APONTAMENTOS SOBRE O DIREITO ‘INTERNACIONAL PRIVADO’ Wladimir Flávio Luiz Braga Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais Professor de Deontologia Jurídica e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito de Campos Membro da Ordem dos Advogados do Brasil - Conselho Seccional de Minas Gerais É clássica a divisão do Direito Internacional em Público e Privado. À semelhança do que ocorre com o polêmico cisma Direito Público e Privado, as dificuldades de distinção são muitas, levando, não raras vezes, a sérios impasses. O objetivo desta breve análise é demonstrar que o (equivocadamente) intitulado Direito ‘Internacional Privado’ não é internacional e muito menos privado. Isto certamente poderá soar estranho para muitos, haja vista a pouca importância atribuída ao tema pelos estudiosos. Digamos, por princípio, que a classificação desse ramo da ciência jurídica por tal nomenclatura foi (e é!), no mínimo, profundamente infeliz. Mas enquanto não se encontra unanimidade na doutrina mundial quanto a um termo que melhor possa substituí-la, permanece inalterada, sendo transmitida reiteradamente nas Faculdades de Direito e, de modo geral, pacificamente acatada por conformados mestres e confusos aprendizes. A propósito, convém salientar que admitir a unidade (termo preferível, aqui, à unificação) dos “Direitos Internacionais” Público e Privado é tendência mundial, fruto do (re)conhecimento lógico e racional de que o Direito Internacional é – e sempre foi – um só. Ocorre que o chamado Direito ‘Internacional Privado’ não traduz, senão, uma faceta, uma diretriz do Direito Internacional, aquela que tem por objetivo regulamentar as relações do Estado com cidadãos pertencentes a outros Estados, solucionando conflitos de jurisdição ou de leis no espaço, definindo de que país é a lei a ser aplicada para dirimir questões sujeitas a mais de uma legislação. Visa fixar, em cada ordenamento jurídico nacional, os limites entre esse Direito e o estrangeiro, a aplicação do Direito estrangeiro no território nacional e a aplicação extranacional do Direito pátrio. Já a outra vertente, conhecida como Direito ‘Internacional Público’, trata da experiência jurídica no plano internacional, ou seja, das relações entre Estados soberanos, fundadas, notadamente, em tratados, pactos, acordos, convenções, etc. O Direito ‘Internacional Privado’ é Direito interno, que cada Estado dita com base em seus critérios pessoais para ser aplicado em seu território e, excepcionalmente, em nação estrangeira. Ainda que um Estado aplique sistema jurídico de outro, não há, com isso, Direito vivenciado no âmbito internacional, mas tão-somente aproveitamento de norma(s) inerente(s) a um ordenamento nacional para aplicação interna em outro. A norma material estrangeira, por exemplo, pode ser verificada pelo magistrado pátrio, segundo a disciplina dos arts. 7º a 11 do Decreto-Lei 4.657, de 04/09/1942 (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro). 1 Em relação às leis processuais*, porém, o Direito brasileiro adota o princípio da territorialidade (arts. 1º / CPC e 1º / CPP), ou seja, normas adjetivas estrangeiras não podem ser aplicadas pelo juiz nacional, ainda que ordenamento estrangeiro possa – ao menos em tese – permitir a utilização de semelhante dispositivo legal brasileiro. Apesar de, em última análise, os efeitos das normas objeto do Direito ‘Internacional Privado’ recaírem também (e principalmente) sobre relações de natureza privada, ele é Direito Público por excelência, pois suas normas são de caráter cogente ou taxativo, refletindo a decisão soberana do Poder Público no trato do conflito das normas – sem que as partes interessadas possam alterar seus efeitos. Os choques de leis de que trata o Direito ‘Internacional Privado’ abarcam todas as relações jurídicas: públicas e privadas. Tal segmento normativo determina que se aplique a lei competente, seja sobre família, sucessões, bens, contratos, letras de câmbio, crimes, impostos, *processos, tráfego aéreo, etc. O Direito ‘Internacional Privado’ é um sobredireito que não tem por finalidade reger ou complementar relações interpessoais (como o Direito Civil ou o Direito Empresarial), mas tem por objeto decidir quais daquelas regras de direito (nacionais ou estrangeiras) se destinam a essas mesmas relações. Não confere direitos, mas apenas fornece meios para se saber que regra aplicar quando houver conflito de normas pertencentes a dois ou mais ordenamentos distintos. Certamente que o bom senso e a franca disposição dos docentes catedráticos de Direito Internacional em explorar o tema no meio acadêmico fará com que se dissipe, gradualmente, desnecessária e insólita dicotomia. 2