INTRODUÇÃO Boris Fausto ressaltou a distância entre os princípios e sua efectividade: “a Constituição [de 1824] representava um avanço, ao organizar os poderes, definir atribuições e garantir direitos individuais. O problema é que a sua aplicação seria muito relativa. Aos direitos sobrepunha-se a realidade de um país onde mesmo a população livre dependia dos grandes proprietários rurais”18. O raciocínio que conduz esta observação pode e deve ser ampliado para outros períodos e países. Nas palavras de Norberto Bobbio, o estudo “da eficácia leva-nos ao terreno da aplicação das normas jurídicas, que é o terreno dos comportamentos efectivos dos homens que vivem em sociedade, dos seus interesses contrastantes, das acções e reacções frente à autoridade, dando lugar às investigações em torno da vida do direito, na sua origem, no seu desenvolvimento, na sua modificação, investigações essas que normalmente são conexas a indagações de carácter histórico e sociológico”19. A observação é relevante por deslocar o problema da eficácia da sua dimensão formal para a substantiva, de aplicação e realização do direito. Nessa perspectiva, a decorrência histórica da edição da lei depende não apenas do critério utilizado pelos juristas (hermenêutico), mas sobretudo dos parâmetros de avaliação das suas consequências. Não se trata apenas de analisar a existência de condições técnicas para que uma norma possa produzir efeito concreto, tais como a edição de lei regulamentar, quando exigida. É também necessário avaliar as condições de facto de implementação do preceito normativo. A instituição da Lei dos Dois Terços, que em 1930 definiu a proporção obrigatória de trabalhadores nacionais a serem admitidos pelas empresas empregadoras, foi imediatamente relegada ao desuso em certas áreas do país, como no Estado de São Paulo e no Distrito Federal (Rio de Janeiro), onde o papel da força de trabalho estrangeira era maior. A concepção de norma que se adopta neste estudo, por sua vez, parte do consenso etimológico da palavra: norma é o princípio que se estabelece como base para realizar ou avaliar uma acção ou conduta. Norma jurídica, tão-somente, é o preceito de direito transformado em lei. Importa ocupar-se não apenas do significado normativo do preceito, mas averiguar o seu significado prático. Isso é particularmente notório em relação aos fundamentos que instruíram a elaboração das normas imigratórias brasileiras. E aqui se distingue o texto normativo literal da norma jurídica. Ao historiador social interessa ir além do conteúdo resultante da interpretação do enunciado, e voltar-se para as consequências materiais que a norma engendrou, ou que deixou de fazê-lo. 18 FAUSTO, Boris. História do Brasil. 11.ª ed. São Paulo: Edusp, 2003, p. 149. 19 BOBBIO, Norberto. Teoria da norma jurídica. Tradução de Fernando Pavan Baptista. 3.ª ed. rev. São Paulo: Edipro, 2005, pp. 51-2. 32