JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA Rua Domingos Marreiros, nº 598 – Bairro Umarizal - Belém-PA – CEP 66.055-210 Fone: (91) 3299-6119. AUTOS Nº: CLASSE: AUTOR: PROCURADORA: RÉUS: ADVOGADO: DEFENSOR PÚBLICO: DEFENSORA DATIVA: JUIZ FEDERAL: 2005.39.00.005806-4 13101. PROCESSO COMUM/JUIZ SINGULAR MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL MARIA CLARA BARROS NOLETO ISAAC AGUIAR CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES MILTON MACIEL DA COSTA TIBÉRIO CÉSAR SAMPAIO TEIXEIRA HUGO MAGALHÃES GAIOSO VANDA REGINA DE OLIVEIRA FERREIRA RUBENS ROLLO D’ OLIVEIRA SENTENÇA O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denunciou ISAAC AGUIAR, brasileiro, paraense, casado, pecuarista, nascido 24/12/1950, filho de Leão Aguiar e Reina Aguiar, portador do RG nº 781255-SSP/PA, inscrito no CPF/MF sob o nº 047.928.152-15, antes residente na Travessa Dom Pedro I, nº 1113, Umarizal, Belém/PA, atualmente, em lugar incerto e não sabido, pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. 149, § 1º, 197, I, 203, § 1º e 171, § 3º, todos do Código Penal. O douto MPF aditou a denúncia para incluir os réus: MILTON MACIEL DA COSTA, brasileiro, natural de Dores de Indaiá/MG, solteiro, vaqueiro, analfabeto, nascido aos 15/06/1955, filho de Deraldo Maciel de Sousa e Maria das Dores Costa, portador do RG nº 1424682-2ª via-SSP/PA, inscrito no 1 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ CPF/MF sob o nº 251.577.012-68, residente na Rua Nossa Senhora de Nazaré, nº 111, Cidade Nova, Paragominas/PA, como incurso nas penas dos crimes previstos nos arts. 149, caput, § 1º, II, 288, caput, todos do Código Penal, e CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES, brasileiro, paraense, solteiro, madeireiro, desempregado, nascido aos 30/07/1978, filho de Antônio Rodrigues Fernandes e Sebastiana Fernandes da Silva, portador do RG nº 3059192-SSP/PA, inscrito no CPF/MF sob o nº 667.284.522-49, residente na Av. Antero Bonifácio Gomes, nº 111, bairro Promissão, Paragominas/PA, como incurso nas penas dos crimes previstos nos arts. 149, caput, § 1º, II, 197, I, e 288, caput, todos do Código Penal. O douto MPF, ainda, no aditamento à denúncia, imputou ao réu ISAAC AGUIAR a suposta prática do crime previsto no art. 288, caput, do Código Penal. Juntamente com o réu ISAAC foi denunciado o réu RAIMUNDO DE OLIVEIRA, e no aditamento à denúncia o réu VALDIR FERREIRA DE SOUZA, para os quais houve desmembramento dos autos. Desse modo, o julgamento da presente ação penal restringe-se aos réus, ISAAC AGUIAR, MILTON MACIEL DA COSTA e CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES. Prestados esses esclarecimentos passo ao relatório propriamente dito. A denúncia e o aditamento à denúncia narram que, entre os dias 20 e 27 de janeiro de 2005, na cidade de Ulianópolis/PA, flagrou-se, na Fazenda Colônia, de propriedade do réu ISAAC AGUIAR, a imposição da prática de trabalho escravo. O grupo especial de fiscalização móvel, constituído por delegado federal, procuradora do MPT, agentes de polícia federal e fiscais do trabalho, deparou-se, segundo a denúncia, com um quadro desumano na citada fazenda. Diz a peça acusatória que, sob barracos erigidos com lonas e toras de madeiras, abrigavam-se trabalhadores aliciados para desenvolver atividade de roça de juquira e construção de cerca. Não tinham acesso a instalações sanitárias, faziam suas necessidades fisiológicas no mato. Resguardavam-se no chão batido, sem qualquer proteção contra as intempéries, sujeitos à chuva e ataques de 2 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ animais peçonhentos. Bebiam água retirada do riacho Capim, utilizando-a também no preparo de alimentos e higiene pessoal. Nos termos da acusação, havia na fazenda uma cantina, em que se comercializava de gêneros alimentícios a ferramentas indispensáveis ao trabalho, os quais eram vendidos aos trabalhadores por preços que ultrapassavam em muito os praticados no comércio local, de modo que, ao final do serviço, os trabalhadores sempre ficavam endividados e impedidos de deixar a fazenda. O douto MPF afirma que os trabalhadores não tinham carteira assinada, eram aliciados por proprietários de pensões da região, e, na fazenda, sem liberdade para deixá-la, ficavam sob a vigilância de homens armados. A denúncia foi recebida em 29/06/2005 (despacho de fl. 408), e o recebimento do aditamento à denúncia (fls. 443/450) ocorreu em 16/01/2007 (despacho de fl. 451). O réu ISAAC AGUIAR foi interrogado, em juízo, duas vezes (fls. 413/415 e fls. 461/462), e apresentou defesas prévias com rol de testemunhas (fls. 418/420 e fls. 470/472). O réu MILTON MACIEL DA COSTA foi interrogado, em juízo, (fls. 459/460), e apresentou defesa prévia sem rol de testemunhas (fl. 468). O réu CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES foi interrogado, em juízo, (fls. 463/464), e apresentou defesa prévia com rol de testemunhas (fls. 474/475). Testemunhas de acusação foram inquiridas em juízo (fls. 503/508 e fls. 1140/1141). Testemunhas de defesa foram inquiridas em juízo (fls. 1192/1193). Homologou-se a desistência da oitiva das testemunhas arroladas pela defesa do réu CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES (ata de fl. 1191). Decretou-se a revelia do réu ISAAC AGUIAR (art. 367/CPP) porque não foi localizado no endereço constante dos autos, nem informou ao juízo possível novo endereço (ata de fl. 1180). Consta auto de apreensão às fls. 579/580. Há laudo de exame em arma de fogo às fls. 589/600. 3 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ O douto MPF, em memoriais finais de fls. 1205/1209, asseverou haver provas da autoria e materialidade, e pugnou pela condenação dos réus, ISAAC AGUIAR, CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES e MILTON MACIEL DA COSTA, pela suposta prática dos crimes dos arts. 149, § 1º e 288, ambos, do CP. O MPF também pediu a condenação do réu CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES, pela suposta prática do crime do art. 197, I, do CP. A defesa do réu CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES, em memoriais finais de fls. 1211/1217, alegou não haver provas nos autos da participação do citado Réu nos crimes dos arts. 149, § 1º e 288, ambos, do Código Penal. Em relação ao crime do art. 197, I, do CP, a defesa advogou a tese da prescrição. Ao final, pediu a absolvição do Acusado. A defesa do réu ISAAC AGUIAR, em memoriais finais de fls. 1222/1226, alegou a prescrição do crime do art. 197, I, do CP. Em relação aos crimes dos arts. 149, § 1º e 288, ambos, do Código Penal, a defesa advogou a tese de inexistência de provas da participação do citado Réu, e pediu a absolvição. A defesa do réu MILTON MACIEL DA COSTA, em memoriais finais de fls. 1231/1238, alegou não haver provas da participação do citado Réu nos fatos, em tese, criminosos, narrados na denúncia e no aditamento à denúncia. Ao final, pugnou pela absolvição do Acusado. É o relatório. DECIDO. 1. Prescrição do crime de atentado contra a liberdade de trabalho, previsto no art. 197, I, do CP. O dispositivo legal incriminador em estudo tem a redação abaixo transcrita: “Art. 197. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça: I – a exercer ou não exercer arte, ofício, profissão ou indústria, ou a trabalhar ou não trabalhar durante certo período ou em determinados dias: Pena – detenção, de 1 (um) mês a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.” 4 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ Verifico que na denúncia de fls. 03/07, o douto MPF imputou ao réu ISAAC AGUIAR a suposta prática do crime do art. 197, I, do Código Penal, e, no aditamento à denúncia de fls. 443/450, o douto MPF atribuiu a mesma conduta típica ao réu CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES. A pena máxima cominada ao citado tipo penal é 01 (um) ano de detenção, e o prazo de prescrição, nos termos do art. 109, V, do CP, é de 04 (quatro) anos. A denúncia foi recebida em 29/06/2005, e o recebimento do aditamento à denúncia ocorreu em 16/01/2007. Observo que de 2007 até a data da presente sentença já se passaram mais 04 (quatro) anos, restando prescrita pela pena em abstrato a pretensão punitiva estatal relativamente ao crime em análise. Portanto, declaro extinta a punibilidade dos réus, ISAAC AGUIAR e CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES, com base na prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 107, IV c/c art. 109, V, ambos, do Código Penal. MÉRITO. 2. Passo a analisar a conduta dos Réus em relação à suposta prática do crime de redução a condição análoga à de escravo previsto no art. 149, § 1º, do Código Penal, e também quanto ao crime de formação de quadrilha ou bando (art. 288/CP). 2.1. ISAAC AGUIAR – 1º RÉU. O douto MPF, na denúncia de fls. 03/07, acusa o réu ISAAC, de haver praticado, como proprietário da Fazenda Colônia, o crime previsto no art. 149, § 1º, do Código Penal. O tipo penal em comento tem a seguinte redação legal: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º. Nas mesmas penas incorre quem: 5 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Do estudo dos autos verifico haver provas suficientes da existência do crime ora sob análise. A materialidade ou existência do crime está consubstanciada no relatório do grupo especial de fiscalização móvel, formado pela Polícia Federal, Procuradoria do Trabalho e Fiscais do Trabalho, o qual esteve no município de Ulianópolis/PA, nos dias 20/01/2005 a 27/01/2005, fiscalizando a Fazenda Colônia, de propriedade do réu ISAAC (fls. 11/55 e anexos). De fato, a fiscalização encontrou, na fazenda, situações reais que correspondem perfeitamente às circunstâncias elementares do delito de redução a condição análoga à de escravo, documentadas por meio de fotografias, e confirmadas por depoimentos de trabalhadores que lá foram encontrados trabalhando no roço de juquira e construção de cercas. Havia 07 (sete) barracos construídos de lonas e toras de madeiras, os quais serviam de alojamento para os trabalhadores. Todos eles arregimentados e contratados por intermediários, comumente chamados de “gatos”. Os trabalhadores eram obrigados a pagar, além do sustento básico à sobrevivência (alimentação, produtos de higiene pessoal, etc.), também os materiais e equipamentos de trabalho e segurança, os quais, por lei, dissídios coletivos, e convenções coletivas de trabalho, constitui dever do empregador fornecê-los aos empregados (botinas, chapéus, foice, lima, esmeril, etc.). Ficou constatado que os trabalhadores não dispunham de sanitário com o mínimo de higiene para suas necessidades fisiológicas, sendo obrigados a fazê-las no mato. Comiam sentados no chão intempéries do clima, sujeitos a chuvas animais peçonhentos. Bebiam a água que riacho, sem nenhum tipo de tratamento consumo humano. batido, ao sabor das e picadas de insetos e retiravam diretamente do para torná-la própria ao 6 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ Não possuíam registro em carteira, nem havia recolhimento de FGTS e contribuição para a Previdência Social. As testemunhas arroladas pelo MPF, MARIA CHRISTINA TONIATO E SILVA (fls. 503/505) e CLODOVEU ROMCY (fls. 506/508), que participaram da fiscalização, confirmaram, em juízo, a existência de condições precárias e degradantes sob as quais os trabalhadores encontrados na Fazenda Colônia estavam submetidos no desempenho do labor de roçar juquira e construir cercas. Transcrevo parte das declarações prestadas, em juízo, por MARIA CHRISTINA TONIATO E SILVA (fls. 503/505): “(...) QUE é médica de formação, sendo que as diligências que ensejaram detectar os fatos narrados na denúncia, a depoente ficou responsável pela área de segurança e saúde; que recorda que a fiscalização examinou duas fazendas, sendo que, na primeira, foi encontrado o maior número de trabalhadores rurais, algo em torno de cinqüenta a sessenta homens, recordando ainda que o único abrigo existente era uma espécie de tenda feita de toras de madeira cobertas por um plástico grosso, sem paredes de qualquer forma, não recordando exatamente onde os mesmo dormiam, recordando que alguns em rede e outros no chão; que não foram feitos exames médicos tendo em vista a não detecção de agrotóxicos ou sinais ou notícias de doenças no grupo; que não fez exames referentes a possível anemia; que as condições de higiene eram precárias, recordando que o Riacho Campim, que passava ao lado da tenda, servia para banho e coleta de água para cozinhar e tomar, sendo armazenada em depósitos improvisados e galões de óleo; que o acampamento não possuía banheiros, sendo que os trabalhadores realizavam suas necessidades fisiológicas na própria mata; (...).” De igual modo, transcrevo parte das declarações prestadas, em juízo, pela testemunha CLODOVEU ROMCY (fls. 506/508): “(...) QUE é Auditor há cerca de catorze anos, recordando que, no caso narrado na denúncia, a equipe se deslocou de Imperatriz, no Maranhão, até a primeira fazenda fiscalizada, chegando a mesma por volta do meio dia; que a primeira fazenda se chamava Colônia e era de propriedade de Isac (sic), sendo que a segunda fazenda também era do mesmo; que recorda que a operação logrou detectar sessenta e cinco trabalhadores em condições precárias, sendo que a maioria foi encontrada na primeira fazenda, enquanto, na segunda, apenas a pessoa que era uma espécie de gerente foi contactada, 7 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ além de um rapaz; que as condições detectadas pela fiscalização encontram-se descritas na denúncia lida em audiência; que recorda que trabalhadores comentaram com o depoente que desejavam sair do local, mas não tinham como, além de não terem acesso ou informações a respeito do quanto já deviam pelas alimentações e estadias anteriores e contemporâneas, nem quanto ganhariam, recordando de comentários a respeito de um “gato” conhecido como Maranhão, que já fora preso por homicídio e que seria o responsável pela manutenção ou intimidação dos trabalhadores, esclarecendo que, na região, tais atitudes de intimidação se dão de diversas formas, principalmente econômica; que Maranhão, Claudinho e Paraíba era (sic) os responsáveis pela manutenção dos trabalhadores no local, sendo que Paraíba administrava a cantina, vendendo comida e instrumentos de trabalho aos trabalhadores ali encontrados, sendo que as diárias dos hotéis também eram anotadas por Paraíba nas contas de ditos trabalhadores com preços cobrados acima do mercado; (...).” Desse modo, tenho por provada a existência do crime de redução a condição análoga à de escravo, nos termos postos na denúncia e no aditamento à denúncia. No pertinente à autoria do delito verifico que o réu ISAAC AGUIAR, nas duas vezes em que esteve em juízo (interrogatórios de fls. 413/415 e fls. 461/462), negou a acusação. Não obstante a negativa, a conclusão que alcanço, após detido exame dos autos, é pela responsabilidade penal do Réu. Não tenho dúvida de que, sendo o proprietário da Fazenda Colônia, ao Réu não é dado que desconhecesse o ambiente de precariedade vivido pelos trabalhadores e constatado pela fiscalização. Tampouco que ignorasse a maneira como os trabalhadores foram contratados, por intermédio de “gatos”, para trabalharem na referida propriedade. Além disso, não é crível, nem aproveita à inocência do Réu, o suposto desconhecimento a respeito da obrigatoriedade de atender aos básicos direitos trabalhistas e sociais que foram negados aos trabalhadores encontrados na fazenda. Não há como negar que o Réu era o principal interessado e beneficiário dos resultados positivos decorrentes do trabalho de limpeza e construção de cercas em sua propriedade. Por certo, não desconhecia as condições desumanas às quais estavam 8 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ subjugados os trabalhadores encontrados na fazenda do Réu pela fiscalização do trabalho. Estou convicto de que o réu ISAAC AGUIAR violou as normas do art. 149, § 1º, do Código Penal. Portanto, tenho por provadas a autoria e a materialidade ou existência do crime. Passo a aplicação da pena nos termos do art. 59/CP. O Réu é imputável, tendo potencial consciência da ilicitude de haver concorrido, como proprietário da Fazenda Colônia, para os fatos criminosos descritos na denúncia concernentes ao crime de redução a condição análoga à de escravo dos trabalhadores encontrados na fazenda do Réu pela fiscalização do trabalho, sendo claramente possível exigir-se dele conduta diferente, o que demonstra sua culpabilidade, e dolo, no mínimo eventual, em sua maneira de agir, aceitando em sua propriedade, trabalhadores, um menor, inclusive, em condições degradantes. O Réu é primário, não havendo nos autos registros de maus antecedentes. Sua conduta social e personalidade não inspiram análise mais aprofundada. As circunstâncias revelam que trabalhadores eram contratados, em número elevado, por intermédio de terceiros, denominados de “gato”, para trabalharem na fazenda do Réu sem as mínimas condições de respeito à dignidade da pessoa humana. As consequências do crime extrapolam os limites da individualidade e alcançam a esfera social, e acabam por afetar negativamente a imagem do Estado do Pará, fazendo recrudescer a pecha de terra sem lei. O motivo do crime reside na ambição e vontade de explorar a mão-de-obra barata de trabalhadores necessitados das mais básicas condições de sobrevivência. Fixo-lhe a pena-base em 04 (quatro) anos de reclusão, em regime aberto, e multa de 120 (cento e vinte) dias-multa, calculado o dia-multa sobre 1/30 (um trigésimo) do maior salário mínimo vigente à época do fato. Não há circunstâncias atenuantes nem agravantes a serem consideradas. Igualmente, inexistem causas especiais ou gerais de diminuição ou aumento de pena, de modo que a pena-base aplicada passa a ser definitiva. Presentes os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelos artigos 43 e seguintes do Código Penal, e também, tendo em vista a favorável condição econômica do Réu, proprietário de fazendas, substituo a pena privativa de liberdade por duas (2) penas pecuniárias. A primeira no valor de 10 (dez) salários mínimos, e a segunda, também, no valor de 10 (dez) salários mínimos, 9 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ transformados em alimentos não perecíveis e medicamentos, os quais serão doados a instituições de caridade a serem indicadas em audiência admonitória. 2.2. CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES – 3º RÉU. O douto MPF, no aditamento à denúncia de fls. 443/450, acusa o réu CLÁUDIO FERNANDES (CLAUDINHO), de haver praticado, como aliciador de trabalhadores rurais (gato), para a Fazenda Colônia, o crime previsto no art. 149, § 1º, do Código Penal. O tipo penal em comento tem a seguinte redação legal: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º. Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Do estudo dos autos verifico haver provas suficientes da existência do crime ora sob análise. A materialidade ou existência do crime está consubstanciada no relatório do grupo especial de fiscalização móvel, formado pela Polícia Federal, Procuradoria do Trabalho e Fiscais do Trabalho, o qual esteve no município de Ulianópolis/PA, nos dias 20/01/2005 a 27/01/2005, fiscalizando a Fazenda Colônia, de propriedade do réu ISAAC (fls. 11/55 e anexos). De fato, a fiscalização encontrou, na fazenda, situações reais que correspondem perfeitamente às circunstâncias elementares do delito de redução a condição análoga à de escravo, documentadas por meio de fotografias, e confirmadas por depoimentos de trabalhadores que lá foram encontrados trabalhando na roça de juquira e construção de cercas. 10 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ Havia 07 (sete) barracos construídos de lonas e toras de madeiras, os quais serviam de alojamento para os trabalhadores. Todos eles arregimentados e contratados por intermediários, comumente chamados de “gatos”. Os trabalhadores eram obrigados a pagar, além do sustento básico à sobrevivência (alimentação, produtos de higiene pessoal, etc.), também os materiais e equipamentos de trabalho e segurança, os quais, por lei, dissídios coletivos, e convenções coletivas de trabalho, constitui dever do empregador fornecê-los aos empregados (botinas, chapéus, foice, lima, esmeril, etc.). Ficou constatado que os trabalhadores não dispunham de sanitário com o mínimo de higiene para suas necessidades fisiológicas, sendo obrigados a fazê-las no mato. Comiam sentados no chão batido, ao sabor das intempéries do clima, sujeitos a chuvas e picadas de insetos e animais peçonhentos. Bebiam a água que retiravam diretamente do riacho Capim, sem nenhum tipo de tratamento para torná-la própria ao consumo humano. Não possuíam registro em carteira, nem havia recolhimento de FGTS e contribuição para a Previdência Social. As testemunhas arroladas pelo MPF, MARIA CHRISTINA TONIATO E SILVA (fls. 503/505) e CLODOVEU ROMCY (fls. 506/508), que participaram da fiscalização, confirmaram, em juízo, a existência de condições precárias e degradantes sob as quais os trabalhadores encontrados na fazenda estavam submetidos, no desempenho do labor de roçar juquira e construir cercas. Transcrevo parte das declarações prestadas, em juízo, por MARIA CHRISTINA TONIATO E SILVA (fls. 503/505): “(...) QUE é médica de formação, sendo que as diligências que ensejaram detectar os fatos narrados na denúncia, a depoente ficou responsável pela área de segurança e saúde; que recorda que a fiscalização examinou duas fazendas, sendo que, na primeira, foi encontrado o maior número de trabalhadores rurais, algo em torno de cinqüenta a sessenta homens, recordando ainda que o único abrigo existente era uma espécie de tenda feita de toras de madeira cobertas por um plástico grosso, sem paredes de qualquer forma, não recordando exatamente onde os mesmo dormiam, recordando que alguns em rede e outros no chão; que não foram feitos exames médicos tendo em vista a não detecção de agrotóxicos ou sinais ou 11 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ notícias de doenças no grupo; que não fez exames referentes a possível anemia; que as condições de higiene eram precárias, recordando que o Riacho Campim, que passava ao lado da tenda, servia para banho e coleta de água para cozinhar e tomar, sendo armazenada em depósitos improvisados e galões de óleo; que o acampamento não possuía banheiros, sendo que os trabalhadores realizavam suas necessidades fisiológicas na própria mata; (...).” De igual modo, transcrevo parte das declarações prestadas, em juízo, pela testemunha CLODOVEU ROMCY (fls. 506/508): “(...) QUE é Auditor há cerca de catorze anos, recordando que, no caso narrado na denúncia, a equipe se deslocou de Imperatriz, no Maranhão, até a primeira fazenda fiscalizada, chegando a mesma por volta do meio dia; que a primeira fazenda se chamava Colônia e era de propriedade de Isac (sic), sendo que a segunda fazenda também era do mesmo; que recorda que a operação logrou detectar sessenta e cinco trabalhadores em condições precárias, sendo que a maioria foi encontrada na primeira fazenda, enquanto, na segunda, apenas a pessoa que era uma espécie de gerente foi contactada, além de um rapaz; que as condições detectadas pela fiscalização encontram-se descritas na denúncia lida em audiência; que recorda que trabalhadores comentaram com o depoente que desejavam sair do local, mas não tinham como, além de não terem acesso ou informações a respeito do quanto já deviam pelas alimentações e estadias anteriores e contemporâneas, nem quanto ganhariam, recordando de comentários a respeito de um “gato” conhecido como Maranhão, que já fora preso por homicídio e que seria o responsável pela manutenção ou intimidação dos trabalhadores, esclarecendo que, na região, tais atitudes de intimidação se dão de diversas formas, principalmente econômica; que Maranhão, Claudinho e Paraíba era (sic) os responsáveis pela manutenção dos trabalhadores no local, sendo que Paraíba administrava a cantina, vendendo comida e instrumentos de trabalho aos trabalhadores ali encontrados, sendo que as diárias dos hotéis também eram anotadas por Paraíba nas contas de ditos trabalhadores com preços cobrados acima do mercado; (...).” Desse modo, tenho por provada a existência do crime de redução a condição análoga à de escravo, nos termos postos na denúncia e no aditamento à denúncia. No pertinente à autoria, vale transcrever a versão do Réu dada aos fatos no seu interrogatório judicial (fls. 463/464): 12 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ “(...) QUE conhece os termos da denúncia do MPF, mas os considera falso em parte; QUE confirma os depoimentos prestados no DPF de fls. 17/18 e 92/93 dos autos apensados; QUE além dos hotéis de MILTON e de SIMPLÍCIO, os trabalhadores ficavam em mais 05 hotéis de Paragominas; QUE dos 40 trabalhadores que levou para a FAZENDA COLONIA, acredita que pegou uns 10 no HOTEL DO MILTON; QUE não lembra quantos trabalhadores pegou no HOTEL DO SIMPLÍCIO; QUE somente tem conhecimento de um trabalhador que fugiu e acredita que o mesmo o fez para receber indenização trabalhista; QUE afirma que é uma prática comum os empregadores não assinarem as CTPS dos trabalhadores; QUE na fazenda de ISAAC, não havia trabalhador com mais de dois meses; QUE não sabe dizer quantos trabalhadores efetivos ISAAC mantinha na fazenda, sabe que havia alguns; QUE não sabe dizer se ISAAC assinava a carteira dos trabalhadores permanentes; QUE afirma que a cantina era de propriedade de PARAÍBA e o depoente não tinha nenhuma participação na cantina; QUE o depoente não portava arma e não tem conhecimento de que alguns dos trabalhadores permanentes de ISAAC portavam armas; QUE afirma que PARAÍBA foi na cidade de Paragominas com o depoente, arregimentou os trabalhadores e o depoente levou os trabalhadores para a fazenda em seu caminhão; QUE PARAÍBA disse ao depoente que o proprietário da Fazenda COLONIA, ISAAC, tinha ido até a fazenda; QUE foi a primeira vez que o depoente levou trabalhadores para a FAZENDA COLÔNIA; QUE não confirma o depoimento de VALDIR de que o depoente teria negociado diretamente com ISAAC; QUE afirma que VALDIR mentiu quando disse que a cantina era de propriedade do depoente e que PARAÍBA seria contratado para administrar a cantina; QUE não pagava valores além da hospedagem para os proprietários dos hotéis; QUE nunca foi preso ou processado; QUE não conhece as testemunhas de acusação. (...). QUE atualmente vive do arrendamento de seu caminhão, não fazendo mais transporte de trabalhadores; QUE sempre trabalhou fazendo arrendamentos de seu caminhão e eventualmente fazia transporte de trabalhadores. (...). QUE não era o depoente quem gerenciava os trabalhadores; QUE aponta como responsáveis por submeter os trabalhadores à condição análoga a de escravo: VALDIR, ISAAC, PARAÍBA e o próprio depoente. (...).” [grifei]. Percebo evidente o envolvimento do réu CLÁUDIO FERNANDES nos fatos criminosos descritos na denúncia e no aditamento à denúncia, em especial, no pertinente à redução de trabalhadores rurais a condição análoga à de escravo. 13 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ O Réu admitiu, em juízo, que arregimentou trabalhadores rurais, na cidade de Paragominas/PA, transportando-os em seu caminhão, para a Fazenda Colônia, de propriedade do réu ISAAC. Logo, em tais circunstâncias, desempenhou a atividade própria do comumente chamado “gatos”. O depoimento do Réu, neste particular, resta harmônico com as declarações prestadas, em juízo, pela testemunha CLODOVEU ROMCY (fls. 506/508): “(...) QUE é Auditor há cerca de catorze anos, recordando que, no caso narrado na denúncia, a equipe se deslocou de Imperatriz, no Maranhão, até a primeira fazenda fiscalizada, chegando da mesma por volta do meio dia; que a primeira fazenda se chamava Colônia e era de propriedade de Isac (sic), sendo que a segunda fazenda também era do mesmo; que recorda que a operação logrou detectar sessenta e cinco trabalhadores em condições precárias, sendo que a maioria foi encontrada na primeira fazenda, enquanto, na segunda, apenas a pessoa que era uma espécie de gerente foi contactada, além de um rapaz; que as condições detectadas pela fiscalização encontram-se descritas na denúncia lida em audiência; que recorda que trabalhadores comentaram com o depoente que desejavam sair do local, mas não tinham como, além de não terem acesso ou informações a respeito do quanto já deviam pelas alimentações e estadias anteriores e contemporâneas, nem quanto ganhariam, recordando de comentários a respeito de um “gato” conhecido como Maranhão, que já fora preso por homicídio e que seria o responsável pela manutenção ou intimidação dos trabalhadores, esclarecendo que, na região, tais atitudes de intimidação se dão de diversas formas, principalmente econômica; que Maranhão, Claudinho e Paraíba era (sic) os responsáveis pela manutenção dos trabalhadores no local, sendo que Paraíba administrava a cantina, vendendo comida e instrumentos de trabalho aos trabalhadores ali encontrados, sendo que as diárias dos hotéis também eram anotadas por Paraíba nas contas de ditos trabalhadores com preços cobrados acima do mercado; (...).” [grifei]. É fato incontroverso que o réu CLÁUDIO contratou e transportou, em seu caminhão, trabalhadores posteriormente, encontrados pela fiscalização, trabalhando em condições desumanas, na Fazenda Colônia. Ao contrário do que pretende a defesa, não há como negar, relativamente ao réu CLÁUDIO FERNANDES, a autoria do 14 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ crime previsto no art. 149, § 1º, do Código Penal. Portanto, dou por provadas a autoria e a existência do citado delito. Passo à aplicação da pena nos termos do art. 59/CP. O Réu é imputável, tendo potencial consciência da ilicitude de haver contratado e transportado trabalhadores rurais, em grande número, para trabalharem na fazenda sob condições indignas à pessoa humana, e assim, concorreu para a prática do crime de redução à condição análoga à de escravo, devendo exigir-se dele conduta diferente, pelo que fica demonstrada sua culpabilidade, e dolo, em sua maneira de agir. O Réu é primário, não havendo nos autos registros de maus antecedentes. Sua conduta social e personalidade não fogem ao padrão de normalidade do comportamento humano. As circunstâncias nada revelam de extraordinário. As consequências do crime alcançam dimensões que extrapolam os limites dos interesses individuais dos trabalhadores e alcançam a esfera social e política, afetando negativamente a imagem do Estado do Pará. O motivo do crime reside na ambição e vontade de explorar a mão-de-obra barata de trabalhadores necessitados das mais básicas condições de sobrevivência. Fixo-lhe a pena-base em 03 (três) anos de reclusão, em regime aberto, e multa de 90 (noventa) dias-multa, calculado o dia-multa sobre 1/30 (um trigésimo) do maior salário mínimo vigente à época do fato. Não há circunstâncias atenuantes nem agravantes a serem consideradas. Igualmente, inexistem causas especiais ou gerais de diminuição ou aumento de pena, de modo que a pena-base aplicada passa a ser definitiva. Presentes os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelos artigos 43 e seguintes do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas (2) penas pecuniárias. A primeira no valor de 05 (cinco) salários mínimos, e a segunda, também, no valor de 05 (cinco) salários mínimos, transformados em alimentos não perecíveis e medicamentos, os quais serão doados a instituições de caridade a ser indicadas em audiência admonitória. 2.3. MILTON MACIEL DA COSTA – 2º RÉU. O douto MPF, no aditamento à denúncia de fls. 443/450, acusa o réu MILTON MACIEL, de haver praticado, como proprietário do “Hotel Pioneiro do Milton”, o crime previsto no art. 149, § 1º, do Código Penal. 15 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ O tipo penal em comento tem a seguinte redação legal: Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. § 1º. Nas mesmas penas incorre quem: I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Do estudo dos autos verifico haver provas suficientes da existência do crime ora sob análise. A materialidade ou existência do crime está consubstanciada no relatório do grupo especial de fiscalização móvel, formado pela Polícia Federal, Procuradoria do Trabalho e Fiscais do Trabalho, o qual esteve no município de Ulianópolis/PA, nos dias 20/01/2005 a 27/01/2005, fiscalizando a Fazenda Colônia, de propriedade do réu ISAAC (fls. 11/55 e anexos). De fato, a fiscalização encontrou, na fazenda, situações reais que correspondem perfeitamente às circunstâncias elementares do delito de redução a condição análoga à de escravo, documentadas por meio de fotografias, e confirmadas por depoimentos de trabalhadores que lá foram encontrados trabalhando na roça de juquira e construção de cercas. Havia 07 (sete) barracos construídos de lonas e toras de madeiras, os quais serviam de alojamento para os trabalhadores. Todos eles arregimentados e contratados por intermediários, comumente chamados de “gatos”. Os trabalhadores eram obrigados a pagar, além do sustento básico à sobrevivência (alimentação, produtos de higiene pessoal, etc.), também os materiais e equipamentos de trabalho e segurança, os quais, por lei, dissídios coletivos, e convenções coletivas de trabalho, constitui dever do empregador fornecê-los aos empregados (botinas, chapéus, foice, lima, esmeril, etc.). 16 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ Ficou constatado que os trabalhadores não dispunham de sanitário com o mínimo de higiene para suas necessidades fisiológicas, sendo obrigados a fazê-las no mato. Comiam sentados no chão intempéries do clima, sujeitos a chuvas animais peçonhentos. Bebiam a água que riacho, sem nenhum tipo de tratamento consumo humano. batido, ao sabor das e picadas de insetos e retiravam diretamente do para torná-la própria ao Não possuíam registro em carteira, nem havia recolhimento de FGTS e contribuição para a Previdência Social. As testemunhas arroladas pelo MPF, MARIA CHRISTINA TONIATO E SILVA (fls. 503/505) e CLODOVEU ROMCY (fls. 506/508), que participaram da fiscalização, confirmaram, em juízo, a existência de condições precárias e degradantes sob as quais os trabalhadores encontrados na Fazenda Colônia estavam submetidos, no desempenho do labor de roçar juquira e construir cercas. Transcrevo parte das declarações prestadas, em juízo, por MARIA CHRISTINA TONIATO E SILVA (fls. 503/505): “(...) QUE é médica de formação, sendo que as diligências que ensejaram detectar os fatos narrados na denúncia, a depoente ficou responsável pela área de segurança e saúde; que recorda que a fiscalização examinou duas fazendas, sendo que, na primeira, foi encontrado o maior número de trabalhadores rurais, algo em torno de cinqüenta a sessenta homens, recordando ainda que o único abrigo existente era uma espécie de tenda feita de toras de madeira cobertas por um plástico grosso, sem paredes de qualquer forma, não recordando exatamente onde os mesmo dormiam, recordando que alguns em rede e outros no chão; que não foram feitos exames médicos tendo em vista a não detecção de agrotóxicos ou sinais ou notícias de doenças no grupo; que não fez exames referentes a possível anemia; que as condições de higiene eram precárias, recordando que o Riacho Campim, que passava ao lado da tenda, servia para banho e coleta de água para cozinhar e tomar, sendo armazenada em depósitos improvisados e galões de óleo; que o acampamento não possuía banheiros, sendo que os trabalhadores realizavam suas necessidades fisiológicas na própria mata; (...).” De igual modo, transcrevo parte das declarações prestadas, em juízo, pela testemunha CLODOVEU ROMCY (fls. 506/508): 17 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ “(...) QUE é Auditor há cerca de catorze anos, recordando que, no caso narrado na denúncia, a equipe se deslocou de Imperatriz, no Maranhão, até a primeira fazenda fiscalizada, chegando a mesma por volta do meio dia; que a primeira fazenda se chamava Colônia e era de propriedade de Isac (sic), sendo que a segunda fazenda também era do mesmo; que recorda que a operação logrou detectar sessenta e cinco trabalhadores em condições precárias, sendo que a maioria foi encontrada na primeira fazenda, enquanto, na segunda, apenas a pessoa que era uma espécie de gerente foi contactada, além de um rapaz; que as condições detectadas pela fiscalização encontram-se descritas na denúncia lida em audiência; que recorda que trabalhadores comentaram com o depoente que desejavam sair do local, mas não tinham como, além de não terem acesso ou informações a respeito do quanto já deviam pelas alimentações e estadias anteriores e contemporâneas, nem quanto ganhariam, recordando de comentários a respeito de um “gato” conhecido como Maranhão, que já fora preso por homicídio e que seria o responsável pela manutenção ou intimidação dos trabalhadores, esclarecendo que, na região, tais atitudes de intimidação se dão de diversas formas, principalmente econômica; que Maranhão, Claudinho e Paraíba era (sic) os responsáveis pela manutenção dos trabalhadores no local, sendo que Paraíba administrava a cantina, vendendo comida e instrumentos de trabalho aos trabalhadores ali encontrados, sendo que as diárias dos hotéis também eram anotadas por Paraíba nas contas de ditos trabalhadores com preços cobrados acima do mercado; (...).” Desse modo, tenho por provada a existência do crime de redução a condição análoga à de escravo, nos termos postos na denúncia e no aditamento à denúncia. No pertinente à autoria, o douto MPF acusa o réu MILTON, como proprietário de hotel, sujeitar os empregados da Fazenda Colônia a condições degradantes de trabalho, restringindolhes a locomoção, retendo-os à força de dívida e sob vigilância armada. O Réu, em juízo, negou a acusação (fls. 459/460): “(...) QUE conhece os termos da denúncia, mas não concorda com os mesmos; QUE confirma o depoimento prestado às fls. 161/162, do processo apenso; QUE somente recebe as diárias utilizadas pelos trabalhadores e que nada cobra dos fazendeiros pela entrega dos trabalhadores; QUE afirma que os trabalhadores têm liberdade para escolherem com quais pessoas desejam trabalhar; QUE afirma que 18 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ muitos trabalhadores passam algum tempo nas fazendas, retornam para a cidade para beber e depois voltam para as fazendas; QUE não sabe de fazendeiros que impedem a saída de trabalhadores; QUE afirma que todos os fazendeiros pagam regularmente os trabalhadores; QUE não recebia qualquer espécie de benefício dos fazendeiros; QUE foi a primeira vez que houve operação contra trabalho escravo em Paragominas; QUE não sabe dizer se há trabalhadores que fogem das fazendas; QUE não conhece as testemunhas da acusação. (...).” Percebo dos autos, não haver provas suficientes para sustentar um decreto condenatório do Réu. Não estou convencido de que o fato de hospedar em seu hotel, na cidade de Paragominas/PA, trabalhadores vindos de vários estados do Nordeste (Ceará, Piauí, Maranhão), em busca de oportunidades de trabalho, faça do Réu coautor ou partícipe do crime do art. 149, § 1º, do Código Penal. No meu sentir, inexiste prova concreta de cuja valoração jurídica se possa concluir que o réu MILTON estivesse, no desempenho de sua atividade econômica, em comum acordo com fazendeiros da região, em especial com o réu ISAAC AGUIAR, no sentido de arregimentar trabalhadores para as fazendas. Nada há nos autos que indique que o réu MILTON mantivesse vigilância armada em seu hotel, com o fim de restringir, em razão de dívida, a liberdade de trabalhadores, ali hospedados. Com a devida vênia, os indícios de autoria elencados pelo MPF, relativos ao Réu, não bastam para fundamentar com justeza a condenação requerida. Os trabalhadores foram encontrados pela fiscalização em situação análoga à de escravo na Fazenda Colônia, e não, no hotel do réu MILTON. Portanto, resolvo absolver o réu MILTON MACIEL DA COSTA, por não existir prova suficiente para a condenação, nos termos do art. 386, VII, do CPP. 3. CRIME DE QUADRILHA OU BANDO (art. 288/CP). O douto MPF, no aditamento à denúncia de fls. 433/450, acusa os réus, ISAAC, MILTON e CLÁUDIO de haverem praticado o crime previsto no art. 288, do Código Penal. 19 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ O tipo penal em comento tem a seguinte redação legal: Art. 288. Associarem-se mais de três de pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (3) anos. Da análise acurada do conjunto probatório verifico não haver prova da materialidade ou existência do crime de quadrilha ou bando, tal como descrito no aditamento à denúncia. Sabe-se que o tipo penal em estudo é crime formal, e sendo assim, para sua consumação, não necessita de resultado concreto. Todavia, para que reste perfeita configuração desse delito é imprescindível a conjugação simultânea dos requisitos a seguir descritos, sem os quais, não se há de falar em crime de quadrilha, a saber: a) concurso de no mínimo quatro pessoas; b) finalidade voltada para a prática de crimes; e, c) necessária condição de estabilidade e permanência da associação criminosa. Nesse sentido, a ementa jurisprudencial da Terceira Turma do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a qual segue transcrita abaixo: PENAL E PROCESSSUAL PENAL. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. AUSÊNCIA DE PROVA DE VÍNCULO ASSOCIATIVO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA MANTIDA. 1. O crime de formação de quadrilha ou banco é delito formal, que se consuma com a reunião ou a associação do grupo, de forma permanente e estável, para a prática de crimes indeterminados. 2. Inexistindo prova do ânimo de se associar, com estabilidade e permanência, para a prática de inúmeros crimes, descabe falar em formação de quadrilha, mormente quando quatro dos co-réus já foram julgados e absolvidos, por ausência de prova da existência do fato, em outra ação penal, já transitada em julgado, contra a qual o Ministério Público não recorreu. 3. Sentença absolutória mantida. Recurso do Ministério Público não provido. ACR 200238000090512 ACR - APELAÇÃO CRIMINAL – 200238000090512. Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO. TRF1. TERCEIRA TURMA - e-DJF1. DATA: 06/07/2012 PAGINA: 133. No caso em apreço, não vejo nos autos os requisitos de estabilidade e permanência da suposta quadrilha, conforme posto pelo douto MPF no aditamento à denúncia. 20 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ A meu ver, na espécie, o concurso de agentes que culminou na contratação de trabalhadores, por intermediários chamados de “gato”, para trabalharem na fazenda, e, os quais foram encontrados pela fiscalização do trabalho em situação de trabalho degradante, não constitui circunstância fático-jurídica caracterizadora de associação estável e permanente, formada com a finalidade específica de cometer pluralidade delituosa. Ao contrário dos requisitos de estabilidade e permanência próprios da quadrilha, o que persiste no meu sentir é a existência de um liame associativo entre os denunciados, porém, marcado pela eventualidade e temporalidade. Em outras palavras, uma ligação de natureza esporádica que não pode juridicamente ser valorada como materialidade do crime de quadrilha. Em vista disso, resolvo absolver os réus, ISAAC AGUIAR, MILTON MACIEL DA COSTA e CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES da acusação do crime de quadrilha ou bando, por não haver prova da existência do fato, nos termos do art. 386, II, do CPP. 4. Bens apreendidos – auto de apreensão de fls. 579/580, e laudo de exame em arma de fogo de fls. 589/600. Há nos autos a apreensão de (1) uma espingarda marca Rossi, calibre 20, número de série S723312 e (2) dois cartuchos para espingarda CBC, calibre 20, com estojo plástico. O art. 25 da Lei 10.826/2003, com a redação dada pela Lei 11.706/2008, estabelece: Art. 25. As armas de fogo apreendidas, após a elaboração do laudo pericial e sua juntada aos autos, quando não mais interessarem à persecução penal serão encaminhadas pelo juiz competente ao Comando do Exército, no prazo máximo de 48 (quarenta e oito) horas, para destruição ou doação aos órgãos de segurança pública ou às Forças Armadas, na forma do regulamento desta Lei. Em sendo assim, por força do citado dispositivo legal, a arma e as munições apreendidas foram encaminhadas ao Comando da 8ª Região Militar do Exército para destruição, conforme documentos de fls. 494/495. 21 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ 5. Posto isto, julgo procedente, em parte, a ação penal, para: a) declarar extinta a punibilidade dos réus ISAAC AGUIAR e CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES, relativamente ao crime do art. 197, I, do CP, com base na prescrição da pretensão punitiva estatal, nos termos do art. 107, IV c/c art. 109, V, ambos, do Código Penal. b) absolver o réu MILTON MACIEL DA COSTA da imputação do crime previsto no art. 149, § 1º, do Código Penal, por não existir prova suficiente para a condenação, nos termos do art. 386, VII, do CPP. c) absolver os réus, ISAAC AGUIAR, MILTON MACIEL DA COSTA e CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES da acusação do crime de quadrilha ou bando (art. 288/CP), por não haver prova da existência do fato, nos termos do art. 386, II, do CPP. d) condenar o réu ISAAC AGUIAR à pena de 04 (quatro) anos de reclusão, em regime aberto, e multa de 120 (cento e vinte) dias-multa, calculado o dia-multa conforme a fundamentação, pela violação da norma do art. 149, § 1º, do Código Penal. Presentes os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelos artigos 43 e seguintes do Código Penal, e também, tendo em vista a favorável condição econômica do Réu, proprietário de fazendas, substituo a pena privativa de liberdade por duas (2) penas pecuniárias. A primeira no valor de 10 (dez) salários mínimos, e a segunda, também, no valor de 10 (dez) salários mínimos, transformados em alimentos não perecíveis e medicamentos, os quais serão doados a instituições de caridade indicadas em audiência admonitória. e) condenar o réu CLÁUDIO DA SILVA FERNANDES à pena de 03 (três) anos de reclusão, em regime aberto, e multa de 90 (noventa) dias-multa, calculado o dia-multa conforme a fundamentação, pela violação da norma do art. 149, § 1º, do Código Penal. Presentes os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelos artigos 43 e seguintes do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade por duas (2) penas pecuniárias. A primeira no valor de 05 (cinco) salários mínimos, e a segunda, também, no valor de 05 (cinco) salários mínimos, transformados em alimentos não 22 PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO JUSTIÇA FEDERAL DE 1ª INSTÂNCIA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 3ª VARA GABINETE DO JUIZ FEDERAL JUSTIÇA FEDERAL FLS._____ perecíveis e medicamentos, os quais serão doados a instituições de caridade indicadas em audiência admonitória. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Custas, em proporção, pelos condenados. Após o trânsito em julgado, lance-se o nome dos condenados no rol dos culpados. Belém/PA, 19 de setembro de 2012. RUBENS ROLLO D’OLIVEIRA Juiz Federal Titular da 3ª Vara – SJ/PA 23