Revista da Unifebe (Online) 2012; 11 (dez):166-179 ISSN 2177-742X Artigo Original DIREITOS FUNDAMENTAIS: ASPECTOS GERAIS E HISTÓRICOS1 FUNDAMENTAL RIGHTS: GENERAL AND HISTORICAL FEATURES Romualdo Paulo Marchinhacki2 RESUMO O presente artigo objetiva a análise dos direitos fundamentais sob uma perspectiva histórica desde o seu surgimento com o jusnaturalismo o positivismo e o pós-positivismo, até os dias atuais, quando se busca verificar, além dos fundamentos históricos, um fundamento material dos direitos fundamentais. Partindo de uma perspectiva histórica, o texto propõe-se a fazer uma análise teórica dos direitos fundamentais e sua evolução nas chamadas gerações e também nas dimensões e funções que cada uma das gerações exerce na sociedade. Tem-se como ponto central do estudo a busca do fundamento que respalda os direitos fundamentais, garantindo o seu cumprimento e observância de maneira universal. PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais. Evolução Histórica. Jusnaturalismo e Positivismo. Dimensões Subjetivas e Objetivas. ABSTRACT This article aims to analyze the fundamental rights from a historical perspective since its inception, with jusnaturalism positivism and post-positivism to the present day, where one seeks to verify beyond historical background, a material foundation of fundamental rights. From a historical perspective, the text aims to make a theoretical analysis of fundamental rights and calls its evolution in generations and also the dimensions and functions that each generation play in society. It has been the central point of the study to search the foundation that supports fundamental rights, ensuring compliance and adherence to universal way. KEYWORDS: Fundamental Rights. Historical Evolution. Natural law and positivism. Subjective and objective dimensions. INTRODUÇÃO A história dos direitos fundamentais está ligada à evolução filosófica dos chamados direitos humanos como direitos de liberdade, evoluindo das concepções naturalistas para a concepção positivista até a formação do chamado novo constitucionalismo ou póspositivismo. A evolução da sociedade acarretou a modificação das tutelas requeridas e abriu espaço para o surgimento de novos direitos. Passamos dos direitos fundamentais clássicos, que exigiam uma mera omissão do Estado, para os direitos fundamentais de liberdade e poder que exigem uma atitude positiva por parte do Estado. Em razão deste caráter histórico, os direitos fundamentais não permitem a absolutização na sua definição. Diante da dificuldade de harmonizar as muitas concepções sobre os 1 Artigo científico apresentado para fins de avaliação nas disciplinas “Polít ica da Produção do Direito” e “Teoria dos Direitos Fundamentais”, min istradas pelo Professor Doutor Paulo de Tarso Brandão, no Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI, no primeiro semestre de 2012. 2 Mestrando em Ciência Juríd ica pela UNIVA LI, pos graduado em Direito Constitucional e Direito Administrativo, professor universitário, procurador do Município de Blumenau -SC. fundamentos dos direitos fundamentais e do receio de que um conceito possa resultar em cerceamento da efetividade, deve-se priorizar os meios de proteção dos direitos fundamentais. Tal missão é normalmente agravada, também, pela comum tentativa de se vincular a existência de direitos fundamentais a um valor pré-existente, em resgate de um jusnaturalismo divino - o que efetivamente não deve ser feito - diante da superação desta concepção. A partir da utilização do método indutivo em todas as fases do presente estudo e através da técnica do referente e da pesquisa bibliográfica, procurar-se-á demonstrar de forma abrangente e fundamentada o surgimento dos direitos fundamentais e sua evolução até os dias atuais. 1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS JUSNATURALISMO E POSITIVISMO DIREITOS FUNDAMENTAIS: O surgimento dos direitos fundamentais pode ser analisado sob mais de um aspecto. Numa concepção jusnaturalista que pugna pela existência de um direito natural alheio à vontade estatal, tido como absoluto, perfeito e imutável, alguns autores como Ingo Sarlet 3 apontam a doutrina do cristianismo, inspirada na escolástica e na filosofia de Santo Tomas de Aquino, na qual, sendo o homem criado a imagem e semelhança de Deus, possui alto valor intrínseco e uma liberdade inerente a sua natureza e, por isso, dispõe de direitos que devem ser respeitados por todos e pela sociedade política. O cristianismo, ao pregar que todos os homens são irmãos, pois filhos do mesmo Deus Pai, embora houvesse diferenças individuais e de grupos sociais, serviu como fundamento para construção dos direitos de igualdade. Com o surgimento das teorias contratualistas do Estado, o jusnaturalismo destaca-se na teoria de John Locke que, partindo do pressuposto de que os homens se reúnem em sociedade para preservar a própria vida, a liberdade e a propriedade, torna esses bens (vida, liberdade e propriedade) conteúdos de direito oponíveis ao próprio Estado. Conforme Locke4 : A única maneira pela qual u ma pessoa qualquer pode abdicar de sua liberdade natural e revestir-se dos elos da sociedade civil é concordando com outros homens em junta r-se e unir-se em u ma co munidade, para gozo seguro de suas propriedades e com maior segurança contra aqueles que dela não fazem parte. Essa teoria inspirará a Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) 5 . O art. 1° da Declaração de Direitos de Virginia estabelece que todos os homens são por natureza livres e têm direitos inatos dos quais não se despojam ao passarem a viver em sociedade. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão estabelece em seu art. 2° que o fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. O art. 4° da mesma Declaração afirma que o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limite senão as 3 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre, Po rto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1998, p. 38. 4 LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Tradução de Julio Fischer. São Paulo: Mart ins Fontes, 1998, p. 468. 5 Disponível no sitio oficial da embaixada da França no Brasil mantido na Internet em http://www.ambafrancebr.org/A-Declaracao-dos-Direitos-do-Homem. Acesso em 03.08.2012. 167 restrições necessárias para asegurar aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Apessar de serem esses documentos os marcos históricos dos direitos dos indivíduos, a doutrina 6 lembra que outras declaracões de direitos foram reconhecidas, por exemplo, na Inglaterra, a Magna Carta de 1215 dada pelo Rei João Sem- Terra, aos bispos e barões ingleses, assegurando alguns privilégios feudais aos nobres. Também a Petition of Rights, de 1628, o Habeas Corpus Act, de 1679 e o Bill of Rights de 1689, asseguravam direitos aos cidadãos ingleses como a proibição de prisão arbitrária, o habeas corpus e o direito de petição. Tais direitos eram fundamentalizados, embora não fossem constitucionalizados. Embora a Magna Carta de 1215 não seja uma declaração de direitos, pois concedia privilégios apenas para os senhores feudais, foi ela o primeiro vestígio de limitação do poder soberano do monarca. Possuía cláusulas prevendo as liberdades eclesiásticas e também previa limitações ao poder de tributar, dentre outros direitos fundamentais consagrados até os dias atuais. Todavia, por não se tratarem aqueles direitos de normas jurídicas obrigatórias, é que se afirma que os direitos tidos como naturais foram reconhecidos e positivados, pela primeira vez, na Declaração de Direitos acolhida pela Constituição Americana. Com o jusnaturalismo racionalista que inverte a relação entre o Estado e o indivíduo, reconhecendo que o indivíduo tem primeiro direitos e depois deveres perante o Estado e, es se tem, em relação ao indivíduo, primeiro deveres e depois direitos, os direitos fundamentais ganham destaque. Para Bobbio 7 , essa concepção individualista “significa que primeiro vem o indivíduo [...], que tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado.” Em razão desse caráter histórico, os direitos fundamentais não permitem a absolutização na sua definição. Assim, dentro ainda de uma perspectiva histórica, observa-se a evolução dos direitos fundamentais nas chamadas gerações ou dimensões. Como afirma Bobbio 8 , “[...] os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – [...] – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo, ou permite novos remédios para as suas indigências.” A doutrina classifica os direitos fundamentais em direitos de primeira, segunda e terceira gerações conforme o momento histórico cronológico em que passaram a ser reconhecidos e positivados. A primeira geração de direitos fundamentais dominou o século XIX tendo seu fundamento nas Declarações, sendo a primeira a do Estado da Virginia datada de 1776. Entretanto, a que influenciou os direitos fundamentais de primeira geração foi a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão editada pela Revolução Francesa de 1789. Formaram a primeira geração de direitos fundamentais os direitos de liberdade, que são os direitos civis e políticos. Esses direitos, segundo Bonavides, 9 “Tendo como titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado e traduzidos como faculdades ou atributos da pessoa 6 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 44. 7 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campos, 1992, p. 60 8 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 6 9 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional positivo. 13. ed. São Paulo:Malheiros, 2003. p 563. 168 humana”. Portanto, a carcacterística marcante dos direitos de primeira geração é a subjetividade. Os direitos de primeira geração exigem uma prestação negativa do Estado, valorizando a liberdade do indivíduo. A liberdade de consciência, de culto e de reunião, e a inviolabilidade do domicílio são exemplos de direitos fundamentais de primeira geração que tem como titular o homem individualmente considerado. A consagração dos direitos fundamentais de primeira geração foi resultado do movimento constitucionalista que pretendia a jurisdicização do absolutismo, tanto no seu sentido político, quanto econômico. O movimento queria que se assegurasse a separação dos poderes e que se proclamassem direitos individuais num documento constitucional como garantías da liberdade. Esse período é asssociado à ascensão econômica da burguesía que reclamava influência política para se consolidar. No mesmo período, ganha força a teoría da personalidade jurídica do Estado. A afirmação de que o Estado é sujeito de direitos e obrigações é essencial para que os direitos fundamentais possam-lhe ser opostos. Nesse contexto, é compreensível que os direitos fundamentais sejam os direitos de liberdade, direito de não intervenção do Estado, principalmente, na propriedade privada. Os direitos fundamentais de segunda geração buscam assegurar os direitos sociais, econômicos e culturais, tendo seu fundamento no princípio da igualdade, e obrigam a prestações positivas por parte do Estado na realização da justiça social. Por exigirem do Estado prestações positivas, muitas delas impossíveis de serem cumpridas, os direitos de segunda geração permaneceram por um longo período na esfera programática, sendo reconhecidos apenas como diretrizes ou programas a serem atingidos. Entretanto, conforme salienta Bonavides, 10 esses direitos fundamentais “[...] atravessaram a seguir uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata”. Disso decorre que esses direitos não podem mais ser descumpridos ou ter sua eficácia negada com o simples argumento de tratar-se de norma programática. É importante observar que nos direitos fundamentais de segunda geração não são englobados apenas direitos a prestação, mas também, algumas liberdades sociais – como a liberdade de sindicalização e o direito de greve -, bem assim, direitos fundamentais dos trabalhadores – como o direito a salário mínimo, ao repouso semanal remunerado, etc.11 Embora, na maior parte dos casos, esses direitos tenham por titulares os individuos, são chamados de direitos sociais por atenderem às reivindicações de justiça social. No fim do século XX, surgem os direitos fundamentais de terceira geração fundamentados no princípio da solidariedade ou fraternidade e que se caracteriza m pela titularidade difusa ou coletiva, ou seja, o titular desses direitos não é o homem isoladamente, mas a coletividade, os grupos sociais. São exemplos de direitos fundamentais de terceira geração : a qualidade do meio ambiente, o direito à paz, a proteção ao patrimônio histórico e cultural. Bobbio 12 afirma que é a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 que dá início à terceira e mais importante fase dos direitos fundamentais, pois, além de sua universalidade, ela 10 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional positivo. p. 564-565. 11 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 50. 12 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 30 169 Põe em mov imento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. Para Sarlet 13 , os direitos fundamentais de terceira geração “trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem- indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos.” A atribuição da denominação de direitos de solidariedade ou fraternidade aos direitos da terceira geração, no entender de Sarlet, é conseqüência da sua implicação universal “por exigirem esforços e responsabilidades em escala até mesmo mundial para sua efetivação.”14 Entretanto, há quem veja a efetivação desses direitos com certo ceticismo. Norberto Bobbio, 15 em tom irônico, afirma que - “A única coisa que até agora se pode dizer é que são expressões de aspirações ideais, às quais o nome de ‘direitos’ serve unicamente para atribuir um título de nobreza”. O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a questão do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, conseguiu resumir de forma clara e precisa as características principais de cada uma das gerações dos direitos fundamentais ao consignar: Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais - realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam co m as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princíp io da solidariedade e constituem u m mo mento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade.16 Com os direitos fundamentais de terceira geração completa-se o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade, no qual a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, e a terceira, está relacionada à fraternidade que corresponde aos direitos de solidariedade. Hoje, já se fala nos direitos fundamentais de quarta geração. Segundo afirma Bonavides17 , a “globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social”. Segundo ele, os direitos da quarta geração consistem no direito à democracia, direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a materialização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo quedar-se no plano de todas as afinidades e relações de coexistência. Inserida entre os direitos fundamentais de quarta geração, a democracia positivada há de ser, necessariamente, uma democracia direta, que se torna a cada dia mais possível graças aos avanços tecnológicos dos meios de comunicação social e sustentada legitimamente pela informação correta e aberturas pluralistas do sistema. 13 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 50. 14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. p. 51. 15 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 9 16 STF – MS 22.164-0/SP, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 17/11/95, p. 39206 17 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional positivo. p. 571. 170 É importante destacar ainda que as três gerações de direitos fundamentais não se excluem, mas se complementam. Os direitos de liberdade complementam os direitos sociais e econômicos que, por sua vez, complementam os direitos da solidariedade. Pode ocorrer também que alguns dos hoje chamados novos direitos sejam apenas os antigos adaptados às novas exigencias do momento. Por isso, todas as gerações de direitos fundamentais devem ser situadas num contexto de unidade e indivissibilidade, onde, num processo de interação, se terá a compreensão do todo. Observa-se assim que, com a necessidade de aprimorar os ideais jusnaturalistas transformando leis naturais em leis positivas, o jusnaturalismo foi perdendo espaço para o positivismo no que concerne aos direitos fundamentais. Mas o próprio positivismo acabou sendo superado pelo pós-positivismo, lugar de onde hoje a teoria dos direitos fundamentais é analisada. Sobre esta superação da visão jusnaturalista, afirma Luis Roberto Barroso,18 que: A superação histórica do jusnaturalis mo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação. O pós -positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário d ifuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princíp ios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos fundamentais. Neste novo cenário, tornou-se possível a interação do Direito com os valores, o que não acontecia no positivismo que previa a separação da ciência jurídica com a axiologia. Sobre esse aspecto, explica Luis Roberto Barroso,19 que: Para poderem beneficiar-se do amplo instrumental do Direito, migrando da filosofia para o mundo jurídico, esses valores compartilhados por toda a comunidade, em dado mo mento e lugar, materializam-se em p rincípios, que passam a estar abrigados na Constituição, explícita ou imp licitamente. A lguns nela já se inscreviam de longa data, como a liberdade e a igualdade, sem embargo da evolução de seus significados. Outros, conquanto clássicos, sofreram releituras e revelaram novas sutilezas, co mo a separação dos Poderes e o Estado democrático de direito. Houve, ainda, princípios que se incorporaram mais recentemente ou, ao menos, passaram a ter u ma nova dimensão, co mo o da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade, da solidariedade e da reserva de justiça. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais são vistos não como valores universais e atemporais, originários de uma razão natural, mas sim, como frutos de uma construção de origem histórico-cultural, baseando-se nos valores expressos através dos princípios. Verifica-se, portanto, a existência de diversas correntes de pensamento que buscam um fundamento para os direitos fundamentais com a finalidade de reforçá- los e garantir o seu cumprimento de maneira universal. Segundo os jusnaturalistas, os direitos do homem advem do direito natural, sendo, por isso, anteriores e superiores à vontade do Estado. Para os positivistas, os direitos do homem são faculdades outorgadas pela lei e reguladas por ela. Já para os pós-positivistas a teoria dos direitos fundamentais inclui a definição das relações entre valores, princípios e regras. 18 BA RROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208>. Acesso em: 30 jul. 2012. p. 2. 19 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constit ucional brasileiro. p. 2. 171 Para Bobbio, é ilusório buscar um fundamento absoluto para os direitos fundamentais, até mesmo em razão da variedade de direitos tidos como tais. Diz ele que a tentativa de fixar um fundamento absoluto para os direitos fundamentais seria contraproducente ao próprio desenvolvimento desses direitos. Ressalta Bobbio que quando a teoria jusnaturalista tomou por absoluto o direito de propriedade, ela própria se tornou um entrave, por longo tempo, ao progresso social, concluindo que “o fundamento absoluto não é apenas uma ilusão; em alguns casos, é também um pretexto para defender posições conservadoras”.20 A dificuldade de harmonizar as muitas concepções sobre os fundamentos dos direitos fundamentais leva alguns a questionar a utilidade prática do estudo desses fundamentos, dizendo que mais importante do que encontrar fundamentos abso lutos é encontar fórmulas para proteger os direitos fundamentais. 2 O CONTEÚDO MATERIAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Assim como é difícil encontrar um fundamento para os direitos humanos, também os direitos fundamentais não possuem uma fundamentamentalidade material que permita o estabelecimento de um conceito amplo que alcance todos eles. Tal fato ocorre porque os direitos fundamentais não possuem uma classe homogênea, acumulam-se conforme as exigências de cada momento histórico. Entretanto, a descoberta de características básicas dos direitos fundamentais é necessária para que se identifiquem, na ordem jurídica, direitos fundamentais implícitos ou fora do texto expresso da Constituição. A doutrina majoritária defende que o ponto característico dos direitos fundamentais é o princípio da dignidade da pessoa humana. De acordo com o referido pensamento, os direitos fundamentais possuem lastro no princípio da dignidade da pessoa humana. Entretanto, essa tentativa de entrelaçar o princípio da dignidade humana aos direitos fundamentais não encontra uniformidade, recebendo críticas como a de Gomes Canotilho21 para quem essa concepção “expulsa do catálogo material dos direitos todos aqueles que não tenham um radical subjetivo, isto é, não pressuponham a idéia-princípio da dignidade da pessoa humana”. O resultado seria então uma teoria de direitos fundamentais não constitucionalmente adequada. Gomes Canotilho defende a existência de um sentido formal dos direitos fundamentais positivados, dos quais derivam outros direitos fundamentais em sentido material, não constituindo, portanto, os direitos fundamentais, um sistema fechado. Os direitos fundamentais “formalmente constitucionais” são os enunciados por normas com valor constitucional formal e os “materialmente fundamentais” são os constantes nas leis aplicáveis de direito internacional não-positivados constitucionalmente. Robert Alexy vai buscar no positivismo o conceito do que sejam normas de direito fundamental, encontrando uma resposta compatível com a coerência interna da Constituição alemã. Citando dispositivos constitucionais, conclui o autor que: “normas de direitos fundamentais são as normas diretamente expressas por essas disposições 22 . Assim, a definição do que seja direito fundamental é ação que diz respeito muito mais a uma atuação política do que a atuação interpretativa de um determinado conteúdo. 20 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. p. 17-22 21 GOM ES CA NOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e Teori a da Constituição. Co imbra: Almedina, 1998. p. 373. 22 ALEXY, Robert. Teori a dos direitos fundamentais . Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Pau lo: Malheiros Editores, 2008. p. 68. 172 Entretanto, Alexy não defende um sistema fechado de direitos fundamentais. Ao contrário, defende a existência de normas não diretamente enunciadas pela Constituição com conteúdo fundamental que denomina como “normas de direito fundamental atribuídas”. Para Alexy, existem dois grupos de normas de direitos fundamentais: as estabelecidas diretamente pelo texto constitucional e as normas de direito fundamental atribuídas23 . Observa-se, portanto, que Gomes Canotilho inspirou-se no pensamento de Alexy, que dividiu os direitos fundamentais em dois grandes grupos separados de acordo com os meios pelos quais estas normas surgem ou se afirmam. O primeiro grupo corresponde aos direitos “formalmente fundamentais” estabelecidos a partir de opção legislativa, e o segundo, aos direitos “materialmente fundamentais”, possuidores de conteúdo relacionado a um valor fundamental. Para Alexy, as tais normas atribuídas serão validadas a partir de uma referência a direitos fundamentais positivados nestas normas atribuídas. Assim, o surgimento da norma atribuída decorre da evolução interpretativa de uma norma efetivamente estabelecida 24 . Embora essa teoria possua o efeito positivo de se constituir em meio de criação de novos direitos fundamentais, ela traduz uma relativa insegurança, primeiro porque não define com exatidão quais são os direitos fundamentais e, em segundo, dificulta a tarefa de interpretar e legislar na medida em que se tem a obrigação de não contrariar algo que não é exato. Ingo Sarlet 25 também defende a existência de direitos fundamentais fora do texto constitucional, mas pertencentes a um sentido material de fundamentalidade, afirmando que “os direitos fundamentais, ao menos de forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade da pessoa humana”. Nessa mesma linha de entendimento, José Afonso da Silva 26 identifica nos direitos fundamentais uma nota de essencialidade. Para este autor, “no q ualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive ”. E é essa essencialidade que determina, ao lado do seu reconhecimento formal, a efetivação dos direitos fundamentais de forma material e concreta. Desse modo, direitos fundamentais, em sentido material, são as pretensões que em cada momento histórico se revelam a partir do valor da dignidade da pessoa humana. Cabe ao intérprete analisar as circunstâncias históricas e culturais do momento para decidir quais pretensões podem ser consideradas como exigências desse valor. 3 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Em cada um dos Estados democráticos, o tratamento que é dispensado aos direitos fundamentais varia, sofrendo influências de fatores peculiares da história e da cultura de cada povo. Entretanto, algumas características sempre são relacionadas aos direitos fundamentais como: historicidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, imprescritibilidade, limitabilidade ou relatividade e universalidade. O caráter da historicidade dos direitos fundamentais está relacionado ao fato de que eles não surgem de uma única vez, podendo ser proclamados em determinada época, modificar-se 23 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 73. 24 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 74. 25 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais . p. 91. 26 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 178. 173 ou desaparecer em outra, evoluindo conforme o momento histórico e cultural e as lutas por novas liberdades. A inalienabilidade está relacionada à dignidade da pessoa humana, pois assim como o homem não pode ser livre para ter ou não dignidade, também não poderá trans igir com os direitos fundamentais. Disso decorre que a preterição de um direito fundamental não será justificada pelo simples fato de o titular do direito nela consentir. Entretanto, há quem defenda que, nem todos os direitos fundamentais são indisponíveis. A característica da irrenunciabilidade dos direitos fundamentais significa que, em regra, eles não podem ser renunciados pelo seu titular, em razão de possuirem uma eficácia objetiva de modo a não importarem apenas ao sujeito ativo, mas interessarem a toda coletividade. Entretanto, em nome da autonomia contratual, admite-se a renúncia excepcional, de certos direitos, como é o caso da intimidade e da privacidade. Nesse aspecto, lembra Gomes Canotilho 27 que, embora se admitam limitações voluntárias de direitos específicos em certas condições, não é possivel a renúncia a todos os direitos fundamentais. Além de estar sujeita a revogação a qualquer tempo, a renúncia deve guardar razoável relação com a finalidade pretendida com a mesma. Os direitos fundamentais são imprescritíveis na medida em que são sempre exercíveis e o seu não exercício não acarreta a perda da exigibilidade pelo decurso do tempo, mesmo porque, estão sempre em processo de agregação e não permitem a regressão ou eliminação dos direitos já devidamente conquistados. Outra característica dos direitos fundamentais é a relatividade ou limitabilidade, o que significa que nenhum direito fundamental poderá ser considerado absoluto, podendo ser interpretado e aplicado de acordo com os limites fáticos e jurídicos de determinado momento e frente a outros valores, inclusive outros direitos fundamentais. Por exemplo: o direito a vida sofre limitação em caso de guerra. Todavia, as limitações aos direitos fundamentais possuem também caráter excepcional e, segundo Konrad Hesse 28 , a limitação deve “ser adequada para produzir a proteção do bem jurídico, por cujo motivo ela é efetuada. (…) ser necessária para isso e (…) ser proporcional no sentido restrito”. Segundo Hesse, portanto, a limitabilidade segue o trinômio adequação, necessidade e proporcionalidade, devendo guardar relação adequada com o peso e o significado do direito fundamental. Por fim, a universalidade significa que a titularidade dos direitos fundamentais é de todos os seres humanos. A qualidade de ser humano é condição suficiente para assegurar o exercício desses direitos. Essa concepção deve ser entendida no sentido de que cada indivíduo será titular daqueles direitos que lhe dizem respeito, pois há direitos fundamentais que interessam apenas a alguns indivíduos. 4 DIMENSÕES SUBJETIVA E OBJETIVA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Os direitos fundamentais surgiram com o objetivo inicial de assegurar as liberdades individuais das pessoas, exigindo uma ação negativa do Estado, surgindo, portanto, como um direito subjetivo. Apesar das origens históricas e as finalidades dos direitos fundamentais 27 GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e Teoria da Constituição . p. 422-423 28 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Tradução de Luis Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1998. p. 256 174 estarem diretamente relacionadas a uma dimensão subjetiva, questiona-se se esses direitos possuem também uma dimensão objetiva. Sabe-se que o direito objetivo é o conjunto de normas de conduta que devem ser observadas por todos, caracteriza-se como o poder de fazer algo. Já o direito subjetivo possibilita que o indivíduo invoque a norma ao seu favor, envolvendo por isso, pelo menos duas pessoas, onde uma poderá exigir o seu direito e a outra terá a obrigação de fazer cumprir o direito. Em razão das origens históricas dos direitos fundamentais, que exigia a não intervenção do Estado nas liberdades individuais, predominou durante muito tempo o entendimento de que o direito fundamental era apenas um direito subjetivo. Entretanto, com o surgimento das novas gerações de direitos fundamentais, especialmente os direitos sociais e coletivos, percebeu-se que os direitos fundamentais possuem também uma dimensão objetiva. Lembra Hesse 29 que o significado objetivo dos direitos fundamentais é reconhecido “para garantias, que não contém, em primeiro lugar, direitos individuais, ou, que em absoluto, garantem direitos individuais, não obstante estão, porém, incorporados nos catálogo de direitos fundamentais”. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais está relacionada ao Estado Democrático de Direito cujas as constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. No Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais servem de norte para a ação dos poderes constituídos impondo limites e servindo de diretrizes para os poderes constituídos. Isso impede, por exemplo, o legislador de restringir os direitos fundamentais e exige, por outro lado, a edição de normas que garantam a efetivação desses mesmos direitos. Sobre as dimensões dos direitos fundamentais pondera Steinmtz30 : A vinculação aos direitos fundamentais tem dupla dimensão: primeiramente, é uma vinculação negativa, porque o legislador não poderá intervir nos direitos fundamentais, restringindo-os, ou autorizar que um outro poder público intervenha (Executivo e Judiciário), sem fundamento constitucional; e, depois, é uma vinculação positiva, porque cabe ao legislador criar as estruturas normativas configuradoras, reguladoras, procedimentais, organizatórias para a p lena eficácia dos direitos fundamentais. A vinculação negativa fundamenta-se na dimensão subjetiva dos direitos fundamentais, enquanto uma esfera individual livre de ingerência estatal, exceto em h ipótese justificada constitucionalmente. A vinculação positiva funda-se na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, obrigando o legislador a to mar p rovidências que garantam a v igência e a eficácia ótima desses direitos. Essa dimensão objetiva impõe ao Estado o dever de proteção dos direitos fundamentais, sobretudo aos direitos à vida, à liberdade e à integridade física e autoriza inclusive restrições aos direitos subjetivos individuais dos indivíduos em favor deles próprios. Outro aspecto importante da dimensão objetiva dos direitos fundamentais está em ensejar um dever de proteção pelo Estado dos direitos fundamentais contra agressões dos próprios poderes públicos, de particulares ou de outros Estados31 . 29 HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. p. 228-229. 30 STEINM ETZ, Wilson Antonio. Colisão de direitos fundamentais e princí pio da proporcionali dade. Po rto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 38 31 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais . p. 146 175 Esse dever de proteção se mostra associado, sobretudo, mas não exclusivamente, aos direitos à vida, à liberdade e à integridade física. O Estado deve adotar medidas – até mesmo de ordem penal – que protejam efetivamente os direitos fundamentais. Dentre essas providências, pode ser incluída a elaboração de regulamentações restritivas de liberdades, cabendo, neste caso, ao legislador, dentro do poder discricionário, optar pela norma que entenda ser a mais oportuna para a proteção dos direitos fundamentais. A doutrina cita como exemplos desse efeito limitador: o uso obrigatório do cinto de segurança e a proibição geral do uso de drogas. Desse modo, a dimensão objetiva, que cria um direito à prestação associado ao direito de defesa, permite aos órgãos políticos adotar as medidas que julgarem mais convenientes para proteger os bens jurídicos abrigados pelas normas definidoras de direitos fundamentais, levando em consideração os meios disponíveis, os interesses envolvidos e as prioridades políticas. Lembra Ingo Sarlet 32 que a doutrina menciona a necessidade de o Estado agir em defesa dos direitos fundamentais com um mínimo de eficácia, contudo, não sendo “exigível uma exclusão absoluta da ameaça que se objetiva previnir”. Se é possível enxergar um dever de agir do Estado, não há como lhe impor o como agir. Segundo Sarlet “Uma pretensão individual somente poderá ser acolhida nas hipótesis em que o espaço de discricionaridade estiver reduzido a zero”. Esse enfoque da dimensão objetiva favorece e fortalece a atuação do Poder Judiciário que, ao se deparar com interesses contrastantes envolvendo os direitos fundamentais, dará a última palavra sobre qual interesse deverá prevalecer, devendo, para isso, efetuar a ponderação de bens e valores envolvidos, para a tomada de decisão. 5 FUNÇÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Numa concepção dos direitos fundamentais como direitos subjetivos que visam garantir a dignidade da pessoa humana, desempenham eles variadas funções na sociedade, entre as quais, merecem destaque, a função de defesa ou de liberdade e a função de prestação. É importante observar que as funções múltiplas desempenhadas pelos direitos fundamentais não permite uma classificação unívoca, mas a partir da teoria dos quatro status de Jellinek que foi recebendo depurações ao longo do tempo, as espécies de direitos fundamentais mais freqüentemente assinaladas são: direitos de defesa (ou direitos de liberdade) e direitos a prestação (ou direitos cívicos). Os direitos de defesa ou de liberdade impõe ao Estado um dever de abstenção. Essa abstenção, segundo José Carlos Vieira de Andrade 33 , significa dever de não- interferência ou de não- intromissão, respeitando-se o espaço reservado à autodeterminação do indivíduo; nessa direção, impõe-se ao Estado a abstenção de prejudicar, ou seja, o dever de respeitar os atributos que compõem a dignidade da pessoa humana. Sobre a função de defesa dos direitos fundamentais, Gomes Canotilho 34 afirma que eles possuem dupla perspectiva, a primeira no plano Jurídico-objetivo como normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo as ingerências na esfera individual, 32 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais . p. 193. 33 ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1998, p. 192. 34 GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e Teoria da Constituição . p. 383. 176 e a segunda, no plano jurídico-subjetivo como poder de exercer positivamente os direitos fundamentais, bem como, exigir omissões dos poderes públicos para que estes não lhe causem lesões, ou seja, liberdade positiva e negativa. Na função de defesa, o Estado, além de está proibido de criar obstáculos, tem o dever de proteger o exercício dos direitos fundamentais perante terceiros. Assim, cabe ao Estado procurar impedir que qualquer indivíduo tenha seu asilo violado, que ocorra violação de correspondências, etc. Neste caso, anota Gomes Canotilho 35 que: “[...] diferentemente do que acontece com a função de prestação, o esquema relacional não se estabelece aqui entre o titular do direito fundamental e o Estado (…), mas entre o indivíduo e outros indivíduos.” Aqui, trata-se de um típico dever do Estado de impedir que terceiros impossibilitem qualquer cidadão de usufruir seus direitos fundamentais. Encontramos também, na doutrina de Alexy, alguns desdobramentos relevantes dessas funções dos direitos fundamentais. Para Alexy, 36 um sistema de posições jurídicas fundamentais traz uma tríplice divisão das posições que devem ser designadas como “Direitos”: direito a algo, liberdades e competências. Para a divisão dos direitos a algo, o autor utiliza como critérios a distinção entre ações negativas e ações positivas, na qual, as ações negativas, ou direitos de defesa, são divididos em três grupos. O primeiro grupo é o dos direitos a que o Estado não impeça ou não dificulte determinadas ações do titular do direito como: locomoção, expressão de opinião, culto, reunião; o segundo, que o Estado não afete determinadas características ou situações do titular do direito como: viver e ser saudável, a inviolabilidade do domicílio; no terceiro grupo, estão os direitos a que o Estado não elimine determinadas posições jurídicas do titular do direito, que “o Estado não derrogue determinadas normas”, a proibição de extinção do direito de propriedade de quem adquiriu um bem segundo as normas então vigentes37 . Já os direitos às ações positivas, os direitos que o cidadão tem contra o Estado, Alexy38 divide em dois grupos: os direitos a prestações fáticas e o direito a prestações normativas. Os direitos a prestações fáticas são aqueles que dependem de uma ação positiva do Estado como: o direito a um mínimo existencial, à pretensão individual de criação de vaga em escola, à subvenção estatal, etc. O seu objeto consiste numa utilidade concreta que pode ser um bem ou serviço. Os direitos a prestações normativas tem por objeto a normação pelo Estado do bem jurídico protegido como direito fundamental como a emissão de normas jurídicas penais, normas de organização e de procedimentos. É sabido que há direitos fundamentais que dependem de normas para poderem ser exercitados, que se condicionam à normas outras que definam o seu significado e modo do seu exercício. Há direitos fundamentais que dependem de criação de estruturas organizacionais através de lei, ou ainda, para permitir a participação na organização e nos procedimentos estabelecidos. 35 GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito constitucional e Teoria da Constituição. p.385. 36 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 193. 37 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 196-201. 38 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. p. 202. 177 Conforme Alexy39 (p. 475), o direito à organização e ao procedimento envolve não só a exigência de edição de normas que deem vida aos direitos fundamentais, como também, à previsão de que elas sejam interpretadas de acordo com os direitos fundamentais que as justificam. Finalizando, é importante ressaltar que para que essas funções dos direitos fundamentais possam produzir efeitos perante os seus destinatários, é necessário que o Estato atue, seja normativamente, ou criando os meios estrututais, procedimentais e econômicos. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A definição do que sejam os direitos fundamentais não é tarefa fácil quando os mesmos são colocados sob uma perspectiva histórica e social. Nessa perspectiva, os direitos fundamentais são vistos não como valores universais e atemporais, originários de uma razão natural, mas sim, como frutos de uma construção de origem histórico-cultural, baseando-se nos valores expressos através dos princípios. Embora existam diversas correntes de pensamento que buscam um fundamento para os direitos fundamentais com a finalidade de garantir o seu cumprimento de maneira universal, esses direitos se modificam em cada momento histórico de acordo com as necessidades e interesses da sociedade e sua interpretação sofre influências culturais e ideológicas de cada povo, por isso, a dificuldade de estabelecimento de um rol universal dos direitos fundamentais. A luta contínua pelo direito e a globalização da sociedade fazem surgir novas demandas e novos direitos. É importante que a identificação de novos direitos seja precedida de uma triagem, uma análise prévia criteriosa, pois a proliferação pode levar a desvalorização e o descrédito dos verdadeiros direitos fundamentais. Pode ocorrer também que alguns dos, hoje, chamados novos direitos sejam apenas os antigos adaptados às novas exigências do momento, sendo importante a leitura num contexto que abranja todas as gerações de direitos fundamentais para se ter a compreensão do todo. Desse modo, pode se concluir afirmando que: mais importante do que a criação de novos direitos fundamentais é a efetivação dos já existentes. Para que isso aconteça, além de instrumentos jurídicos, é necessário um trabalho de conscientização para introduzir os direitos fundamentais na cultura de cada povo. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. ANDRADE, José Carlos Vieira de. 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