SEIS PRISIONEIROS POLÍTICOS: à esquerda, Constatin Noica, o filósofo, agora detido numa prisão romena; ao centro, o Reverendo Ashton Jones, amigo dos Negros, recentemente encarcerado nos Estados Unidos da América; à direita, Agostinho Neto, poeta e médico angolano, detido sem julgamento pelos portugueses. Os seus casos são descritos neste artigo. À esquerda, o Arcebispo Beran de Praga, mantido sob custódia pelos checos; ao centro, Toni Ambatielos, sindicalista e comunista grego detido, cuja mulher é inglesa; à direita, Cardeal Mindszenty, Primaz da Hungria, que tinha sido um prisioneiro e está agora encurralado na Embaixada dos Estados Unidos em Budapeste como refugiado político. NOS DOIS LADOS da Cortina de Ferro, milhares de homens e mulheres estão a ser mantidos em prisões, sem julgamento, porque as suas opiniões políticas e religiosas diferem das que têm os seus Governos. Peter Benenson, um advogado britânico, concebeu a ideia de uma campanha mundial, APELO PARA UMA AMNISTIA, 1961, que tem como objectivo pedir aos governos que libertem estas pessoas ou que, pelo menos, lhes proporcionem um julgamento justo. Esta campanha começa hoje e o ‘The Observer’ tem o prazer de lhe oferecer uma plataforma. Os Prisioneiros Esquecidos ABRA o seu jornal em qualquer dia da semana e encontrará a história de alguém, algures no mundo que foi detido, torturado ou executado porque as suas opiniões ou religião são inaceitáveis para o seu Governo. Há vários milhões de pessoas como estas nas prisões – nem todas atrás da Cortina de Ferro e da Cortina de Bambu – e o número está a aumentar. O leitor tem uma sensação nauseante de impotência. Porém, se estes sentimentos de desagrado que estão presentes um pouco por todo o mundo pudessem unir-se numa acção comum, algo eficaz podia ser feito. Em 1945, os membros fundadores das Nações Unidas aprovaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Artigo 18 Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos. Artigo 19 Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão. Não existe, actualmente, nenhuma maneira segura de perceber quantos países permitem que os seus cidadãos desfrutem destas duas liberdades fundamentais. O que importa não são os direitos que existem no papel, na Constituição, mas saber se podem ser exercidos pelos cidadãos e postos em prática. A Espanha, por exemplo, tem-se esforçado por enfatizar as suas garantias constitucionais, mas falha no que diz respeito à sua aplicação. Há, em todo o mundo, uma tendência crescente para disfarçar os motivos reais pelos quais os ‚não conformistas‛ são detidos. Em Espanha, os estudantes que distribuem panfletos que pedem o direito a discutir assuntos da actualidade, são acusados de ‚rebelião militar‛. Na Hungria, os padres católicos que tentaram manter as suas escolas de coro abertas foram acusados de ‚homossexualidade‛. Estas acusações disfarçadas indicam que os governos não são insensíveis à pressão da opinião exterior. E quando a opinião mundial está concentrada num ponto fraco, por vezes pode fazer o Governo ceder. Por exemplo, o poeta húngaro Tibor Dery foi recentemente libertado após a formação de ‘Comités para Tibor Dery’ em muitos países e o professor Tierno Galvan e os seus amigos literários foram absolvidos em Espanha, em Março deste ano, após a chegada de importantes observadores estrangeiros. Escritório em Londres para reunir factos O mais importante é mobilizar a opinião pública rápida e amplamente, antes que os governos sejam apanhados no círculo vicioso da sua própria repressão e enfrentem uma iminente guerra civil. Nessa altura, a situação já se terá tornado demasiado desesperada para que o Governo faça concessões. De modo a ser eficaz, a força de opinião deverá ser ampla, internacional, não sectária e multipartidária. As campanhas a favor da liberdade iniciadas por um país, ou por um partido, contra outro normalmente não alcançam nada para além da intensificação da perseguição. É por esta razão que iniciámos o Apelo para uma Amnistia, 1961. A campanha, que é hoje lançada, é resultado da iniciativa de um grupo de advogados, escritores e editores em Londres, que partilham a convicção subjacente na expressão de Voltaire: ‚Posso não concordar com o que dizes, mas luto para que o possas dizer‛. Estabelecemos um escritório em Londres para recolher informação sobre nomes, números e condições das pessoas a quem decidimos chamar ‘Prisioneiros de Consciência’ e que definimos como ‚qualquer pessoa que está fisicamente restringida (através da detenção ou outro meio) de expressar (através de quaisquer palavras ou símbolos) qualquer opinião pessoal e que não advoga ou tolera qualquer tipo de violência‛. Excluímos também as pessoas que conspiraram com um governo estrangeiro para destronar o do seu país. O nosso escritório irá, pontualmente, realizar conferências de imprensa para chamar a atenção para os Prisioneiros de Consciência seleccionados, imparcialmente, de diferentes partes do mundo. Irá também providenciar informação factual a qualquer grupo, previamente existente ou novo, de qualquer parte do mundo, que decida unir-se num esforço especial a favor da liberdade de opinião ou religião. Será publicada, em Outubro, uma Edição Especial da editora ‘Penguin’ intitulada ‚Persecution 1961‛, como parte da nossa campanha para uma Amnistia. Nela constam histórias de nove mulheres e homens de diferentes partes do mundo, com variadas perspectivas políticas e religiosas, que têm sido presos por expressarem as suas opiniões. Nenhum deles é um político profissional, todos são pessoas profissionais. As opiniões, que levaram à sua detenção, são as que fazem parte da argumentação comum de uma sociedade livre. Poeta chicoteado em frente à família Uma das histórias é a da brutalidade revoltante com que o reconhecido poeta angolano Agostinho Neto foi tratado, antes de terem irrompido os actuais distúrbios. O Doutor Neto era um dos cinco médicos africanos em Angola. Os seus esforços para melhorar os serviços de saúde para os seus compatriotas africanos eram inaceitáveis para os portugueses. Em Junho do ano passado [1960], a polícia política invadiu a sua casa, chicoteou-o em frente à sua família e depois levou-o arrastado. Desde então, tem estado nas ilhas de Cabo Verde sem acusação ou julgamento. Da Roménia vamos publicar a história de Constatin Noice, o filósofo, que foi condenado a 25 anos de prisão porque, embora tenha sido expulso da Universidade, os seus amigos e alunos continuavam a visitá-lo para o ouvir falar sobre filosofia e literatura. O livro também contará a história do advogado espanhol, Antonio Amat, que tentou criar uma coligação de grupos democráticos e tem estado em julgamento desde Novembro de 1958; e a de dois homens brancos perseguidos por elementos da sua própria raça, por pregarem que as raças de cor devem ter direitos iguais – são eles Ashton Jones, o sacerdote de 65 anos que, no ano passado, foi repetidamente espancado e detido três vezes no Louisiana e no Texas por fazer o mesmo que os Freedom Riders agora fazem no Alabama [activistas que guiaram autocarros entre Estados para as zonas segregadas do Sul dos Estados Unidos para contestar as leis de segregação racial], e Patrick Duncan, o filho de um antigo Governador-Geral sul-africano que, após ter sido preso três vezes, foi proibido de assistir ou discursar em reuniões durante cinco anos. ‚Descubram quem está na prisão‛ A técnica de publicar as histórias pessoais de prisioneiros de opiniões políticas contrastantes é nova. Foi adoptada para evitar o destino de campanhas anteriores a favor de amnistias, que muitas vezes se preocupavam mais com publicitar as visões políticas dos prisioneiros, do que com propósitos humanitários. Como podemos descobrir o estado da liberdade no mundo de hoje? O filósofo americano, John Dewey, disse um dia: ‚se quer estabelecer alguma concepção de uma sociedade, descubra quem está na prisão‛. Este é um conselho difícil de seguir, pois há poucos governos que admitem inquéritos sobre o número de Prisioneiros de Consciência que mantêm na prisão. Mas um outro teste à liberdade que pode ser aplicado é ver se há liberdade de imprensa para criticar o governo. Até mesmo muitos governos democráticos são surpreendentemente sensíveis à crítica da imprensa. Em França, o General de Gaulle intensificou o confisco de jornais, uma política herdada da Quarta República. Na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos são efectuadas, ocasionalmente, tentativas de limitar a crítica da imprensa através da técnica de exigir segredo aos editores sobre ‚segredos de segurança‛, como aconteceu no caso do espião Blake. Dentro da Commonwealth britânica, o governo de Ceilão [actual Sri Lanka] lançou um ataque à imprensa e está a ameaçar pôr toda a indústria sob controlo público. No Paquistão, a imprensa está à mercê da Lei Marcial. No Gana, a imprensa de oposição enfrenta grandes dificuldades. Na África do Sul, que abandonará a Commonwealth na quarta-feira, o governo está a planear aprovar legislação que possibilitará a censura de publicações. Fora da Commonwealth, a liberdade de imprensa está em perigo na Indonésia, no Mundo Árabe e em países da América Latina, como Cuba. No mundo comunista e em Espanha e Portugal, a crítica da imprensa sobre o governo é raramente tolerada. A máxima de Churchill sobre a democracia Outro teste à liberdade é perceber se o Governo permite oposição política. Nos anos pós-guerra assistiu-se à expansão de ‚regimes pessoais‛ na Ásia e em África. Onde quer que um partido da oposição seja impedido de propor candidatos ou de verificar os resultados das eleições, está em risco mais do que o seu próprio futuro. As eleições multipartidárias podem ser incómodas em termos práticos e o risco de coligações pode gerar governos instáveis; no entanto, não foi encontrada ainda nenhuma outra maneira de garantir a liberdade das minorias ou a segurança dos ‚não conformistas‛. Qualquer que seja a verdade na velha afirmação de que a democracia não se enquadra bem no nacionalismo emergente, deverá também fazer-nos lembrar a máxima de Churchill: ‚A democracia é um mau sistema de Governo, mas ainda ninguém se lembrou de nenhum melhor‛. Um quarto teste à liberdade consiste em verificar se as pessoas acusadas de ofensas contra o Estado têm direito a um julgamento público rápido, num tribunal imparcial: se lhes é permitido apresentarem testemunhas e se os seus advogados podem apresentar a sua defesa da maneira que acharem mais adequada. Em anos recentes tem-se registado uma tendência lamentável, em alguns dos países que se orgulham do seu sistema judicial independente: ao declararem o estado de emergência e colocarem os seus oponentes em ‚prisão preventiva‛, os governos contornam a necessidade de formularem e provarem acusações criminais. No outro extremo regista-se o entusiasmo dos países soviéticos em estabelecerem instituições que, apesar de serem chamadas tribunais, não são na realidade nada disso. Os apelidados ‚tribunais de camaradagem‛ na URSS, que têm o poder de lidar com ‚parasitas‛, são, na sua essência, pouco mais do que departamentos do Ministério do Trabalho, que enviam ‚porcos quadrados‛ para buracos vazios na Sibéria [no Reino Unido há a expressão ‚put a square pig into a round hole‛ que, no fundo, equivale ao nosso ditado ‚meter o Rossio na Betesga‛]. Na China, a transmigração da força de trabalho, alegadamente no seguimento de um processo judicial, ocorre a uma escala gigantesca. A maneira mais rápida de ajudar os Prisioneiros de Consciência é a publicidade, especialmente a publicidade entre os seus concidadãos. Com a pressão do nacionalismo emergente e as tensões da Guerra Fria, haverá situações em que os governos serão levados a tomar medidas de emergência para proteger a sua existência. É vital que as opiniões públicas insistam para que estas medidas não possam ser excessivas, nem que se prolonguem para além do momento de perigo. Se a emergência tiver uma duração mais longa, o governo deverá ser induzido a permitir que os seus oponentes sejam libertados, de modo a que procurem asilo no estrangeiro. Controlo mais eficaz das fronteiras Apesar de não existirem estatísticas, é provável que, nos anos mais recentes, se tenha assistido a uma diminuição constante no número de requerentes de asilo. Isto acontece não tanto pela falta de vontade dos outros países em oferecerem asilo, mas sobretudo pela maior eficácia no controlo de fronteiras, que actualmente dificulta a fuga das pessoas. Os esforços nas Nações Unidas para se chegar a um consenso relativamente a uma convenção internacional exequível sobre o direito ao asilo, têm-se arrastado durante vários anos com poucos resultados. Regista-se também o problema de restrições ao trabalho para imigrantes em muitos países. Enquanto o trabalho não estiver disponível nos países de ‚acolhimento‛, o direito ao asilo permanecerá largamente inútil. O Apelo para uma Amnistia, 1961, visa ajudar a providenciar emprego adequado a refugiados políticos e religiosos. Seria bom se em cada país ‚de acolhimento‛ fosse estabelecido um escritório central de emprego para estas pessoas, em cooperação com as federações de empregadores, os sindicatos e o Ministério do Trabalho. Na Grã-Bretanha há muitas firmas com vontade a dar trabalhos de tradução e enquanto correspondentes a refugiados, mas não há nenhum mecanismo que ligue a oferta à procura. Aqueles regimes que se recusam a permitir que os seus cidadãos procurem asilo, com a justificação de que irão para o estrangeiro para conspirar, ficariam menos relutantes se soubessem que, à chegada, os refugiados não iriam cair no ócio, sem terem nada para fazer. Os membros do Conselho da Europa acordaram uma Convenção dos Direitos Humanos e estabeleceram uma comissão para assegurar o seu cumprimento. Alguns países têm dado aos seus cidadãos o direito de se dirigirem individualmente à comissão. Mas alguns, incluindo a GrãBretanha, recusaram-se a aceitar a jurisdição da comissão para queixas individuais e a França recusou-se mesmo a ratificar a Convenção. A opinião pública deveria insistir no estabelecimento de um mecanismo supra-nacional eficaz não só na Europa mas, nos mesmos moldes, noutros continentes. Este é um ano especialmente apropriado a uma Campanha para uma Amnistia. É o centenário da tomada de posse do Presidente Lincoln e do início da Guerra Civil, que culminou na libertação dos escravos americanos; é também o centenário do decreto que emancipou os servos russos. Há cem anos, o Orçamento de Gladstone acabou com os deveres opressivos impostos aos jornais, alargando assim o alcance e a liberdade de imprensa [em 1712 foi criado um imposto para os jornais, que os tornava mais caros e, assim, apenas acessíveis aos mais ricos. Ficou conhecido como o ‚imposto sob o conhecimento‛]; 1861 marcou também o fim da tirania do Rei ‘Bomba’ de Nápoles [Rei Ferdinand II de Nápoles, assim chamado por ter bombardeado Messina, em 1848. Morreu em 1859 e alguns meses depois Nápoles foi incorporada na Itália unificada] e a criação de uma Itália unificada; foi também o ano da morte de Lacordaire, o dominicano francês que se opunha à opressão Bourbon e Orleanista. O sucesso da Campanha para uma Amnistia, 1961, depende de quão rápida e poderosa seja a mobilização da opinião pública. Depende também se a campanha é abrangente na sua composição, internacional no seu carácter e politicamente imparcial na sua orientação. Qualquer grupo é bemvindo a fazer parte da campanha, desde que esteja preparado para condenar a perseguição, independentemente do local onde esta ocorra, de quem é o responsável e que ideias sejam suprimidas. Mostrou-se no Ano Mundial do Refugiado o quanto se pode conseguir quando homens e mulheres de boa vontade se unem. Inevitavelmente, a maior parte da acção pedida no Apelo para uma Amnistia, 1961, só poderá ser feita pelos governos. A experiência mostra que em matérias deste género os governos só actuarão se a opinião pública os levar a isso. A pressão da opinião pública trouxe, há 100 anos atrás, a emancipação dos escravos. É agora altura dos Homens exigirem liberdade para a sua mente, tal como conquistaram liberdade para o seu corpo. PETER BENENSON Apelo para uma Amnistia, 1961: Os objectivos 1. Trabalhar imparcialmente para a libertação das pessoas detidas por causa das suas opiniões. 2. Exigir que tenham julgamentos públicos e imparciais. 3. Alargar o Direito ao Asilo e ajudar refugiados políticos a encontrarem emprego. 4. Apelar à criação de um mecanismo internacional eficaz que garanta a liberdade de opinião. Para alcançar estes objectivos, foi montado um escritório em Londres para receber e publicar informação sobre Prisioneiros de Consciência de todo o mundo. A primeira Conferência de Imprensa da campanha será realizada amanhã e incluirá como oradores três membros do Parlamento, John Foster (Conservador), F. Elwyn Jones (Trabalhista) e Jeremy Thorpe (Liberal). Todas as ofertas de ajuda e informação devem ser enviadas para Apelo para uma Amnistia, 1, Mitre Court Buildings, Temple, E.C.4.