiria
legitimidade da CAPEMI para atuar na revocatória, seja em seu polo passivo ou
ativo, motivo pelo qual inexistiria espaço para sua presença na fase de execução
e levantamento. Principalmente, a declaração judicial de ineficácia do ato
revogado seria apenas em benefício da massa falida, permanecendo o negócio
jurídico hígido e obrigatório em relação aos próprios contratantes e terceiros.
Tampouco diriam respeito à CAPEMI os efeitos da coisa julgada, subjetivamente
limitados aos participantes da lide. Agasalhado pela decisão agravada, de fls.
137/138, o indeferimento do depósito pela agravante suscitou o agravo.
Com respeito ao juízo monocrático e ao MP de primeiro e segundo
graus, a decisão merece reforma, eis que as três manifestações passaram ao
largo da previsão do artigo 153 da Lei de Falências, focando apenas na
revocatória. A norma determina:
Artigo 153. - Pagos todos os credores, o saldo, se
houver, será entregue ao falido.
O numerário depositado em juízo na ação revocatória nada mais é
do que saldo, e ao falido se destina. Sobre a questão de mérito acenada pelo MP,
de fato a falida CAPEMI participou, com reconhecida torpeza, do ato revogado. O
banco (o agravado) para quem o MP quer destinar o levantamento, entretanto,
participou igualmente do negócio revogado, em grau de torpeza equivalente,
caindo por terra o argumento em questão. Ora, entre duas partes em igualdade
de condições na demanda pela titularidade do numerário, este deve ser entregue
àquela que, embora imbuída de má-fé (como também estava a outra), tem
respaldo legal para o recebimento. Certo que inexiste qualquer previsão legal de
retorno do valor da condenação ou, neste caso, do acordo, para o réu da
revocatória, cujo contrato foi tornado sem eficácia. Aliás, não é demais ressaltar
que, feito o acordo, assentiu o ora agravado que aquela quantia não lhe
pertencia e por isso a depositou em favor da massa falida, a quem reconheceu o
direito, de modo que afronta à ordem jurídica e ao bom senso afirmar-se, agora,
que não obstante deve o banco, réu na ação revocatória, levantar o dinheiro que
judicialmente se reconheceu não lhe pertencer.
Parte-se para a reflexão processual do levantamento. De fato, o
falido não foi parte na ação revocatória, proposta pela massa falida contra o
Banco de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro. Sugere-se, porém, o
seguinte cenário: invertendo-se a data dos atos de encerramento da falência e
homologação do acordo, o dinheiro iria para a massa falida, e ou bem se
prestaria à quitação do débito de IPTU, que na falência não foi pago, ou bem
seria levantado pela CAPEMI. A partir daí já se passa a encarar com estranheza a
perda do depósito pela agravada em favor do réu, que em decisão transitada
transitada em julgado se obrigou a pagar à massa falida o valor que, afinal,
depositou.
O artigo 136 da Lei de Falência prevê que “Reconhecida a ineficácia
ou julgada procedente a ação revocatória, as partes retornarão ao estado
anterior, e o contratante de boa-fé terá direito à restituição dos bens ou valores
entregues ao devedor.” Vale visitar a doutrina acerca dos efeitos da sentença
revocatória:
Os efeitos da revocatória são vários. O principal é que o
bem será restituído à massa, e o terceiro deve-se
habilitar na falência, na classe respectiva, e tudo volta
ao antigo estado de direito. (...) A lei quer que tudo
volte à situação anterior à prática do ato – ou seja, ao
estado quo ante. (Frederico A. Monte Simionato - Tratado de
Direito Falimentar. Forense, 1ª Ed., 2008, p.587)
Se reconhecida a ineficácia ou julgada procedente a
ação revocatória, as partes retornarão ao estado
anterior, isso significa que a decisão judicial tem efeitos
ex tunc.
(Mario Sergio Milani. Lei de Recuperação Judicial, Recuperação
Extrajudicial e Falência Comentada. Malheiros, 2011, p.520)
O status quo ante do ato contratual revogado pela sentença de fls.
28 nada mais é do que a titularidade dos valores ali referidos (caução de
debêntures) pela agravante CAPEMI. Se, restituídos à massa falida, não fossem
de uso para pagamento de débitos, pela satisfação de todos apresentados,
reverteriam ao falido. Parece temerário dizer que o saldo, expressamente
destinado à massa, e posteriormente ao falido por previsão legal, não lhe possa
ser entregue por não ter havido tempo de levantamento antes do encerramento
da falência.
Por aparente falha do síndico, o expressivo valor depositado não foi
noticiado ao juízo antes do encerramento, situação em que por certo seria
trazido à esfera jurídica da massa para repasse posterior. Mesma situação seria a
descoberta de uma conta bancária em nome da massa falida, com valores
depositados à disposição (saldo), cujo levantamento pelo falido fosse obstado em
juízo. Deveria este dinheiro ficar com a instituição financeira depositante?
Certamente não, assim como não é seu titular o réu vencido na revocatória,
sendo também certo que deve ser entregue a alguém, exsurgindo a CAPEMI
como única pretendente com respaldo legal a tanto.
O valor depositado pelo agravado pertencia à massa falida, autora
da ação revocatória, uma vez que visava apenas ao pagamento dos credores
concursais. Não se fala em sucessão processual pela sociedade falida à massa no
pólo ativo da ação revocatória no sentido de continuação da lide, com exercício
de atos de petitórios, instrutórios ou de defesa, mas sim mero levantamento de
valor inconteste, acordado com o réu, homologado e depositado e que já fazia
parte do seu montante.
Merece, portanto, prosperar a alegação do agravante de que entre
os ativos remanescentes da massa se encontra o depósito realizado pelo
agravado, com base no argumento de que o processo falimentar se encerrou em
data posterior ao trânsito em julgado da sentença que julgou procedente a ação
revocatória. Não fosse um ativo, não haveria outra natureza para o depósito
incontroverso, tanto que poderia ser livremente utilizado pela massa para quitar
eventual pendência.
Ainda mais ressalta a incorreção da entrega do depósito ao banco
réu na ação revocatória a existência de débitos de IPTU pela Fazenda contra a
falida CAPEMI. Nesse ponto, adequado teria sido o pagamento do IPTU, nos
autos da falência, se estivesse a quantia no patrimônio direto da massa falida,
que, no entanto, não foi pago. Todavia, constituindo aquele ativo saldo a que,
nos termos do artigo 153 da Lei Falimentar, tem o falido direito, pode ele
levantá-lo, mas deverá efetuar o pagamento do débito de IPTU não pago pela
massa falida, de modo que deverão ser expedidas duas guias de pagamento,
uma para quitação do IPTU e outra para pagamento ao agravante, com o valor
remanescente.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso.
Rio de Janeiro, 08 de maio de 2012.
MARIA AUGUSTA VAZ M. DE FIGUEIREDO
DESEMBARGADORA RELATORA
Certificado por DES. MARIA AUGUSTA VAZ
A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.
Data: 10/05/2012 15:27:45Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 0060639-96.2011.8.19.0000 - Tot. Pag.: 6
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