Direito
Internacional
Privado
Denise Soares
09/02
Em relação à bibliografia, o de Rechsteiner (o livro trata, também, de
direito processual, mas nós não daremos, apesar de sempre cair no exame de
ordem) ou de Dolinger (o livro mais usado no Brasil, mas apenas tem a parte
de direito material). O de Oscar Tenório é o melhor, mas é de 1976.
O Direito Internacional Público vai se ocupar do Direito que rege a
comunidade internacional, as relações públicas entre os diferentes sujeitos de
direito internacional (organismos internacionais, Estados e, para alguns,
indivíduos).
A divisão entre Direito Internacional Público e Privado é apenas didática,
pois mesmo aquilo que chamamos de Direito Internacional Privado (também
chamado de Direito Intersistemático), para alguns, não deixa de ser algo
eminentemente público.
O Direito Internacional Privado vai se ater às relações privadas, por
exemplo, no caso de litígio decorrido de separação judicial entre um brasileiro
e uma alemã. Ele cuida de interesses e relações privadas, o que não impede
que o Estado esteja no pólo de uma destas, pois pode este agir como pessoa
de direito privado.
Os opositores da divisão entre Direito Internacional Público e Privado
dizem que ele apenas é privado em relação à pessoa envolvida, mas o direito
em si emana do Estado, logo é sempre de natureza pública, mesmo que se
direcione a regular uma relação de natureza privada.
Nós não temos uma lei de direito internacional privado, estando ele
regulado por parte da Lei de Introdução ao Código Civil. Com isto percebemos
que as normas que regulam o Direito Internacional Privado são normas
internas ao Estado, normas estatais, enquanto que as normas de Direito
Internacional Público são exteriores ao Estado, se aplicando sobre eles e não
só a partir deles.
Quanto ao objeto do Direito Internacional Privado, no Brasil adotamos a
doutrina francesa que nos diz que ele tem como objetos: conflito de leis,
conflito de jurisdição, nacionalidade, condição jurídica do estrangeiro e teoria
dos direitos adquiridos. No mundo inteiro, apenas os dois primeiros são
inquestionavelmente objetos deste ramo do Direito, sendo as demais questões
apenas parte da tradição francesa.
A nacionalidade é um vínculo político-jurídico que se tem em relação a
determinado Estado. Político pois o Estado apenas a concede para quem ele
quiser, podendo inclusive não respeitar sua própria lei. Jurídico pois com a
nacionalidade a pessoa está totalmente submetida à jurisdição daquele
Estado.
Existem diversas formas de aquisição da nacionalidade (originais ou
derivadas), pode-se perder ou readquir a nacionalidade e haver conflitos
negativos ou positivos de nacionalidade (daqui há temas como o de pessoas
com multinacionalidade ou apatrídias e da naturalização).
A condição jurídica do estrangeiro trata de questões como o direito de
entrar e permanecer em determinado Estado, aqueles que nascem do
domicílio ou residência dele aqui e a saída dele, principalmente a compulsória
(deportação, expulsão e extradição).
O conflito de leis estuda quando temos relações humanas ligadas a
sistemas jurídicos que dão tratamentos diferentes para a mesma questão.
O conflito de jurisdição trata da competência do Judiciário de cada país na
solução de conflitos que extravasem sua soberania.
A Teoria dos Direitos Adquiridos nos diz que se um indivíduo adquire
determinado direito em determinado Estado ele continuará tendo como direito
adquirido em quaiquer outros Estados, por uma questão de boas relações
internacionais, já que não há tratado neste sentido.
A norma de Direito Internacional Privado também é chamada de norma de
conflito, pois ele vai designar o direito interno que será aplicado no caso
concreto. É uma regra indireta, não traz a solução propriamente dita para o
problema trazido à apreciação do Judiciário. Um exemplo é o art. 7º da LICC,
que determina que estatuto pessoal que será aplicado a determinada pessoa
que possui mais de uma nacionalidade é o do local em que ela estiver
domiciliada.
16/02
DIREITO UNIFORME
O direito uniforme pode ser espontâneo, que é quando coincidem
naturalmente os direitos primários de dois ou mais ordenamentos (mesma
origem, influências idênticas ou adoção de outros sistemas jurídicos), assim
como dirigido (ou uniformizado), que resulta de esforço comum de dois ou
mais Estados
no sentido de
uniformizar certas
instituições
jurídicas,
geralmente por causa de sua natureza internacional.
O Direito Internacional Uniforme Dirigido estabelece regras materiais que
se aplicarão uniformemente às situações jurídicas que venham a ocorrer em
duas ou mais jurisdições.
Esta prática é muito comum no Direito Comercial (incluindo Direito
Industrial, Direito Intelectual, Direito Marítimo, Direito Aeronáutico, dentre
outros), onde os interesses coincidem o que faz com que, devido a intensa
atividade do comércio internacional, se torne necessária a uniformização de
certas insituições jurídicas, uniformização essa fruto do entendimento entre
Estados e que se concentra nas atividades econômicas internacionais.
Quando temos normas de direito uniforme, não há conflito entre normas,
ou seja, não há a necessidade de atuação do Direito Internacional Privado. O
Direito Internacional Privado apenas atua na inexistência de direito uniforme.
A norma do nosso objeto de estudo são ditas de normas de sobredireito, ou
norma de segundo grau, pois não apresentam o tratamento jurídico a ser
aplicado diretamente sobre o mérito da questão, mas sim apontam qual
sistema jurídico será utilizado para tratar o litígio.
Dentro do Direito Internacional Privado, teremos, também, um Direito
Internacional Privado Uniforme, decorrente de acordo internacional que visa
fazer com que diferentes países tenham o mesmo tratmento a determinada
matéria de direito internacional privado.
Assim,
teremos
“regras
jurídicas
idênticas
designativas
do
direito
aplicável, com vigência um mais de um Estado” oriunda de tratado
internacional, que substituem as normas nacionais autônomas de Direito
Internacional Privado.
Estas matérias são geralmente objeto de conferências especializadas, mais
notadamente a Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (que é
permanente), da qual o Brasil apenas ratificou a ‘Convenção relativa à
Proteção de Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional’ e a
‘Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças’.
Temos, também, as CIDIPS (Conferências Especializadas Interamericanas
de Direito Internacional Privado), que já ocorreram diversas vezes.
Em síntese, o direito uniforme são as instituições ou normas de caráter
interno, que recebem uniformemente o mesmo tratamento pelas leis de dois
ou mais sistemas jurídicos. São normas de primeiro grau que coincidem. O
direito internacional uniformizado é resultado de atividades de caráter
internacional, objeto de convenções internacionais que uniformizam as regras
jurídicas disciplinadores da matéria por meio de leis uniformes, evitando
conflitos de regras de primeiro grau. O mais comum é que estas normas
surjam dentro do âmbito da Academia Internacional de Direito Privado de
Haia, UNIDROIT (que trata mais especificamente de normas de direito
comercial e relativas contratos internacionais) e CINTRAL (Comissão das
Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional). O Direito
Internacional Privado determinará a aplicação de uma dentre as leis em
conflito pela escolha de um sistema de opções (regras de conexão), caso não
existam as hipóteses acima. O Direito Internacional Privado Uniforme serve
para evitar conflitos entre as regras de Direito Internacional Privado de dois
ou
mais
sistemas
(conflitos
de
segundo
grau),
criando
convenções
internacionais que estabelecem regras de conexão aceitas pelos países
signatários, uniformizando as regras de Direito Intersistemático.
02/02
FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
As fontes de Direito aqui são as mesmas do Direito Internacional Público
(lei, doutrina, costume, jurisprudência, equidade e princípios gerais de direito,
de direito regional e internacional), apenas lembrando que, diferentemente,
no caso do Direito Internacional Privado, a principal fonte legislativa é a fonte
interna e há jurisprudência nacional e jurisprudência internacional, assim
como princípios específicos do direito internacional privado.
Lei: A primeira lei interna de direito internacional privado foi o Código de
Napoleão, seguido por leis da Áustria e Itália. No Brasil, tivemos, e ainda
temos, a Lei de Introdução ao Código Civil, desde da de 1916 até a atual de
1942, que trata do direito intertemporal e de direito internacional privado.
Doutrina: O papel da doutrina é interpretar e opinar sobre as leis e
decisões judiciais e ao fazê-lo ela pode, por exemplo, colmatar lacunas legais.
No caso específico do direito internacional privado, as Convenções de Haia
não ratificadas são utilizadas como doutrina, e não como lei. No Brasil isto
ocorre pois aqui é muito comum principalmente pois o Estado não ratifica
convenções que até mesmo foram assinadas por ele, seja tal atraso por
questões políticas ou quaisquer outras. Por último, qualquer documento
proveniente de entidades científicas ou políticas (como ONU) é tratado como
doutrina.
Jurisprudência: A Europa é a maior fonte geográfica de jurisprudência
interna sobre direito internacional privado. Já no Brasil, este volume é muito
reduzido, se limitando praticamente à homologação de sentenças estrangeiras
(que é diferente de sentenças internacionais, que são aquelas emanadas de
cortes internacionais) e exequatur em cartas rogatórias (que é o “execute-se”,
lembrando que aqui não se admitem rogatórias para execução de sentenças),
além de questões de direito processual internacional, expulsão e extradição de
estrangeiros e matéria tributária, apesar de, em tese, podermos ter
jurisprudência sobre direito de família, contratos, civis ou comerciais.
Tratados e Convenções: Os mais importantes são o Tratado de Lima de
1877/1878 (que tratava de soluções para conflitos de leis, mas que não chegou
a ser ratificada, apesar de possuir grande valor histórico e doutrinário), os
Tratados de Montevidéo de 1889 (que não foi assinado pelo Brasil, pois o
critério para solução de conflitos era o do domicílio, quando o Brasil adotava o
da nacionalidade, o que foi modificado na década de 60), Código Bustamante
de 1928 (a primeira tentativa de se elaborar um código sobre questões de
direito internacional privado para as Américas, que continua em vigor até hoje
e é assinado pela maioria dos países desta região, porém, exatamente por isso,
fez inúmeras concessões, possuindo inúmeras normas genéricas) e as
Conferências Especializadas Interamericanas sobre Direito Internacional
Privado (já temos cinco destas). Além destas, temos diversas outras,
principalmente
sobre
temas
como
nacionalidade
(apatrídia
e
dupla
nacionalidade) e condição dos estrangeiros (asilo, refugiados, livre circulação
de pessoas e questões processuais, focando em conflitos de leis civis e
comerciais), assim como convenções unificadoras (estabelencendo normas
que estabelecem quais leis serão aplicadas em tais situações e são
equiparáveis à regras internas sobre o mesmo assunto) e que aprovam Lei
Uniforme para atividades de caráter internacional.
Conflitos de Fontes
Entre Lei e Tratado
No
conflito
entre
lei
e
tratado,
temos
duas
teorias:
dualismo
(Triepel/Anzilotti) e monismo (Kelsen).
Para os primeiros, temos dois sistemas jurídicos distintos, círculos que se
tangenciam, logo não há concorrência, nem conflitos. O direito interno rege
relações de direito intra-estatais e o direito internacional, relações jurídicas
interestatais. Assim, o conflito de fontes é sempre aparente.
Para o monismo, não é possível haver dois sistemas independentes um do
outro. As relações de direito interno e internacional convergem, se superpõem
e estão dentro de uma mesma ordem jurídica a respeito de determinadas
matérias. É exatemente nesta área cinzenta que há a possibilidade de conflito.
Para tentar definir qual será a solução no caso caso o monismo se divide
em três escolas: a que defende a primazia do direito interno sobre direito
internacional (o argumento teórico seria a soberania de cada Estado legislar
sobre si próprio e sobre as relações jurídicas que trava), a que defende o
contrário (desta forma a credibilidade perante a comunidade internacional
seria mais sólida, além de melhor garantir a segurança jurídica internacional,
sobretudo lembrando que o processo de produção de normas internacionais é
extremamente árduo) e a que equipara, dependendo a primazia de uma sobre
a outra da ordem cronológica (monismo moderado, incorporação do Tratado à
legislação interna). Kelsen se filia à segunda, o chamado monismo radical.
09/03
Entre Constituição e Tratado
No conflito entre Constituição e Tratado a doutrina é bastante relutante.
No Brasil normalmente segue-se o princípio da supremacia constitucional, ou
seja, prevalece a Constituição, pois, como já sabemos, o tratado é incorporado
como lei ordinária.
De qualquer forma, para o Direito Internacional Público, segundo, Accioly,
a lei constitucional não pode isentar o Estado de responsabilidade por
violação de seus deveres internacionais, pois esta noção de que o tratado é
como se fosse lei ordinária é uma noção brasileira, que não necessariamente é
seguida pelos outros países, que não devem ter que ficar adstritos por estes
paradigmas internos de cada país, caso contrário, a Constituição, que pode
ser mudada mais facilmente que um tratado internacional, poderia se tornar
uma desculpa para a não responsabilização no plano internacional.
O Código Bustamente no art. 4º diz que, os preceitos constitucionais de
cada Estado são leis de ordem pública internacional. Visto que as Convenções
de Direito Internacional Privado respeitam a ordem pública de cada Estado
signatário, a supremacia será sempre a da norma constitucional.
De acordo com a doutrina, a supremacia é da vontade do legislador
nacional. No momento em que há a assinatura e ratificação tratado, este
legislador estaria atribuindo à norma internacional sua primazia, já que, de
alguma forma, ele estaria outorgando autoridade ao legislador internacional,
passando a supremacia para este.
Jurisprudência Brasileira
O debate concentra-se principalmente nas Convenções de Genebra de
1930 e 1931 (sobre letras de câmbio, notas promissórias e cheques), pois o
Brasil já possuía legislação sobre o tema, vindo depois a ratificar e promulgar
as Convenções.
A questão era se estas só se aplicariam a transações internacionais ou se
seriam, também, aplicadas no plano interno, substituindo a lei interna.
O recurso extraordinário 71154 tratou deste problema. Ele partiu de uma
decisção do Tribunal de Justiça do Paraná e tratava da prescrição do cheque.
A lei brasileira dizia que o prazo era de 5 anos (art. 15 da Lei do Cheque de
1912) e a Convenção delimitava um prazo de 6 meses (art. 52 da Lei
Uniforme). A primeira instância entendeu que prevalecia a Convenção, mas o
Tribunal de Justiça do Paraná reformou esta decisão, entendendo que uma
esfera não afeta a outra, ou seja, adotou o dualismo. O STJ em 1971 julgou o
recurso extraordinário citado acima, retornando ao entendimento da primeira
instância, adotando uma posição monista que fez prevalecer a legislação
internacional.
O recurso extradordinário 800004 julgado no STF tratou da validade de
um decreto-lei de 1969 que continha regra contrária à Convenção de Genebra
sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, condicionando a exequibilidade
de uma nota promissória a seu registro no Ministério da Fazenda, enquanto
que a Convenção não fazia tal exigência. O STF entendeu que prevalecia a lei
interna sobre o tratado internacional, contrariando a posição anterior.
Celso Mello entendeu que este acórdão foi um retrocesso, citando como
exemplo julgados antigos da mesma Corte que decidiram que um tratado não
é revogado por lei posterior, como é o caso da Apelação Cível 9587 de 1951.
Em defesa do acórdão, Jacob Dolinger disse que por tratar-se de uma
cambial de circulação interna no país que, por esta razão, não pode acarretar
responsabilidade internacional do Estado brasileiro, logo não teria porque
seguirmos o tratado, pois este se aplicaria apenas a notas promissórias de
circulação internacional, enquanto que a lei interna se limitaria às notas
cambiais apenas de circulação estritamente interna. O argumento é bom,
porém o STF não entrou neste mérito, se limitando apenas à questão da
supremacia em abstrato da lei interna.
Casos Especiais de Conflito
Entre tratado de extradição (processo através do qual um Estado requer a
outro que lhe seja enviado determinado indivíduo que não é nacional do
primeiro condenado por crime neste Estado; na ausência de tratado é possível
extradição através de promessa de reciprocidade) e o Estatuto de Estrangeiro,
entende-se que prevalece o tratado, por se tratar de lei especial, já que o
tratado é, na grande maioria das vezes, entre dois Estado apenas e cada
tratado é diferente do outro, se adaptando às necessidades das relações
diplomáticas entre estes dois. Assim, a lei especial (tratado de extradição)
derroga in casu lei geral (Estatuto do Estrangeiro).
Temos o art. 98 do Código Tributário Nacional que determina a
observância dos tratados pelas leis que lhes sobrevenha. A doutrina diz que é
regra
específica
e
especialíssima
do
direito
tributário,
se
aplicando
exclusivamente às questões de Direito Tributário.
A aviação civil comercial é regulada até hoje por uma convenção do início
do século passado, a Convenção de Varsóvia sobre Transporte Aéreo. Por ser
tão antiga, ela é extremamente defasada, o que significa, por exemplo, que as
indenizações são muito baixas. Surge daí a questão da indenização por
extravio de bagagem. Segundo a Convenção, a indenização é de, mais ou
menos, vinte dólares por quilo da mala. No Brasil, isto começou a mudar com
o começo da vigência do Código de Defesa do Consumidor. Argumentava-se
que este prevalecia, ademais pleiteou-se o ressarcimento por dano moral, o
que foi de fato foi reconhecido pelo STF, algo inédito. Segundo o STF,
prevalecia o dano moral, que esta previsto na Constituição.
Temos, ainda, o caso da Convenção da São José da Costa Rica sobre a
prisão civil do depositário infiel. Ela não o admite (apenas permitindo a prisão
civil por inadimplência por dívida alimentícia), mas a Constituição traz esta
possibilidade. A maioria dos juízes entende que prevalece a Constituição.
Inclusive, o STF, adotou tal posição no recurso extraordinário 274307.
A Convenção 158 da OIT veda a despedida arbitrária mesmo mediante
indenização, assim só seria a demissão que estivesse baseada em alguma
motivação concreta. O empregado deve ter dado razão para a dispensa. Tal
Convenção foi assinada e transformou-se em direito interno através dos
Decreto Legislativo n. 68/92 e Decreto Executivo 1855/96. Após um julgado de
primeira instância que reintegrava diversos trabalhadores da indústria de
transporte, a Confederação Nacional dos Transportes e da Indústria entrou
com a ADIn 1480. Logo, a Convenção foi denunciada pelo Brasil, que a
abandonou.
16/03
ORDEM PÚBLICA
Do ponto de vista jurídico, apenas há um conceito de ordem pública.
Porém, a própria lei pode trazer esta expressão não se referindo ao conceito
jurídico de ordem pública, mas sim a um conceito social, como o faz o Código
de Processo Penal ao tratar da prisão preventiva, onde a manutença da ordem
pública é sinônimo de garantia da paz social. Já a ordem pública enquanto
conceito jurídico é a linha moral média de uma dada sociedade. No Brasil,
devido ao tamanho do mesmo, teremos, na verdade, diversos níveis de ordem
pública diversos, mas como a legislação deve ser a mesma para todo o
território nacional, deve-se tirar uma média destas diversas morais locais ou
regionais para que se estabeleça um conceito jurídico nacionalmente aplicável
de ordem pública. Assim, pensa-se em um conceito de homem médio
brasileiro, que teria uma moral média, sendo esta a própria expressão da
ordem pública.
Para o Direito Internacional Privado, o princípio de ordem pública é o
princípio mais importante deste ramo do Direito, pois, por exemplo, é ele que
nos orientará quando da homologação de sentença estrangeira, pois esta
apenas poderá ser homologada caso não atente a ordem pública brasileira. A
mesma lógica será aplicada em todo caso em que estejamos diante da
produção de efeitos por parte de ordens jurídicas estrangeiras em território
nacional.
“Impede a aplicação de leis estrangeiras, o reconhecimento de atos
realizados no exterior e a execução de sentenças proferidas por tribunais de
outros países que sejam manifestadamente incompatíveis com a ordem
pública do foro.”
Como não há um conceito determinado de ordem pública, será o juiz do
caso que determinará in concretu se há ou não atentado à ordem pública.
O art. 17 da LICC se refere à ordem pública, definindo as consequências
de uma ofensa à ordem pública. Art. 17 da LICC: “As leis, atos e sentenças, de
outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no
Brasil quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons
costumes.” A redação do artigo é falha, pois os bons costumes já estão
incluídos dentro do conceito de ordem pública.
Ordem pública é “o reflexo da filosofia sócio-político-jurídica de toda
legislação, que representa a moral básica de uma nação e que protege as
necessidades econômicas do Estado. É aferida pela mentalidade e pela
sensibilidade médias de determinada sociedade em determinada época.
Cabendo ao juiz ou Tribunal decidir o que seja contrário à ordem pública.”
Caso a legislação seja contrária à ordem pública, mesmo que ela seja
aprovada, respeitando todo o trâmite burocrático do processo legislativo, não
terá eficácia na prática, caindo em desuso, como era o caso do adultério antes
de sua revogação expressa.
As características da Ordem Pública são: relatividade/instabilidade (varia
no tempo e no espaço pois emana da mens populi, deriva da sensibilidade e
mentalidade provenientes de uma média nacional – por exemplo, quando o
divórcio não era possível no Brasil, o STF não homologava sentença
estrangeira
de
divórcio,
no
máximo,
considerando-a
um
desquite)
e
comtemporaneidade (por ser instável, cabe ao aplicador da lei atentar para o
estado da situação à época em que vai se julgar a questão, sem levar em conta
a mentalidade prevalente à época da ocorrência do ato ou fato jurídico).
A ordem jurídica possui diversos níveis. No interno, a ordem pública
funciona como princípio limitador da vontade das partes, cuja liberdade não é
admitida em determinados aspectos da vida privada, sob pena de invalidade
do ato jurídico que não poderá ser sanada com o tempo. Como exemplos
temos as leis de proteção aos menores, à família e à economia nacional. No
nível internacional, temos o impedimento da aplicação de lei estrangeira
indicada pelas regras de conexão do Direito Internacional Privado ou de
homologação de sentença estrangeira que estejam em oposição à ordem
pública do Estado nacional onde estas pretendem se fazer valer.
No caso de casamento polígamo de um homem com diversas mulheres,
apenas o primeiro será reconhecido pelo Brasil. Isto não signfica, porém, que
as outras mulheres com seus respectivos não possam pleitear alimentos em
juízo. Na verdade isto é sim possível, pois entre conceder alimentos a alguém
que não é casado segundo a lei nacional ou deixar esta pessoa sem nenhuma
fonte de sustento ofende mais a ordem pública a segunda opção, assim o
Brasil não reconhecerá os outros casamentos, mas poderá sim deixar que
estes produzam certos efeitos, sempre ponderando o que é mais atentatório à
ordem pública. Em suma, em caso de direitos adquiridos no exterior, sempre
teremos ponderar o que é menos violadora da ordem jurídica nacional.
No caso de Federações, como é o caso dos EUA e da Alemanha, pode
existir uma ordem pública diversas em cada unidade federativa.
O último nível da ordem pública é o universal, que inspira a colaboração
das
nações,
como
eminentemente
é
o
caso
internacional,
da
repressão
elaboração
de
aos
crimes
Convenções
de
de
natureza
Direito
Internacional e regulamentação das empresas de atividade internacional,
assim como o dever de garantir a segurança internacional.
Surge, ainda, a noção de ordem pública européia dos direitos humanos.
Isto surge na Corte Européia de Direitos Humanos no Caso Loizidou em 1995.
Dada a na especificidade dos direitos enunciados na Convenção européia e no
caráter objetivo das obrigações das partes, a Corte recusou-se a validar a
reserva feita pela Turquia em relação à aplicação espacial da convenção à
República Turca do Chipre do Norte.
“Esta noção de ordem pública européia consolidada pela jurisprudência da
Corte Européia de Direitos Humanos, apresenta três características, que os
direitos humanos enunciados na Convenção Européia não podem ser
derrogados, são irrenunciáveis e devem ser considerados de ofício
nas
jurisdições nacionais.”
23/03
Jurisprudências sobre Ordem Pública
Kilberg Vs. Northeast Airlines, Inc – Kilberg morreu num vôo desta
companhia e a família entrou com uma ação pedindo uma indenização de
150mil dólares, mas a companhia argumentou que, segundo a lei do local de
sua sede, a indenização é de 15mil. O tribunal de Nova Iorque, local onde foi
intentado a ação, disse que “seria contra a ordem pública de Nova York
estabelecer qualquer tipo de limitação à indenização por morte (norma
constitucional).”
“O STJ sempre nega homologação de sentenças muçulmanos que decretam
o repúdio da mulher pelo marido sem que a ré tenha oportunidade de ser
ouvida. Esta é uma forma de se dar fim ao vínculo entre marido e mulher no
direito muçulmano através de ato unilateral por parte do homem, sem que a
mulher se pronuncie de nenhuma maneira. Segundo o STJ, isto feriria o
princípio do contraditório e, por consequência, a ordem pública brasileira, daí
esta recusa.
“As cortes alemãs não reconhecem nem concedem exequatur as sentenças
estadunidenses
que
concedem
indenização
por
dor/sofrimento
muito
superiores muito superiores à que seria concedida na Alemanha, além de
rejeitar também as que concedem punitive damages”, esta última parcela é
meramente retribuitiva, tendo, assim, um caráter punitivo que não se alinha
com a visão alemão, e nem a brasileira, de responsabilização civil.
Nos EUA, temos a instituição do júri também em matérias civis. Estas
sentenças, segundo alguns, não poderiam ser homologadas, pois feriria a
ordem pública brasileira, que não admite este forma jurisdicional. Porém, o
STF decidiu que “o sistema de júri civil americano não fere a ordem pública
brasileira, podendo as decisões destes emanadas serem homologadas no
Brasil.”
Quanto à dívida de jogo contraída no exterior, em país onde tal débito pode
ser cobrado judicialmente, já tivemos casos onde brasileiros contrairam tal
dívida de jogo no exterior, mas se recusaram a pagar alegando que seria tal
cobrança contrária à ordem pública brasileira a cobrança de tal dívida. O
Tribunal brasileiro disse que a dívida foi contraída em outro país de maneira
legal, assim há uma obrigação de pagar que é legítima. O que está se julgando
aqui é esta obrigação de pagar, e não propriamente a questão do jogo.
Ademais, a questão política é forte, não fazendo sentido criar alguma espécie
de impasse político por causa disto. Esta dívida em cassino não é a nossa
preocupação principal, mas sim o jogo virtual, que permite que alguém que
more em lugar onde o jogo não é permitido jogue virtualmente.
NACIONALIDADE
A nacionalide é o vínculo político-jurídico que vai ligar determinada pessoa
a determinado Estado. Ela é o último bastião da soberania nacional, não
abrindo nenhum país mão de determinar quem é seu nacional. Inclusive, não
há direito adquirido em relações a questões de nacionalidade. Logo, caso hoje
se possa adquirir nacionalidade portuguesa o neto de português e amanhã só
o filho, o neto não poderá amanhã entrar com o processo.
Segundo Pontes de Miranda, nacionalidade é o “laço jurídico-político de
direito público interno, que faz da pessoa um dos elementos componentes da
dimensão pessoal do Estado.” Claro que a nacionalidade possui esta dimensão
pública, mas há, também, uma forte dimensão privada, pois ela é “matéria
preliminar às questões do Direito Internacional Privado, principalmente nos
países em que o status pessoal é regido pela lei da nacionalidade.”
“As regras sobre aquisição e perda da nacionalidade pertencem ao direito
substancial (material/formal) e não a qualquer ramo do sobredireito.
Para Paul Lagarde, a nacionalidade possui duas dimensões: vertical e
horizontal. A primeira trata das relações entre o Estado e o indivíduo, que traz
uma série de deveres e direitos entre estes agentes (“obrigações do indivíduo
para com o Estado em troca da proteção diplomática – dimensão jurídicopolítica”) e a dimensão horizontal diz respeito à relação entre indivíduos, nos
dizendo que “o nacional é membro de uma comunidade – dimensão
sociológica.”
Nacionalidade e cidadania são conceitos distintos. O cidadão é aquele que
goza dos direitos políticos (votar e ser votado). Logo, o menor de idade e o
absolutamente não são cidadãos, mas são nacionais. Podemos ter cidadãos
que não são nacionais, como é o caso dos portugueses no Brasil, que podem
votar e serem votados para certos casos. Na União Européia, temos a
cidadania européia, mas não temos nacionalidade européia. “Nacionalidade é
o vínculo jurídico que une o indivíduo ao Estado; a cidadania é um acréscimo
político a esta.”
Aquisição de Nacionalidade
Quanto ao tempo, a nacionalidade pode ser originária (adquirida no
momento do nascimento pelo local do nascimento, ius soli, ou pela
nacionalidade dos pais no momento da nascimento, ius sanguinis) ou
derivada/secundária.
A nacionalidade derivada pode se dar pela via de naturalização,
nacionalidade adquirida por vontade própria Ou pelo casamento, em alguns
países. Pelo critério do ius domicilii, em alguns casos aquele que está
domiciliado
a
muito
tempo
em
determinado
país
pode
conseguir
a
nacionalidade deste país, Convenção sobre Nacionalidade de Haia e Código
Bustamante. E, por último, ius labori, serviço em prol do Estado, que não é
propriamente um maneira de se obter nacionalidade, mas sim um facilitador
para a naturalização).
Mudança de Nacionalidade
O direito de mudar se divide em direito de perder (renunciar) e direito de
adquirir. O primeiro ocorre normalmente por meio da naturalização em outro
país, pois a múltipla nacionalidade só costuma ser aceita quando estas
nacionalidades
são
originárias.
Assim,
quando
se
opta
por
outra
nacionalidade, no caso do Brasil, por exemplo, se perde a nacionalidade
brasileira, pois se considera que há uma renúncia tácita por parte desta
pessoa.
O direito de adquirir não é um direito subjetivo por depender da
discricionariedade do Estado. O Brasil, porém, é uma das raras exceções, pois
se obriga a conceder a nacionalidade através da naturalização constitucional,
prevista no art. 12, II, 'b', da CFRB, que obriga o Estado Brasileiro a conceder
a nacionalidade a estrangeiro que reside aqui por mais de 15 anos e não
possui condenação penal.
Temos, ainda, o direito de não adquirir e o direito de não perder. O
primeiro se refere à “cessão e anexação de territórios de uma para outra
soberania.” Por exemplo, quando a Alsácia Lorena passou da França para a
Alemanha e depois de volta para a França, aquele que nasceu durante o
período de domínio alemão era nacional alemão, mas quando voltou o
território para o Estado Francês, esta pessoa poderia optar por não adquirir
esta nova nacionalidade. O segundo também ao caso de territórios anexados,
caso o antigo Estado não tenha desaparecido com a anexação.
Destituição de Nacionalidade
A ONU possui a Convenção para a Redução da Apatrídia, que no seu art.
8º determina que os Estado contratantes não podem destituitr a pessoa de sua
nacionalidade, caso isto a reduza a um apátrida.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem diz que ninguém poderá
ser privado arbitrariamente de sua nacionalidade, nem poderá ter seu direito
de trocar de nacionalidade negado. Porém, este documento é apenas
declaração, não possuindo força de lei frente a nenhum país. A Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem da OEA traz dispositivo
semelhante.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos estabelece o critério do
ius soli para aquele que nasce em alguns dos territórios americanos, caso ele
não possua direito a uma outra nacionalidade. Além disso, a Convenção diz
que “a ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do
direito de mudá-la.”
XX/XX
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DIPri
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