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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO CUIDADOS CLÍNICOS EM ENFERMAGEM
E SAÚDE
MANUELA DE MENDONÇA FIGUEIRÊDO COELHO
EDUCAÇÃO EM SAÚDE: OS DITOS E NÃO DITOS DA PRÁTICA DE
ENFERMAGEM COM ADOLESCENTES
FORTALEZA- CEARÁ
2012
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MANUELA DE MENDONÇA FIGUEIRÊDO COELHO
EDUCAÇÃO EM SAÚDE: OS DITOS E NÃO DITOS DA PRÁTICA DE
ENFERMAGEM COM ADOLESCENTES
Dissertação submetida ao Programa de Pós
Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e
Saúde do Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Estadual do Ceará – UECE, para
obtenção do grau de mestre em cuidados clínicos
em Enfermagem.
Aprovada em 07 de Dezembro de 2012.
Orientador (a): Profª. Dra. Karla Corrêa Lima
Miranda
FORTALEZA-CEARÁ
2012
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MANUELA DE MENDONÇA FIGUEIRÊDO COELHO
EDUCAÇÃO EM SAÚDE: OS DITOS E NÃO DITOS DA PRÁTICA DE
ENFERMAGEM COM ADOLESCENTES
Dissertação submetida ao Programa de Pós
Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e
Saúde, do Centro de Ciências da Saúde da
Universidade Estadual do Ceará – UECE, para
obtenção do grau de mestre em cuidados clínicos
em Enfermagem.
Aprovada em 07 de Dezembro de 2012.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Karla Corrêa Lima Miranda
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Orientadora – Presidente
Prof. Dr. Antônio Marcos Tosoli Gomes
Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ
Membro Efetivo
Profa. Dra. Lia Carneiro Silveira
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Membro Efetivo
Profa. Dra. Maria Vilaní Cavalcante Guedes
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Suplente
3
Dedicatória
A Deus, ao Rik e ao João.
Amor eterno!
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AGRADECIMENTOS
Gostaria de nesse espaço agradecer especialmente a minha orientadora Karla
Corrêa Lima Miranda. Agradeço pela paciência, dedicação e parceria. No início eu
não compreendia o que queria me dizer, na verdade, eu não conseguia
compreender tantas perguntas, afinal eu gostaria das respostas. Parafraseando um
aluno meu, você nem sempre me deu o que eu queria, mas sempre me
proporcionou o que eu necessitava. O carinho e dedicação com que me conduziu
ao entendimento e a abertura para novos saberes foi fundamental na construção
desse estudo, e mais, na minha construção enquanto enfermeira, professora e
também orientadora. A sua percepção e sensibilidade sobre o meu tempo, minha
forma de funcionamento, minhas demandas pessoais e emocionais que se
misturaram nesse caminho foram essenciais para uma produção menos sofrida, com
amparo, com zelo. Nunca terei como agradecer o muito do tempo que direcionou a
me ensinar, a me ouvir e a estudar comigo. Obrigada pela confiança, pelo afeto, pelo
olhar e pela escuta. Você vive da forma que acredita, da forma que ensina, e essa
coerência me faz admirá-la cada dia mais. Esse trabalho é verdadeiramente nosso!
Você é realmente uma Educadora Brilhante! Obrigada! Obrigada! Obrigada!
Agradeço aos brilhantes mestres , Dr. Marcos Tosoli, Dra. Lia Carneiro e Dra. Vilaní
Guedes, que compuseram a banca examinadora
e contribuíram em meu
crescimento intelectual;
Agradeço aos profissionais que participaram do estudo;
Agradeço ao meu marido Rik e ao João que conseguiram “suportar” as enormes
ausências e comemoram junto comigo essa vitória;
Agradeço especialmente à minha sogra e amiga Terezinha Leite pela sua torcida e
orações, mesmo longe sinto seu carinho;
Agradeço à amigas antigas e queridas, Sara Taciana, Camila Montezuma e Letícia
Rolim que são parte de mim, de minha história;
Agradeço à amigas novas e importantes, Goreth Albuquerque e Karine Limaverde,
que contribuem em meu crescimento pessoal e profissional diariamente;
Agradeço à meus companheiros do CAPS que me oportunizaram afastamentos do
trabalho com a certeza de sua contribuição e parceria, principalmente Camila
Augusta, Didi Muniz e Vânia;
5
Agradeço ao Gael, Adriano, Josy e Vitória pelo carinho e cuidado dispensado ao
meu João nos momentos cruciais em que precisei me isolar nesse processo, vocês
cuidaram e amaram meu filho, e nunca terei como recompensar isso;
Agradeço à minhas amigas “balzaquianas” Aurilene, Simone, Graça e Ana Maria
pelo caminho trilhado juntas e tantos cafés com leite;
Agradeço aos brilhantes professores do Programa de Pós Graduação Cuidados
Clínicos em Enfermagem e Saúde;
Agradeço à todos os meus alunos, em especial os orientandos que compreenderam
o meu tempo nesse percurso final;
Agradeço à Prefeitura Municipal de Maracanaú pela diminuição na carga horária de
trabalho para realização do curso e por disponibilizar o campo para a realização da
pesquisa.
Obrigada Senhor Deus por sua Fidelidade e Amor comigo, tudo isso foi pela sua
graça!
6
Somente podem ser proféticos os que anunciam e
denunciam,
comprometidos
permanentemente
num
processo radical de transformação do mundo, para que os
homens possam ser mais. Os homens reacionários, os
homens opressores não podem ser utópicos. Não podem
ser proféticos e, portanto, não podem ter esperança.
Paulo Freire, 1979
7
RESUMO
Educar pode ser ato vivo, de crescimento e compreensão de mundo, significado por
busca contínua, ou meramente um caminho didático, com aplicações técnicas, que
conduzem à criação de saberes massificados, destituídos de criticidade. Observo as
ações educativas direcionadas aos adolescentes realizadas de forma reprodutiva,
algumas vezes sem planejamento prévio, outras sem objetivação dos resultados, e
sem a preocupação com grau de entendimento e do impacto que tais ações refletem
nesses adolescentes. Conhecer como esses momentos são vivenciados desvela as
lacunas encobertas e possíveis fragilidades das práticas educativas como
instrumento do cuidado clínico de enfermagem enquanto ferramenta de promoção
da saúde. Tomando por base essas questões, e considerando-as essenciais no
fortalecimento de uma prática consciente e crítica da enfermagem, esse estudo
busca compreender a ideologia mantenedora das ações educativas da enfermagem
junto aos adolescentes. Estudo de abordagem qualitativa conduzido pelo Método
Criativo e Sensível junto a quinze enfermeiros da Estratégia Saúde da Família do
município de Maracanaú cujas equipes encontram-se cadastradas no Programa
Saúde na Escola (PSE). Os dados foram produzidos através das dinâmicas de
Criatividade e Sensibilidade e analisados a partir da Análise de Discurso. O diálogo
com os dados deu-se através dos pressupostos freireanos. Os enfermeiros
discutiram sobre educação em saúde, e teceram enunciações que apresentam suas
relações com as práticas educativas direcionadas aos adolescentes. O adolescente
apresenta-se como ponto de tensão nessa emblemática problematização, pois
compreendê-lo e significá-lo retrata o imaginário e desvela as relações de força
mantidas entre esses sujeitos. Os objetivos delineados pelo PSE constituem a trama
exclusiva em que estes profissionais estão inseridos, delimitando um espaço de fala
único, que nos apresenta quem é esse profissional, de onde ele nos fala, suas
subjetivações e objetivações para o porquê de seus dizeres. A ideologia opressora
mostra-se viva nas formações discursivas que apresentam o adolescente enquanto
vazio, destituído de saberes e prontos para receber o conhecimento. O enfermeiro
coloca-se nesse papel de educador inato, transitando polissemicamente entre sua
ação opressora e sua constituição de oprimido. Essa relação educativa mantém-se
preferencialmente na vigilância aos corpos, descolando o adolescente físico de suas
subjetividades e desejos. Repensar as possibilidades de uma prática de educação
em saúde numa perspectiva multidimensional conduz o enfermeiro a pensar em si,
em sua palavra, no que se é e o que se pretende: promover educação em saúde
viva e real, ou continuar como meros reprodutores de signos sem sentido ou com
sentido para opressão e formatação dos sujeitos.
Palavras chave: Enfermagem. Educação em Saúde. Adolescente.
8
ABSTRACT
Educating can be a living act of growth and world understanding, a continuous
search or merely a didactic method with technical applications that lead to the
creation of mass knowledge, without criticism. Observing the educational activities
directed at adolescents conducted reproductively, some did not have any prior
planning, others without specifying the results and without concern for the level of
understanding and the impact of such actions on these adolescents. Knowing how
these moments are experienced reveals hidden gaps and possible weaknesses of
educational practices as an instrument of clinical nursing care seeking health
promotion. Based on these issues, and considering them essential in strengthening a
critical and conscious nursing practice, this study aims to understand the ideology
sponsor of nursing educational activities with adolescents. A qualitative study carried
out through the Creative and Sensitive Method with fifteen nurses from the Family
Health Strategy of the municipality of Maracanaú-CE, Brazil, whose teams are
registered in the School Health Program (SHP). Data collection happened through
group dynamics of Creativity and Sensibility and they were analyzed based on
Discourse Analysis. The Data dialogue occurred through Freire's assumptions.
Nurses discussed on health education and wove considerations that show their
relationship with educational practices directed at adolescents. The adolescent
presents himself as a point of tension in this emblematic problematization, since
understanding him and his significance portrays the imagery and reveals the power
relations between these subjects. The objectives of the SHP represent the unique
plot where these professionals are inserted, outlining a unique speech space that
presents us who these professional are, where they speak from, their subjectivations
and objectivations for their speeches. The oppressive ideology is present in the
discursive formations that show the adolescent empty, without knowledge and ready
to receive the knowledge. Nurses put themselves in this role of innate educator going
between their oppressive actions of their situation of oppressed. This educational
relationship remains preferentially in the body surveillance, taking the adolescents
away from their physical desires and subjectivities. Rethinking the possibilities of a
health education practice in a multidimensional perspective leads nurses to think of
themselves, in their word, in what they are and what they intend: to promote real
health education or continue as mere reproducers of meaningless signs or with
meaning for oppression and shaping the subjects.
Keywords: Nursing. Health Education. Adolescent.
9
RESUMEN
Educar puede ser acto vivo, de crecimiento y comprensión del mundo, con
significación de búsqueda continua, o simplemente manera didáctica, con
aplicaciones técnicas, dando lugar a la creación de conocimiento sin criticidad. Se
observan acciones educativas dirigidas a los adolescentes realizadas de manera
reproductiva, a veces sin planificación previa, otras sin objetivación de los otros
resultados, y preocupación con el grado de comprensión y del impacto que estas
acciones en estos adolescentes. Saber cómo se viven estos momentos encubierto
revela las deficiencias y debilidades posibles de las prácticas educativas como
herramienta de la atención clínica de enfermería como herramienta para la
promoción de la salud. Con base en estas cuestiones, y considerándolas esenciales
en el fortalecimiento de una práctica crítica y consciente de la enfermería, este
estudio busca comprender la ideología mantenedora de las acciones educativas de
la enfermería con adolescentes. Estudio cualitativo realizado por el Método Creativo
y Sensible a quince enfermeros de la Estrategia Salud de la Familia de MaracanaúCE, Brasil, cuyos equipos están registrados en el Programa de Salud Escolar (PSE).
Los datos se obtuvieron a través de las dinámicas de creatividad y sensibilidad,
sometidos al análisis del discurso. Diálogo con los datos ocurrió a través de
supuestos freireanos. Los enfermeros discutieron acerca de la educación en salud, y
tejieron expresiones que señalaron su relación con las prácticas educativas dirigidas
a los adolescentes. El adolescente se presenta como punto de tensión en esta
problematización emblemática, ya que la comprensión y el significado retratan la
imagen y revela las relaciones de poder mantenidas entre estos sujetos. Los
objetivos planteados por el PSE constituyen la trama exclusiva en que estos
profesionales se insertan, delineando espacio único de discurso, que presenta quien
es el profesional, de donde nos dice, y sus objetivaciones y subjetivaciones para el
por qué de sus dichos. La ideología opresiva aparece viva en las formaciones
discursivas que cuentan con adolescente, en vacío, desprovisto de conocimiento y
listos para recibir el conocimiento. El enfermero se pone en ese papel de educador
innato, caminando polisémicamente entre su acción opresiva y su constitución de
oprimidos. Esta relación educativa sigue siendo preferentemente en los órganos de
vigilancia, quitándose deseos físicos del adolescente y sus subjetividades. Repensar
las posibilidades de una práctica de educación para la salud en una perspectiva
multidimensional motiva enfermeros a pensar en sí mismo, en su palabra, en lo que
es y lo que pretende: promover la educación para la salud y la vida real, o continuar
como meros jugadores de signos sin sentido o con sentido para la opresión y para
ofrecer formato a los sujetos.
Palabras clave: Enfermería. Educación en Salud. Adolescente.
10
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01. Caracterização dos Sujeitos
54
QUADRO 02.Descrição do tempo de Enunciação dos Participantes
64
Das Dinâmicas
QUADRO 03. Síntese dos Núcleos de Sentido, temática e Situações
65
Existenciais Delimitadas
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01. Materiais Dispostos para as DCS
55
FIGURA 02. Dinâmica de Sensibilidade e Criatividade – Almanaque
57
FIGURA 03. Modelo Solar dos Resultados da Análise de Discurso e
67
Das Relações Entre os Elementos que o Constitui
FIGURA 04. Esquema Representativo do Percurso da Comunicação
101
No Discurso Pedagógico
FIGURA 05. Modelo Ciclone Representando a Constituição da Prática
139
de Educação em Saúde dos Enfermeiros com
Adolescentes
Figura 06. Dimensão Estelar de Educação em Saúde Possível
143
11
LISTA DE ABREVIATURA E SIGLAS
AD
AIDS
AVISA
BDENF
BIREME
CAPS
CD
CEP
CRES
DCS
DP
DST
EPS
ESF
FD
GTI
HIV
LILACS
MCS
MEDLINE
NASF
OMS
PIB
PNPS
PPP
PSE
SCIELO
SPE
SUS
TCLE
UBASF
UECE
UNESCO
UNICEF
Análise de Discurso
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
Áreas de Vigilância à Saúde
Base de Dados Bibliográficos Especializada na Área de
Enfermagem do Brasil
Biblioteca Virtual em Saúde
Centro de Atenção Psicossocial
Caderno Discursivo
Comitê de Ética em Pesquisa
Coordenadoria Regional em Saúde
Dinâmica de Criatividade e Sensibilidade
Discurso Pedagógico
Doenças Sexualmente Transmissíveis
Educação Popular em Saúde
Estratégia Saúde da Família
Formações Discursivas
Grupo de Trabalho Intersetorial
Vírus da Imunodeficiência Adquirida
Literatura Latino Americana em Ciências da Saúde
Método Criativo e Sensível
Literatura Internacional em Ciências da Saúde
Núcleo de Apoio à Saúde da Família
Organização Mundial de Saúde
Produto Interno bruto
Política Nacional de Promoção da saúde
Projeto Político Pedagógico
Programa Saúde na Escola
Scientific Eletronic Library Online
Saúde e Prevenção nas Escolas
Sistema Único de Saúde
Termo de Compromisso Livre e Esclarecido
Unidade Básica de Saúde da Família
Universidade Estadual do Ceará
Organização das Nações Unidas para a Educação
Fundo das Nações Unidas Para a Infância
12
SUMÁRIO
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
13
2 REFERENCIAL TEÓRICO
20
2.1 Pressupostos teóricos da educação
21
2.2 Educação em saúde e enfermagem
26
2.3 Educação em saúde como cuidado clínico de enfermagem na saúde
do adolescente
2.4 Conhecendo a educação problematizadora
2.5 Conceitos freirianos
31
38
42
2.5.1 Homem
43
2.5.2 Diálogo
44
2.5.3 Educação
46
2.5.4 Conscientização
48
3 CONSTRUINDO O CAMINHO
50
3.1 Olhares e ferramentas de investigação
51
3.2 Cenário do estudo
52
3.3 Sujeitos envolvidos
53
3.4 Produção e realização das dinâmicas
55
3.5 Aspectos éticos
59
3.6 Análise e discussão das informações
59
4 EDUCAÇÃO COM ADOLESCENTES: PRODUÇÃO DO CENÁRIO
69
4.1 O enfermeiro como educador
72
4.2 O ser adolescente
78
4.3 A escola, o PSE e a Unidade Básica de Saúde
85
5 DISCURSO PEDAGÓGICO: CIRCULARIDADES DISCURSIVAS DE UMA
EDUCAÇÃO OPRESSORA
5.1 Formação discursiva – Vazio repletos de nós: tecendo a rede
educativa para adolescentes
5.2 Formação discursiva - Práticas instituídas entre campanhas e
circuitos: vigilância de corpos e sujeição ao modelo higienista
5.3 Formação discursiva – Eu ensino e você aprende: laços que unem
oprimidos
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
99
102
114
121
137
REFERÊNCIAS
145
APÊNDICES
157
ANEXOS
160
13
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
14
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Pensar em educação e nos motivos pelos quais se educa, remete a
reflexões complexas e por vezes filosóficas. Educar pode ser ato vivo, de
crescimento e compreensão de mundo, significado por uma busca contínua, ou
meramente um caminho didático, com aplicações técnicas, que conduzem à criação
de saberes massificados, destituídos de criticidade.
Brandão (1995) resgata o envolvimento humano em processos educativos
nos diversos espaços, em que constantemente somos ensinados, em espaços onde
ensinamos e aprendemos-e-ensinamos. O autor discorre sobre a existência de
múltiplos modelos educativos e seus cenários, negando a escola e o professor
profissional como únicos praticantes.
Assim se podem recordar lições aprendidas no cotidiano, como
ensinamentos básicos obtidos na família sobre higiene, boas maneiras ou como
amarrar os sapatos. Ensinam-se também costumes e noções religiosas, diferenciam
e organizam-se socialmente as pessoas em “modos de vida”, definindo códigos
sociais de conduta, regras de trabalhos, tecnologias e culturas (BRANDÃO, 1995).
A educação também compõe instância “deseducadora”, que por vezes o
professor acredita ensinar, porém, acaba instrumentalizando uma educação ingênua
para interesses políticos e econômicos (BRANDÃO, 1995).
Não penso em envolvimentos inocentes, mas reguladores que apontam
para diferentes visões de homem e mundo, em que sua aplicação está associada
aos pressupostos que se escolhem como referência. Esse exercício pode ser
baseado em prescrições pedagógicas, ou direcionado por um trabalho consequente
que busca por transformações (LIBÂNEO, 2010).
Estudiosos contemporâneos apresentam fundamentações teóricas diversas
articuladas em paradigmas que sustentam a prática educativa em diversas
perspectivas.
Saviani (2008) apresenta educação como determinante social imbricado
com a questão da marginalidade. Para ele, a marginalidade encontra-se desenhada
15
pelos processos educativos divididos em duas teorias educacionais: teorias não
críticas e teorias crítico-reprodutivistas.
Libâneo
(2010)
descreve
tendências
pedagógicas
baseadas
em
condicionantes sócios políticos, classificando-as como Liberais e Progressistas.
Mizukami (1986) expõe abordagens pedagógicas apoiadas nas teorias do
conhecimento,
denominada
de
Tradicional,
Comportamentalista,
Humanista,
Cognitivista e Sociocultural.
Essas correntes de ensino apresentam influências de diversas teorias, que
motivam a compreensão do ensino-aprendizagem, direcionando o entendimento de
condutas do binômio educador-educando que envolve os processos educacionais.
Esses processos associam-se à comunicação e interação pelos quais os
sujeitos assimilam saberes, habilidades, atitudes organizadas culturalmente, no
sentido de produzir outros conhecimentos, técnicas e valores. É próprio ao ato
educativo seu caráter de mediação que contribui para o crescimento dos sujeitos, na
dinâmica sociocultural de seu grupo (LIBÂNEO, 2010).
Nessa perspectiva, Freire (1979) em sua abordagem libertadora concebe a
educação como um ato criativo de intervenção no mundo, no qual o educador seria
um mediador do novo saber produzido pelo aluno por meio de suas perguntas
inseridas em seu contexto e experiências vividas e não um mero expectador e
reprodutor de saberes, valores, técnicas e conhecimento (FREIRE, 1979; FREIRE;
FAUNDEZ, 1985; FREIRE, 1999).
Logo, educar desenvolve-se em interface com vários atos, estes devem
ser dialogados e problematizados em busca de um saber relacionado, articulando os
conhecimentos apreendidos na “escola da vida” com os aprendidos na “vida da
escola”. O setting escolar deve ser o mundo, investindo no desenvolvimento de
seres que constroem seu próprio projeto pedagógico, baseado não apenas em suas
carências, mas, sobretudo, em suas potencialidades (REZENDE; DANTAS, 2009).
É cediço que dos diversos conceitos e das concepções de educação, são
produzidos inúmeros sentidos. Miaralet (1976) propõe três sentidos para educação.
A educação como instituição social que corresponde à estrutura organizacional e
administrativa, ou seja, o funcionamento interno de cada instituição de ensino. O
sentido da educação como processo, relacionado às condições e aos modos pelos
16
quais os sujeitos introjetam meios de se educar. E educação produto, caracterizada
pelos resultados obtidos pelas ações educativas (MIARALET, 1976). Portanto, as
formas de pensar e conceber a educação interfere na ação educativa a qual se
realiza, seja esta prática consciente ou inconsciente.
Assim, as atividades educativas não devem ser ações de condicionamento
ou de regulação dos sujeitos, mas um espaço de encontro, de relação, em que
considerar o outro em suas singularidades e planos, constituem-se em verdadeiros
atos educativos. Educar, assim como cuidar, é um desafio, porque implica em
relações humanas entre seres singulares, com demandas e enfrentamentos
variados.
Pensamos cada vez mais na saúde associada a educação. As posturas
dos trabalhadores de saúde encontram-se repletas de ações educativas, mesmo
que de forma inconsciente, esse profissional cuida educando.
Ao admitir a educação como uma das estratégias do cuidado clínico de
enfermagem, compreende-se, então, que esta se apresenta como um signo
complexo e multifacetado. Refletir sobre sua fundamentação é não conceber o
aprisionamento dessa ação quando a compreende como uma prática social,
arraigada em diversas atividades humanas, vivendo em diversos cenários:
ambientes de trabalho, organizações políticas, igrejas, unidades de saúde
(LIBÂNEO, 2008).
Ao compreender essa prática diferente dos moldes que predominam na
atualidade, cuja objetificação da doença apenas numa dimensão biológica
predomina, alude-se a enfermagem vivenciando um cuidado clínico que pode atuar
além do adoecimento, em um movimento de reconhecimento dos sujeitos em suas
realidades, suas formações culturais e expectativas de vida (VIEIRA; SILVEIRA;
FRANCO, 2011).
Nesse sentido, conceitos e saberes oriundos da prática educativa são um
dos caminhos para a construção de um novo fazer da Enfermagem, em uma
perspectiva plural e ampliada, que possa abranger as constantes mudanças e
reflexões exigidas pelos sujeitos em interação com seu meio e no resgate de sua
cidadania.
17
O início de mudança na postura da Enfermagem, ao agregar a sua prática
clínica o papel educativo, pode propiciar o resgate da cidadania dos sujeitos ao
implicar novas propostas, uma clínica ampliada, com ênfase no diálogo e nos
saberes populares, promovendo um encontro de conhecimentos, práticas e
vivências dos grupos humanos (ALVIM; FERREIRA, 2007). Pretende-se assim um
cuidado clínico de enfermagem pautado numa clínica que potencializa encontros,
respeita sujeitos e propõe ressignificação de vidas (VIEIRA; SILVEIRA; FRANCO,
2011).
Apesar de reconhecer a educação em saúde como tecnologia de cuidado
que deve promover autonomia, ainda são observadas práticas com abordagens
verticalizadas,
nas
quais
a
participação
do
sujeito
é
simplificada
à
expectador/receptor de informações.
Santos et al. (2006) reconhecem que as práticas educativas estão
presentes no cotidiano da Enfermagem, contudo chamam atenção para o fato de
que ainda persistem abordagens que não potencializam os sujeitos para a promoção
da autonomia e livre exercício da cidadania.
Estudos demonstram o reconhecimento da educação em saúde pela
enfermagem
como
possibilidade
de
troca,
como
possível
promotora
do
conhecimento compartilhado, cujo diálogo pode instrumentalizar a condição de
pensar e refletir esse fazer como veículo de cuidar nas diversas clientelas: idosos,
puérperas, adolescentes, mulher e criança, clientes crônicos entre outros (SANTOS;
PENNA, 2009; TEIXEIRA; FERREIRA, 2009; GUEDES; SILVA; FREITAS, 2004).
As atividades realizadas na lógica pedagógica da problematização criam
um espaço favorável ao trabalho de educação em saúde, trabalhando atitudes para
o desenvolvimento de cidadania e reconhecimento da subjetividade desses sujeitos.
Talvez essa prática permita a manifestação dos desejos, conceda aos sujeitos a
pronuncia de sua palavra, e permita o envolvimento esperançoso
nas relações
educativas.
Outras pesquisas apresentam forte presença do modo tradicional de
educar pelos enfermeiros, com repasse de informações, pautado no modelo
biomédico, com postura impositiva, em que se propõe romper mitos e mudar
atitudes, sem reconhecer na verdade a quem pertence esses mitos (PEREIRA;
18
VIEIRA; FILHO, 2011; PRADO; MEDINA-MOYA; MARTÍNEZ-RIEIRA, 2011;
ZAMPIERI et al., 2010).
Como estímulo às ações educativas políticas vêm sendo instituídas pelo
Ministério da Saúde agregando educação em saúde à clínica, ampliando assim o
escopo de trabalho direcionado ao sujeito. O Programa Saúde nas Escolas (PSE) é
exemplo vivo. O programa objetiva reduzir as iniquidades sociais que afetam a
saúde de crianças e adolescentes, dificultando assim o aprendizado (BRASIL,
2009). Essa estratégia propõe a integração dos setores saúde e educação,
fortalecendo e sustentando a articulação entre as escolas e as Unidades Básicas de
Saúde da Família (UBASF) no cuidado aos adolescentes.
Em face do exposto, destaco minha experiência profissional, em que o
município no qual desenvolvo minha prática realizou capacitações técnicas na
tentativa de sensibilizar e aperfeiçoar as equipes das unidades básicas e das
escolas para a realização do trabalho proposto pelo PSE. As ações clínicas voltadas
ao adoecimento obtiveram melhor aceitação pelas equipes de saúde. As
proposições educativas obtiveram resistência por parte de alguns profissionais, que,
ao alegar sobrecarga de trabalho, demonstraram de forma velada o descrédito
nessas atividades como ferramenta de trabalho em saúde.
Durante a construção de uma linha de cuidado, cujo foco esteve
direcionado ao indivíduo, reconheci a educação em saúde como um dispositivo nas
relações interpessoais com a clientela. Assim, adotei a postura educadora e
dediquei-me com afinco às atividades educativas.
Ademais,
observo
alguns
trabalhos
educativos
direcionados
aos
adolescentes e identifico atividades realizadas de maneira aleatória, algumas vezes
sem planejamento prévio, outras sem objetivação dos resultados, e o que considero
ser o mais preocupante: sem noção do grau de entendimento e do impacto que tais
ações refletem nesses adolescentes.
Outra característica do trabalho apresentado seria a metodologia aplicada:
palestras educativas, realizadas a partir de temas propostos pelos profissionais.
Essa abordagem prescritiva, autoritária, exercita o direito de dizer o que deve ou não
ser feito, sem nenhum conhecimento sobre o contexto que os sujeitos estão
19
inseridos, se suas expectativas e planos de vidas corroboram o que se insiste em
falar-lhes.
Essa realidade remete às lacunas na produção do cuidado clínico de
enfermagem ao atuar junto à população tão específica. Diante essa realidade, sentime instigada a estreitar laços com as práticas educativas da enfermagem, buscando
por entender as seguintes questões: como os enfermeiros concebem a educação
em saúde? Quais as constituições históricas, sociais e culturais que mantém as
ações de educação em saúde realizadas pela enfermagem direcionadas aos
adolescentes?
Conhecer como esses momentos são vivenciados desvela as lacunas
encobertas e possíveis fragilidades das práticas educativas como instrumento do
cuidado clínico de enfermagem enquanto ferramenta de promoção da saúde.
Tomando por base essas questões, e considerando-as essenciais no fortalecimento
de uma prática consciente e crítica da enfermagem, o objetivo desse estudo é
compreender a ideologia mantenedora das ações educativas da enfermagem junto
aos adolescentes.
Desse modo, este estudo busca pela compreensão proposta pela
investigação científica da base ideológica presente nas práticas pedagógicas dos
enfermeiros ao trabalharem educação em saúde com o público adolescente,
identificando as construções histórica, social e imaginária que influenciam e
subjetivam essa prática.
A hipótese deste estudo é de que as práticas educativas da enfermagem
encontram-se centradas no modelo tradicional de educação, cujas tentativas de
transformação das ações encontram-se embasadas na intuição, destituídas de um
referencial teórico metodológico que direcionem novas práticas.
20
REFERENCIAL TEÓRICO
21
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Pressupostos teóricos da educação
Os princípios que fundamentam os processos educativos tornam-se
imperativos na compreensão da história da educação em saúde, tendo em vista que
esses fundamentos perpassam por diversas e possíveis áreas de atuação, incluindo
o educar para saúde.
Nessa reflexão, optou-se por mergulhar nas concepções propostas por
José Carlos Libâneo, Dermeval Saviani e Maria da Graça Nicoletti Mizukami, por
serem estudiosos da atualidade que apresentam diversas abordagens do processo
de ensino e aprendizagem.
Saviani apresenta fundamentações que compõem as teorias não críticas
em três vertentes: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Nova e Pedagogia Tecnicista.
Essas compreendem a educação como ferramenta capaz de equalizar as diferenças
sociais, diminuindo assim a marginalidade (SAVIANI, 2008).
A Pedagogia Tradicional iniciou-se em meados do século XIX com os
Sistemas Nacionais de Ensino e apresenta como eixo central o professor, que deve
estar apto a ensinar as lições que deverão ser rigorosamente seguidas pelos alunos.
A questão central dessa escola era aprender o que o professor ensina. O intuito
seria
universalizar
o
conhecimento
na
tentativa
de
minimizar
o
abismo
marginalizador existente, e como possibilidade única para essa transformação
aponta-se apenas o conhecimento transmitido. O insucesso nessa equalização da
sociedade fornece espaço para duras críticas a esse método (SAVIANI, 2008).
As insatisfações proferidas ao método tradicional iniciaram o movimento
da Pedagogia Nova. O Escolanovismo aceita que o marginalizado deixa de ser o
que não tem instrução, tendo em vista a impossibilidade da garantia de
aprendizagem uniforme, fornecendo espaço ao rejeitado, ao anormal, promovendo
um movimento de biopsicologização da sociedade, da educação e da escola.
Apresentam assim os indivíduos como únicos, e que os “anormais”, deverão ser
incorporados à sociedade de acordo com seu potencial, e assim deverão ser aceitos
pelo meio. Para essa proposta, a escola deverá perpassar por uma reformulação
22
estrutural, agrupando alunos de acordo com seus interesses, em que o professor
seria facilitador e estimulador de aprendizagem, fomentando uma relação viva entre
alunos e professores. Aqui se deve aprender a aprender. O custo econômico desse
novo modelo impediu sua expansão em larga escala, sendo implantado de forma
inexpressiva em algumas instituições (SAVIANI, 2008).
Observou-se
nesse
modelo
uma
tentativa
de
reconhecer
as
subjetividades dos indivíduos e seu envolvimento na construção dos saberes mesmo
com a separação por categorias de interesse. O determinante econômico que
justapôs essa ideologia educacional demonstra as prioridades dos sistemas
educacionais vigentes.
Após a desilusão do Escolanovismo, surgiram tentativas de desenvolver
uma “Escola Nova Popular”, denominada Pedagogia Tecnicista. Essa objetivou
reorganizar os pressupostos educativos de forma a torná-los operacionais ainda da
perspectiva de aprender a aprender. As propostas pedagógicas são voltadas para o
tele ensino, a instrução programada com especialização de funções com o início do
ensino técnico em diferentes áreas (SAVIANI, 2008). Nesse modelo, o marginalizado
abandona a condição de ignorante ou rejeitado e toma o perfil de incompetente,
improdutivo.
Entende-se esse modelo como fabricante de mão de obra ao capitalismo,
em que os educados servem as necessidades do sistema. Não permite oportunizar
espaço de trabalho e diminuir a desigualdade econômica, porém o fator que motiva
esse ensino (produção) deveria estar centrado no sujeito (interesses individuais).
As teorias crítico-reprodutivistas são: Teoria do Sistema de Ensino como
Violência Simbólica, Teoria da Escola como Aparelho Ideológico do Estado e a
Teoria da Escola Dualista. Estas qualificam a educação como fator determinante da
marginalização, contribuindo para o afastamento social entre classes.
A Teoria do Sistema de Ensino como Violência Simbólica apresenta a
educação como imposição de uma cultura dominante sobre os grupos dominados,
determinando o sistema educacional como produtor de desigualdades sociais. As
classes dominadas são a representação dos marginalizados, da qual o ato de ser
educado reforça tal submissão, educar tem função de marginalizar (SAVIANI, 2008).
23
Na Teoria da Escola como Aparelho Ideológico de Estado, a escola
capacita a força de trabalho para a produção, da qual classes sociais irão
diferenciando-se no decorrer do tempo. Os operários e camponeses cumprem a
escola básica e são incluídos no sistema produtivo braçal. Outros atingem um nível
escolar médio e são denominados “pequenos burgueses”, enquanto uma pequena
parcela atinge o topo da cadeia em que serão agentes de exploração (sistema
produtivo), agentes de repressão (Aparelhos Repressivos do Estado) ou
profissionais de ideologia (nos Aparelhos Ideológicos do Estado). Nesse aspecto, a
marginalidade apresenta-se na classe trabalhadora da produção capitalista
(SAVIANI, 2008).
A Teoria da Escola Dualista propõe uma dicotomia em duas classes
básicas: a burguesia e o proletariado, esta representa a força de trabalho. Nesta
organização, a escola tem como cerne impedir o fortalecimento ideológico do
proletariado, qualificando o intelecto e desqualificando o trabalho braçal (SAVIANI,
2008).
Observa-se que as teorias não críticas apresentam uma proposta
pedagógica, enquanto os críticos reprodutivistas movem-se em “explicar o
funcionamento da escola como tal está constituída” (SAVIANI, 2008, p. 24).
Libâneo (2010) apresenta tendências pedagógicas baseadas nos
condicionantes sócios políticos, classificando-as como Liberais e Progressistas.
A Pedagogia Liberal surge como defensora da liberdade individual, na
tentativa de organizar uma sociedade baseada na propriedade privada dos meios de
produção, em que a escola prepara os indivíduos para exercerem seu papel social
determinado por sua aptidão pessoal.
Entre as correntes liberais, encontra-se a Tendência Tradicional, com
conteúdos e procedimentos centrados nas regras dos professores. A Tendência
Renovada reconhece o aluno como foco do saber, tendo o ensino direcionado as
suas necessidades, sendo dividida em Renovada Progressista (trabalha a
singularidade
dos
indivíduos),
e
Renovada
Não
Diretiva
(objetivos
de
desenvolvimento pessoal e relações interpessoais). A corrente Liberal Tecnicista
fundamenta-se na formação de recursos humanos para a sociedade produtiva,
24
construindo uma “consciência politizada”, de acordo com as necessidades do Estado
(LIBÂNEO, 2010).
A Pedagogia Progressista atua na criticidade do mundo e de suas
relações sociais, questionando os compromissos sociais e políticos do sistema
educacional. As três tendências que compõem essa corrente são: Crítica Social dos
Conteúdos, escola como articuladora de conteúdos e mediadora social, produtora de
saber crítico em conjunto com os alunos; Libertadora, Pedagogia de Paulo Freire; e
a Libertária, que se assemelha pelo trabalho com a experiência de vida dos
educando, valorizando o aprendizado em grupo (LIBÂNEO, 2010).
Cinco abordagens são apresentadas por Mizukami (1986): Tradicional,
Comportamentalista,
Humanista,
Cognitivista
e
Sociocultural.
A
abordagem
Tradicional é pautada pela transmissão do conhecimento pelo educador, com
sistematização e memorização pelo educando. O método Comportamentalista é
direcionado pelo condicionamento de comportamento dos sujeitos para que venham
atingir os objetivos propostos (MIZUKAMI, 1986).
A abordagem Humanista admite a pessoa como centro do ensino, com
orientações direcionadas a sua experiência e singularidade. O método Cognitivista
exercita a organização e o processamento das informações, direcionando o aluno à
tomada de decisões, cujo sujeito inserido numa situação social é o ponto de partida
para o processo de aprendizagem. A abordagem Sociocultural busca pela
superação da relação opressor-oprimido na transformação da situação que oprime,
desenvolvendo consciência crítica, em que educador e educando “se educam”
(MIZUKAMI, 1986).
A abordagem Sócio Cultural trata do envolvimento dos indivíduos em sua
realidade cultural, e como esta influencia diretamente o seus significantes. Nessa
teoria homem e mundo devem ser vistos em constante interação, onde o mundo
apresenta-se como cenário para o desenvolvimento cultura (MIZUKAMI, 1986).
Nessa perspectiva insere-se Freire e seu pensamento pedagógico (descrito adiante)
que propõe na reflexão o início da libertação do homem.
25
Alguns conceitos são convergentes nas abordagens apresentadas.
Referenciais aproximam-se e muitas vezes até se misturam, consentindo uma tênue
linha de percepção entre o início e o fim de determinada abordagem.
Essas correntes de ensino apresentam influências de teorias psicológicas
que motivam a compreensão psíquica do comportamento de aprendizagem:
Behaviorista, Cognitiva, Humanista e Psicodinâmica. Esses referenciais direcionam
o entendimento de condutas do binômio educador-educando que envolve os
processos educacionais.
A teoria Behaviorista demonstra o aprendizado através de relações
estímulo-resposta. Fatores condicionantes podem modificar as atitudes e respostas
dos indivíduos orientados por uma motivação. O comportamento condicionado
muitas vezes se transfere da situação inicial provocadora e adapta-se a outras
realidades. Esse modelo pode ser utilizado tanto em aprendizado primário quanto na
dessensibilização de comportamentos ameaçadores. O ambiente apresenta-se
como instrumento condicionante. Nesse processo, o sujeito apresenta-se passivo e
responsivo aos estímulos ambientais (BRAUNGART; BRAUNGART, 2010).
No referencial cognitivo, a percepção do indivíduo é o caminho da
aprendizagem. O sujeito é ativo no processo de aprendizagem. Enquanto
compreende a informação, relaciona conhecimentos prévios, reorganizando em
novas informações e modos de compreensão. A recompensa externa torna-se
desnecessária, pois os educandos possuem interesses e objetivos que motivam
suas ações. Nesse processo, o educador é ativo e estruturante das significações do
outro, em que o aprender a aprender fundamenta o aprendizado (BRAUNGART;
BRAUNGART, 2010).
A perspectiva humanista apresenta cada ser como únicos e desejosos de
crescer. O valor dos sentimentos e das emoções, a criatividade e o direito de
escolha são alguns dos princípios que norteiam esse aprendizado. Não renuncia a
um referencial motivacional, porém, ao invés de guiar-se por um resultado, baseiase nas necessidades e subjetividades individuais. O aprendizado é facilitado pela
curiosidade e liberdade de escolha. O educador apresenta-se como um facilitador,
em que a escuta deverá ser sua principal habilidade (BRAUNGART; BRAUNGART,
2010).
26
Baseada nos trabalhos de Freud, a teoria psicodinâmica pode por vezes
não ser encarada como uma teoria de aprendizagem, apesar de apresentar
condições significativas para tal. Esta ressalta forças conscientes e inconscientes
que guiam o comportamento e efeito das experiências da infância que influenciam o
aprendizado. O princípio motivador é o desejo. O educador coloca-se como
intérprete das motivações do aprendiz, propondo questões e estimulando a tomada
de consciência e a força do ego (BRAUNGART; BRAUNGART, 2010).
Para Freud, o domínio, direção e o controle estão na base de qualquer
sistema pedagógico, e jamais poderão ser integralmente alcançados. A pedagogia
precisa reprimir para ensinar. Precisa de energia libidinal sublimada e não
sexualizada. Assim, ensinar exige que o professor aceite sem desespero que ele
pode ensinar, mas que isso não trará mudanças aos modos subjetivos de pensar, e
dessa maneira, no futuro, os alunos saberão pensar sozinhos. A morte simbólica do
docente é vital para tornar-se mestre de si mesmo. O encontro entre o que foi
inserido e a subjetividade de cada um é que torna possível o pensamento renovado,
a criação e produção de novos conhecimentos (KUPFER, 2012).
Essa breve reflexão sobre as tendências pedagógicas não consegue
reproduzir a profundidade de suas influências no ensino aprendizado, propõe
apenas vislumbrar as diversas nuances comportamentais que fundamentam o
processo de aprender. Este se apresenta mediado pela interação indivíduo-ambiente
na apropriação de informações e experiências, demonstrando individualidade em
cada ser. As teorias sugerem que para aprender, o sujeito é fortemente influenciado
pelo “ganhar algo”, sendo esse algo catalisador de mudança de comportamentos.
2.2 Educação em saúde e Enfermagem
A educação em saúde como disciplina teve sua origem nos Estados
Unidos, em 1921. Winslow (1923) aduziu os primeiros escritos, definindo educação
para saúde, com primeira inferência à saúde pública como promotora direta.
A história da educação em saúde no Brasil tem seu registro inicial na
Educação Sanitarista, no início do século XX, em que a relação homem e meio
torna-se circunscrita por normas para prevenção das enfermidades. As doenças
27
infecciosas e parasitárias eram centro das atenções, fomentando campanhas
repressoras, com íntima dependência de intervenções médicas (GAZINELLE; REIS;
MARQUES, 2006).
As ações educativas em saúde eram normas prescritivas e policialescas
para a manutenção da saúde coletiva, baseando-se apenas na causalidade das
doenças. Esse modelo olvidava-se das condições de pobreza da população e
mantinha interesse de que os agravos não afetassem a produção humana que
sustentava o capitalismo.
O profissional de saúde, detentor do conhecimento e mantenedor do
poder de ensinar, apresenta-se como centro do processo educativo, objetivando
arranjos e condicionamentos pessoais na tentativa de garantir a aprendizagem por
um programa pré-estabelecido. Aos indivíduos cabia apenas o direito de assimilar as
informações transmitidas, pautando-se em práticas tradicionais e comportamentais.
Nesse contexto normativo, infere-se a base que subsidia práticas
educativas ainda nos dias atuais, cujo modelo higienista de saúde e a educação
sanitária estão implicados na forma tradicional de educar, moldando os sujeitos às
condições científicas ideais, desconsiderando outros determinantes da saúde e as
individualidades de cada ser (REIS, 2006).
Rizzotto (1999) descreve uma enfermagem partícipe do contexto
higienista de saúde, da qual a enfermeira-visitadora era a “educadora sanitária”. O
Dr. Carlos Chagas propôs, sem sucesso, um curso formativo para essas
profissionais, baseado no sistema nightingaleano. A rejeição da população em
receber orientações, assim como a desistência das enfermeiras em realizar tal
trabalho foram alguns dos motivos da não realização desse projeto.
O perfil das enfermeiras na época predizia a dificuldade de implantar tais
ações. Em sua maioria eram mulheres de classe média ou alta e em número
reduzido. A formação dessas profissionais privilegiava o campo curativo, individual e
hospitalar, afastando-se cada vez mais do perfil de enfermeiras educadoras
sanitárias (RIZZOTTO, 1999).
O primeiro cuidado com “corpos” na universidade seria com cadáveres,
iniciando uma criação subjetiva do cuidado em “pessoas” que não tinham
sentimentos, cultura, voz nem valores. Deve-se ter cuidado para que essa primeira
28
representação não perdure em toda formação e atuação profissional (KRUSE,
2008).
Os sentidos instituídos pelos profissionais de enfermagem aos sujeitos
de sua prática e aos modos de cuidar são determinantes no desenvolvimento de seu
exercício profissional. A forma como o enfermeiro reconhece e compreende a
educação em saúde é traduzida em ações, olhares e falas, direcionando as
atividades, incorporando sentidos e valores ao seu fazer, desvelando também o
lugar do outro no processo educativo.
Na década de 1980, a Reforma Sanitária Brasileira despertou mudanças
no paradigma da saúde. A educação prescritiva apareceu em outro arranjo, talvez
menos agressivo e normativo, com uma roupagem informativa, norteada pelo
conceito de promoção de saúde.
O referencial que guia a proposta de promoção em saúde é o proposto
pela Carta de Ottawa, em que promover saúde implica fornecer condições aos
sujeitos de melhorar sua saúde e exercer postura ativa sobre a mesma. Os
indivíduos deveriam possuir, além de capacidade física, integridade psíquica e
social, obtendo assim qualidade de vida (WHO, 2010).
Souza, Colomé e Oliveira (2005) revelam que a promoção em saúde
muitas vezes é vista como sinônimo de educação em saúde. Essa afirmativa não
renuncia suas razões de existir, tendo em vistas que as ações educativas
apresentam-se como mola propulsora da condição de promover saúde. Não é
demasiado lembrar essa promoção em íntima relação com a educação, incluindo a
população e suas necessidades.
Essa perspectiva de cuidado do outro ainda permanecia direcionada por
informações prontas, verticalizadas e destituídas de características socioculturais da
população, considerando apenas os saberes científicos como determinantes na
saúde dos indivíduos (OLIVEIRA, 2011).
Nessas práticas, a preocupação em transferir conhecimento sem
compromisso de modificações e adaptações à realidade dos indivíduos ainda era
determinante (FIGUEIRÊDO; RODRIGUES NETO; LEITE, 2010). Esse método
pautava-se no Modelo de Educação Tradicional, que sairia das escolas e integraria o
campo da saúde.
29
A ação educativa deveria deslocar-se da filosofia “de mudança de
comportamento
pela
informação”
para
“ações
educativas
participativas”,
aproximando-se dos referenciais libertador e sociocultural (REIS, 2006).
Esse movimento iniciou-se na década de 1960, quando Paulo Freire
propôs uma atitude dialógica e libertadora como arte educativa, na qual os saberes
científicos estavam interligados aos populares, propondo que essa relação poderia
modificar as condições das populações através do conhecimento e da autonomia
dos sujeitos. Esse novo modelo ficou conhecido como modelo dialógico, libertador
ou problematizador.
A Educação Popular em Saúde (EPS) surgiu na década de 1970, a partir
de inquietações de profissionais de saúde insatisfeitos com os interesses
mercantilistas no setor saúde, desejosos por uma atuação mais significativa da
população que representasse a ruptura com o autoritarismo e a normatização
(SANTOS et al., 2010). Paulo Freire sistematizou e organizou os princípios deste
movimento num método que reconheceu a relevância do trabalho participativo e de
conquista de direitos (VASCONCELOS, 2007).
Nessa transformação, a EPS apresentou-se como instrumento de
participação popular, contribuindo para práticas transformadoras, emancipatórias e
dialógicas, fortalecendo a autonomia dos usuários e profissionais de saúde no que
diz respeito à condição dos sujeito como autores de sua condição de saúde/doença
e reinvenção dos modos de cuidar (BRASIL, 2007).
Alvim e Ferreira (2007) identificaram importantes contribuições da
educação popular freiriana para o cuidado de enfermagem à medida que os sujeitos
estabelecem uma relação dialógica que possibilita troca de saberes técnico-científico
e do senso comum, em que ambos assumem papéis de educadores e educandos,
simultaneamente.
Superar a concepção do indivíduo “paciente” que ocupa uma posição de
receptor do cuidado dependente do saber técnico-científico para uma posição ativa e
crítica é um desafio para enfermagem que se propõe a manter no diálogo a base do
cuidar, que reconhece partes de um no outro, na recriação e decisão das histórias e
sua integração com o mundo. As contribuições da educação popular freiriana para o
cuidado de enfermagem, à medida que os sujeitos estabelecem uma relação
30
dialógica, possibilita troca de saberes e assunção de papéis “educador-educando”,
simultaneamente, estimulando a emancipação e o fortalecimento da cidadania
(MIRANDA; BARROSO, 2004).
Na constante metamorfose das relações, corrobora-se Nietsche (2000)
quando afirma que se podem perseguir nas práticas de enfermagem tecnologias
emancipatórias dos sujeitos no processo de cuidar, libertando-os dessa “escravidão
científica”, podendo proporcionar participação ativa e modificadora. No âmbito do
cuidado, a enfermagem muitas vezes dispensa instrumentos materiais, produzindo
bens e valores que são invisíveis, compondo assim modos subjetivos da produção
de tecnologias da prática assistencial (PAIM et al., 2006).
Nesse sentido participativo e emancipatório, a reflexão que a educação
em saúde proporciona remete os indivíduos a crescimento enquanto seres políticos
que conhecem, decidem e agem (SANTOS; PENNA, 2009). O enfermeiro, ao
colocar-se como educador, deve ser capaz de provocar o diálogo problematizador
entre os sujeitos, neste sentido o educador se confirma como um mediador e
partícipe desta ação transformadora (OLIVEIRA; GONÇALVES, 2004).
Experiências
exitosas
têm
sido
realizadas
por
profissionais
de
enfermagem, com tecnologias dialógicas, norteando tais vivências. Inicia-se um
movimento de mudança no modo predominante de pensar educação em saúde,
apresentando transformação e conscientização dos participantes (MONTEIRO;
VIEIRA, 2010).
Nesse modelo, a escuta apresenta-se como importante ferramenta
educativa, pois quando se ouve o outro, escuta-se o próprio eu, podendo se tornar
sujeito reflexivo e construtivo. Ouvir torna-se fundamental para o profissional quando
participante de um processo educativo dialógico. Quando anteriormente ele na
maioria das vezes apenas falava, agora precisa também ouvir (SANTOS; PENNA,
2009).
As ações educativas que fornecem conteúdo e formas prontas devem ser
questionadas em seu alcance de compreensão e promoção da autonomia.
Apresenta-se quase como um “trabalho morto”.
Questiona-se assim a serviço de quem se encontra a prática educativa da
enfermagem, e como se pode provocar os sujeitos e aos profissionais envolvidos a
31
interrogar sobre sua condição de vida, seus sonhos, seus interesses e projetos. Será
que se provem ações que regulam, moldam os discurso, não permitindo o outro,
nem a si, pensar e dizer sua própria palavra.
Entretanto, apresentar um modelo educativo como unânime seria negar a
diversidade da vida e as singularidades dos seres. Deve-se refletir sobre a forma de
uso das práticas educativas destinadas à saúde, como estão sendo pensadas,
realizadas e objetivadas, para que não se desvirtue do verdadeiro sentido de educar
para a saúde.
2.3 Educação em saúde como cuidado clínico de enfermagem à saúde do
adolescente
O adolescer faz parte do processo de vida do ser humano, assim como o
nascer, envelhecer e morrer. No entanto, mais que simples marco cronológico,
representa um estágio do ciclo da vida humana, com características biopsíquicas e
sociais próprias, na qual se vivencia a passagem da infância para a vida adulta e
com ela mudanças, expectativas conflitos e grandes oportunidades (RAMOS, 2001).
Durante a história brasileira nem sempre os adolescentes tiveram “vez e
voz”. Três paradigmas de proteção às crianças e aos adolescentes foram
identificados através dos séculos.
O período colonial entre os anos 1500 e 1800 apresentou a sociedade
patriarcal com o desenho de unicidade familiar, em que os adolescentes eram
governados pelos interesses de seus pais, que determinavam suas profissões e
casamentos. Nesse recorte histórico, o Estado não intervinha na estrutura familiar,
estando o adolescente exposto aos mandos dos familiares. Educação e saúde não
eram prioridades, e a morte desses sujeitos não representava grandes percas, pois
estes não eram determinantes ao sistema produtivo da época. O sistema de
proteção vigente as crianças e aos adolescentes estava ligado ao caritativismo
religioso (SANTOS et al., 2009).
A partir de 1850 até a primeira metade do século XX, surgiu o primeiro
desenho de proteção jurídico social ao adolescente. O Estado Moderno começou a
32
articular um cuidado a essa população, particularmente nos campos da saúde e
educação. Normas e leis começaram a ser pensadas, e o judiciário passou a atuar
com varas de família e o juizado de menores na tentativa de garantir o bem-estar
das crianças e dos adolescentes. Essa corrente diferencia-se da caritativa, porém
ainda não se consideravam os condicionantes sociais determinantes nas iniquidades
que predominavam nessa população (SANTOS et al., 2009).
Desde 1980, o Brasil evoluiu para um modelo de proteção à adolescência,
construindo uma concepção de “sujeitos de direitos”. Essa reação ideológica que
elevou os adolescentes da condição de incapacidade a cidadãos é apresentada e
fundamentada em questões políticas e pedagógicas (SANTOS et al., 2009).
Diante dessa realidade vivenciada pelos jovens, e do espaço conquistado
pela juventude na mídia, nas pesquisas e nos debates públicos, o Estado
desenvolveu a Política Nacional de Juventude, que apontou a singularidade, o
protagonismo, valorização da diversidade juvenil, transversalidade das políticas,
participação juvenil e fortalecimento dos seguimentos vulneráveis como suas
principais diretrizes (BRASIL, 2006). A primazia dada ao adolescente foi reafirmada
pela Agenda Nacional de Prioridades de Pesquisa em Saúde, reforçando a
importância de trabalhar e estudar aspectos relativos à saúde do adolescente
brasileiro (BRASIL, 2008).
Apresentam-se, em seguida, os resultados de uma revisão integrativa da
literatura, que buscou artigos publicados e disponíveis na íntegra no período de
2000 a 2010 que apresentavam como as práticas educativas da enfermagem
direcionadas aos adolescentes estavam sendo apresentadas na atualidade.
Priorizaram-se fontes relevantes na área de saúde brasileira, realizando
buscas na Biblioteca Virtual em Saúde (BIREME) e, especificamente, no índice
bibliográfico Literatura Latino-Americana em Ciências de Saúde (Lilacs), na Base de
Dados Bibliográficos Especializada na Área de Enfermagem do Brasil (BDENF),
Literatura Internacional em Ciências da Saúde (Medline) e na biblioteca eletrônica
Scientific Electronic Library Online (Scielo). Os descritores utilizados foram
Enfermagem, Educação em Saúde e Adolescente.
Os critérios utilizados para constituir a amostra foram: artigos completos,
disponíveis na íntegra, publicação da enfermagem brasileira, com data de
33
publicação da última década e que estivessem relacionados com a temática
adolescentes, educação em saúde e enfermagem. Foram selecionadas 51
publicações, porém ao realizar a leitura dos títulos e dos resumos, detectou-se
duplicidade de alguns estudos.
Observou-se ainda que alguns trabalhos se enquadravam nos objetivos
da revisão. Ao rever as produções, obtive uma amostra final de 18 artigos. Estes
foram identificados pela letra A e enumerados de acordo com a ordem de leitura
(A01 até A18), facilitando assim a organização dos escritos.
Ao realizar a leitura temporal, observou-se um crescente interesse de
propostas educativas da enfermagem direcionadas aos adolescentes nos últimos
cinco anos, sendo esse período representado por 88,88% dos estudos. Destacou-se
o ano de 2010, como responsável por 37,5% dessas publicações.
Ao considerar a proporção continental do Brasil, catalogaram-se os
trabalhos em concordância com as regiões demográficas em que foram realizados,
apresentando a região Sudeste (61,11%) como maior colaboradora nessa área de
pesquisa, seguida pelas regiões Sul (16,66%), Nordeste (16,63%), e Norte (5,5%).
Entre os temas encontrados nas diversas atividades educativas, a
sexualidade dos adolescentes (55,55%) foi o assunto mais abordado pela
enfermagem. Acredita-se que a preocupação com a prevenção de DST’S/HIV/Aids,
gravidez não planejada na adolescência, conhecimento do corpo adolescente e uso
de métodos contraceptivos, seja respaldada pelos números ainda preocupantes de
jovens infectados pelo HIV e mães adolescentes com que se deparam nos serviços
e acompanham nos indicadores de saúde. Corrobora ainda o proposto por Marques
et al. (2006), que incentiva a abordagem do tema sexualidade, Doenças
Sexualmente Transmissíveis (DST) e anticoncepção junto aos adolescentes, e apoia
o planejamento e a implantação efetiva de programas educativos sobre estes
assuntos.
Outros assuntos têm sido trabalhados com os adolescentes, como saúde,
transplante de órgãos, projeto de vida, autocuidado em diabetes e violência (5,55%),
álcool e drogas (11,11%). Percebeu-se poucos trabalhos educativos relacionados à
violência e ao uso de álcool e drogas na adolescência, o que demonstra uma lacuna
que deve ser repensada na prática da enfermagem, considerando o potencial
34
destrutivo destas situações para o adolescente, com extensão à família e toda
sociedade. . Porém, a vivência do grupo é que deverá pautar a discussão dos
assuntos, considerando que as características e necessidades de adolescentes
variam de comunidade para comunidade.
Acredita-se que o assunto que mais interfere na saúde do adolescente é
aquele que mais o aflige, que mais lhe traz questionamentos e dúvidas, podendo
desencadear decisões que incorram em risco para sua saúde. Conhecer a
população para qual se dirige as atividades é tão fundamental quanto considerar a
opinião deste grupo para escolha dos temas.
Nas atividades educativas descritas nos artigos, os adolescentes
demonstraram interesse pelo tema que estava sendo abordado, porém, em poucos
casos, foram questionados sobre o que gostariam de aprender. Aponta-se que é
preciso ponderar a opinião destes jovens, que enfrentam problemáticas diversas
nesta fase de vida. Havendo o desinteresse de uma das partes, o diálogo não
acontece. Portanto, é de praxe o equilíbrio entre os dois critérios (necessidades e
interesses) para que o aprendizado ocorra.
Ao ponderar os delineamentos das pesquisas, dezessete trabalhos
(94,44%) apresentaram-se como pesquisas e uma como reflexão teórica sobre a
temática. Dentre as pesquisas, a maioria foi construída com uma roupagem
qualitativa (94,11%) e apenas uma não discriminou o método utilizado, embora com
características de um estudo com predominância quantitativa.
É compreensível a escolha quase totalitária por essa abordagem quando
se tem em vista que a pesquisa qualitativa trabalha com o mundo dos significados,
de valores, crenças e atitudes, apresentando o universo humano intimamente
relacionado aos encontros dos seres e suas representações (MINAYO; GOMES,
2009). Ao planear a educação como um processo de relacionar-se, sem ignorar ou
marginalizar
sentimentos,
idealiza-se
um
movimento
real
e
solidário
de
transformações.
Um ponto que mereceu atenção nesses estudos foi a insuficiente clareza
de um quadro teórico que fundamentasse as pesquisas (38,88%), apesar de
apresentar indícios de referenciais fenomenológicos. A Teoria Freiriana é frequente
em estudos de enfermagem que abordam educação em saúde com adolescentes
35
(33,33%), seguida pela Teoria das Representações Sociais (11,11%), Teoria da
Ação Racional, Materialismo Histórico e Dialético e Teoria da Promoção da Saúde
(5,55% cada).
Diante dos pressupostos utilizados, pôde-se considerar que esses
estudos despertaram para uma nova condução do cuidado clínico de enfermagem,
dirigida ao sujeito, com uma prática dialógica, interessada em interações
comportamentais e dialéticas.
Os dispositivos educativos utilizados pelas enfermeiras em atividades
educativas foram: grupos educativos (35,71%), oficinas (21,42%), dinâmicas de
grupo (14,28%), círculo de cultura (14,28%), acolhimento individual (7,14%) e
palestra (7,14%). Essa variedade de ações pode ser reconhecida como tecnologias
leves, produtos de trabalho vivo e abordagem assistencial diferenciada da
enfermagem na produção do cuidado ao adolescente.
Defronte a essas ações, vale destacar o uso do Círculo de Cultura,
significante estratégia educativa, pois permite aos adolescentes dialogarem entre si
sobre situações do cotidiano. Freire (2009) relata que favorece o aprendizado
rápido, contextualizado a realidade dos educandos, no qual existe uma inter-relação
que proporciona liberdade e crítica acerca do assunto abordado, resultando em um
grupo participativo nos debates, diálogos e trabalhos.
Ademais, as oficinas mostraram-se úteis como método educativo por
facilitarem o aprendizado ao contar com a participação dos sujeitos nas atividades.
Neste método, o adolescente aprende ouvindo, vendo, fazendo, tocando e
discutindo (AFONSO, 2010).
O uso de dinâmicas, por muito tempo, foi o único instrumento utilizado
como estratégia de educação em saúde. Hoje, ganhou uma nova roupagem e são
realizadas de maneira contínua nas atividades.
É importante observar, que mesmo em estudos que traziam uma
abordagem tradicional, os resultados extrapolaram os muros da escola (OLIVEIRA;
GONCALVES, 2004). As autoras relatam que mães de alunos compareceram à
escola manifestando apoio às palestras proferidas. Isso demonstra a carência de
informações e orientações que este grupo demanda.
36
Os artigos pontuam de forma diferenciada contribuições para a prática
educativa da enfermagem com o adolescente, alguns de forma direta e objetiva,
outras destacando apenas uma compreensão subjetiva. A necessidade de
capacitações e atualizações técnicas dos profissionais foi apresentada por 16,66%
dos trabalhos, cujos autores convergem ao sugerirem esses momentos como
potencializadores das habilidades educativas do enfermeiro.
O investimento intelectual torna-se pertinente, principalmente ao conviver
com profissionais que trabalham educação em saúde muitas vezes de uma forma
empírica, produzindo ações educativas desconexas e desordenadas com prejuízos
aos objetivos preteridos. Ao trabalhar com educação, o enfermeiro deve ter ciência
da importância dessa prática, assim como compreender as abordagens teóricas
metodológicas que fundamentam esse cuidado para realizá-lo de forma consciente.
A necessidade de sensibilização dos profissionais de enfermagem
também surgiu como reflexão dos autores (16.66%). Essa sensibilização deve ser
iniciada com um processo reflexivo do educador sobre sentimentos e subjetividades
a respeito do sujeito de suas ações, como seu olhar e entendimento direcionam seu
fazer. Conhecer como o enfermeiro compreende a prática educativa e os sentidos
que permeiam suas ações surge como necessidade de produção de uma práxis
consciente, indo de encontro a orientações verticalizadas e algumas vezes
destituídas de sentidos nas diferentes realidades de atuação do enfermeiro.
Por conseguinte, sugere-se que a enfermagem deve apresentar-se mais
compassiva as ações educativas dialógicas, possuindo um entendimento dos
contextos sócio-político-cultural, em que os adolescentes estejam envolvidos, e
principalmente, a sensibilidade para compreender a importância das posturas
educativas. Essa reflexão aponta o reconhecimento de uma clínica educativa
polissêmica, em que estar junto do outro e considerar suas subjetividades torna-se
condição sine qua non na proposta de um cuidado clínico de enfermagem que
educa, participa, reconhece o outro (VIEIRA; SILVEIRA; FRANCO, 2011).
A necessidade de intensificar o trabalho inter e multidisciplinar (16,66%)
foi apresentada como indicador de qualidade dessas práticas. Vilela e Mendes
(2003) apresentam a interdisciplinaridade como desenvolvimento da sensibilidade,
que não pode ser ensinado, mas deve ser vivido e exercido entre os profissionais,
37
apresentando o conhecimento humano como essencial diante da complexidade de
mundo em que se vive.
A mudança de cenários na atuação do enfermeiro enquanto educador
tornou-se presente em alguns textos (16,33%), incentivando os profissionais a
atuarem em espaços públicos compartilhados e diferenciados, como forma de
alcance a uma população jovem muitas vezes à margem do sistema.
Essa atuação em inúmeros espaços sociais é um instrumento de ação da
enfermagem que favorece a construção de vínculo terapêutico com os adolescentes.
A inclusão do profissional nesses espaços valoriza e respeita os adolescentes
quanto ao seu modo de viver, produzindo ações reais.
Um dos artigos recomenda a busca de novas técnicas educativas como
forma de promoção do cuidado e aprendizado, sugerindo que o círculo de cultura
seja uma prática presente na atuação da enfermagem junto aos adolescentes por
considerarem essa técnica promotora de reflexões e mudanças (BESERRA;
PINHEIRO; BARROSO, 2008).
A orientação do estudo citado torna-se pertinente quando 22,22% das
produções propõem à enfermagem uma postura mediadora, promotora de práticas
emancipatórias e transversais ao compromisso com a promoção à saúde do
adolescente, em que se deve estimular a autonomia dos adolescentes no cuidado, e
estes se reconhecerem como cooperadores e partícipes desse processo
transformador.
Sete estudos não declararam objetivamente contribuições para prática
educativa da enfermagem, porém todos demonstraram que atividades educacionais
com metodologias participativas são estratégias que atendem às expectativas dos
adolescentes e contribuem para aumentar a motivação e interesse por essas
atividades. Apresentaram reflexões críticas e participação dos sujeitos mediante
ações dialógicas, transmitindo-nos de uma forma subliminar que talvez esse seja o
caminho para o cuidado clínico de enfermagem numa perspectiva educadora.
Percebeu-se nos estudos o despertar da necessidade de novas ações
educativas aos adolescentes, talvez se despindo da postura opressora e higienista
predominante nas práticas. Os pressupostos freirianos foram apresentados como
norteadores de alguns estudos, e outros, mesmo quando não se referiam a Freire
38
diretamente, declaravam o exercício de uma educação em saúde participativa com
proposta de autonomia e reflexões críticas dos sujeitos.
Freire (1996) defende que a autonomia é baseada na decisão, e que essa
somente irá constituir-se na experiência de decidir. Em certos momentos, os
mesmos profissionais que defendem a importância da educação em saúde
problematizadora, trabalham como um check-list, tarefa a ser cumprida. No processo
educativo, quando não há a participação do educando na temática abordada, pode
se estar diante de um provável insucesso.
Ao reconhecer o outro como autônomo e nada se fazer para que esse
predicado se cumpra, vivencia-se uma farsa. O modelo dialógico presente nos
estudos reforça a educação problematizadora como construtora de conhecimentos e
competências, em que os adolescentes são objeto e sujeito das ações.
Mediante tais leituras e reflexões sobre como a enfermagem vivencia sua
prática educativa direcionada aos adolescentes, apropriei-me de alguns referenciais
freirianos que embasam a educação problematizadora como condutores deste
estudo. Essa condução não se disporá a apontar posturas e ações como certas ou
erradas, apenas apoiará na interlocução com os resultados obtidos no estudo,
remetendo à reflexão acerca de onde se encontra e o que se deseja enquanto
enfermagem que educa.
2.4 Conhecendo a educação problematizadora
Paulo Freire foi um visionário. Ousado e vanguardista, uma pessoa a
frente de seu tempo. Acreditou que o homem era um ser livre de direito, porém
enquanto inconsciente de sua autonomia e criticidade de mundo, apresentava-se
como oprimido e subjugado. Grande filósofo e teórico da educação, que marcou a
história ao apresentar uma possibilidade de libertação: o diálogo.
Sua ferramenta de conscientização foi a educação. Esta melhoraria a
condição humana, contribuindo para o que acreditava ser “a vocação ontológica da
espécie humana”: a humanização. Não devemos esquecer que o contrário existe, a
39
desumanização, porém, não é condição sine quanon da humanidade, podendo os
homens lutar contra isso (FREIRE, 2005).
Na época da ditadura militar, alfabetizou 300 homens em 45 dias com o
“círculo de cultura”, trazendo junto a esse soletrar, o pensar. Esse feito expandiu-se
por todo o Brasil, provavelmente, contribuindo a posteriori para seu exílio. As
pessoas não deveriam compreender o mundo, apenas vivê-lo.
Ao refletir sobre educação freiriana, encontra-se o homem como ponto de
partida. Porém, o homem em si não representa o cerne que sustenta os princípios
educativos. Freire (1979a) desvela o inacabamento, a inconclusão humana como
disparadores desse processo.
A busca pelo autoconhecimento expõe o homem à descoberta do
inacabado, produzindo a busca pela completude, “pela resposta da finitude infinita”
(FREIRE, 1979, p.27). Na compreensão da incompletude e da certeza da busca de
sua reversão, Freire (1979) afirma que esse caminho não deve ser solitário, e sim,
em comunhão com outras consciências, outros seres, fugindo da “coisificação” da
consciência. A proposta conscientizadora deve manter a minha consciência como a
consciência do mundo, não deve constituir-se em separado das outras, senão se
viverá no vazio, em mundos diferentes. Se o lugar de encontro comum das
consciências não for o mundo, as pessoas não existiram enquanto seres de
comunicação (FREIRE, 2005).
Do reconhecimento do homem como ser inacabado emergiu a
necessidade da educação, sendo essa ação exclusiva do homem, que na
consciência de sua inconclusão, mantém contínuo processo de educar.
Porém, Freire (2005) alerta que o “homem deve ser sujeito de sua própria
educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém” (FREIRE,
1979a, p. 28). Nessa visão, não se deve sobrepor como resgatadores do outro, e
sim permitir que este se autoconfigure, responsavelmente. A descoberta da
ingenuidade inata transforma as pessoas em seres críticos, conscientes da
insatisfação social e reconhecedor da opressão.
Freire (2005) apresenta os homens como oprimidos que contribuem para
a construção do opressor, sendo esse escravo desse poder de opressão. Ao
visualizar o que está além, talvez seja possível perceber que o opressor também é
40
um oprimido de si mesmo. A libertação do oprimido ao encontrar sua humanidade
proporciona ato positivo para ambos: liberta a si e a seu opressor.
O reconhecimento de si às vezes torna-se prejudicado pelo envolvimento
com a opressão, em que tornar-se opressor apresenta-se como tendência primeira
dos oprimidos que se libertam. Apresenta-se como vontade de experienciar o “outro
lado”, pois essas são as únicas realidades que se conhece.
É interessante que a mudança parta também da ação, e não puramente
do intelecto, pois essa ação que desperta reflexão é constructo de uma nova práxis.
Enquanto educadores que participam da libertação, Freire (2005) propõe não
apenas a dizer que os homens devem “ser autônomos”, pois, corroboraria as
mesmas atitudes prescritivas criticadas. O resultado desse processo educativo deve
ser a conscientização, e não a transferência de conhecimentos.
Freire (2005) critica as relações educativas baseadas em narrativas. A
postura de educandos e educadores no processo narrativo qualificam o aprendiz
como “objetos pacientes”. Os conteúdos encontram-se distanciados de suas vidas,
não representando nenhum significado para os ouvintes. As palavras encontram-se
presentes, porém mortas de conteúdo, vazias de sentido.
A esse modelo educativo, Freire (2005) denominou de Educação
Bancária. O depósito desses saberes oportuniza a impressão de conhecer, quando
na verdade, alimenta a ingenuidade do educando. Nessa relação, o objetivo é
conduzir o receptor a um pensamento que interessasse o locutor, destituído de
qualquer reflexão que possa proporcionar transformação da realidade.
A ausência da história dos educandos nesse modo educativo afasta o
sujeito de um ato cognoscitivo, e apresenta apenas um ato cognoscente do
educador.
Contrariando os princípios bancários, Freire (2005) propõe a educação
problematizadora. Esta trabalha com a intencionalidade da consciência e
comunicação. Essa proposta emerge e gesta da reflexão dos educadoreseducandos. O educador se reinventa e, então, também é educado pelos objetivos
dos educandos, que investigam, criticam. A educação problematizadora implica em
um constante desvelamento da realidade. O mundo e as experiências são na
41
verdade os facilitadores e mediadores do processo educativo transformador, agindo
como tecnologia educativa.
A educação problematizadora é representada em prática pelo Círculo de
Cultura. Imagine que o “círculo” substitui a sala de aula, em que todos estão
envolvidos, enlaçados em equipe, tendo como método de estudo o diálogo. “De
cultura” porque representa a construção cultural daquele grupo (BRANDÃO, 1981).
O método freiriano dispõe da ação dialogal entre educadores e
educandos. Após aceitar envolver-se no trabalho educativo, o primeiro passo deve
ser a pesquisa. Apresenta-se como um trabalho cartográfico de (re)conhecimento da
realidade local, do cenário de vida dos sujeitos (BRANDÃO, 1981).
Esse primeiro momento obteve diversas nominações: levantamento do
universo vocabular, descoberta do universo vocabular, pesquisa do levantamento
vocabular e investigação do universo temático. Todas essas denominações mantêm
o mesmo objetivo: descobrir, investigar a fala da cultura dos educandos. Essa
descoberta não é realizada através de questionários ou roteiros, mas no conviver, no
participar da comunidade, em que todas as falas são importantes: provérbios,
dizeres, versejares, ou o cantar de mundo e traduzir a vida (BRANDÃO, 1981). Essa
vivência aproxima o pesquisador do pesquisado.
Após a descoberta das palavras, descobre-se também um mundo
contado em suas particularidades, mundo este que produzirá leitura dupla: a palavra
vivida e a escrita que a traduz. O encantador desse método é que não existe forma
única de realizá-lo, pode-se, e deve-se recriá-lo e vivê-lo em sua plenitude de
oportunidades.
As palavras abandonam sua condição de signos linguísticos e passam a
constituir uma relação, um aprendizado. Essa prática vai além de alfabetizar, ação
muitas vezes impensada e mecanizada.
Por isso, palavras como: Eva, Ivo, ovo, ave, sapato, são tão
universais quando vazias. E, na verdade, elas nada precisam dizer
nem evocar, porque tradicionalmente alfabetizar tem sido
considerado como um trabalho mecânico de ensino de uma
habilidade necessária, mas neutra. Uma espécie de mágica que vira
mania, ato coletivo compulsivo com que se aprende pelo esforço do
simples repetir sem refletir (BRANDÃO, 1981 p.30).
42
As palavras escolhidas além da riqueza fonêmica e dificuldade fonética
devem possuir densidade pragmática de sentido. Esse é o segundo momento do
método.
Essas palavras conduzirão debates que sugerem a constituição de mundo
do grupo. Estarão codificadas e apresentadas em situações reais, porém
desafiadoras. Essas situações problemas deverão ser decodificadas pelos sujeitos,
levando a uma conscientização concomitante à alfabetização (FREIRE, 2009).
O momento que atravessa o abstrato para demonstração do concreto é o
da leitura das fichas de cultura. Nelas, desenhos são realizados a partir da
codificação-decodificação dos temas geradores. O debate gira em torno das
situações apresentadas, em que os homens descobrem-se como seres relacionais,
produtivos e políticos (BRANDÃO, 1981).
Em último momento, as palavras geradores representadas foneticamente
são
apresentadas aos educandos, em que
ocorrerá
a decomposição e
reconhecimento dos fonemas, oportunizado a criação de outras palavras (FREIRE,
2009).
Esses constructos forneceram origem ao movimento de Educação
Popular. Não nascia um novo método, mas toda uma nova visão de resgate de
mundo e nova esperança no homem, o “método foi só uma botina que calçaram nos
pés ao caminhar” (BRANDÃO, p. 15, 1981).
A obra de Freire é complexa e vasta. Difícil tarefa definir conceitos que
direcionarão este estudo. Adotarei alguns dos conceitos que julgo básicos para as
discussões a que se propõe a pesquisa: homem, educação, diálogo e
conscientização. Compreendo que durante o caminhar poderão se agregar novas
ideias a essa composição. Adiante, apresento uma breve análise de tais postulados
que subsidiarão a interlocução dos achados propostos.
2.5 Conceitos freirianos
Compreender as implicações dos movimentos relacionais propostos pela
educação inspira a transpor a superficialidade da concepção de homem. O
43
pensamento crítico-reflexivo de Freire que introduz o diálogo como princípio primeiro
do educar, educar esse envolto em homens, apresenta a conscientização de si, de
sua incompletude e de sua opressão como produto gerador da liberdade. Esse
constructo ideológico pode apoiar o enfermeiro educador e justificar o trilhar pelos
caminhos dos conceitos abaixo explorados.
2.5.1 Homem
O homem não está sozinho. É um ser reflexivo. Busca “ser mais” por se
reconhecer incompleto, incompletude que fomenta a raiz da educação. Está no
mundo e com o mundo, capaz de relacionar-se, refletir e capturar a realidade para
produzir conhecimento. O homem ao se relacionar com outro, diferencia-se dos
demais animais. Estabelece relação com a realidade e através destas chegam a
sujeitos.
Este ser “temporalizado e situado”, ontologicamente incabado –
sujeito por vocação, objeto por distorção-, descobre que não só está
na realidade, mas também que está com ela. Realidade que é
objetiva, independente dele, possível de ser reconhecida e com a
qual se relaciona (FREIRE, 1979a, p. 62).
Desenvolve assim relações com o ambiente e seres, codificando relações
reflexivas, consequentes, temporais (FREIRE, 2009). Dinamiza e recria seu mundo
além dos espaços físicos, produz valores e cultura.
Esse homem deve alinhar-se com atitude crítica, e apenas assim integrase ao mundo e aos outros, transpondo a acomodação e os ajustamentos impostos,
exercitando sua capacidade criadora. Assim, humaniza, liberta (FREIRE, 2009).
A antropologia freiriana apresenta o homem como histórico, cultural,
processual e inconcluso. Residente em uma realidade opressiva e mutiladora que
nega freneticamente sua humanidade.
O enfrentamento para a busca dessa
humanidade é iniciado com sua conscientização de mundo (OLINDA, 2005).
O homem é plural em sua singularidade, construído por diversos pedaços
de sua história, negando adaptação nos contextos pré-escritos. Com a criação e
recriação, o homem produz história. Freire (1979) apresenta a atitude crítica ao
44
homem como instrumento integrativo a sua historicidade. O homem ocupa posição
de oprimido/opressor, ou de liberto, numa constante dialética entre “ser mais” e
desumanizar-se.
O homem enquanto oprimido abriga o opressor assemelhando-se a este,
impossibilitando a descoberta de sua real condição e afastando-se de sua libertação
ao aconchegar o papel de futuro opressor. Nessa perspectiva, o encontro dos
homens oprimidos e opressores produz no primeiro o que Freire (2005) nomina
“aderência” ao opressor, que irá admirar o segundo e mergulhar em sua constituição
opressiva constituindo-se como “homem novo” (FREIRE, 2005). O homem novo não
prediz a condição liberta, e sim ao exercício da opressão onde os oprimidos serão
vivenciados por outros. Não existe compreensão de si, apenas a óptica de um
mundo que oprime.
Uma dos principais mediadores dessa relação entre os homens é a
prescrição. Essa prescrição modela e aprisiona o homem que teme por sua
liberdade. A conquista da liberdade requer a substituição da sombra opressora pela
autonomia, implicando a compreensão das razões para que por meio de sua
libertação o homem inicie a busca pelo “ser mais” (FREIRE, 2005).
A descoberta do homem enquanto ser oprimido dispara uma dualidade
interior que carece escolher entre “seguirem prescrições ou terem opções” (FREIRE,
2005, p. 38), desvelando o dilema que sustenta a pedagogia do oprimido. Tal dilema
é sofrido, metaforizado por Freire como “um parto”, doloroso, mas que permitirá a
liberdade a este homem.
2.5.2 Diálogo
O diálogo apresenta-se como essência da educação que liberta. É prática
de conhecimento, necessidade vital e mediatizadora das relações. Posto como
necessidade existencial condutora do caminho, no qual os homens encontram seu
significado (FREIRE, 1979).
A palavra dialogada pronuncia o trabalho da ação reflexão, descortina a
ignorância existente no homem e o retira da postura de meros “istos” e propõem
reconhecimento de seus “eus”. (FREIRE, 2005).
45
O diálogo ao conduzir a educação libertadora define-o enquanto essência
do conhecimento. Na busca por conhecer, o diálogo desperta a atividade intelectual
dos homens conduzindo a caminhos complexos de conhecimento e transformação
social (DAMKE, 1995).
Como condição apriori do diálogo, Freire (1979a) apresenta o amor pelo
mundo e pelos homens. Amor com capacidade de recriação, em que reflexão e ação
orientam a transformação conduzida pelo diálogo. Nessa relação dialógica não pode
haver dominação, pois o verdadeiro amor não domina.
O diálogo como travessia para a comunicação propõe um encontro de
homens, um encontro livre, um encontro amoroso. A comunicação entre homens
que aprendem causa ruptura e carece de revestimentos de humildade. Nesse clima,
a confiança mútua conduz os que dialogam, e deve buscar comprometimento por
parte dos que discursam.
O que é o diálogo, neste momento de comunicação, de
conhecimento e de transformação social? O diálogo sela o
relacionamento entre os sujeitos cognitivos, podemos, a seguir,
atuar criticamente para transformar a realidade (FREIRE, SHOR,
1986, p.123)
Nega-se, portanto, a existência de monólogos ao educar, rejeitando o ato
de depositar ideias de um sujeito no outro. O diálogo nasce de uma matriz crítica e
de relação horizontal, produzindo assim o verdadeiro comunicar. Contrapõe-se ao
antidiálogo, que desesperançoso e arrogante, implica em uma relação que não
comunica, faz comunicados (FREIRE, 1979).
O caráter dialógico afirma que não se pode pensar pelo outro. Nesse
pensar próprio, os sujeitos conservam suas identidades e crescem juntos, sem
nivelamentos ou reducionismos (FREIRE, 2000). O afeto que constitui o diálogo
conduz este a possibilidades de realizações, fomenta a expressão de convergências
e divergências humanas e conduz a construções e reinvenções.
O diálogo não é a simples palavra que externa da boca, não é o simples
ouvir, mas a apreensão e compreensão do outro, o enxergar através do que é visto
e o sentir falar do outro advindo da alma.
46
O diálogo, na verdade, não pode ser responsabilizado pelo uso
distorcido que dele se faça. Por sua pura imitação ou por sua
caricatura (FREIRE, 2000, p.118)
O diálogo ao contrário do que se possa pensar, não anula a possibilidade
de ensinar, ele constitui o processo de aprendizagem que circunda o educador
crítico que se abre a curiosidade do educando. No entanto, o diálogo não deve ser
confundido com bate papo casual, há de se ter uma palavra responsável, deve se ter
conteúdo (GADOTTI, 1996).
Assim, reflete-se acerca de alguns questionamentos de Freire (2005)
sobre a posição do homem enquanto ser de diálogo: como dialogar se nos
consideramos superior aos outros? Como dialogar se me fecho às contribuições
externas? Como dialogar se temo a superação? Essas inferências apresentam o
diálogo e sua incompatibilidade com a autossuficiência humana, pois dialogar não
requer seres absolutos, e sim em comunhão.No diálogo devemos reconher o outro,
e libertos da arrogância ao discordar manter o respeito ao passo alheio que não se
quer acompanhar (FREIRE, 2000).
O diálogo pressupõe fé na historicidade dos homens e sua construção
particular de mundo, onde a esperança vinda do encontro libertador prediz um futuro
diferente através do amadurecimento e criticidade dos povos. Deve também
instaurar a confiança e envolver os sujeitos na pronúncia do mundo, pronúncia que
espera pelo fazer destituído de burocracia, prima por um fazer relacional, crítico e
alegre.
2.5.3 Educação
A educação é uma busca de compreensão dos sujeitos, sendo estes
protagonistas do seu educar. Não se apresenta como promessa de adaptação da
realidade, mas propõe uma transformação na busca pelo “ser mais”. O ímpeto de
criar desprende de uma educação autêntica, que não reprime, não cria barreiras,
mas oportuniza a criação de novos homens (FREIRE, 1979). Agrega em si uma
dimensão prática e estética que convivem e se fundem na vivência da teoria com a
prática, na criação e recriação do conhecimento (FREIRE, SHOR, 1986).
47
A educação problematizadora acolhe os homens enquanto seres em
devir, em sua incompletude e suas realidades inacabadas. A problematização
apresenta-se como fio condutor utilizado pelos educadores para instigar reflexão e
criticidade dos educandos sobre sua realidade. Essa educação propõe a superação
da contradição educador-educando, sendo conduzida pela dialogicidade (FREIRE,
2005).
A práxis proposta por esse modelo é a relação dos participantes no
processo educativo com o mundo, relação esta que deve ser autêntica enquanto
pensamento e atuação, “Pensar-se a sim mesmos e ao mundo, simultaneamente,
sem dicotomizar este pensar da ação” (FREIRE, 2005, p. 82).
Esse processo instiga a percepção crítica dos homens em como estão
sendo, com que, e em que se reconhecem no mundo. A discussão das relações é
pressuposto básico. Essa educação se empenha em desmistificar as ligações
humanas (FREIRE, 2005).
A educação problematizadora não pode negar a curiosidade, a
insubmissão e a rebeldia do outro em questionar, em aguçar sua curiosidade. Essa
proposta educacional coloca como condição verdadeira de aprendizagem a
transformação dos sujeitos com a desconstrução e reconstrução dos saberes.
Baseia-se não no ensino de conteúdos, mas no ensinar a pensar certo (FREIRE,
1996).
Não pode então a educação problematizadora servir aos opressores, pois
estes
não
permitem
a
pergunta,
e
não
há
educação
libertadora
sem
questionamentos. A educação deve ser ato de conhecimento entre seres, deve
aproximar a realidade e revesti-la de crítica. (FREITAS, 2001). Para vivenciar esse
ato deve-se garantir espaços para que essa educação brote, circule, espaços férteis,
amorosos, possíveis para interação dos mundos.
...é impossível pensar a educação numa perspectiva libertadora sem
pensar os modos concretos de garantir a sua dialogicidade (DAMKE,
RIGHI, 1995, P.80)
Uma das tarefas mais relevantes dessa educação é propiciar o
reconhecimento e a assunção da identidade cultural dos sujeitos, cuja assunção dos
sujeitos não exclui o outro. As experiências vividas devem ser assumidas, pois elas
48
criam os homens sociais, históricos e culturais, e estes se reconhecem diante de si,
corroborando a estratégia crítica proposta por esse modelo.
Assim, educação problematizadora aponta para um caráter reflexivo,
propondo ao homem o entendimento de sua inclinação ontológica como diretiva para
uma consciência dialética com a realidade, aprofundando conhecimentos e atitudes
frente ao mundo.
2.5.4 Conscientização
A
conscientização
apresenta-se
enquanto
postura.
Aparece
no
entendimento do homem enquanto ser incompleto que busca pela completude no
desenvolvimento crítico do saber. Toma sua posição no mundo e apreende a
realidade como objeto cognoscível de uma esfera crítica . Para Freire (1975, p. 289)
conscientização é:
... o desenvolvimento crítico da tomada de consciência. A
conscientização comporta, pois, um ir além da (apreensão) fase
espontânea da apreensão até chegar a uma fase crítica na qual a
realidade se torna um objeto cognoscível e se assume uma posição
epistemológica procurando conhecer.
São reconhecidas três dimensões no processo de conscientização: A
dimensão política, que alimenta um caráter ético e de encontro entre os homens,
onde a esperança de uma postura crítica é nutrida como potencialmente
transformadora; a dimensão epistemológica que se entrelaça a dimensão estética na
busca pelo novo e que se mantém na alegria enquanto mantenedora da esperança.
Torna-se por vezes complexo o entendimento de cada uma dessas dimensões onde
elas nutrem-se e completam-se num processo de transformação permanente
(FREITAS, 2001).
Discorrendo acerca da consciência crítica nos processos educativos,
Freitas (2001) chama atenção que a dimensão epistemológica da conscientização
se caracteriza pela inquietação, pela busca do conhecimento, pelo entendimento
estético que referem à subjetividades dos indivíduos e incluem o prazer, o amor e a
alegria enquanto componentes fundamentais a prática educativa.
49
Assim, mantém-se um compromisso histórico baseado na ligação
consciência-mundo. Nessa relação de reflexão crítica, os homens desvelam sua
obscuridade e aproximam-se do mundo, vivenciando uma retroalimentação reflexivocrítica desses “novos mundos”. É processo infindável (FREIRE, 1979).
As implicações do homem consciente têm que estar além do saber, deve
apresentar-se no denunciar, no transformar. Chega a ser utópico, porém “quanto
mais conscientizados nos tornamos, mais capacitados estamos para ser
anunciadores e denunciadores, graças ao compromisso de transformação que
assumimos” (FREIRE, 1979a, p. 16).
Conhece-se, assim, a conscientização como posse da realidade
produtora da desmitologização, e que jamais podem ser propostas pelos opressores,
pois conscientizar é olhar com olhos críticos para a realidade, desnudando seus
mitos opressores (FREIRE, 1979).
A consciência crítica difere da ingênua pela compreensão dos fatos e sua
realidade empírica, considerando um sistema de causas e feitos, enquanto que a
segunda se posiciona de forma superior e manipula os fatos conforme lhe convir,
com um olhar de superposição, com argumentações mágicas para os porquês da
realidade (FREIRE, 2009).
A conscientização prima pela profundidade da análise dos problemas,
reconhecendo a mutabilidade das realidades, porém, subsidiada por autenticidades
e desnuda de preconceitos. É inquieta, indagadora, investigativa. Ama o diálogo, e
através deste, nutre-se (FREIRE, 1979).
50
CONSTRUINDO O CAMINHO
51
3. CONSTRUINDO O CAMINHO
3.1 Olhares e ferramentas de investigação
Na condução do estudo, optei pela abordagem qualitativa. Essa
aproximação foi direcionada pelo tema e objeto do estudo que deseja trabalhar
questões que nem sempre são expostas ou quantificadas, como em nosso caso o
universo ideológico, que só nos permite compreensão pela imersão nas falas,
realidades e aspirações dos sujeitos (MINAYO; GOMES, 2009).
Guiado pelo Método Criativo e Sensível (MCS) proposto por Cabral
(1998), a participação ativa dos envolvidos foi singular para a produção do
conhecimento, trouxe à tona a interioridade e experiências do grupo através da artecriação.
Tal método é composto pela tríade: discussão de grupo, observação
participante e dinâmicas de criatividade. A interação grupal foi utilizada para
discutirmos a prática clínica associadas a métodos de pesquisa e educação, criando
uma riqueza e diversidade na produção de dados que constituíram o corpus do
estudo (CABRAL, 1998).
O MCS apresenta alicerce teórico em estudiosos como Gauthier, PichonRivière e Paulo Freire. O primeiro influencia esse modelo de pesquisa ao revelar seu
pensamento contra a maneira conservadora do estudo da ciência, que há um
distanciamento entre corpo e mente, desprezando o saber popular, transformando o
sujeito em objeto.
Cabral (1998) aponta o pensar de Pichon-Rivière como defensor da
prática grupal, ferramenta interdisciplinar que aproxima o sujeito coletivo, mantendo
singularidades e especificidades no trabalho de objetivos comuns, flutuando da
individualidade para pluralidade.
O MCS interpõe-se com a pedagogia crítico-reflexiva proposta por Freire,
entendendo que assim como na educação, a produção do conhecimento deve ter o
homem como sujeito de reflexão e construção de saber (FREIRE, 1979). Esse trilhar
produz
encontro
entre
pesquisadores
e
sujeitos
da
pesquisa,
propondo
homogeneidade, olhar para as singularidades, e mescla do lúdico a rigorosidade
52
científica durante as Dinâmicas de Criatividade e Sensibilidade (DCS)(GOMES,
2005).
3.2 Cenário do estudo
O estudo foi realizado no município de Maracanaú-CE. O nome
Maracanaú tem origem tupi e significa lagoa onde bebem as maracanãs. Recebeu
essa denominação em função da grande quantidade destas aves que sobrevoavam
suas lagoas.
Geograficamente, Maracanaú localiza-se no estado do Ceará, nordeste
do Brasil, fazendo parte da Região Metropolitana de Fortaleza. Possui o segundo
Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Ceará, estando atrás apenas do município
de Eusébio (MARACANAÚ, 2010).
O Município integra a macrorregional de Fortaleza e a terceira
Microrregional de Saúde do Estado ou 3ª Coordenadoria Regional de Saúde
(CRES), que se constitui como um conjunto de oito municípios com grande
integração e interdependência, e, sobretudo, com vontade política para pactuarem
na busca de soluções para problemas comuns, na área da saúde (MARACANAÚ,
2010).
A Secretaria de Saúde de Maracanaú é composta pelas Coordenadorias
de Atenção à Saúde; Vigilância em Saúde; Administrativa, Planejamento, Controle,
Avaliação, Regulação e Auditoria; Hospital Municipal e Ouvidoria da Saúde. O
município está dividido em 06 (seis) Áreas de Vigilância à Saúde (AVISA), criadas
pela lei municipal nº 561/97. Cada AVISA possui em média 32.500 habitantes,
constituindo-se
num
espaço
territorial
com
características
geográficas
e
demográficas próprias, e de gestão sanitária descentralizada (MARACANAÚ, 2010).
As duas primeiras dinâmicas ocorreram no auditório da secretaria de
saúde municipal, por sua centralidade e fácil acesso aos participantes, assim como
por ter espaço físico propício às dinâmicas. O espaço é amplo, climatizado e com
capacidade instalada para receber até 40 pessoas.
Na realização do último grupo não foi possível encontrarmo-nos no
mesmo local, pois neste acontecia outra reunião. Como alternativa e para não
53
postergar o encontro, a última dinâmica ocorreu na sala de grupo do Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS) em Maracanaú. Tal opção deu-se por ser meu local de
trabalho, o que viabilizou o uso do espaço, que possui ambiente amplo, climatizado
e oportuno para a técnica utilizada.
3.3 Sujeitos envolvidos
Os sujeitos desta pesquisa foram 15 enfermeiros das Equipes da
Estratégia Saúde da Família (ESF) de Maracanaú, vinculadas às escolas municipais
cadastradas no Programa Saúde nas Escolas (PSE).
Essa escolha tornou-se
intencional ao acreditar que integrar uma equipe participante do PSE propicie ao
enfermeiro manter relação educativa com o adolescente como proposto pelo
programa.
Inicialmente solicitei junto à secretaria de saúde o nome desses
enfermeiros e o endereço do posto de saúde em que trabalhavam. Realizei contato
com cada um deles através de visita ou ligação telefônica explicando sobre nossa
proposta de estudo e convidando-os a participar das DCS. Em sua quase totalidade
os mesmo demonstraram receptividade em participar do estudo, porém afirmaram
necessitar de liberação da Coordenadoria da Atenção Básica junto a suas gerentes
para que os encontros ocorressem em horário de trabalho.
Produzi ofício (APÊNDICE 1) solicitando liberação dos profissionais para
participação nas DCS e entreguei junto ao coordenador da ESF que deliberou junto
às gerentes de AVISA liberando os profissionais para participação dos encontros.
Procurei disponibilizar horários alternados (manhã e tarde) e em dias diferentes da
semana com intuito de facilitar a inserção dos enfermeiros nos grupos.
O primeiro grupo aconteceu no dia vinte e nove de maio de 2012 pela
manhã, contanto com a presença de três enfermeiros. O segundo grupo ocorreu no
mesmo dia à tarde com a participação de seis profissionais.
Após novo contato telefônico com os enfermeiros que não compareceram
ao primeiro dia, foi marcado novo encontro para o dia sete de Junho do mesmo ano,
deixando livre o horário que quisessem participar (manhã ou tarde). Nesse encontro
nenhum enfermeiro compareceu. Após esse momento a coordenadoria de saúde
nos solicitou adiarmos novo encontro devido à fiscalização do Ministério da Saúde
54
nas Unidades de Saúde da Família (UBASF), o que impossibilitaria a ausência das
profissionais nos seus locais de trabalho.
A coleta ficou suspensa durante o mês de julho, obtendo um retorno
positivo no último encontro agendado para o dia oito de agosto. Nesse encontro
compareceram sete enfermeiros. No início desse encontro um dos enfermeiros
solicitou não participar da DCS. Justificou que apesar de sua equipe estar vinculada
ao PSE nunca realizou nenhum tipo de trabalho com adolescentes, sendo excluída
por sua solicitação e ademais não preenchia os critérios de inclusão do estudo. Os
critérios de inclusão no estudo foram: incluir apenas aos profissionais que possuam
a equipe cadastrada no PSE e realizem, ou tenham realizado ações educativas com
adolescentes.
O método a ser aplicado (MCS) propõe o trabalho grupal com um número
restringido de participantes, proporcionando um espaço vivo, dialógico e dialético
(CABRAL, 1998). Assim, foram formados três grupos (caracterizados no quadro
abaixo):
Quadro 01. Caracterização dos sujeitos
Identificação do Enfermeiro
1º Grupo: Dinâmica
do Almanaque
2º Grupo: Dinâmica
do Almanaque
3º Grupo: Dinâmica
do Almanaque
Girassol
Lírio
Jasmim
Paloma
Mara
Violeta
Flor
Pamela
Rosa
Misteriosa
Royal
Planta
Guerreira
Pocahontas
Einstein
Idade
(anos)
Tempo de
Graduação
(anos)
Tempo no
PSE
(anos)
37
27
30
28
29
29
28
28
30
28
31
24
27
34
27
8
2
4
3
5
5
3
4
6
2
7
2
2
10
5
3
1
3
3
3
3
3
3
3
1
3
1
1
1
3
55
Dentre os participantes apenas um é do sexo masculino. Para preservar o
anonimato dos participantes, sugeri ao início de cada dinâmica a seleção de nomes
fictícios para representação das formações discursivas durante a análise do estudo.
A caracterização dos sujeitos demonstrou que os enfermeiros tinham em
média 5 anos de graduados, e destes pelo menos 2,3 anos de atuação junto ao
programa destinado a trabalho com adolescentes.
3.4 Produção e realização das dinâmicas
Na produção dos dados, utilizei dinâmicas de criatividade e sensibilidade
para aproximação do grupo com o objeto de estudo numa perspectiva que
despertasse conhecimentos e subjetividades dos enfermeiros sobre a temática.
Antes de cada grupo o ambiente foi organizado de maneira propícia ao
desenvolvimento da dinâmica do Almanaque. Para realização da dinâmica do
Almanaque produzida por Cabral (1998) disponibilizei aos enfermeiros os seguintes
materiais: revistas, folhas de papel ofício branca e coloridas, cartolinas, fitas
coloridas de cetim, novelos de lã, cola glitter, perfurador, lápis, borracha, papel
crepom, giz de cera, cola, tesoura, caneta hidrocor, fita adesiva (Figura 01).
Figura 01. Materiais dispostos para as DCS.
Os materiais dispostos numa grande mesa compunham o ambiente junto
à circularidade das cadeiras. A mesa propunha apoio à confecção dos almanaques.
Ademais, mantive dois gravadores portáteis para gravação durante as dinâmicas,
duas máquinas digitais, uma para registro em vídeo e outra para manutenção
56
fotográfica, assim como notebook e caixa de som portátil para música de fundo
durante a produção dos almanaques.
Apesar de apresentarem suas singularidades cada encontro teve como
eixo quatro momentos apresentados por Gomes e Cabral (2010):
Momento1- Acolhimento e apresentação do ambiente da pesquisa.
Os enfermeiros foram recebidos nos locais das dinâmicas e apresentados
quanto organização do espaço. Embora fossem ambientes que já conhecessem
estavam organizados de maneira não convencional.
Percebi que em primeiro momento os materiais para oficina causavam
certo impacto e ás vezes resistência em alguns participantes. Alguns consideraram
não ter habilidades lúdicas nem criativas para nenhuma composição artística, e
questionavam se seriam obrigados a desenhar.
Acolhi as primeiras indagações e esclareci que no momento seguinte
(explicação dos encontros) todas as dúvidas e questionamentos seriam discutidos.
Momento 2- Apresentação dos participantes e explicação sobre os encontros.
Nos três encontros iniciamos com uma breve apresentação dos
participantes com a pronuncia do nome, idade e há quanto tempo estavam
graduados.
Posteriormente
foram
entregues
duas
cópias
do
Termo
de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (Apêndice 2) onde prosseguimos com a
leitura do termo e explicações sobre o objetivo da pesquisa bem como o
funcionamento das dinâmicas.
Nesse momento foram esclarecidas as dúvidas em relação à participação
na criação do almanaque, onde os enfermeiros ficaram a vontade para realizar ou
não a produção artística. No instante inicial do terceiro grupo, uma profissional
decidiu não participar devido
à ausência de práticas com adolescentes
(anteriormente relatado). Ademais, os que consentiram assinaram TCLE em duas
vias e iniciaram a construção do almanaque.
57
Momento 3- A enunciação e discussão das questões geradoras.
Passado os dois momentos iniciais postei em uma cartolina as três
perguntas norteadoras do estudo que serviriam como disparadoras para a produção
dos capítulos do almanaque: a) Como você concebe educação em saúde b) Como
você realiza sua prática educativa com adolescentes? c) Qual o sentido dessas
ações pra você?
Solicitei que criassem um almanaque com o material disponível, e durante
a produção identificassem pelo menos três capítulos distintos: “educação em saúde
e enfermagem”, “educação em saúde com adolescentes”, “sentido da prática
educativa com adolescentes”
Figura 02: Dinâmica de Sensibilidade e Criatividade – Almanaque
Durante a elaboração artística ocorre a codificação dos saberes, onde os
enfermeiros dialogam consigo e trazem à consciência questões vivenciadas sobre o
tema do estudo (CABRAL, 1999). Apesar de alguns receios iniciais todos
participaram e a duração média de criação das produções foi de 49 minutos. Toda
construção do material foi filmada e fotografada mediante anuência dos participantes
e consentimento assinado.
58
Momento 4- Análise individual.
A produção lúdica revela a consciência objetiva e subjetiva dos
enfermeiros em relação as suas práticas educativas. Depois de concluída as
produções, os profissionais apresentaram seus almanaques, dimensionando assim
seus conhecimentos e atuação na educação em saúde com adolescentes. Realizase aqui o processo de decodificação. Mediado pelo diálogo grupal e análise das
produções artísticas, os enfermeiros debateram sobre as questões geradoras a
partir de suas criações, empreendendo a negociação de saberes e dando vida a
discursividade.
Como proposto por Gomes (2005) realizei gravação de em áudio e vídeo,
para que não se permitisse escapar nenhuma produção verbal e não verbais dos
sujeitos, assim como observação participante para contribuir com a análise em
explicitações contextuais que se fizessem necessárias. Após transcrição dos
diálogos, cronometrei o tempo utilizado por cada participante e pelo pesquisador e
conferi a materialidade linguística ao texto.
3.5 Aspectos éticos
Os imperativos éticos foram considerados conforme Resolução 196/96,
do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da saúde. O projeto foi aprovado pelo
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), da Universidade estadual do Ceará (UECE)
sob parecer nº 11584251-9 (ANEXO 01).
Aos participantes foi explicado sobre a realização da pesquisa, seguida
pela leitura e compreensão do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os termos foram assinados em duas vias de igual teor, ficando um com os
participantes e outro sob a guarda do pesquisador.
Em conjunto com os participantes foram escolhidos pseudônimos os
quais seriam representados durante a apresentação dos dados, conferindo-lhes
assim a garantia do anonimato sob as informações e imagens para resguardar sua
identidade. As gravações e filmagens digitalizadas permanecem sob minha guarda,
vedando-se a utilização de seus fins que não os dessa pesquisa.
59
3.6 Análise e discussão das informações
As informações foram analisadas através da Análise de Discurso (AD),
entendendo que esta apresenta ferramentas para compreensão dos sentidos
interligados ao tempo e ao espaço das práticas, mediado pelo discurso, pela história
e seu contexto social. Orlandi (2001) descreve o discurso como espaço de
compreensão entre língua, ideologia e sentido para aqueles que o proferem.
A análise do discurso trabalha as contradições de outras disciplinas.
Abraça a exterioridade excluída pela linguística e agrega a linguagem que às
ciências sociais rejeitam em função do exterior, focando assim nos sujeitos e
situações. Para a AD o social constrói a língua, onde as construções discursivas
referem-se ao mundo para aquele ser e não o mundo como é (ORLANDI, 2007).
O discurso torna possíveis as reflexões sobre os sujeitos e suas
situações, desconstruindo a noção de real que é apresentada trabalhando assim
seus processos de produção (ORLANDI, 2007). Compreendo o discurso como uma
ponte entre o inconsciente e a linguagem.
A AD possibilita o desvelar de uma ideologia que se consolida de forma
complexa por não estar deliberadamente exposta nas falas, e sim obscura nas
entrelinhas. Para compreensão desse discurso torna-se necessário compreender a
história como pano de fundo, não se limitar ao dito, mas sim em como esse dizer é
construído (ORLANDI, 2008).
Orlandi (2008, p.100) afirma que “a ideologia interpela o indivíduo em
sujeito e este submete-se à língua significando e significando-se pelo simbólico na
história”. Considera-se assim a subjetivação como processo não quantificável e sim
afetado pelo simbólico e pelo sistema significante.
Ao compreender que os sentidos estão interligados pelas proposições
ideológicas que propiciam a condução da palavra, considera-se que a depender de
como forem empregadas e por quem, elas se ressignificam em relação às formações
discursivas. (ORLANDI, 2001).
Constitui-se como base da AD a formação discursiva, pois através desta a
produção dos sentidos e sua relação ideológica propõem ao analista reconhecer o
60
funcionamento discursivo determinando assim o que pode ser dito. Segundo Orlandi
(2009, p. 125):
O funcionamento discursivo [...] é a atividade estruturante de um
discurso determinado, por um falante determinado, para um
interlocutor determinado, com finalidades específicas.
As formações discursivas (FD) representam as marcas ideológicas no
discurso através de seus traços materializados como linguagem e ideologia se
entrelaçam (ORLANDI, 2001). As pistas engendradas nas formações discursivas
possíveis num discurso não constituem ideologias diferentes e sim consolidam a
mesma trama ideológica interposta em diferentes signos.
As diversas formações discursivas relacionam-se entre os efeitos de
sentido que transitam no equívoco, no sentido do outro, no silêncio. Constituem-se
então os diferentes espaços do dizer, inscrevendo sujeito e sentido como produtores
de relações que constituem as FD (ORLANDI, 2002).
Para a AD o texto é a uma unidade de análise que se constitui de outros
elementos, de outros textos, das condições de produção de discurso em sua
exterioridade constitutiva. Não se trabalha apenas com as palavras apresentadas,
mas com a historicidade do texto denominado de trabalho dos sentidos (ORLANDI,
2007). O uso de dispositivos analíticos da AD propicia a descoberta destes sentidos
e a identificação das formações discursivas presentes nos textos. Tratarei aqui sobre
os principais dispositivos que subsidiam a análise constitutiva e que me ampararam
durante o estudo.
Orlandi (2001, p. 36) anuncia que “quando pensamos discursivamente a
linguagem, é difícil traçar limites restritos entre o mesmo e o diferente”. A autora
considera o funcionamento linguístico assentado entre a polissemia (deslocamento,
rupturas) e paráfrase (o que se mantém). Compreende assim as possibilidades de
equívocos, ao movimento contínuo de construção do simbólico e da história. A
paráfrase vem constituir a matriz dos sentidos, enquanto a polissemia joga com
novos processos de significação que transitam nos processos discursivos.
Outro importante dispositivo é o interdiscurso. “O interdiscurso é todo o
conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos”
(ORLANDI, 2001, p. 33). O interdiscurso apresenta a possibilidade da interpretação
61
do dizer que se constitui dentro da história tendo em vista que este dizer encontra-se
apagado no sujeito, e este o enunciará como propriedade sua, com sua
interpretação.
A metáfora é importante dispositivo tendo em vista que sentido se faz
presente em manifestações metafóricas, onde uma palavra não é colocada
enquanto figura de linguagem, mas se acomoda num processo transferencial e
ressignificando o signo (GOMES, 2006).
Não me é pretenso esgotar as definições sobre tais dispositivos, apenas
considerá-los aqui como fundamentais no processo da AD. Assim, não poderia me
abster de trazer à luz as formações imaginárias, fatores essenciais na compreensão
constitutiva dos discursos: Relações de sentido, relações de força e antecipação.
O primeiro retrata que “um dizer tem relação com outros dizeres
realizados (ORLANDI, 2001, p. 39)”. Ou seja, os sentidos provêm de relações com
outros dizeres, e que os discursos são construídos em resposta ao que já foi dito a
depender de quem ocupa esse espaço de locutor e quem será o interlocutor desse
objeto. (GOMES, 2006).
As relações de força nos dizem de que lugar esse sujeito nos fala que
autoriza o enunciado da forma como ele se constitui. Ou seja, o sujeito fala com o
amparo da hierarquia social que sustenta tal enunciação. A antecipação é a
capacidade do locutor de experimentar o lugar do outro antevendo seus sentidos
para conduzirem sua argumentação em cima da projeção realizada (ORLANDI,
2001).
Tais fatores nos possibilitam o alcance do processo de constituição do
sujeito, onde compreender quem é esse “eu” que se posiciona no discurso e sua
função social torna-se essencial na constituição dos sentidos que brotam da
linguagem. Falamos aqui das condições de produção de discurso. Tais condições
consideram o material, o institucional e o imaginário para encontrarmos quem fala e
de onde fala esse sujeito dentro de suas relações sociais que constituirão sua
imagem e levarão ao significante do dizer (ORLANDI, 2001).
Não poderia deixar de considerar o silêncio como constituinte discursivo.
Este também produz sentido, “Não é um mero complemento da linguagem. Ele tem
significância própria” (ORLANDI, 2002, p. 23). O silêncio pode ser distinto em
62
silêncio fundador e política do silêncio. O primeiro atravessa as palavras e existe
sem elas, possibilita significar o que não foi dito e produz lugar de recuo para que se
possa significar (ORLANDI, 2002).
A política do silêncio pode ser dividida em silêncio constitutivo e silêncio
local. O silêncio constitutivo fundamenta que “para dizer é preciso não dizer uma
palavra apaga necessariamente as “outras” palavras” (ORLANDI, 2002, p.23).
Enquanto o silêncio local se mantém pelo que não é permitido dizer, pelo que é
censurado.
Orlandi (2002) nos chama atenção que ao trabalhar com o silêncio pistas
associadas ao processo políticos e históricos produzem a formulação dos sentidos,
apresentando assim o não dito, ou seja, “a construção do poder dizer” (ORLANDI,
2002, p. 75). Não devemos esperar marcas demonstrativas do que o silêncio
anuncia.
Com o amparo teórico de Orlandi (2001, 2002, 2005, 2007 2008, 2009) e
sua leitura da análise de discurso francesa, e os três passos metodológicos
propostos por Gomes (2007) (a superação da superfície linguística, o alcance do
objeto e do processo discursivo, e demonstração das formações ideológica e
imaginária) construi a trajetória analítica desse estudo.
O primeiro passo anunciado por Gomes (2007), superação da superfície
linguística, inicia-se durante a transcrição das falas, que defende a manutenção de
todas as partículas linguísticas expressas durante o diálogo na tentativa de
minimizar as possíveis lacunas de sentido na produção das discursividades. Após a
transcrição torna-se vital a reconstrução da materialidade linguística através da
inserção de símbolos no corpus do estudo com a finalidade de compreender as falas
em envolvimento das formações discursivas prementes (GOMES, 2007).
Apresento adiante a simbologia utilizada na dessuperficialização do
corpus discursivo e sua devida explicação conforme proposto por Gomes (2006):
1. (itálico): Comentários do pesquisador esclarecendo o contexto da
enunciação, como movimentação do sujeito, a quem ou a que se referem
motivações que levaram os participantes a falarem, entre outras coisas.
2. ... Incompletude do pensamento.
3. > Interrupção da fala de um sujeito por outro sujeito.
63
4. < Interrupção da fala de um sujeito pelo pesquisador.
5. (INAUDÍVEL) A fala não pode ser transcrita, pois é inaudível.
6. SUBLINHADO Quando ocorrem falas simultâneas.
7. / Pausa breve na fala do sujeito.
8. // Pausa longa na fala do sujeito.
9. _ Início da enunciação.
10. * Inconclusão do dizer.
11. Negrito - ênfase no dizer.
Após dessuperficialização do copus do estudo, realizei a marcação
temporal da fala de todos os participantes (Quadro 2) observando por ventura a
polarização da fala de um dos enfermeiros e se esta se constitui como possível
interferência discursiva (GOMES, 2007).
Quadro 2. Descrição do tempo de enunciação dos participantes das dinâmicas
Participantes
1ª Dinâmica do
Almanaque
2ª Dinâmica do
Almanaque
3ª Dinâmica do
Almanaque
Tempo de
Enunciação
Duração do
Encontro
Pesquisador
05 min.
Girassol
14 min.
Lírio
17 min.
Jasmim
15 min.
Pausas
01 min.
1 hs e 58 min.
(15 min. de
acolhimento, 48 min.
Construção
Almanaque, 55 min.
discussão grupal
Pesquisador
04 min.
Paloma
05 min.
Mara
06 min.
Violeta
12 min.
Flor
09 min.
Pamela
09 min.
Rosa
12 min.
Pausas
01 min.
Pesquisador
05 min.
Misteriosa
06 min.
Royal
08 min.
Einstein
09 min.
Planta
11 min.
Guerreira
14 min.
Pocahontas
09 min.
Pausas
1 min.
2 hs e 5 min.
(12 min. de
acolhimento, 55 min.
construção do
Almanaque, 58 min.
discussão grupal)
2 hs e 02 min.
(15 min. Acolhimento,
45 min. construção
do Almanaque 62
min. discussão
grupal.
64
Após conferir materialidade linguística ao corpus e a contabilização do
tempo produzi o Caderno Discursivo (CD) que me guiou nas intervenções
subsequentes. O CD não foi uma ferramenta estática e criada nesse momento, mas
um componente permanentemente modificado em cada instante do desvelar
discursivo, tornando-se impresso fundamental para a construção das formações
discursivas e compreensão ideológica.
Através de leituras exaustivas sobre o material empírico do CD, utilizei a
colorimetria para auxiliar-me na identificação dos dispositivos analíticos e situações
existenciais que compuseram as formações discursivas. Apresento a simbologia
colorimétrica por mim determinada durante a análise:
LILÁS: Trecho que se destaca o interdiscurso, a memória discursiva.
AZUL: Fragmentos de paráfrase, diferentes formulações do mesmo dizer.
LARANJA: Trecho do discurso onde ocorre polissemia, rupturas dos
processos de significação.
VERMELHO: Trecho discursivo relativo à metáfora.
MARROM: Situações existenciais que posteriormente compuseram a
primeira formação discursiva.
PINK: Situações existenciais que posteriormente compuseram a segunda
formação discursiva.
VERDE: Situações existenciais que posteriormente compuseram a
terceira formação discursiva.
Durante a identificação colorimétrica realizei anotações na aba do CD
referente aos dizeres, onde pontuei questionamentos ao dito e o não dito dos
sujeitos. Esse movimento interroga a estrutura linguística apresentada e permite
pensar na possibilidade de outra construção para o dizer (ORLANDI, 2001).
Tais interrogativas possibilitaram explicitar respostas e realizar análise
das situações existenciais de acordo com os sentidos conferidos pelos sujeitos
lançando mão dos dispositivos analíticos para posterior decodificação.
Situação existencial é a representação de determinada situação
apresentada em códigos, na qual educadores e educandos refletem sobre “o objeto
65
que os mediatiza” (FREIRE, 1979, p.18), gerando o decodificar da experiência
baseadas em suas realidades. Finda a superação da superfície linguística apontada
por Gomes (2007).
Segundo o autor, após as situações existenciais serem codificadas pelo
grupo pesquisado, decodificadas após reflexões apoiadas na AD, caminha-se para a
segunda etapa: o alcance do objeto através da passagem do objeto discursivo para
o processo discursivo, onde se questiona a origem das formações discursivas
presentes no corpus estudado. Nesse instante, o percurso analítico deve ser
cauteloso e considerar “ao dito já cristalizado no âmbito da sociedade, lugar em que
a ideologia pode se mostrar e concretizar na discursividade (GOMES, 2007, p.560)”.
Nessa etapa considera-se a paráfrase como dispositivo essencial no
reconhecimento da ideologia presente, e motiva o pesquisador a ser cuidadoso e
mergulhar na produção textual gerada pelo grupo a fim de confirmar a “coerência
das diversas FD” (GOMES, 2007, p.560) para atingir a terceira etapa (demonstração
das formações ideológicas e imaginárias).
Para análise do processo discursivo, após aplicação colorimétrica
agreguei as situações existenciais que identificavam objetos comuns mediatizados
pelos sujeitos do estudo. Realizei então o recorte de situações existenciais e as
conjuguei em um quadro analítico (GOMES, 2005) (Quadro 3) de acordo com as
temáticas fundantes que desvelaram as formações discursivas presentes em nosso
estudo.
Quadro 3: Síntese dos núcleos de sentido, temática e situações existenciais
delimitadas.
FORMAÇÕES
DISCURSIVAS
Vazio repleto de
nós: tecendo a
rede educativa
para
adolescentes.
TEMÁTICA
Educar é
preencher
vazios.
SITUAÇÕES
EXISTENCIAIS
DINÂMICAS
RELACIONADAS
Adolescentes como seres
esvaziados de conteúdos ou
mantenedores de saberes
equivocados.
Educação inculcada nos
sujeitos é o dispositivo
primeiro para manutenção da
saúde
1ª, 2ª e 3ª Dinâmica
de Criatividade e
Sensibilidade.
66
Práticas
instituídas entre
campanhas e
circuitos:
vigilância aos
corpos e sujeição
ao modelo
higienista.
Eu ensino e você
aprende: laços
que unem
oprimidos
Vigilância aos
corpos
Corpo biológico em plano de
visão primeira.
, 2ª e 3ª Dinâmica de
Criatividade
e
Sensibilidade
Enfermeiro
como centro
do processo
educativo
Transmissão do saber
1ª, 2ª e 3ª Dinâmica
de Criatividade e
Sensibilidade
Artifícios educativos
Depois de identificada as formações discursivas e reconhecê-las
atravessando todas as DCS atinge-se a terceira etapa sistematizada por Gomes
(2007): a demonstração das formações discursivas que confluem para a formação
ideológica. Não se afirma dizer que as três formações discursivas estiveram
presentes nos discursos de todos os sujeitos. Cada enfermeiro construiu sua
enunciação sobre uma ou mais temática, mas todas mantendo como pano de fundo
a mesma ideologia. Chega-se então ao modelo solar, “um esqueleto dos resultados
obtidos e que dispõe os diferentes elementos que constituem a AD” (GOMES, 2007,
p.560).
Adianto que durante a leitura dessa dissertação não serão encontrados
fragmentos discursivos de todos os participantes nas formações discursivas em que
se fizeram presentes. Devido à riqueza textual que constitui o corpus estudado, opto
trazer para a discussão alguns recortes que se sobressaem nos movimentos
discursivos, de maneira alguma diminuindo o valor analítico dos outros, mas por
questões organizacionais e estéticas.
Apresento adiante o modelo solar que figura a discursividade dos
enfermeiros participantes desse estudo (Figura 3). Gostaria de esclarecer que ao
citar a ideologia de base que constituiu o discurso desses enfermeiros, opto por
nominá-la de educação opressora, nomenclatura que julgo aproximar-se aos
referenciais freirianos que irrigam este estudo mantendo a amplitude dos achados
67
que o constituem e denominam raízes políticas e sociais que versam na formação
opressora, indo além do constituinte educativo.
Figura 3: Modelo solar dos resultados da análise de discurso e das relações entre os
elementos que o constitui.
EDUCAÇÃO
OPRESSORA
LÍRIO
JASMIM
PAMELA
ROSA
MARA
GUERREIRA
POCAHONTAS
S
ROYAL
EINSTEIN
MISTERIOSA
GIRASSOL
VIOLETA
FLOR
PALOMA
PLANTA
Vazio repletos de nós:
tecendo a rede educativa
para adolescentes.
Eu ensino e você aprende:
laços que unem oprimidos
Praticas instituídas entre
campanhas e circuitos:
vigilância aos corpos e
sujeição ao modelo
higienista
68
A discussão deste estudo encontra-se organizada em quatro capítulos:
um para as condições de produção de discurso, e cada um dos capítulos
subseguintes relacionam-se aos três núcleos de sentidos identificados.
69
EDUCAÇÃO EM SAÚDE COM
ADOLESCENTES:
PRODUÇÃO DO CENÁRIO
70
4 EDUCAÇÃO EM SAÚDE COM ADOLESCENTES: PRODUÇÃO DO CENÁRIO
Compreender o setting que sustenta a discursividade dos sujeitos tornase fundamental no processo analítico das produções de sentido. As condições de
produção do discurso podem ser classificadas como estritas (contexto imediato) ou
amplas (contexto sócio histórico) (GOMES, 2007). Essa exterioridade imediata e
histórica que se mistura com o enunciado produzido conduz a materialidade
linguística às formações discursivas na busca por transpor a opacidade do texto
(ORLANDI, 2007).
As condições de produção dos discursos possuem pontos fundamentais.
O primeiro deles apresenta-se na relação de sentidos, no envolvimento do discurso
com outros dizeres, possíveis ou imaginários, e que se mantém num processo
amplo, sem início absoluto nem final definitivo. Em sequência, o mecanismo de
antecipação permite ao locutor antever os sentidos do interlocutor, conduzindo sua
argumentação de acordo com o impacto predito. Como terceiro ponto, as relações
de forças apresentam de onde fala o enunciador, qual o seu lugar no discurso do
outro, lugar aqui compreendido como espaço de representações sociais constitutivo
do campo das significações, sendo parte constitutiva do sentido do dizer (ORLANDI,
2001).
Durante alguns anos, e desde o início de minha atuação profissional
estive inserida no trabalho da Estratégia Saúde da Família (ESF), vivendo constante
construção profissional mediante as diversidades que apontam diariamente nesse
território.
Tais diversidades não são conduzidas apenas pelas demandas
comunitárias,
mas
por
obrigatoriedades
sistematicamente
imputadas
aos
enfermeiros, seja por normatizações ministeriais ou mesmo local. Além de toda
demanda gerada pelos “programas” de saúde, a obrigatoriedade de práticas
educativas eram (e ainda o são) solicitadas ao enfermeiro.
Busquei nesse encontro com os colegas tentar me aproximar da
neutralidade nas opiniões (embora não me desnudo de meus conteúdos e
percepções) na tentativa de ouvir o que está além, de não me ludibriar pela
transparência da linguagem como apresenta Orlandi (2001), nem muito conduzir as
reflexões estritamente direcionadas pela minha experiência.
71
Os enfermeiros participantes da pesquisa discutiram sobre educação em
saúde, e teceram enunciações que apresentam suas relações com as práticas
educativas direcionadas aos adolescentes. As condições que favorecem esse
discurso são fundamentais para a compreensão de suas disposições discursivas e
base ideológica, onde torna-se necessário compreender de que lugar fala esse
enfermeiro, como ele se coloca para falar e trabalhar sobre esse adolescente e
quais componentes estão envolvidos nos processos educativos desses sujeitos.
O adolescente apresenta-se como ponto de tensão nessa emblemática
problematização, pois compreendê-lo e significá-lo retrata o imaginário e desvela as
relações de força mantidas entre esses sujeitos, pois aqui fala o “educador”, que se
posiciona como profissional da saúde, decerto detentor do conhecimento
“verdadeiro” para esse adolescente. O sujeito a quem é dirigida tal ação educativa é
projetado, e através dessa projeção é que ocorre a organização e argumentação do
dizer, compreendendo assim sujeito e situação enquanto condição para produção
discursiva (ORLANDI, 2001).
Considero também indispensável retratar o cenário onde os encontros
ocorrem, trazendo assim o contexto imediato desses sujeitos, embora adiante o
imediato apareça mesclado com o contexto histórico, pois o agora é partícipe da
construção histórica do amanhã.
Como critério para inclusão dos participantes no estudo, optei por
escolher apenas os enfermeiros que tinham suas equipes cadastradas no Programa
Saúde na Escola. Essa escolha em momento algum foi com intento de desmerecer
os profissionais que não possuíam tal afiliação, mas por acreditar que estes
condicionalmente trabalhavam a demanda educativa com adolescentes, objeto
primeiro de nosso estudo. Digo assim primeiro, pois ao construir o caminho percebi
que o trajeto me oportunizou outros objetivos reflexivos que veladamente estavam
agregadas ao objetivo inicial e que precisavam ser desmembrados, revividos para
elucidação da questão direcionadora do estudo.
Mesmo de forma inconsciente, tal critério delineia uma produção para a
discursividade desses sujeitos, constituindo a trama exclusiva em que estes
profissionais estão inseridos, delimitando um espaço de fala único, que nos
apresenta quem é esse profissional, de onde ele nos fala, suas subjetivações e
objetivações para o porquê de seus dizeres e seu funcionamento.
72
4.1 O enfermeiro como educador
Todo sujeito ocupa uma posição na sociedade, e esta constitui
significados aos dizeres. Na busca pela imagem do sujeito enunciante dessa
pesquisa, Orlandi (2001) nos apresenta questionamentos que direcionam a
construção imaginária que em conjunto com o material e o institucional tecem as
condições de produção do discurso. Tais interrogações nos possibilitam vislumbrar a
posição do sujeito enunciador (quem ele é para falar assim?), tecendo assim
possibilidades de compreensão para as formações discursivas desse locutor.
Compreender o enfermeiro, o sujeito enunciante, no contexto sócio
político da saúde brasileira me pareceu fundamental na disposição deste que fala e
faz educação como pressuposto básico para a saúde. Optei nesse momento
repensar sobre essa profissão no Brasil.
Apesar de ser uma profissão antiga, a enfermagem moderna tem seu
marco com Florence Nightingale, mulher de classe rica que se dedica a Enfermagem
e a classifica como arte que requer treinamento organizado, prático e científico
(COSTA et al, 2009). Mesmo após o advento nightigaleano, a construção histórica
da enfermagem apresenta uma profissão que caminhou ideologicamente ao longo
dos tempos num quadro de dependência/submissão social, política e institucional.
No Brasil, o primeiro dispositivo legal da profissão aparece em 1890 com
a criação da primeira escola de enfermagem que tinha o seu corpo docente
composto por médicos (OGUISSO, SCHMIDT, 2010). O desenvolvimento de bases
legais que ancorassem a profissão e o seu exercício foi lento e gradual, com lacunas
temporais significativas, demonstrando a fragilidade política e social que cerceava
essa categoria.
Apenas em 1970, após a criação do Conselho Federal e os Conselhos
Regionais de Enfermagem, a profissão caminha para a criação de constituintes
legais importantes para a categoria, obtendo como marco exponencial a lei 7.498/86
constituindo os dispositivos legais do exercício da profissão de Enfermagem
(OGUISSO, SCHMIDT, 2010).
A lei 7.498/86 ao ser regulamentada pelo decreto 94.406/87 traz
detalhadamente as possibilidades de atuação do enfermeiro, delineando suas ações
73
privativas e possibilidades de atuação que até então não estavam claras. Entre
essas possibilidades, e de acordo com a atual conjuntura de saúde brasileira
(criação do Sistema Único de Saúde – SUS, e redirecionamento do modelo
assistencial de saúde), a Enfermagem assenta-se como profissão atuante nas
políticas públicas de saúde.
Os profissionais participantes dessa pesquisa são enfermeiros da ESF,
pilar estruturante na reorientação do modelo assistencial proposta pelo SUS,
trazendo assim um sujeito discursivo único dentro da enfermagem profissional.
Almeida e Barbosa (2011) apresentam que a atuação do enfermeiro na Saúde da
Família tem sido a base da estratégia, principalmente no que diz respeito à
articulação entre comunidade e serviço, trazendo consigo a responsabilidade de
diversas práticas assistenciais, gerenciais e educativas.
O enfermeiro da ESF traz consigo as marcas da reforma sanitária, onde a
reorientação do modelo de assistência à saúde enfatiza a promoção da saúde. Na
promoção da saúde algumas ferramentas têm sido consideradas mestras,
apontando as práticas de educação em saúde como fundamentais para as
mudanças almejadas na saúde da população.
Tal necessidade foi lançada aos profissionais como diretriz de atuação,
fazendo-se urgente na vivência de tais profissionais. Reporto-me agora aos
enfermeiros, que trazem consigo uma responsabilidade especial em realizar práticas
educativas. Essa responsabilidade tem seu bojo no delineamento das ações do
enfermeiro de base comunitária desde os primórdios da prática educativa “na saúde”
(RIZZOTO, 1999).
Não
me
disponho a
contradizer tal princípio,
porém considero
fundamental visitar o processo de formação do enfermeiro, e dialogar com os
enunciados apresentados pelos sujeitos desse estudo, onde a educação em saúde
apresenta-se como prática fundamental na assistência de enfermagem. Durante
esse diálogo, além dos dizeres que apontam para essa essencialidade, alinhavo
minha vivência acadêmica às produções científicas sobre a construção do
profissional de enfermagem.
A tecnização do cuidado mantém prioridade no desenvolvimento
acadêmico, com exercícios semiotécnicos e práticas clínicas voltadas para o
74
processo de adoecimento dos sujeitos, condicionando a prevenção/promoção a
reduzidos espaços de discussão comparados ao cuidado curativo. Recordo-me da
ansiedade por aprender procedimentos técnicos e de preferência invasivos,
minimizando a importância de ações básicas.
A educação da enfermagem direciona o profissional e sua essência à
produção de seu discurso e constituição de seu fazer (KRUSE; 2008, THERRIEN et
al., 2008; BERNARDINO; OLIVEIRA; CIAMPONE, 2006). A formação acadêmica é
determinante e direciona as práticas dos profissionais, então se os profissionais de
enfermagem não são formados numa perspectiva crítico reflexivo, torna-se difícil
vivenciar essa prática na assistência.
Estudos apontam que os Projetos Políticos Pedagógicos (PPP) dos
cursos de enfermagem mantém de forma predominante uma metodologia tradicional
de ensino, detentora atual de diversas críticas por não facilitarem o desenvolvimento
do pensamento crítico reflexivo dos alunos, assim como desconsiderar os processos
de subjetivação dos sujeitos (THERRIER et al, 2010; PEREIRA, TAVARES, 2010).
As grades curriculares dos cursos de enfermagem embora disparem
sobre a integralidade do cuidado, ainda mantém predominância do modelo
Flexneriano, que capturam o profissional moldando sua prática e identidade
profissional. (SILVA, SENA, 2006; NIEMEYER, SILVA e KRUSE, 2010; COLOMÉ,
OLIVEIRA, 2012).
O dispositivo educativo apresenta-se na academia (principalmente na
graduação) de forma insipiente e prescritiva, onde a sentença “fazer educação em
saúde” acaba por constituir-se na memória dos profissionais pelo método de
repetição. São desproporcionais e escassas discussões sobre as correntes teóricofilosóficas da educação existentes, pressupondo que realizar o processo educativo é
algo simples e que não carece de aprofundamento teórico que embase essa prática.
Essa imagem pronuncia-se pela interdiscursividade dos enfermeiros ao
apresentarem a prática de educação em saúde como constituinte essencial da
profissão. Essa formulação parafrástica sustenta diversas enunciações durante as
três dinâmicas realizadas, na tentativa de manter a essencialidade e vitalidade da
educação como cuidado de enfermagem (principalmente na atenção primária):
75
LÍRIO: _Meu almanaque / “educação em saúde e enfermagem”
(leitura do almanaque) destacando a educação // educar o próprio
nome educação já diz, é educar, ai a enfermagem tem papel
fundamental nisso (na educação) desde a nossa formação né, que a
gente vem falando da educação, educação, educação (a gente
quem? A academia? Os estudante? Os profissionais?)...
Porém, durante as possibilidades reflexivas propostas pela dinâmica do
almanaque, através do movimento grupal e inserção de diversas circunstâncias
existenciais vivenciadas por esses atores, assertivas polissêmicas nos apresentam
pistas da efemeridade dessa prática vista como essencial. Fragilidades teóricas
desvelam-se entre os dizeres, dando visibilidade a uma prática desacreditada pelos
próprios profissionais, que teima em tentar desaparecer na opacidade dos discursos,
principalmente quando tal prática tem foco no adolescente:
LÍRIO: _ Pra mim é novo! / Bem novo. Até pouco tempo atrás eu
meio que rejeitava...
PESQUISADOR: - Quanto tempo esse novo mais ou menos
(pergunto a Lírio)?
LÍRIO: _ Esse novo / quando a nossa equipe entrou no PSE
propriamente dita, foi, há uns três quatro meses atrás quando a
gente foi lá pro >
GIRASSOL: Ah porque a equipe de vocês é nova né...
LÍRIO: _ É, é nova no PSE, e como a minha prática antes como
acadêmica não tinha esse papel de educação em saúde, nem pra
gestante, nem pra idoso, nem pra nenhum / veio / quando eu cheguei
na unidade que eu encontrei uma enfermeira que fazia (Educação
em saúde) / então começou a despertar (despertar o que , a
necessidade de fazer? O reconhecimento da importância?), mas eu
tinha um certo receio, e eu to começando a despertar agora quando
eu comecei a ir pras escolas, que realmente a importância né, na
educação pro adolescente,[...]
Apresenta-se assim a tensão produzida entre a paráfrase e a polissemia
apresentada por Orlandi (2001), onde ao manter a matriz do dizer na essencialidade
da prática educativa para a enfermagem, apresenta uma ruptura que conduz ao
novo, ao ausente de sua prática acadêmica. Tal interrupção nos denuncia que a
construção social de enfermeiro educador sofre importante deslocamento ao
apresentar dificuldades em sua realização, apesar de considerada atividade básica
como percebemos na fala de Rosa e confirmado pela assertiva de Violeta:
76
ROSA: _ Nem todo mundo tem afinidade com isso, apesar de ser
uma das práticas da gente na atenção básica, mas nem todo mundo
tem, né essa, essa >
Violeta: _ Aptidão né!
Essa aptidão é conclamada desse profissional, principalmente enquanto
integrante de uma equipe de saúde. A composição mínima da equipe da ESF é
mantida pelo enfermeiro, médico e agentes comunitários. Porém outras categorias
profissionais da área da saúde podem contribuir no cuidado comunitário, integrando
assim o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), instituída pela portaria nº
154/2008 (BRASIL, 2008a), que propõe a participação de outros profissionais junto a
equipe de saúde da família para melhoria da assistência a comunidade.
Compartilhar a prática educativa com outros profissionais não tem sido visto de
forma positiva entre os enfermeiros.
ROYAL: _ (risos) Um dos problemas é isso. A gente: vamos lá na
escola, porque às vezes eu não quero ir só, porque fica muito
sobrecarregado, chamo alguém do NASF, e ainda há algumas falta
de informação, falta de comunicação, e depois: a culpa (culpa pelo
quê?) é da enfermeira! [...] O enfermeiro é que tem que organizar
(organizar tudo necessário para as ações educativas acontecerem),
é que tem que mandar o cronograma. Vamos aqui sentar a equipe
todinha, já que a gente tem o NASF, tem o médico, tem as dentistas,
vamos sentar a equipe toda. Ai senta a enfermeira, e ela senta
com a diretora, a diretora me passa, ai eu vou em cada sala saber
que dia a pessoa (os outros profissionais da equipe) pode ir, o que
ela pode fazer. É um trabalho meio que árduo, mais pras
enfermeiras, não sei se pra vocês é assim, eu creio que é.
A insistência na sobrecarga de trabalho deflagrada pela na dificuldade
encontrada de participação da equipe multidisciplinar nas atividades educativas
enuncia um dizer que transpõe as dificuldades de relacionamento interpessoal, ou
de que o enfermeiro ao ser um exímio educador deve ser responsável por toda
organização-realização das atividades educativas. Ele prediz o imaginário social que
permeou ou permeia um profissional submisso e que tem em sua prática possibilitar
o fazer do outro sempre de maneira invisível. Penso se o quadro de
dependência/submissão que direcionaram a enfermagem durante tantos anos ainda
cerceia as organizações e as relações, inclusive com outras profissões.
Esse fazer condescendente dirige diversas obrigações do enfermeiro,
principalmente as direcionadas por indicadores e metas interpostas pelo Ministério
77
da Saúde. Estes indicadores são geradores de recursos financeiros aos municípios.
A realidade numérica por vezes se interpõe às necessidades de cuidado,
direcionando as ações dos profissionais e comprometendo suas atividades
educativas, muitas vezes reduzindo o espaço e o reconhecimento sobre a
importância de tais ações.
EINSTEIN: _ A minha prática educativa com adolescentes eu acho
que é uma corrida contra o tempo (efeito metafórico para o curto
tempo dentro das diversas atividades que tem), diante do, do número
de funções que a gente tem no PSF né, a gente tá sempre atrás de
metas, de indicadores, tem sempre uma meta a cumprir, tipo o
número de adolescentes a serem vistos.
MISTERIOSA: _ [...] mas esse ano com o PSE, infelizmente a gente
não teve tempo ainda de tirar um dia só pra palestra, mas assim
sempre que eu tô no PSE, na escola eu deixo aberto pra quando eles
quiserem é, é dá um tema, a gente vai lá rapidinho e faz essa
palestra.
Apesar da trama simplista que ousa se manter parafrásticamente durante
a discussão grupal, os efeitos metafóricos apregoados (corrida contra o tempo) em
algumas enunciações apresenta a ideia de que a prática educativa pode sim
constituir o profissional de enfermagem, mas que vem escoltado por diversos
afazeres que pronunciam a dificuldade no exercício dessa prática, quem sabe até
como uma ação materializada em segundo plano.
Percebo o esforço dos enfermeiros em se reconhecerem como
educadores, colocando por vezes as ações educativas como atividade intrínseca ao
cuidar de enfermagem, porém, engendrada com perfil de excelência que nos permite
interpretar tais ações (educativas) quase como um componente nato da profissão.
Em algumas enunciações apresentadas, os enfermeiros apresentam
características da posição sobre a qual esse profissional nos fala, onde a tentativa
de impor a imagem do profissional como dominante da arte de educar e que
direciona essa prática com maestria e simplicidade, aos pouco se dissolve nas
enunciações polissêmicas do grupo.
Durante a dinâmica, no questionamento referente à compreensão dos
enfermeiros sobre as práticas de educação em saúde da enfermagem (ainda no
geral, como constituinte profissional e não voltado a qualquer grupo específico),
78
percebi um reducionismo sobre tal fazer, como se o exercício educativo lhes fosse
congênito conforme explicitado nos enunciados abaixo:
Paloma: _ Eu botei aqui que é essencial né (referindo-se a educação
em saúde), não tá dando pra enxergar direito (apresentando o
almanaque), que eu acho que é essencial na nossa profissão, é
essencial... a gente,/ nós somos educadores, verdadeiros
educadores né, ai como educadores né, a importância, que é muito
importante essa prática [...]
JOSIANE: _Educar está no sangue da gente né!
Retratar a face educativa do enfermeiro como visceral, como verdadeiros
educadores, ou que tal prática possa estar no sangue dando ideia de constituição
primeira desse profissional e naturalização dessas ações, podendo inicialmente
promover a ingênua condição que a enfermagem possui essa qualificação como a
priori de si, esquecendo-se da amplitude assistencial a que esse profissional está
comprometido, dificultando, pois o exercício dessa prática educativa algumas vezes
considerada “nata”, e que por si apresenta dificuldades no seu exercício.
4.2 O ser adolescente
A compreensão sobre o adolescente e sua posição/atuação na sociedade
tem sido alvo de discussão entre os diversos setores da sociedade. Encarar o
adolescer em sua complexidade e diversidade é um processo desafiador e de luta
pelos direitos humanos. É quase paradoxal a experiência de “ser” adolescente com
direitos que, mesmo sendo universais, necessitam de conquista.
Refletir
sobre
o
momento
da
adolescência
na
perspectiva
do
autoconhecimento e descoberta de valores culturais e pessoais tem proposto evitar
a rotulação dos sujeitos, propiciando assim o despertar de si mesmo (FREITAS e
DIAS, 2010).
Ribeiro e Gualda (2011) propõem trabalhar com os adolescentes
respeitando sua cultura e estimulando suas competências pessoais na proposta de
construção de um projeto de vida. As autoras enfatizam que a abordagem deve ser
centrada no indivíduo e no grupo social, não com a função coercitiva, mas com foco
79
na promoção do desenvolvimento de habilidades pessoais e coletivas para a
melhoria da qualidade de vida desse sujeito.
Atualmente há a consideração do adolescente enquanto protagonista
juvenil. Esta se constitui com participação ativa dos adolescentes em atividades de
seu interesse, tanto individualmente como numa perspectiva coletiva (COSTA,
2001). Silva, Mello e Carlos (2010) nos propõem refletir sobre este protagonismo
que nos instiga a repensar uma nova sociedade, abrangendo sua constituição
política e social, assim como suas relações com esses jovens. Acredito na
autonomia juvenil e suas possibilidades reais, contanto, concordo com as autoras
que tal princípio requer reformulações sociológicas profundas, pois o que se mantém
vivo no imaginário é o adolescente como ser confuso e em construção.
Permito-me tais assertivas mediante experiência profissional dedicada
aos adolescentes que me possibilitou enxergar um movimento emancipatório
presente em falas, porém, profundamente marcado por práticas prescritivas e
modeladoras, proveniente de raízes ideológicas profissionais e sociais em referência
ao ser adolescente. Essa experiência a que me refiro foi construída num processo
compartilhado com os enfermeiros participantes desse estudo, permitindo-me assim,
confirmar as condições discursivas que se delineiam nessa relação enfermeiroadolescente.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência
compreende o período entre 10 e 19 anos, fase da vida caracterizada por grandes
mudanças em termos biológicos, psíquicos e sociais. Garantir aos adolescentes e
jovens a satisfação dos seus direitos e necessidades de forma a proporcionar-lhes
um perfeito desenvolvimento físico, emocional, político e social torna-se fundamental
ao julgar esse sujeito de forma mais ampliada (BRASIL, 2005).
Entretanto, a adolescência se configura em um campo vasto de
investigação. Não pode ser definida e vinculada apenas pela faixa etária e pelas
mudanças hormonais e corporais. Pode ser pensada como uma experiência
subjetiva de ruptura com a vida infantil e uma travessia rumo à vida adulta. Logo, o
processo da adolescência é delineado também psiquicamente.
Trago aqui nesse capítulo, uma leitura que não se faz unânime sobre o
adolescente, mas que se apresenta impregnada nos discursos dos enfermeiros
80
mantendo uma matriz que converge para o reconhecimento biológico desse ser, por
vezes descartando o constituinte afetivo, psíquico, político, familiar e social que
tramam para a complexidade do adolescente.
Afirmo assim, que o processo de adolescer perpassa diversos pontos de
vista. Nasio (2011) reflete sobre a adolescência através de três prismas:
psicanalítico, biológico,e sociológico. Reconheço a existência de outras condições
que são componentes de sua constituição, porém gostaria de refletir sobre essas
três percepções com auxílio do autor referenciado.
Na visão psicanalítica, a adolescência é uma vivência neurótica saudável,
onde o ser transita com facilidade entre os extremos comportamentais e emocionais,
sendo um momento compreendido como normal e vital para a constituição do adulto
(NASIO, 2011).
A gênese da adolescência é um processo, uma continuidade que
fundamenta o sujeito contrariando o imaginário de crise evidenciada pela sociedade.
Corso (2002, p.19) diz que “a adolescência é a edição encadernada de uma série de
papeis que permanecem avulsos, que dormiam em gavetas, que circulavam como
bilhetes clandestinos”, ou seja, é o momento de consolidar processos subjetivos
existente na continuidade de formação do eu.
A autora ainda discorre sobre o adolescer por sua perspectiva edípica,
latente e púbere, explicitando o processo de separação entre pais e filhos na
vigência de um segundo parto: o de um sujeito sexuado e desejante que depende de
outro para que se efetue tal desejo.
Biologicamente, Nasio (2011) reforça o conceito predominante no
imaginário social, que corrobora a adolescência como período da puberdade, onde o
organismo sexual eviscera sobrepondo todos os outros. Esse instante marca a
capacidade de procriação. A sexualidade é um componente intrínseco ao ser
humano, e sua abordagem é fundamental na promoção da saúde integral de
adolescentes e jovens.
As relações sexuais têm início na adolescência, variando de 13,9 a 14,5
anos para estudantes do sexo masculino e 15,2 a 16 anos para as meninas sem
variações significativas quando comparados quanto à região (ABRAMOVAY;
CASTRO; SILVA, 2004).
81
O direito à saúde obtido pelos adolescentes assegura assistência integral,
com garantias de confidencialidades e atendimento singular. A área da saúde sexual
e reprodutiva foi a mais beneficiada. Nessa etapa da vida, a corporalidade assume
lugar importante, pois mudanças como aparecimento de pelos e mamas,
crescimento e desenvolvimento de genitais, alteração no timbre vocal, e o despertar
do corpo para a sexualidade não passam despercebidos.
Adentrando ao ponto de vista da sociologia, o adolescer representa a
transição da infância para fase adulta, onde tal período depende de características
ou ritos culturais previamente definidos.
A cultura jovem é difundida em diversos espaços marcados por sua
linguagem, atitudes, roupas e estilos. Os adolescentes rejeitam padrões já
determinados; “ele cria, em muitas ocasiões, uma linguagem própria” (DAVIM et al.
2009, p. 136). Essa linguagem constitui criação cultural e estrutura de uma
consciência grupal que conecta esses jovens com as pessoas e espaços.
Considero a compreensão do ser adolescente pelos profissionais envolto
em movimentos de antecipação e por relações de forças entre o locutor (enfermeiro)
e o interlocutor (adolescente). Tais mecanismos são fundamentais para a construção
das formações imaginárias que se relacionam intimamente com as sequências
discursivas do locutor em relação ao objeto (educação em saúde) e aos
interlocutores, significando assim condições de produção de discursos únicos
(ORLANDI, 2001; ORLANDI, 2007).
Tais condições evoluem para o apagamento no dizer dos locutores devido
ao sentido atribuído por suas palavras nas condições específicas que se encontram
e que se apropriam como seus, dando assim pistas de seus contextos ideológicos.
Nesse entremeio, enquanto analista desse discurso, procuro compreender o sentido
de suas falas através do funcionamento de seus dizeres, suas posições em relação
a si e em relação ao adolescente.
Durante a discussão a respeito do capítulo construído no almanaque
sobre as práticas educativas dos profissionais direcionadas aos adolescentes, um
dos direcionamentos foi à compreensão desse sujeito como um ser sexualmente
ativo, e tal prática como indicativo de risco.
82
O reconhecimento de ser esta uma fase complexa e única permeou a
discursividade do grupo, apresentando o imaginário desses profissionais a respeito
do adolescente construído pelo movimento antecipatório. Essas projeções ficam
notórias em dizeres explícitos, que trazem a vivência pessoal do profissional como
lente para o relacionamento com o adolescente.
JASMIM: _ [...] eu me uso de exemplo muitas vezes é que na
adolescência parece que você tá imune a tudo quanto é doença, é
incrível como na adolescência você não apresenta um problema [...]
GUERREIRA: _ [...] eu tive conhecimento, eu tive escola, eu tive pai,
eu tive mãe, pra eu poder ajudar porque eles não tiveram nada do
que eu tive, então... o que eles vivem é o reflexo do que eles vivem
todo dia, é uma consequência do que eles tem dentro de casa.
Os recortes acima determinam a projeção pessoal do enfermeiro sob o
adolescente. Enquanto utilizam suas inferências pessoais, o não dito que sobressai
desses discursos é a falta de subsídios teóricos que direcionem o cuidado de
enfermagem para o adolescente, pautando-se numa projeção imaginária do senso
comum, mas não necessariamente representativa para o cuidado de enfermagem.
Outra representação que permanece sobre o adolescente e que direciona
o dizer dos enfermeiros é a condição da sexualidade apenas ligada ao ato sexual e
suas possíveis consequências. Aqui retomo o componente biológico que compõe a
tessitura do adolescer, onde não me permito negar a importância da biologicidade
nesse ente e todas as suas implicações para o cuidado e olhar da enfermagem.
As falas dos enfermeiros foram direcionadas ao adolescente no que diz
respeito à saúde sexual e reprodutiva, corroborando com o interesse dos estudiosos
em abordar a sexualidade dos adolescentes (FERREIRA; PINHEIRO, 2010;
FREITAS; DIAS, 2010; BAGGIO et al., 2009; CAMARGO; FERREIRA, 2009;
TAQUETTE, 2009; SOARES et al., 2008; MOREIRA et al., 2008; CAMARGO;
BOTELHO, 2007; BESERRA; ARAÚJO; BARROSO, 2006; MARQUES et al., 2006;
ALMEIDA; SILVA; CUNHA, 2005; MIRANDA; GADELHA; SZWARCWALD, 2005;
TAQUETTE et al., 2005). Os trabalhos citados em sua grande maioria foram
realizados por enfermeiros, e apresentavam como tecnologia de cuidado ao
adolescente a educação em saúde.
83
Estudos encontram-se também voltados para a perspectiva de atuação na
prevenção de gravidez na adolescência e sobre os cuidados que estas devem ter
com recém-nascidos (FREITAS, DIAS, 2010; BERETTA et al, 2011).
Outro ponto de repetição apontado na literatura é a necessidade de
discutir sobre as doenças sexualmente transmissíveis, com ênfase na Aids. Tal
tendência se deve a uma concepção restrita de saúde que considera assuntos como
DST/AIDS e anticoncepção mais importantes. A busca pelo objeto sexual e seus
possíveis desdobramentos (DST, gravidez) permeiam a realidade dos adolescentes,
mas não representam a totalidade de seus interesses.
Os enfermeiros reproduziram nos três encontros a preocupação em
relação à gravidez desse adolescente, colocando tal situação como preditora de um
perfil carreado pela irresponsabilidade e impossibilidade autônoma de decidir
engravidar:
Essa corresponsabilização e repreensão cultural apregoa através do que
não é explicito em alguns momentos, a incapacidade desse jovem de pensar ou
tomar decisões conscientes, principalmente no que se refere à vivência da gravidez,
um lapso ocorrido, onde a simples ideia de um ato pensado e desejado não é
permitido existir em virtude da impossibilidade reflexiva desse sujeito.
A compreensão do adolescente vazio de conteúdo e iniciativa mantém-se
além dos não ditos, constituindo-se parafrasticamente em diversas falas,
fomentando o que Orlandi (2008) apresenta como famílias parafrásticas entre o que
se explicitou e o que foi rejeitado para o não dito, levando a inclusão do dizer como
seu.
A alusão metafórica ao plantio do conhecimento no adolescente pontuada
em duas das dinâmicas por alguns enfermeiros arremata o imaginário de
adolescentes como seres vazios, incapazes, que necessitam de seu semeador, e os
enfermeiros se colocam em posição de realizar esse plantio. Tais momentos
retratam o enfermeiro em sua onipotência em educar para a saúde, onde os
indivíduos após suas intervenções estão aptos a desenvolver suas bases
ideológicas e enveredarem pelo caminho denominado de certo. Os profissionais
tomam pra si uma verdade que acreditam ter origem neles e que determina a
direção de suas relações e as consequências na vida do outro.
84
Nesse momento inscreve-se o que Orlandi (2008) chama de eficácia de
assujeitamento, em que o locutor profere acreditar em sua autonomia, e ao assim
proferir, evolui para a estabilidade referencial, mantendo a ilusão de transparência
dos sentidos. Retomarei essa posição mais adiante nos capítulos em que
discutiremos os núcleos de sentido produzidos pelo discurso dos participantes do
estudo, onde a posição de “semeador” transversaliza uma ideologia opressora e
tradicional nas relações educativas.
A diversidade de comportamentos vivenciada pelo adolescente vista
como psiquicamente normal, é uma marca que acompanha esse jovem. O olhar
direcionado às diferenças muitas vezes produz uma interpretação de atitude moral
duvidosa, ou apresenta-se como dificultantes dos relacionamentos. Concebe-se
como algo laborioso no processo educativo.
Reconheço em minhas experiências educativas com adolescentes uma
estrutura diferenciada para o trabalho. Não nego a necessidade de conhecimento
teórico-prático diferente na interação com esses sujeitos, considerando suas
especificidades coletivas e subjetividades individuais.
Nasio (2011, p.31) nos propõe um olhar prático mediante o adolescente,
que considero extremamente figurativo e potencial contribuidor para direção do
imaginário:
Quando se está na presença de um jovem, devemos pensar que
dentro dele – da mesma maneira que a cada segundo perdemos
imperceptivelmente uma célula do nosso corpo,- ele perde a cada
segundo uma célula de sua infância. É uma perda sorrateira que não
se vê nem se sente, mas que persiste inexoravelmente até a
conquista da maturidade.
A compreensão da perda nesse momento transicional deve ser levada em
consideração junto ao referencial teórico que direcionará nossas práticas. Essas
peculiaridades são percebidas pelos enfermeiros, parafrasticamente apresentando
suas dificuldades pessoais, porém encostando através do não dito suas fragilidades
teóricas no trabalho com adolescentes.
VIOLETA: _ Assim... eu coloquei aqui né, que, que, educação em
saúde com adolescentes não é uma coisa fácil né. Que você tem que
usar uma linguagem diferente, coloquei aqui uma linguagem
diferente, [...] pra mim é um desafio, preciso vencer esse desafio,
85
porque como foi falado / e eu já coloquei, como nessa imagem aqui
(apresentando o almanaque), porque os adolescentes são muito
sonhadores, né, eles né, idealizam muito, eles né, eles querem
conquistar uma (INAUDÍVEL) [...] você tem que ter todo um jogo de
cintura porque cada adolescente é uma maneira diferente, cada um
com uma coisas diferente né, eles tem uma necessidade muito
grande de auto afirmação né, querem mostrar pro coleguinha que né,
que é melhor que pode ser o melhor, e pra mim é um desafio ainda,
que eu preciso reconhecer que eu preciso vencer, que eu preciso
superar.
A linguagem, os pensamentos, os sonhos, as diferenças e a
autoafirmação aparecem como marcas na imagem que os profissionais constroem
dos adolescentes. Durante o movimento discursivo percebo nessas enunciações
não apenas o reconhecimento desses componentes como naturais do processo de
adolescer, mas um dizer que sustenta tais traços como fatores dificultadores para a
prática do profissional, onde seus saberes podem ser desafiados pela dinâmica de
mundo do adolescente, destituindo-os da soberania do saber. O jogo simbólico aqui
apresentado pelo que não foi dito traz o trabalho ideológico e inconsciente desses
profissionais em relação ao adolescer.
4.3 A escola, o PSE e a Unidade Básica de Saúde
Muitos fluxos e trabalho na saúde são criados a partir de diretrizes e
normatizações ministeriais. A Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS)
nasce das necessidades da população de uma vida mais saudável, constituindo-se
como importante marco político/ideológico na construção do Sistema Único de
Saúde (SUS) (BRASIL, 2009).
Como estímulo a intersetorialidade e o fortalecimento da participação
popular, a escola começa a ser (re)visitada como privilegiado espaço de relações,
onde os diferentes sujeitos que constituem tal instituição devem participar de forma
ativa e crítica na construção de valores que contribuem na produção social da saúde
(BRASIL, 2009).
Com a bandeira do direito à vida com qualidade, com saúde e educação,
compromissos são assumidos por alguns setores com propostas estratégicas e
operacionais capazes de subsidiar e/ou intermediar transformações.
86
Assim, em 2003, o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde, em
ação conjunta com a Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO)
e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) despontaram com uma
ação em busca de promoção de saúde de adolescentes e jovens, o programa Saúde
e Prevenção nas Escolas (SPE) (BRASIL, 2006).
Como cerne inicial do SPE, destaca-se a saúde sexual e reprodutiva,
questões referentes às Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), infecção pelo
Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(AIDS), gravidez não planejada na adolescência e assuntos relacionados às
questões de etnia, gênero e violência, entre outros, sempre estimulando discussões
entre educadores, alunos, pais e profissionais de saúde (BRASIL, 2006).
Posteriormente, esta proposta veio a compor uma política de assistência
maior: o Programa Saúde na Escola (PSE), instituído pelo Decreto nº 6.286 de 2007
(BRASIL, 2007). Este apresenta a urgência de ações de saúde sistemáticas junto
aos adolescentes, motivando os profissionais de saúde a deslocarem a atenção
curativa assistencial do espaço ambulatorial ao escolar, com uma perspectiva
preventiva e ampliada. Além de ações de saúde destinadas à saúde sexual e
reprodutiva, a atenção à saúde integral dessa faixa etária tornava-se prioridade
(BRASIL, 2009).
Os principais objetivos desse programa são:
I- Promover a saúde e a cultura de paz, reforçando a prevenção de
agravos à saúde;
II- Articular as ações da rede pública de saúde com as ações da rede
pública de Educação Básica, de forma a ampliar o alcance e o
impacto de suas ações relativas aos estudantes e suas famílias,
otimizando a utilização de espaços, equipamentos e recursos
disponíveis;
III - contribuir para a constituição de condições para a formação
integral de educandos;
IV - contribuir para a construção de sistema de atenção social, com
foco na promoção da cidadania e nos direitos humanos;
V - fortalecer o enfrentamento das vulnerabilidades, no campo da
saúde, que possam comprometer o pleno desenvolvimento escolar;
VI - promover a comunicação entre escolas e unidades de saúde,
assegurando a troca de informações sobre as condições de saúde
dos estudantes; e
VII - fortalecer a participação comunitária nas políticas de educação
básica e saúde, nos três níveis de governo. (BRASIL, 2007a, p.01)
87
As ações de saúde previstas no âmbito do PSE devem considerar os
aspectos de promoção, prevenção e assistência em saúde, explorando a escola
como espaço potencializador para promover a educação para saúde entre crianças
e adolescente (BRASIL, 2009).
Pensou-se na escola constituindo cenário educativo propício para
construção de saberes a partir de diferentes olhares: alunos, familiares, professores
e funcionários. A esse entrelaçar de saberes e vivências convencionou-se chamar
de “cultura escolar”. A vivência escolar é considerada por muitos como a abertura do
mundo familiar para a complexidade do mundo (social, política e econômica)
(BRASIL, 2009).
Esse espaço que figurativamente funciona como ponte a essas realidades
torna-se a aposta das políticas ministeriais (saúde e educação) como catalisador da
promoção da saúde. Pressupõe-se que tal processo construtivo deva ser pautado
pelo estímulo da autonomia dos sujeitos e da participação ativa das equipes de
saúde da família (DEMARZO; AQUILANTE, 2008). Acredito que tal vivência deva
fomentar a utilização de técnicas e métodos participativos que transceda os limites
físicos escolares, conduzindo a comunidade a participar desse movimento
educativo.
Pontuo adiante a sugestão apresentada no caderno da atenção básica
que propõe a operacionalização das ações do PSE. Conhecer tais sugestões se
fazem necessárias para que possamos engendrar as considerações dos enfermeiros
que possuem suas equipes de saúde vinculadas ao PSE, nos possibilitando
conhecer como a discursividade desses profissionais funciona face ao contexto de
inserção. As considerações apresentam particularidades gestadas em diretrizes, e
que são produtoras de realidade específica desses sujeitos.
A matriz de ação que se propõe ás equipes do PSE é que inicialmente
seja realizado diagnóstico situacional da escola em que irá atuar como subsidio para
elaboração de um projeto de intervenção estratégico e sistematizado para as ações
de saúde na escola. As diretrizes pontuam que devam ser levadas em consideração
as prioridades nacionais para a área de promoção da saúde como balizadoras para
as propostas de atuação. As propostas devem sem fixadas pela equipe de saúde em
88
conjunto com a comunidade, devendo identificar assim potenciais multiplicadores
(BRASIL, 2009).
Na promoção da saúde os projetos devem ser dirigidos para:
a) Conscientização da comunidade para a vulnerabilidade dos
estudantes face aos riscos ambientais que constituem as principais
ameaças à sua saúde, em geral, poluição atmosférica, saneamento
inadequado, ruído, substâncias químicas, radiações, entre outros, e
as formas de reduzi-los; b) Envolvimento dos estudantes nos projetos
de educação para o ambiente e saúde; c) Promoção da segurança e
contribuição para a prevenção de acidentes: rodoviários, domésticos
e de lazer ou trabalho, quer eles ocorram na escola e no espaço
periescolar; d) Monitoramento dos acidentes ocorridos na escola e no
espaço periescolar; e) Avaliação das condições de segurança,
higiene e saúde nos estabelecimentos de educação e ensino,
incluindo cantinas, bares e espaços de jogos e recreios; f)
Intervenção em áreas prioritárias para promoção de estilos de vida
saudáveis: saúde mental, saúde bucal, alimentação saudável,
atividade física, ambiente e saúde, promoção da segurança e
prevenção de acidentes, saúde sexual e reprodutiva, educação para
o consumo; g) Criação de mecanismos e estratégias de
enfrentamento das violências, em todas as suas dimensões, bem
como a difusão e a promoção da cultura de paz nas escolas
brasileiras (BRASIL, 2009, p.17).
O PSE apresenta a necessidade de atendimentos clínicos e psicossociais
direcionados as crianças e adolescentes escolares, onde estes devem ter acesso
pelo menos uma vez por ano a tais avaliações (BRASIL, 2008). Em seus
fundamentos estão inclusos medidas educativas como se apresenta:
Orientações em relação à nutrição, à prevenção do uso de drogas,
aos cuidados com os dentes, à prevenção a violência (física, sexual
e bullying ou assédio moral, como ficou reconhecido no Brasil), à
alimentação saudável e à prática de atividades física, à prevenção de
doença
sexualmente
transmissível,
ao
aconselhamento
contraceptivo, à cultura de paz, entre outras (BRASIL, 2009, p. 21).
As diretrizes apresentadas no caderno de atenção básica reconhecem
não existir consenso em torno de como deve ser feita tal assistência, deixando a
critério das equipes locais envolvidas no PSE o planejamento e execução que
melhor se adapte ao contexto vivenciado (BRASIL, 2009).
O município de Maracanaú adere ao PSE no ano de 2008, com sua
implantação efetiva apenas em 2009. Encontros de planejamento e momentos
formativos foram articulados e realizados com profissionais da saúde e educação.
89
Tais momentos foram direcionados por trocas de experiência e estudos de casos
fomentando a discussão que objetivasse a superação de desafios (MARACANAÚ,
2010).
Nesse instante, 17 equipes de saúde da família e seis NASF’s apoiavam
19 escolas estaduais e municipais envolvidas no programa. Em 2010 184 ações
educativas foram registradas por essas equipes, apresentando como cenário de
execução a escola e unidades básicas de saúde da família (UBASF).
As ações informadas ao núcleo gestor central centraram-se em realização
de oficinas, palestras, campanhas educativas, cursos de formação de agentes
jovens multiplicadores, além de escovação supervisionada, aplicação de flúor,
aferição de medidas antropométricas e valores pressóricos e glicêmicos. Não pude
identificar nos relatórios de gestão relatos detalhados de quais profissionais realizam
quais atividades, impossibilitando conhecer em detalhes a prática educativa da
enfermagem. Porém um número se faz presente e registrado: 1270 consultas de
enfermagem de crianças e adolescentes do PSE (MARACANAÚ, 2010).
Os
relatórios
municipais
criticam
a
impossibilidade
de
garantir
detalhamento das ações realizadas no PSE assim como a real apresentação dos
dados devido à impontualidade na entrega dos relatórios mensais a gestão central.
A responsabilidade no envio do consolidado mensal é do enfermeiro da equipe. Os
relatórios demonstram que algumas equipes de saúde realizam ações esporádicas e
pontuais, fragilizando assim o alcance dos objetivos almejados (MARACANAÚ,
2010).
Alinhado as atividades inconsistentes, o governo federal resolve através
da portaria interministerial nº 1.910 de 8 de Agosto de 2011, associar a renovação
dos termos de compromisso do PSE entre as Secretarias Municipais de Saúde e
Educação a pactuação de metas executáveis na vigência do programa para o
repasse financeiro (BRASIL, 2011).
Nesse pactuação ficam definidos dois componentes essenciais de
cobertura de ação, condicionando o repasse financeiro ao cumprimento de tais
metas:
Ficam definidos, por Componente, os Parâmetros Essenciais de
cobertura das ações de prevenção, promoção e atenção à saúde dos
escolares do Programa Saúde na Escola (PSE), seno eles: 500
90
escolares/ano por Equipe de Saúde da Família para as ações do
componente I – Avaliação Clínica e Psicossocial e 1000
escolares/ano ou 100% dos escolares em caso inferior a 1000
escolares no Município, por Equipe de Saúde da Família, para as
ações do Componente II – Promoção e Prevenção à saúde (BRASIL,
2011, p. 49).
As linhas de ação que constituem o Componente I são: avaliação
antropométrica, atualização de calendário vacinal, detecção precoce de agravos
negligenciados (prevalentes na
região: hanseníase,
tuberculose), avaliação
oftalmológica, avaliação auditiva, avaliação nutricional, avaliação da saúde bucal e
avaliação psicossocial. O Componente II relacionado às ações de promoção e
prevenção à saúde aparecem guiados por ações de segurança alimentar e
promoção da alimentação saudável, promoção das práticas corporais e atividades
física nas escolas, educação para a saúde sexual e reprodutiva, prevenção das
DST/Aids, prevenção ao uso do álcool, tabaco e outras drogas, promoção da cultura
de paz e prevenção das violências e promoção da saúde ambiental e
desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2011).
Ainda existe o Componente III, voltado para educação permanente e
capacitação dos profissionais da educação, saúde e dos jovens do PSE. Esse
componente, porém não é condicionante ao recebimento do recurso (BRASIL,
2011).
O Grupo de Trabalho Intersetorial (GTI) que gere o recurso acompanha e
monitora o PSE no território resolve dividir as ações e potencializar a força de
trabalho no alcance de metas dos dois componentes. Baseados na cláusula quinta,
item b da portaria 1.910/2011 que fala sobre a inclusão dos temas do PSE nos
projetos políticos pedagógicos das escolas, o GTI institui que o Componente II ficaria
na responsabilidade dos educadores escolares, tendo a equipe de saúde como
apoiadores (MARACANAÚ, 2011).
Instituiu-se também em 2012 o dia “D” de promoção da saúde denominado
“Circuito de Saúde”. O circuito é uma ação multidisciplinar das equipes de saúde da
família e NASF nas escolas vinculadas ao PSE. Essas equipes devem ir
mensalmente as escolas e realizar os atendimentos clínicos e psicossociais
determinados no Componente I com vistas a atingir o quantitativo pactuado na
adesão do programa (MARACANAÚ, 2011).
91
Optei em apresentar o desenrolar da trama do PSE no âmbito federal e
municipal por entender que tal processo tornou-se decisório e produtor histórico de
condições para as ações/enunciações dos enfermeiros. Reconhecer as condições
produtoras dos discursos dos enfermeiros que trabalham educação em saúde com
adolescentes nos possibilita vislumbrar o enredo que enlaça a linguagem e o social.
Orlandi (2008) apresenta a discursividade como a inscrição dos efeitos da língua na
história, ou seja, a íntima relação da língua com a exterioridade.
Chama-me a atenção uma instituição legal que olha para a infância e
adolescência e prediz possibilidades ampliadas de cuidado, e paradoxalmente
reforça através de metas remuneradas a importância ao cuidado biológico.
Não desconsidero o componente educativo proposto por tal política, porém,
o vislumbro numa posição secundária, confirmada pela política municipal implantada
(circuito). Tais pensamentos são impostos nos discursos que emergem nos grupos,
suplantando a educação em saúde no fortalecimento das ações propostas pelos
circuitos de saúde. Organizo e explico melhor mais adiante.
Durante o dialogo do primeiro e terceiro grupo, predomina um deslizamento
metafórico que mantém o mesmo dizer (paráfrase) de acordo com o ajustamento
histórico local, onde a interpretação do que seria a prática de educação em saúde
reconhece na constituição do PSE o proferido, com sua produção textual dita
metaforicamente:
GUERREIRA: _Então assim, foi um vínculo que eu criei trabalhando
isso com eles né. Não trabalhei nenhuma temática de saúde na
primeira parte, até porque na primeira parte eu não era do PSE, eu
fiz porque a minha linha de pesquisa como era em violência, e era
uma área que tava apresentando um número elevado de mortes em
adolescentes, eu entrei lá porque quis e fiz um PSE (ações
educativas) sem, sem dizer a secretária que tava fazendo um PSE.
ROYAL: E a interação com esse grupo, tanto com os alunos né, com
a equipe, eu sinto que, só eu procuro,/ só eu estou procurando o
PSE, porque no momento que eu bato na sala da assistente social
da AVISA, _olha a escola solicitou isso aqui, e ai como é que nós
vamos fazer (reproduz diálogo com assistente social da equipe)/ Eu é
que tô procurando, ela não tem o estímulo de procurar e dizer: e ai
vamos lá na escola? / né colega.
92
Em diversos momentos durante a discussão sobre como eram realizadas
as práticas de educação em saúde os profissionais deslocam o sentido da prática
educativa substituindo para o termo PSE. Nos recortes acima, Royal afirma que
está procurando o PSE, onde este retoma o sentido de realizar as práticas
educativas. Significativo o termo acima onde o gerúndio procurando apresenta a
ideia de progressão indefinida da ação, onde aqui, tal ação é representada pelo PSE
enquanto prática educativa que não se apresenta concreta.
Guerreira traz em sua discursividade um fazer PSE (práticas educativas)
sem o conhecimento da secretaria de saúde, revelando um não dito de uma prática
condicionada à aprovação de uma gestão maior e não como atividade autônoma do
enfermeiro.
Orlandi (2001, p.44) afirma que “palavras iguais podem significar
diferentemente porque se inscrevem em formações discursivas diferentes”. A
depender do contexto e de como é colocado o termo PSE tanto atua
metaforicamente como prática de educação em saúde, como representa o próprio
programa que se institui, ou em outro momento representa as ações realizadas pelo
circuito de saúde (atendimentos clínicos). Tal equívoco desvela seu constituinte
ideológico quando transfere o modo de significar essa palavra (o Programa, para
educação e saúde), onde em seu contexto de atuação é traduzida pela implantação
do circuito de saúde, que prioriza atendimentos clínicos ao invés de educativos.
Tal metaforicidade esteve presente nas três dinâmicas de sensibilidade e
criatividade, trazendo a presença marcante do circuito de saúde nas ações do PSE,
suscitando questionamentos quando por ocasião Rosa relata experiências
educativas em paralelo ás atividades clínicas:
ROSA: _Então eu tenho uma realidade um pouco diferente. Há
pouco tempo a gente terminou um grupo de adolescentes no posto,
foram duas turmas e a gente tinha procurado captar os
adolescentes... é essa captação pra levar pro posto através da
escola, a escola da área, da equipe a gente foi na escola captar
esses adolescente e nós formamos um grupo e eles iam ao posto,
então foram duas turmas. E como PSE também a gente desenvolve
atividade na escola agora com esse novo modelo circuito, sempre a
gente tem*..., desde quando a equipe*..., NASF, essa questão do
PSE, então a gente abraça esse compromisso, de ter o jovem, o
adolescente como foco né, ligado ao PSE, como quem diz, cada
93
equipe, equipe que tá no PSE querendo ou não a gente vai ter que
desenvolver com os adolescentes né.
PAMELA: _Vocês fazem educação em saúde com os adolescentes
(é uma pergunta com estranhamento pela fala de Rosa)?
ROSA: _É, com os adolescentes. Uma vez por mês, na época do
PET1 nós íamos duas vezes no mês de 15 em 15 dias né, agora por
conta do circuito que tem que levar todos os profissionais né a gente
tá fazer uma vez ao mês, mensal.
O dialogo apresentado por Rosa deixa clara a dicotomia que modulou a
implantação do circuito como estratégia de saúde na atenção ao adolescente. Aqui,
o PSE retratado vem se constituir enquanto Programa, diretriz, intimamente ligado a
práticas clínicas/biológicas.
Pamela ao questionar Rosa sobre a possibilidade de práticas educativas
no PSE mantém um não dito que conclama as ações desses profissionais
direcionadas por protocolos, onde os mesmos devem ser seguidos à risca, produtora
assim de estranheza e questionamentos sobre a execução das ações que se
“desviam” do preconizado.
Partindo dessa perspectiva dos protocolos de cuidado que enrijecem as
práticas dos enfermeiros me aventuro a apresentar as reflexões de Cecilio (2012)
que nos propõe a “não fazermos mais o mesmo”. Tal proposição é relativa à
organização dos processos de trabalho no campo da saúde que nos leva a refletir
sobre o regime governamental/formal como complexo regulador ao acesso e
consumo dos serviços de saúde. Para fugir do mesmo, o autor reflete que
deveríamos acimentar um regime de regulação subsidiado pelas relações dos
trabalhadores de saúde e comunidade, onde o cuidado é vivenciado por seres reais.
Ao se moldar de acordo com os saberes produzidos nessa relação haveria
reinvenção do cuidado, provavelmente distanciado das normatizações dos gestores.
Percebi durante a problematização sobre o PSE certa confusão em definir
com clareza quais os seus propósitos e suas ações norteadoras, pois como acima
referenciado ora os enfermeiros metaforizam o PSE como sua prática educativa, em
outros momentos questionam tais práticas realizadas na vigência do programa,
1
Programa de Educação pelo Trabalho na Saúde do Ministério da Saúde que estava em vigência no município
e possuía uma linha de pesquisa que trabalhou educação em saúde com adolescente
94
assim como demarcam o circuito como atendimento clínico com possibilidade
ampliada. No momento em que questiono sobre o que seria o circuito, Mara
confirma ações de cunho biológico, porém desliza em questões sociais de forma
despercebida como se todas tivessem o mesmo desenvolvimento e objetivo.
PESQUISADOR: _Esses circuitos eles são mais atendimentos
clínicos ou tem a parte >?
MARA: _ Circuito é mais atendimento, uma visão física e clínica ao
mesmo tempo, porque você tanto olha pressão, olha altura, olha o
peso, como você pergunta se ele tá sofrendo bullyng, se ele tem
algum tipo de... já sofreu, se alguém tem algum preconceito, vc
pergunta se ele tem o registro, se ele passa por algum problema,
você pergunta se ele tem tosse, se ele tá...
ROSA: _se é sintomático, sintomático respiratório, dermatológico.
Em outro momento a confusão aparece claramente no discurso de
Misteriosa, que tal como Guerreira delimita o PSE em dois momentos, o antes do
circuito, onde reconhecem esse PSE quase como sinônimo de educação em saúde
no antes, e o agora, onde predomina a prática clínica.
GUERREIRA: ... _ Quando eu ia pras escolas o que eu via era que:
eu fazia uma pesquisa do que é que eu queria que eu conversasse
com eles, isso no primeiro PSE, vamo falar do circuito [...] Não
trabalhei nenhuma temática de saúde na primeira parte, até porque
na primeira parte eu não era do PSE, eu fiz porque a minha linha de
pesquisa como era em violência, e era uma área que tava
apresentando um número elevado de mortes em adolescentes, eu
entrei lá porque quis e fiz um PSE sem, sem dizer a secretária que
tava fazendo um PSE. [...]E o que é que eu vivo aqui nesse circuito,
eu tenho pouco contato (pouco contato com os adolescentes), o
contato da enfermeira é olhar cartão de vacina, fazer uma avaliação
geral, então eu acho que o vínculo ele se perde muito né, deixa de
ser semanal, deixa de ter uma escuta de um problema dele, o que é
que ele tá querendo (ele quem, o adolescente?) conversar naquele
momento.
MISTERIOSA: _Assim, com relação a prática é mais é conversa,
discussão, palestra, apresentação de vídeo, essas coisas, mas
assim, isso foi mais o ano passado, mas esse ano com o PSE,
infelizmente a gente não teve tempo ainda de tirar um dia só pra
palestra, mas assim sempre que eu tô no PSE, na escola eu deixo
aberto pra quando eles quiserem é, é dá um tema, a gente vai lá
rapidinho e faz essa palestra.
95
Nessa acepção de trabalho convergem propostas clínicas e educativas.
Não pretendo de nenhuma forma uniformizar as ações nem conclamar sua
independência, mas entendo que a indistinção dos objetivos de todas as práticas
contribui para um fazer quase caótico e talvez vazio de sentidos. Há de se perceber
a incompreensão sobre a solubilidade dessas ações quando apontado por Guerreira
(um primeiro PSE) e por Misteriosa (mas esse ano com o PSE, infelizmente a
gente não teve tempo ainda de tirar um dia só pra palestra), onde ao se instaurar
o componente clínico, este automaticamente exclui a prática educativa.
Ao considerar o processo educativo como ferramenta para o cuidado,
deve-se preterir os pressupostos que se assentam nos sujeitos, inclusive a clínica do
indivíduo. Este deve ter espaço para a compreensão e participação, se considerado
e reconhecido verdadeiramente como ator de sua história, inclusive como ser
biológico (PIRES, MUSSI, 2009). Percebo que esta compreensão totalitária
apresenta-se como uma das principais dificuldades dos enfermeiros, disparando um
descolamento entre sujeito/ser e sujeito/biológico, dicotomia esta que direciona a
prática marcada pelo “antes” e “depois” da instituição do PSE.
O
enrijecimento
de
compreensão
dessa
prática
vai
além
do
direcionamento das ações, institui-se na apropriação dos espaços de atuação. Aqui
falo desse lugar imposto pelo PSE, que mobiliza um grupo a atender demandas
biológicas (lideradas pelo circuito), desestabilizando e desvinculando de uma prática
educativa já fragilizada.
Sustentou-se o dizer parafrasticamente na manutenção da vitalidade do
ambiente escolar, como se a essência educativa não sobrevivesse fora desse local.
PESQUISADOR: _Bom meninas, é assim a gente queria fazer uma
rodada seguindo cada tópico né, primeiro que cada uma pudesse
falar um pouco sobre o que pensou e o que produziu sobre o que é
educação em saúde na enfermagem / né, que é, é uma coisa assim,
que a gente pede inclusive que diga não no que a gente acha como
um todo mas o que é pra você, aí vocês podem começar
aleatoriamente se quiserem.
VIOLETA: _Eu coloquei... é pra falar o cartaz ou é pra falar
espontaneamente?
96
PESQUISADOR: _Do jeito que você quiser, como você concebe a
educação em saúde?
VIOLETA: _Eu coloquei aqui uma mulher né, grávida, diabetes /
Porque assim, quando eu coloquei aqui *... Eu penso que educação
em saúde / tá relacionado muito com a escola e tá relacionado
principalmente com as crianças, porque é na, é com as crianças que
você vai trabalhar né,/ a educação, puramente a educação ( o que é
puramente educação?) / e lá na frente vai ter resultados a educação
que você promoveu na infância né / e coloquei aqui também que a
saúde é uma parte que precisa tá andando com a educação né, que
eu acho que as duas elas tendem a se complementar muito [...]
Assim... eu coloquei aqui né, que, que, educação em saúde com
adolescentes não é uma coisa fácil né. Que você tem que usar uma
linguagem diferente, coloquei aqui uma linguagem diferente, então a
gente pensar educação em saúde e adolescente a gente relaciona
logo a escola né. E acho que o PSE como foi falado vem pra, pra, é ,
oficializar essa relação que tem a saúde com a escola, com os
adolescentes em si.
O espaço consagrado pela escola como educativo é reforçado pela
política ora implantada, marcando processos de significação históricos e
sedimentando o sentido provido pelas condições impostas, aqui no caso pelo PSE,
ganhando assim estatuto dominante.
Marca-se um dizer com a proposta que educação é para acontecer na
escola assim como aponta Violeta (Eu penso que educação em saúde tá
relacionado muito com a escola, ou, educação em saúde e adolescentes a
gente relaciona logo a escola né!) que a traz como espaço único e fértil para
práticas educativas. Tal realidade é corroborada por estudos que apontam a escola
como cenário primeiro em diversas práticas educativas (OLIVEIRA, CARVALHO E
SILVA, 2008; FREITAS E DIAS, 2010; SOUZA, 2011).
Essa discursividade se fortalece na problemática apresentada pelos
enfermeiros em concretizar sua prática educativa com esses jovens nas UBASF.
PAMELA: _Assim, lá, vou falar da minha realidade lá no ...(nome do
posto onde trabalha). O adolescente... Dificilmente você ver o
adolescente na unidade de saúde, né. Ele só vai no dia do
planejamento*(refere-se aqui ao planejamento familiar), a menina, o
menino você nunca vê, ou é no pré natal ou é no planejamento
familiar. O adolescente em si assim pra consulta do adolescente, a
não ser que tenha no nosso cronograma, consulta de adolescente, a
enfermeira que não fizer consulta de adolescente (como assim ter no
cronograma? Não há regularmente espaço para o atendimento desse
público?), vc não vê o adolescente no posto de saúde né, ou então a
não ser que a gente tenha o grupo de adolescentes né, que no ano
97
passado eu tinha e foi assim, foi / pouco tempo, foi só uma
temporada. Então assim, se a enfermeira não tiver o grupo de
adolescente / então você... né... nunca vê o adolescente na unidade.
PESQUISADOR: _Como é essa sua prática , esse grupo?
PAMELA: _Então, eu ia falar no terceiro tópico, (risos), era isso que
eu ia te dizer. Então a educação em saúde pros adolescentes, hoje
em dia eu pelo menos em si... não tenho adolescente na unidade de
saúde, entendeu? Não tem adolescente na unidade de saúde, é isso
que eu to querendo dizer, só no planejamento familiar, então, minha
educação em saúde é só individual, eu com o paciente.
Pamela além de trazer a dificuldade de relação do adolescente com os
equipamentos de saúde abraça uma construção polissêmica ao trazer esse sujeito
ao planejamento familiar, contradizendo a afirmação do adolescente não
frequentar a UBASF. A mesma traz inclusive um diagnóstico situacional que aponta
a maior frequência das meninas em programas de saúde sexual e reprodutiva.
Apesar de relatar que sua educação em saúde é só individual não há um
desenrolar desse discurso que evolua oportunizando o cuidado clínico que educa,
pois este se mantém distanciado do cuidado clínico biológico.É um dizer que se faz
para calar o que não pode ser dito, pois este dito implica em projeções e introjeções
pessoais e profissionais não esperadas de um enfermeiro “educador”.
Compreendi o movimento grupal que por vezes apoia a ideia de
afastamento desses jovens das unidades de saúde como uma cristalização que
mantêm os profissionais protegidos dentro de seu grau de alcance aos
adolescentes, direcionando aos adolescentes a responsabilidade pela falta de
potência do equipamento de saúde como espaço de relações.
PAMELA: _Mas assim pra trabalhar o grupo (de adolescentes),
grupo assim na unidade de saúde, para captar os adolescentes pra
unidade de saúde também é um pouco difícil, porque eles vêm no
começo ai depois começa a evadir-se.
Goulart, Lucchesi e Chiari (2010) estimulam a criação de espaços
educativos e preventivos nos equipamento de saúde, afirmando que em tais
espaços ao fomentar práticas educativas que apoiem os planos de cuidados dos
indivíduos há consequente melhoria do serviço e promoção do vínculo e parceria
entre profissionais e comunidade. Trabalhar o componente afetivo juntamente com o
98
cognitivo nas práticas educativas é o proposto por Miranda et al (2008) para
possibilidade na construção de conhecimentos.
99
DISCURSO PEDAGÓGICO:
CIRCULARIDADES
DISCURSIVAS DE UMA
EDUCAÇÃO OPRESSORA
100
5 DISCURSO PEDAGÓGICO: CIRCULARIDADES DISCURSIVAS DE UMA
EDUCAÇÃO OPRESSORA
Antes de dissertar sobre as formações discursivas desse estudo,
considero pertinente trazer a introdução de Orlandi sobre os tipos de discurso
(2009). Essa pequena resenha se faz oportuna tendo em vista a manutenção de um
desses tipos discursivos em nossa análise.
A classificação dos tipos de discurso é expressa com base no objeto
discursivo e seus participantes. Orlandi (2009, p.15) apresenta os discursos como
lúdico, polêmico e autoritário.
O discurso lúdico é aquele em que o seu objeto se mantém presente
enquanto tal2 e os interlocutores se expõem a essa presença,
resultando disso o que chamaríamos de polissemia aberta (o
exagero é o non-sense). O discurso polêmico mantém a presença do
seu objeto, sendo que os participantes não se expõem, mas ao
contrário procuram dominar o referente, dando-lhe uma direção,
indicando perspectivas particularizantes, pelas quais se olha e se o
diz, o que resulta na polissemia controlada (o exagero é a injúria). No
discurso autoritário, o referente está “ausente”, oculto pelo dizer. Não
há realmente interlocutores, mas um agente exclusivo, o que resulta
na polissemia contida (o exagero é a ordem do sentido em que se diz
“isso é uma ordem”, em que o sujeito passa a instrumento de
comando). Esse discurso recusa outra forma de ser que não a
linguagem.
A autora caracteriza o Discurso Pedagógico (DP) enquanto autoritário.
Utilizarei essa classificação durante nossa análise por identificar o funcionamento
discursivo dos enfermeiros participantes desse estudo direcionado ao DP. Tal
aproximação é aqui identificada e justificada desde as condições de produção de
discurso desses sujeitos.
Ainda com o auxílio de Orlandi (2009) represento tal proposição para
certificar-me dessa classificação:
2
Isto é, enquanto objeto, enquanto coisa (ORLANDI, 2009, p. 15)
101
Figura 4: Esquema representativo do percurso da comunicação no Discurso
Pedagógico
QUEM
ENSINA
O QUÊ
PARA QUEM
AONDE
QUE
O Enfermeiro
Inculca
Educação
em Saúde
M
Adolescente
Escola ou
UBASF
A partir da leitura de Pêcheux, Orlandi (2009) me autoriza na utilização
das formações imaginárias constituídas pelas condições de produção do discurso
(conforme exposto na figura) apresentar o domínio do discurso pedagógico em
minhas proposições.
Antes de realizar tais aproximações, julgo ainda pertinente justificar o
termo “inculcar” utilizado por Orlandi como constructo imaginário do ensinar. A
inculcação diz sobre o lugar de não saber que o interlocutor assume (em nosso caso
o adolescente), que permite alguém que resolva por ele o que ainda não sabe o que
“verdadeiramente lhe interessa” (ORLANDI, 2009, p.31).
Ao identificar a composição ideológica que comporta as formações
discursivas adiante apresentadas, observei a proximidade dos enfermeiros com a
inculcação, o que por meio da lente freiriana é deveras conhecida como educação
bancária. Esta mantém o educador como agente máximo, com a tarefa de encher e
preencher os espaços vazios do educando de forma desconectada de suas
realidades, mantendo o ato educativo funcionante apenas na sonoridade da palavra
(FREIRE, 2005).
102
5.1 Formação Discursiva - Vazio repleto de nós: tecendo a rede educativa para
adolescentes.
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz
os educandos à memorização mecânica do
conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os
transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem
“enchidos” pelo educador.
(Paulo Freire)
Optei iniciar este capítulo com a ideia que Freire nos traz de educandos
“vasilhas”, que em sua constituição primeira são vazias, carentes de preenchimento
para então existir e ter sua história. Minha opção deu-se a partir do movimento de
descoberta das situações existenciais que circularam e consolidaram a formação
discursiva que denominei de “vazio repleto de nós”. A escolha por tal nominação
brinca com o sentido da palavra nós enquanto pronome pessoal (referência a nós,
educadores), e nós enquanto substantivo plural de nó, laço que constitui dobras
difíceis, que por vezes sustenta, outras atrapalha.
Neste núcleo, duas situações existenciais foram predominantes e
marcaram o constituinte discursivo dos três grupos que legitimam a denominação
recebida: A ideia de adolescentes como seres esvaziados de conteúdos ou
mantenedores de saberes equivocados que possuem constituintes culturais errados
e que por isso necessitam “ser educados” (primeira situação existencial), e a de que
a educação inculcada nos sujeitos é o dispositivo primeiro para manutenção da
saúde (segunda situação existencial). Retrato adiante formações discursivas através
dos recortes enunciativos dos profissionais que justificam e esclarecem a proposição
ideológica desse núcleo.
Freire (1996, p.30) diz que “ensinar exige respeito aos saberes do
educando”. Tal respeito constitui-se em acolher experiências constituídas na prática
comunitária e no aproveitamento destas como ponto de partida para o ensino.
Através das questões norteadoras das dinâmicas de criatividade e
sensibilidade sobre como os enfermeiros compreendem educação em saúde e como
se dá essa relação educativa com os adolescentes, houve sustentação discursiva
durante decodificação pelo grupo do adolescente como alheio de si, e do
103
adolescente como sujeitado a uma prática por ser alienado. Na manutenção dessa
alienação percebi que os enfermeiros encontraram a razão de ser educadores, de
promover saúde através da educação para aqueles que não a tem (FREIRE, 2005).
LÍRIO: _Mas não é só naqueles momentos (que momentos, da
prática educativa?), pode ser na consulta,/ que a gente faz ao
hipertenso, ao diabético, à criança, ao adolescente em si, o idoso
que às vezes vem (vem aonde?), ás vezes só pra conversar, então
permeia todo um processo (que processo, o educativo, ou o de
adoecimento?), desde a alimentação, do envelhecimento, da, do
conhecimento do corpo, que eles nesse processo muito de adoecer
eles não se conhecem, e quando você explica o simples, o básico,
que é uma educação em saúde, eles veem de outra forma, e se
previnem de outra forma.
LÍRIO: _É bem mais complicado, mas é uma necessidade (referindose a educação em saúde), porque eles acham que sabem tudo (os
adolescentes), que eles são experientes, que eles podem que não
vai acontecer com eles // principalmente a*... // (inconclusão do dizer,
penso que quando iria se referir a gravidez) eu percebi também no
pré natal, não tinha adolescente no pré natal, hoje eu tô com três
adolescentes, então o que faltou pra elas pra elas estarem agora
participando do grupo de gestantes com 15, 16 anos e antes não
tinha? (antes não tinha o que, gravidez na adolescência? Nunca
houve gravidez na adolescência nessa área?)
Tessituras do silenciamento assinalam a discursividade de Lírio em
relação aos processos vivenciais que marcam os indivíduos. Apresenta-se de forma
ideologicamente censurável ao adolescente vivenciar alguns dos processos
biológicos e sociais, como no caso aqui a gestação.
Lírio mantém parafrasticamente nos dois recortes de fala a concepção de
seres que não se conhecem, formação discursiva que remete ao desconhecimento
de si pelos próprios sujeitos, necessitando assim da intervenção do outro para
garantir o autocuidado.
Há de se trazer as reflexões de Oliveira (2011, p.186) entre a “inevitável
associação entre autocuidado e autonomia” na contemporaneidade, principalmente
no que tange a promoção da saúde. Como uma das principais premissas da
promoção à saúde é a prática autônoma dos sujeitos, confesso concordar com a
ideia de simbiose entre a proposição de saúde e autonomia (OLIVEIRA, 2011). Tal
assentamento deveria viabilizar a prática educativa como catalisadora da autonomia
para o autocuidado.
104
Observo nas pistas discursivas que conduzem esse grupo que dissertar
sobre a prescrição de vida saudável previamente instituída e distante da realidade
dos sujeitos embute no silenciamento a zona de conforto aos enfermeiros instituído
pela ideologia opressora, onde os educandos são depósitos que devem ser
preenchidos num processo pacífico (FREIRE, 2005). Assim, ao considerá-los vazios
os profissionais se autorizam a trazer não o que é real ou faz sentido aos
adolescentes, mas o que é favorável ao profissional, mantendo uma passividade
receptiva desses sujeitos.
Essa pacificidade apresenta-se nos discursos por deslocamentos
incorporados em conceitos que vem sendo amplamente discutidos nos processos de
cuidado da saúde como o vínculo e escuta. Tais conceitos cristalizam-se como
dispositivos que trazem a interdiscursividade dos profissionais para justificar práticas
verticalizadas e engessadas na relação entre profissionais e comunidade.
GUERREIRA: [...] _Então assim,/ eu ganhei a confiança deles (dos
adolescentes) e o que aconteceu foi à questão de, desconstruir
alguns saberes né, tanto da minha parte quanto da deles, porque
quando a gente quando tá de fora (de fora do quê?) a gente aponta
muito o dedo, quando a gente conhece a realidade, vai pra perto, a
gente percebe que a coisa não é tão como a gente imagina que seja,
então a gente *, então a gente desconstrói muita coisa e a gente
constrói muita coisa com eles (o que é construído e desconstruído?),
e isso, como eu já coloquei, era a primeira parte do que eu fazia, eu
coloquei isso aqui justamente pela questão de regar, que eu deixo de
ir o vínculo quebra e você não consegue mais pegar o adolescente
de volta né.
Vínculo de acordo com o dicionário é posto enquanto laço, relação
(FERREIRA, 1986). Tal conceito é reapresentado por Schimith e Lima (2004,
p.1487) numa releitura de Campos (1997): “O vínculo entre profissional/paciente
estimula a autonomia e a cidadania, promovendo sua participação durante a
prestação de serviço”. A autonomia proposta no conceito de vínculo acima adotado
fortalece uma das ideias força de Freire (1979) que propõe a integração do homem
em seu contexto de vida, refletindo e atuando nos desafios impostos como prática
consciente e libertadora.
Guerreira materializa em sua interdiscursividade essa ideia de relação
estabelecida entre os indivíduos, e traz este vínculo para a possibilidade pacífica de
105
educação, apresentando visível tensão na polissemia quando enuncia a construção
e desconstrução mútua de saberes, finalizada com a paráfrase mantenedora de
ideologia que oprime: “eu deixo de ir o vínculo quebra e você não consegue
mais pegar esse adolescente”.
Tal tensão pode ser corroborada no silenciamento estabelecido entre o
que se desconstrói e reconstrói durante as práticas educativas, trazendo à dimensão
do não dito possíveis razões para as formulações dos sentidos que se deixa
expressar pelo que é silenciado.
Por meio da leitura política, histórica e cultural não posso deixar de
pensar que esse processo construtivo referido por Guerreira paute-se em
domesticar, onde mesmo após projeção da desocupação de si pelo educador que
coloniza, a mente continua colonizada, corporifica e presentifica o opressor, não
permitindo a anunciação do que possa vir a ser reconstruído porque escancara a
sua tendência dominadora (FREIRE, FAUNDEZ, 1985).
A submissão do adolescente mantida através do vínculo que se fragiliza
na possibilidade de um educando que não esteja sob júdice de seu educador,
reforça a ideia de prática educativa encarcerada, que controla e destitui o outro de
si. Penso aqui em Freire (2005, p. 191) que em sua concepção de ação
antidialógica, apresenta que a conquista “[...] implica um sujeito que, conquistando o
outro, o transforma em quase “coisa” [...]”, e em Orlandi quando apresenta a
inculcação como predominante do DP.
O discurso apresentado afasta-se então dos conceitos supracitados de
vínculo. Vislumbro a utilização do vínculo, após transpor a opacidade proposta pelos
discursos por meio do não dito como dispositivo opressor para o modelo de
educação realizado.
Jasmim apresenta uma formação discursiva que sustenta o dizer do
adolescente vazio de conhecimento, sendo este terreno próspero de plantio.
JASMIM: [...] _então se eu não planto (alusão aos adolescentes
serem terrenos vazios para o plantio) aqui nessa cabecinha né as
ideias, aqui as cabeça tudo aberta pra entrar e vazia (alusão aos
adolescentes não possuírem saberes prévios) né, que a gente pode
colocar o que quiser (risos), então botar as práticas corretas, e aí
eles vão formando seu próprio conhecimento e a sua própria
106
ideologia de vida, né, que a ideia é que eles formem a ideologia e
sigam, então, ai vai, vai criando a cabecinha formada e vai formar né
qual é o valor [...]
O discurso acima reforça que ao inculcar práticas “corretas” esses jovens
constituem sua ideologia, seus valores. Tal postura abraça um dos constructos da
educação bancária discutida por Freire (2005), que preza a passividade e
ingenuidade para adaptação do mundo, e anula a possibilidade crítica desse
adolescente ao estimular sua ingenuidade na pretensão de “transformar a
mentalidade dos oprimidos e não da situação que os oprime (FREIRE, 2005, p. 69)”.
Discutir sobre sua posição e como esses jovens se reconhecem no
mundo não apareceu como prática balizadora desses profissionais. Promover a
autonomia e a constituição de valores através de escolhas direcionadas e
formatadas reduz “as possibilidades de qualquer independência dos sujeitos, porque
emerge carregado de “verdades” da ciência, a qual é difícil contrariar (OLIVEIRA,
2011, p.186)”.
Os profissionais utilizam sua cientificidade e sua posição de conhecedor
em favor de outro a quem desconhece, e por meio de um discurso que propõe uma
“escolha informada” mantém o controle de formações ideológicas que se sustentam
na opressão.
Essa relação educativa com o adolescente é mantida pela mesma
situação existencial concreta da formação do enfermeiro (abordada nas condições
de produção de discurso), calcando nesse ser o status “de homem novo, homens
opressores” (FREIRE, 1979, p.31).
O imaginário de adolescentes que não sabem, ou de que possuem
conteúdos errôneos dão suporte à prática educativa do enfermeiro através dos não
ditos em diversos momentos em que sua posição torna-se ameaçada pela
possibilidade de saber desse outro. Tal manutenção discursiva é consolidada por
enunciações parafrásticas que desdenha do saber cultural e mantém nessa
destituição o que os autoriza os enfermeiros a educar.
Convém por em relevo a leitura de cultura sob a ótica da plasticidade, e
desconsiderar o “enraizamento”, ao conceber cultura como as interações humanas
produtoras de saberes. Atenta-se para o uso da cultura apenas como um signo
107
frequente nas práticas de educação em saúde, sem configurar-se como episteme
das práticas profissionais (BOEHS et al., 2007).
Para Freire (1985) a cultura é manifesta não apenas por representações
artísticas, constitui-se no viver a vida cotidiana, desde os hábitos alimentares às
múltiplas formas de se relacionar. As marcas culturais nos permitem viver e absorver
novas culturas, compreender novos conceitos e produzir novas significações.
Nesse intento, considero fundamental trazer a enunciação de Jasmim
sobre a “problemática” da gravidez da adolescência frequente em seu território de
atuação:
JASMIM: [...] _quanto ela tem três gestantes adolescentes eu tenho
milhões (risos), inclusive pra elas engravidar na adolescência é
genético, então, veio da mãe, veio da avó, _então porque que eu não
vou engravidar também? Então a minha realidade é bem diferente, a
adolescência lá (no bairro próximo a tribo indígena e assistido pela
ESF dessa profissional) é bem, digamos assim, pra frente (risos), as
meninas engravidam com 12 anos né, aquela parte indígena, então
ali não tem*..., mas a questão familiar é realmente uma necessidade
porque não é o professor nem é o enfermeiro que vai dizer o que ele
tem que fazer, é a prática dentro de casa, _então se a minha mãe
engravidou com 12 anos qual o problema de eu engravidar também?
A minha mãe é feliz hoje ela não tá reclamando, então eu vou, vou
seguir isso também e não é você que vai mudar minha cabeça!
Então a gente até,/ é do ano passado pra cá decidiu fazer um
trabalho agora com os pais. Então na reunião de pais e mestres da
escola que é uma vez por mês a gente é chamado pra dar palestra
pra eles, pra ver se eles em casa conseguem atingir os filhos né, pra
quem sabe a longo prazo ter uma mudança de atitude.
A
fala
de
Lírio
nos
impele
a
pensar
numa
produção
de
corresponsabilização, onde a incompletude do dizer ao referenciar a gravidez sugere
um silenciamento alusivo à possibilidade de tal fato acontecer como uma fragilidade
em sua assistência. Jasmim refere-se à gravidez na adolescência como um
“problema cultural”, metaforizando a gravidez como algo genético entre os
indígenas. Esse olhar me pareceu motivado em justificar a gravidez entre os jovens
de sua comunidade não estar diretamente relacionada à sua assistência,
apresentando repreensão por tal realidade cultural
Jasmim traz em seu dizer uma projeção imaginária de práticas corretas
pautadas em princípios esteticamente científicos onde a adolescente não pode
engravidar. A profissional explicita trabalhar junto à população indígena, povo este
108
de costumes e cultura própria. Mesmo mediante a satisfação em conviver com a
maternidade na juventude, passos galgados de acordo com seus ancestrais, Jasmim
não retrocede e investe seu arsenal educativo como proposta de “mudança de
atitude” dessas adolescentes. Penso aqui sobre como trabalhar educação através
de imperativos técnicos constituídos a partir do que seja um estilo de vida saudável
sem considerar a exterioridade desse sujeito e nem possibilidade de escolhas para o
desejado.
A invasão cultural constitui-se como ferramenta de conquista onde o
dominador impõe sua visão de mundo, modela, freia a criatividade inibindo sua
expansão, dominando econômica e culturalmente o invadido (FREIRE, 2005)
Os enfermeiros posicionam-se em alguns momentos como dotados de
poderes mágicos, que de uma forma superior acabam com os mitos e tabus. Mas a
quem será que pertencem as ideias míticas e erradas, será que aos adolescentes, a
sociedade ou ao juízo profissional?
Observo o que Freire (2009) denomina de
consciência ingênua, de superioridade aos fatos, dominando-os de fora e julgandose livres para entendê-los conforme for conveniente.
ROSA: [...] _então é aquela confiança que você tem com aquele
adolescente, né, o compromisso né com o atendimento, com a
situação. E a questão que a gente faz muito, desmistificar né, alguns
mitos ou tabus né que essa... que esse público dos adolescentes tem
bastante.
MARA [...] _o que eu tento transmitir é passar um certo conforto e
uma confiança neles, que qualquer coisa eles podem procurar, como
as vezes acontecem, ele vão lá no posto, perguntam, tem alguma
dúvida, eles vão, e eu tento sempre orientar, sempre nesse sentido
de tá orientado, não dizendo o que é certo ou errado, mas tá
orientando, mostrando pra eles qual o melhor, pra ver o que, se eles
tão seguindo pra eu tentar abrir mais os olhos, que muitos já sabem
também muitas coisas.
PAMELA: [...] _a gente tem até que perguntar qual temática a ser
abordada, porque eles são assim, até quando a gente vai pra escola
trabalhar a escola (inferência de trabalhar o aluno, e não a escola
como um todo), quando a gente chega na escola eles não, não ficam
quietos pra escutar o que a gente vai falar, eles viram é as costas pra
gente, entendeu?
Verdadeiras interações culturais podem promover um espaço movediço
de subjetivações que afrontam o “saber científico”, e apresentando-se como mitos e
109
tabus, ganham intenções metafóricas ao desvaler o saber do outro que não pode ser
dito nem aceito pelo profissional. Tais saberes ganham artifícios linguísticos na
tentativa de subjugar as experiências dos adolescentes. Boehs et al. (2007) trazem
essa perspectiva do profissional de saúde que compreende o conceito de cultura
como no início do século XX, em que esse “outro” não possui algo, e como tal
apresenta uma deficiência, sendo sua formação cultural um entrave para o que o
profissional quer ensinar.
Frente a tais reflexões ressalto a proposição de Rosa que ao movimentar
esforços em reconhecer o interesse desses sujeitos como disparadores para a
discussão educativa mantém um dizer explicitado aqui pela locução conjuntiva
subordinativa até que, desvelando o que não é dito: os profissionais devem em
alguns momentos submeter-se ás vontades dos adolescentes como artifício para
chamar sua atenção para o que “eu” educador tenho a dizer.
Tal consideração nos apresenta um educador que se movimenta em prol
do interesse do outro através da escuta, confirmando possibilidades de uma nova
prática, mas que mantém atravessado em seu dizer um interesse relativo à
manutenção do comportamento (eles não ficam quietos pra escutar). Tal postura
não corrobora com uma educação participativa, e me desperta a pensar nessa
escuta como mais um dispositivo que oprime e modela o outro para que este atente
para as minhas verdades.
Aposto na proposição da escuta que nos convoca a deslocar o processo
de escutar de um ““eu” que escuta outro “eu” para colocá-la no plano dos encontros,
entre práticas, forças, movimentos.” (HECKERT 2007,p.207). Tal escuta potencializa
as narrativas e pressupõe possibilidades de reinventar-se diante das situações.
Boehs et al. (2007,p.311) ainda afirma que “[...] aprender a ouvir é uma habilidade
fundamental na educação em saúde e no cuidado em enfermagem”.
Porém, reconheço nas enunciações do grupo pesquisado pistas do que
Heckert (2007) apresenta como escuta surda.
A escuta surda produz como efeito a tutela e a culpabilização dos
sujeitos, uma vez que fala por, fala de, em nome de, no lugar de falar
com o outro (HECKERT, 2007, p.205).
110
A proposição de confiança e conforto nos discursos de Mara e Rosa
consolida a utilização da escuta dos problemas e espaço para fala do adolescente
como dispositivo opressor, onde se assenta nessas relações as formações
discursivas sobre inculcar o melhor, abrir os olhos e desmistificar seus
conhecimentos ditos errôneos.
A escuta surda destitui esse adolescente de suas subjetividades e os
apresenta como produtores de erros que devem ser corrigidos para que se
mantenha o equilíbrio, constituindo-se assim julgamentos e prescrições produzidas
pelo “especialismo” profissional, acomodando esse adolescente no lugar de objeto
de suas ações (HECKERT, 2007). Tal discurso especializado interpõe-se na
circularidade do DP, que apaga o saber do aluno apontando-o como aprendiz do
que não se sabe, fomentando o professor-cientista como autoridade definitória
(ORLANDI,2009).
Essa relação fomenta o que Freire (2005) denomina como autodesvalia,
pois de tanto ouvir que não são capazes, convencido de sua “incapacidade”
remetem ao outro a autoridade de falar por si e de impor-lhes critérios
convencionais.
Tal movimento renega a autonomia aos educandos. Esta autonomia
resguardaria o adolescente em sua tomada de decisão e afirmação de postura
inclusive com a assunção de responsabilidades mediante a sociedade, conferindolhe assim a cidadania que lhe é direito (OLIVEIRA, 2010).
Entretanto, a autonomia fomentada nas concepções educativas de saúde
enquanto ferramenta de promoção da saúde mantém o sujeito sob a égide dos
fundamentos especializados que invalidam o potencial dos adolescentes ao produzir
ecos de um saber científico hegemônico.
Ao sustentar proposições que
adolescentes são praticamente “tabulas rasas”, a discursividade dos enfermeiros
conduz a possibilidade de preencher tais espaços ou lacunas com a educação, aqui
em especial a educação “para” saúde.
Como educadora e leitora do assunto, tenho presenciado esforços de
enfermeiros assistenciais, assim como os dedicados a pesquisa, em quantificar e
adjetivar as competências educativas como pré requisitos para instituir-se a saúde.
Acredito, porém, que tal debate deva considerar outros leitos condutores, que a
111
despeito da educação creio determinante às condições de saúde. Tratando apenas
de questões externas, traço como exemplo o constituinte econômico, que a
depender do cenário pode desconsiderar a potência educadora como produtora de
saúde.
Motivados pelas perguntas norteadoras do estudo, os enfermeiros
mantiveram dizeres parafrásticos, onde educar aparece como determinante primeiro
para se ter saúde, segunda situação existencial. Tal educação é direcionada pelo
viés biológico, como veremos em capítulo adiante. Considero pertinente fazer esta
observação, pois tais convicções me revelam uma proposta de ação que considera
saúde como simples ausência de doenças, e que após “educado” o sujeito deverá,
ou pelo menos deveria, conduzir o autocuidado com maestria e teoricamente não
apresentar nenhum adoecimento.
JASMIM: _Ai coloquei “a saúde começa com a educação” (leitura do
almanaque) / foi a primeira frase que eu* porque ela termina, ela tem
continuidade no próximo cartaz (risos) > [...] _ É, começa com a
educação né, você criando atividades e educando essa pessoa sobre
a /, os cuidados que ela tem que ter com a saúde dela, então ela não
pode ficar na dependência de um profissional, ela vai aprender a
cuidar dela mesma.
LÍRIO: (apresentando a produção do almanaque) _Eu coloquei,
porque é o caule (a educação em saúde) que sustenta tudo, toda
copa da árvore (referindo-se a todo o ser), se não tiver um caule e
uma raiz bem forte, bem segura, nada vai acontecer.
Jasmim reconduz a discussão numa tensão polissêmica que anuncia a
possibilidade de independência desse sujeito para o autocuidado, mas sustenta o
discurso que este deverá se sujeitar a uma prática educativa para conseguir tal
liberdade.
Freire (2005) atento para a possibilidade de educação sem a reflexão
pontua a tendência de usar as pessoas, e “mantendo a ingenuidade dos educandos,
o que pretende, em seu marco ideológico (nem sempre percebido por muitos do que
a realizam), é indoutriná-los no sentido de sua acomodação ao mundo da opressão”
(FREIRE, 2005, p.76). O autor nos convida a acreditar nesse outro que concebemos
destituídos de saber, que possamos enxergá-los como capazes de pensar certo,
pois a dependência do ensinar só gera mais dependência.
112
O pensar certo na visão de Freire (1996) diferencia-se do pensar “o”
certo. Para o educador pensar certo vai além de conteúdos objetificados, nos propõe
duvidar de nossa demasiada certeza, nos reconhecer como seres históricos e
críticos. Pensar certo nos instiga a compreender a relação dos conteúdos ensinados
e nossos saberes, demandando profundidade na compreensão dos fatos e não sua
simples interpretação, assim como nos disponibilizar ao risco de aceitar que o novo
conviva com o velho. Enfim, “pensar certo, é fazer certo (FREIRE, 1996, P.34)”.
A assertiva de Lírio sobre a educação em saúde ser a raiz e o caule que
sustentam uma árvore vai além de imagens metafóricas, mas se colocam enquanto
substituições alusivas e interdiscursivas sobre a educação em saúde servir de base
e sustentação para a saúde dos indivíduos. Penso nas ideias que circulam em
órgãos internacionais que relatam que para se promover saúde, devemos atentar
para as condições de habitação e alimentação, oportunidades de trabalho,
manutenção do ecossistema, paz e oportunidade da educação (OPAS, 1996; WHO,
1986). Como reduzir o sustento das condições de saúde a apenas o condicionante
educação, este que, por si já é intrinsecamente dependente de outros?
A circularidade dessa formação discursiva ainda se desdobra quando ao
adolescente é imposta a responsabilização por sua saúde nos anos vindouros a
partir dessa prática educativa.
JASMIM: [...]: _“a educação começa na adolescência” (leitura do
almanaque), eu sempre digo isso pra eles, se vocês cuidam da
saúde de vocês agora depois dos 20 vocês não vão ter problemas
que vocês vão talvez enfrentar uma gastrite, um problema / mais
sério por conta da falta de cuidado na adolescência né [...]), “a saúde
começa com a educação” (leitura do almanaque) / aí, “a educação
começa na adolescência” (leitura do almanaque), que ai vem a
arvorezinha da Lírio né, e, a prática educativa traz a melhor idade [...]
ROYAL: [...] _é uma sementinha, eu plantei e com certeza vou querer
colher, é colher mais tarde (colher o que?) que é justamente, não é
pra ficar ali na sala de aula, é pra levar pra casa, pra levar (levar o
que?) pros amigos, pra que isso seja divulgado e a gente tenha uma
saúde melhor, principalmente em relação aos adolescentes que a
gente sabe que eles são danadinhos (fala pausadamente) que é uma
beleza (risos)né, então o adolescente, eu acho que, o adolescente e
a criança é nossa porta, se engatar foi, mas senão depois de adulto
já é tarde, ele já tem tudo formado e pra quebrar aquela cultura deles
é muito dificil, ai termina assim, "Mais saúde" né, se eu conseguir
multiplicar os meus conhecimentos no mundo dos adolescentes e as
crianças vão conseguir mais saúde.
113
Assim, mantêm-se a educação atrelada às condições de saúde
sustentadas por Jasmim ao anunciar o adolescente como único responsável,
sedimentando uma postura que não acredito ser ingênua. Os dois trechos
discursivos acima apresentam uma falsa aparência que a educação proporá
autonomia a esses sujeitos, que serão donos de si e de sua saúde após o processo
educativo.
Jasmim antecipa a culpabilização ao adolescente pela possibilidade de
adoecimentos
futuros
após
a
intervenção
educativa,
mantendo
a
auto
responsabilização individual. Tal conduta fortalece o deslocamento do Estado em
sua participação na vida dos sujeitos, onde guiados pelo neoliberalismo, este não
pode interferir em nossa vida privada (CASTIEL, DIAZ, 2007).
Esta compreensão é possível ao percebermos os discursos imbricados
pelo sentido social e histórico que representam o homem e sua interlocução com o
meio (ORLANDI, 2001). Mantêm-se aqui a prática sanitarista de responsabilização
dos indivíduos pela saúde de forma individual, desconsiderando todo o contexto
social, econômico e cultural, onde podem ser responsabilizados ao se “rebelarem” a
não manterem práticas saudáveis (REIS, 2006).
A depender dessa postura educativa como geradora de autonomia desse
adolescente, apresento problema levantado por Oliveira (2011): a educação em
saúde realizada pela enfermagem tem sido um investimento emancipatório ou uma
prática de sujeição?
Trago aqui uma reflexão que por ser paradoxal é digna de atenção. Sob a
luz da interrogativa acima, e mediante a sustentação ideologia identificada nos
discursos dos enfermeiros, ideologia esta que apresenta a educação suspensa em
pilares opressores, atrevo-me a lançar o paradoxo do qual falei: as posturas
educativas para adolescentes enodadas nas ações dos enfermeiros sustentam mais
um dispositivo opressor: a autonomia.
Em busca de prover essa autonomia se
destitui, subjuga, imprime e invade. Sob olhar da análise de discurso creio que a
autonomia aqui seja talvez o maior processo metafórico presente nessa formação
discursiva, onde heteronomia é o que se propõe, mas que de acordo com Orlandi
(2005) fica escondida nos não ditos, no silêncio constitutivo, e que só nos possibilita
enxergar suas pistas pela lente da historicidade.
114
5.2 Formação Discursiva - Práticas instituídas entre campanhas e circuitos:
vigilância de corpos e sujeição ao modelo higienista
A pedagogia do oprimido que, no fundo, é a
pedagogia dos homens empenhando-se na luta por
sua libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter nos
próprios oprimidos, que se saibam ou comecem
criticamente a saber-se oprimidos, um dos seus
sujeitos.
(Paulo Freire)
Debates giram em torno das competências necessárias aos profissionais
para trabalhar a prática de educação em saúde enquanto ferramenta de promoção à
saúde. A criação do Consenso de Galway após conferência realizada na Irlanda em
2008 tem chamado atenção de estudiosos do mundo inteiro para a identificação de
competências fundamentais a tais práticas, assim como a necessidade de mapear o
padrão de qualidade de cursos acadêmicos (ARRUDA et al., 2009).
Não me oponho a sistematizações e consensos. Entretanto, reflito se para
educar não seja necessário mais que normas impostas que apontam o
engessamento de ações e modelos de profissionais que se recriam para caber em
determinadas expectativas. Proponho tal reflexão por acreditar que a prática
educativa em saúde não é instituída apenas pelo profissional, mas como no
processo educativo libertador o qual defendo se dá no encontro do educadoreducando (FREIRE, 1996).
A ideia de Freire no início deste capítulo nos convida enfermeiros
educadores, a refletir sobre o sustento de nossas raízes profissionais que nos
desenham como opressores oprimidos.
A contendo dessas raízes pronuncia esta formação discursiva a
denotação assumida pela discursividade do grupo de enfermeiros pesquisados: a
sujeição ao modelo higienista. Mesmo após inúmeros estudos, relatos e
problematizações sobre práticas educativas dos enfermeiros, percebo forte ligação
entre essas ações e normas preventivas ao adoecimento, mantendo o corpo
biológico em plano de visão primeira (situação existencial).
115
Prado, Medina-Moya, Martínez Rieira (2011) falam sobre a opressão
sofrida pela enfermagem através da colonização pelo paradigma biomédico que
contribui até hoje com a dificuldade de emancipação da profissão. Tais assertivas
dão espaço para longo debate que não findará aqui. Porém trago estas ideias
apenas como disparadoras das reflexões sobre essa formação discursiva, tendo em
vista a manutenção da visão biológica e comportamento sanitarista aqui
predominante.
GIRASSOL: [...] _mas é da infância passando como se fosse na
adolescência né, aqui o namoro o amor começa surgir, a paquera
começa a surgir, e daí vem a questão também da prevenção, que
tem a camisinha masculina e a feminina, e se não usar a prevenção
ela pode engravidar, ou então pegar uma doença sexualmente
transmissível.
LÍRIO: _Então que a gente, de uma forma bem simples, o que a
gente plantar nessa cabecinha agora, enquanto adolescente, vai
refletir no futuro, onde vai ter a questão de conhecimento da
cidadania, porque educar em saúde não é só falar sobre doenças
né,/ são quando eles vão reconhecer os direitos e os deveres dele / a
questão da prevenção da gravidez na adolescência, da gravidez
indesejada, a questão do contra*... das DST, os métodos
contraceptivos [...].
Reconheço a sexualidade como premente no universo adolescente. O
que está silenciado na discursividade de Girassol e Lírio é uma sexualidade que
embute perigos, doenças e como tal devem ser evitadas, reduzindo os direitos e
deveres sexuais destes seres a questões preventivas. A polissemia anunciada por
Lírio ao insinuar os adolescentes enquanto seres de direitos traz o rompimento que
o pronuncia enquanto sujeito, mas que sucumbe a imagem reducionista de um
direito sexual limitado, cerceado de pré-requisitos como não engravidar e contrair
doenças.
Freitas e Dias (2010) discorrem sobre a sexualidade na adolescência
como contexto frutífero para a formação de identidade desses sujeitos. Reconhecem
a presença de conflitos gerados pela gravidez não planejada e pelas DST, mas não
reduzem a educação sexual a isto. Ressaltam que os jovens mantém a consciência
de sua sexualidade povoada por questões afetivas presentes desde ligação a um
parceiro, quanto à crise que se impõe com os adultos durante a vivência de sua
116
sexualidade. A construção da identidade sexual também se faz presente na
realidade dos adolescentes, e tal discussão se faz merecedora de atenção.
Considero prudente trazer definição de sexualidade proposta por Pereira
(2012, p.1):
Tendo em vista que como as demais dimensões da identidade, a
sexualidade é uma construção, social, histórica e cultural, e portanto,
não se refere apenas ao sexo genital ou às relações sexuais. Nesse
sentido esta não pode ser vista apenas como uma das dimensões do
desenvolvimento da pessoa. Tratar desta temática pressupõe
reconhecê-la como uma abordagem que tem a sua
multidimensionalidade, nos diversos níveis e nos aspectos
biológicos, psíquico, social e político.
Não sou estudiosa da psicanálise, me considero mais uma curiosa.
Assim, não pude deixar de trazê-la para minha argumentação enquanto
compreensão da lida da sexualidade nesse contexto educativo.
Freud (2006) traz que a sexualidade acompanha o ser humano desde o
seu nascimento, e durante o curso da infância existe um apagamento em relação ao
desenvolvimento da sexualidade (amnésia infantil) que deixa rastros vindouros na
vida desse indivíduo.
Kupfer (1989) discute sobre as aproximações e distanciamentos da
psicanálise como suporte a educação. Permito-me nesse instante através da
compreensão psicanalítica sobre sexualidade pensar esse componente estruturante
enquanto constituinte dos seres, e como tal de impossível dissociação a despeito do
papel ocupado por cada indivíduo.
Freud pensa a participação da psicanálise na educação na perspectiva de
reconhecer o papel da educação na condenação da sexualidade, condenação essa
produtora de histeria. Ao tratar da sexualidade infantil Freud traz a luz pulsões
parciais que devem ser sublimadas para que estas caminhem direcionadas a
espaços socialmente úteis (KUPFER, 1989).
Para Freud as pulsões parciais e perversas são a base para o processo
de sublimação, e a educação repressora a tais pulsões seria além de inúteis,
prejudiciais aos indivíduos. Freud traz diversas questões que oportunizam a
psicanálise a participar da educação, levantando suas possibilidades e conflitos
117
(FREUD, 1976). Tais postulados apresentam a impossibilidade de o educador
promover a sublimação por este ser um processo inconsciente; que os educadores
deveriam esclarecer a respeito da sexualidade com crianças, mas estas não lhe
ouviriam, e por fim, ao esquecer sua criança interior este educador distancia-se da
necessária reconciliação que deve ter com esta (KUPFER, 1989).
Pós Freud outros estudiosos mantiveram interesse pelo tema e realizaram
leituras diversas sobre o assunto. Pensamos aqui que a partir dessas pequenas
proposições, que no processo educativo, educador e educando expõem seus
desejos e através da relação transferencial realizam a aprendizagem.
LÍRIO: _Tem a questão da diversidade (lentifica a fala para
pronunciar diversidade), que eu acho que é pra mim, é o que mais
trava essa questão com os adolescentes, talvez pela educação muito
conservadora que eu tive, e tenho até hoje por parte da minha mãe,
apesar do meu pai não ser conservador, mas ela impõe muito essa do
correto, do certo. Então a minha maior dificuldade é perceber e
enfrentar essa diversidade que tem entre os adolescentes de
pensamentos, principalmente. [...]É uma fase de descoberta! Ai aqui
vem a questão dos nossos tabus, dos preconceitos, porque, a gente
não fala muito sobre a mudança do corpo, sobre a própria
sexualidade, então como falar com o adolescente sobre isso? É
bem mais complicado.
Lírio traz sua leitura e vivência castrada, oprimida em relação a
sexualidade como influência em sua prática, onde trabalhar a sexualidade em sua
amplitude resgata a dificuldade em discutir tema intimo e polêmico, gerador de
preconceitos e tabus. Nessa perspectiva, institui-se a prática sanitarista vigente
que acolhe protetoramente o profissional não preparado para tais reflexões (penso
aqui na vigência das indagações dos pressupostos freudianos), munindo assim o
enfermeiro
com
ações
prescritivas
e
preventivas
apagadas
em
sua
interdiscursividade como autoproteção e não prática educativa libertadora.
Nesse instante, ao trazer a discursividade para o âmbito físico, descubro
ser este um possível artifício utilizado pelos enfermeiros na condução de sua prática,
pois os protocolos clínicos direcionam a condutas seguras. Conhecer esse
adolescente em sua real constituição aparece em rupturas que posteriormente
reforçam a prevalência pelo conhecimento físico (paráfrase).
118
LÍRIO: _Então eu penso que a educação com adolescentes é mais
uma questão de enfrentamento de conhecimento, não só do
profissional,/ da pessoa, mas como dos adolescentes também.
Conhecer sobre eles, não só as mudanças físicas mas o que
permeia ao redor dele, o que realmente eles querem, eles conhecem.
JASMIM: _E engraçado é que eu, eu me coloquei no lugar do
adolescente porque eu acho que eu me lembro muito bem da minha
adolescência...
Ao trazer o enfrentamento como possibilidade de conhecer não só o
outro, mas a si também, Lírio fala de um lugar que permite ao profissional também
ser sujeito, se reconhecer enquanto vítimas dessa coação que vivenciamos sobre o
usufruto de nosso conhecimento, sejam científicos, culturais ou comuns o qual
levanta a necessidade de enfrentamento.
A dimensão simbólica dos sujeitos é disciplinada pelo processo orgânico,
desprezando desejos e experiências humanas em prol de um saber científico. Lírio
rompe momentaneamente com a posição higienista e se permite aceitar e
questionar o que brota do desejo do outro e não apenas da necessidade física. Ao
considerar o querer envereda pelo que Aguiar, Silveira e Dourado (2011) propõem: a
busca pela complexidade, reconhecer que os sujeitos são muito mais do que células
e processos metabólicos, mas que possuem suas histórias, sonhos, desejos. Os
autores convidam a conhecer o outro, a considerar quem ele é, como se formou e
quais seus significantes, aceitando o sujeito e seus desejos como possibilidade para
reinvenção do cuidado.
O cuidado que alicerça a prática do enfermeiro também se apresenta
como dispositivo opressor na manutenção do cuidado físico prevalente. Em nome
desse cuidado que visa proporcionar bem estar assumimos uma posição de ajuda e
estímulo à autonomia, havendo uma pluralidade entre reconhecer o outro e a
manutenção do assujeitamento a proposições formatadas que coloca o enfermeiro
em posição acomodada de estar fazendo o que é “preconizado”:
PLANTA: _Então, é dessa forma o circuito que eu vejo no PSE, o
circuito ele tira um pouco da propriedade da gente abordar certas
temáticas, porque você fica preso somente aquele questionário, nada
mais do que o questionário.
119
POCAHONTAS: [...] _esse mês a gente vai,/ aliás em julho a gente
fez uma atividade que era só palestra né com uma determinada
turma, ai levamos , métodos contraceptivos, álbum seriados, vídeos,
ai passamos a tarde lá, nessa sala, sempre a gente tá fazendo. E o
circuito que acontece a cada mês, aí a gente leva a equipe de saúde,
leva balança, o NASF sempre nos ajuda,/ pronto, é isso ai.
A discursividade dos enfermeiros sustenta a cristalização de práticas
institucionalizadas pela política municipais aqui apresentadas pelo modelo “circuito”.
Os profissionais justificam o enfoque no olhar biológico por meio da orientação
municipal nos atendimentos clínicos necessários ao cumprimento de metas impostas
pelo PSE. A vigilância aos corpos interpõe-se como diligência do cuidado clínico
educativo que vai além da disciplina de corpos, descola o adolescente físico de suas
subjetividades e desejos.
Horta e Sena (2011) consideram ações cuidadoras de saúde ao corpo
juvenil como essenciais, porém, as estratégias para tais ações devem ser guiadas
pela imersão no cotidiano dos adolescentes, promovendo a visibilidade de suas
prioridades na quebra da perspectiva tradicional de ações de cuidado.
Há a acomodação diante à situação, sem diálogo, participação nem
reflexão. Tal acomodação comporta-se na ideia de Planta que desloca ao
questionário a responsabilidade de prática biologicista e mecânica. Aqui, o
questionário do circuito é o agente imobilizador.
Não quero deixar a impressão que sou contra os atendimentos clínicos,
pelo contrário, como profissional de saúde reconheço sua importância e em certa
parte louvo a iniciativa proposta pelo circuito de saúde de prevenir o adoecimento
dos jovens. O que aceno em minhas considerações é a paralisação dos enfermeiros
ecoada sob a proposta do modelo exógeno do adoecimento, desconsiderando o
circuito inclusive como espaço educativo que pode reconhecer histórias de vida.
PAMELA: [...] _a gente sabe que quando chega a campanha de
hipertensão e diabetes sempre vem aquela cobrança (de quem vem
a cobrança, dos gestores?) / da
palestra na campanha de
hipertensão e
diabetes, ai coloquei aqui: na campanha do
aleitamento materno... >
LÍRIO: _Então eu penso na saúde dentro da educação em saúde não
só naquele momento que a gente faz na palestra né, nas
campanhas que cobram muito da gente, que muitos companheiros
120
(os gestores municipais), como diz minha mãe deixa só pra cobrança
das campanhas e deixa esse momento de educação pra lá.
Mantém-se assim como apresentado por Pamela e Lírio, ações coletivas
intervencionistas e dominadoras de comportamentos condizentes com as diretrizes
do sanitarismo com normas higiênicas promotoras de bem estar (REIS, 2006).
O modelo campanhista mantém relação assimétrica entre profissionais e
comunidade fortalecendo participação débil caracterizada de cima (dos profissionais)
para baixo (à comunidade) e pelo verticalismos que propõe o controle social, a
manipulação (HERNÁEZ, 2010).
Esse modelo de trabalho fundamenta-se nas raízes históricas do modelo
de educação em saúde, e apesar de diversas problematizações e críticas aos
moldes tradicionais o trabalhador reproduz o modelo educativo que lhe foi ensinado
ao valoriza práticas curativas (PINAFO, NUNES, GONZÁLEZ, 2012).
121
5.3 Formação Discursiva - Eu ensino e você aprende: laços que unem
oprimidos.
Quando entro em sala de aula devo estar sendo um
ser aberto a indagações, a curiosidade, às perguntas
dos alunos, a suas inibições; um ser crítico e
inquiridor, inquieto em face da tarefa que tenho – a
de ensinar e não a de transferir conhecimento.
(Paulo Freire)
Creio poder iniciar esse capítulo confessando minha dificuldade em
escrevê-lo. Explico. Inicialmente esta me pareceu a formação discursiva mais fácil
de dissertar devido a unânime presença dessa formação discursiva entre os
participantes do estudo. Ato a essa presença a força dos componentes ideológicos
presentes nas enunciações dos enfermeiros sobre como entendem e executam sua
prática educativa e a direcionam ao público adolescente.
Parecia não haver dúvidas. E de certo não há. O que dificulta a escrita é
justamente o emaranhado proposto pela riqueza nas situações existenciais aqui
explicitas. Riqueza esta que requer tempo, reflexões e organização nas proposições
para nossa melhor compreensão. Outra dificuldade talvez exista em tentar refugiarme das descobertas ideológicas no posto de enfermeira educadora.
Declaro que o dizer de Freire na abertura do capítulo incide sobre a
formação que conduz este capítulo, constituição e execução de práticas educativas
com adolescentes vivificadas em duas situações existenciais de base: transmissão
do saber e seus artifícios educativos.
Diversos estudos têm sido realizados para fomentar a discussão e
possível “enquadre” de ações de educação em saúde como corretas. As práticas de
educação ativa guiadas por teorias problematizadoras vêm sendo apontadas com as
mais coerentes na promoção da saúde dos indivíduos (FIGUEIRÊDO, RODRIGUES
NETO, LEITE, 2012; FERNANDES, BACKES, 2010; MIRANDA et al., 2008; MELO,
SANTOS , ATREZZA, 2005).
Discorrerei a seguir sobre a relação de processos interativos que
constituem a vivência educativa dos enfermeiros com adolescentes, uma construção
tensa entre a manutenção parafrástica de práticas tradicionais e verticalizadas
mantida através do discurso pedagógico, e momentos de ruptura, onde esse
122
educador se reconhece também oprimido, e enquanto sujeito questiona em
enunciações polissêmicas a ideologia opressora que os mantêm.
Os enfermeiros afirmam que enquanto seres vazios, os adolescentes tem
que ser educados. Mediante a discussão apresentada na formação discursiva
anterior aprofundo-me na condição posta por esse profissional que legitima “um
outro” como possuidor do saber e que portanto deve educar. A esse outro
personificou
interdiscursivamente
três
instituições
detentoras
do
saber
e
responsáveis por “inculcar” a saúde a esses sujeitos: a família, a escola e os
profissionais de saúde. Essa trilogia institui de forma marcante a transmissão do
saber pré-definido pelo poder assentido culturalmente a tais instituições.
GIRASSOL: [...] _Na escola, eles estudando, que é a formação de
tudo (formação de que?), é a base de tudo (que base é esta? )pra
gente poder concluir e ter uma boa saúde e uma boa educação.
VIOLETA: _Assim... eu coloquei aqui né, que, que, educação em
saúde com adolescentes não é uma coisa fácil né. Que você tem que
usar uma linguagem diferente, coloquei aqui uma linguagem
diferente, então a gente pensar educação em saúde e adolescente a
gente relaciona logo a escola né.
POCAHONTAS: _Assim, além do que os colegas falaram, eu criei
assim tipo uma historinha (apresenta o almanaque): aqui é a
residência né, pra indicar que a educação vem da, / começa na
família, porque um aluno educado claro que ele vai ser um bom
aluno né, um aluno que é educado em casa, tem orientações dos
pais.
Nos discursos de Violeta e Girassol atua o imaginário de escola e família
como fundamento para o saber base dos indivíduos, e associa essa base educativa
direcionada a manutenção da saúde. Tais assertivas isoladas não são provocadoras
de questionamentos, pois não desconsidero aqui o espaço escolar e familiar como
frutíferos para educar.
Considero, porém, as condições que geram tal discursividade, onde este
enfermeiro como agente público empossado do conhecimento e da responsabilidade
em educar para se ter saúde, escora um entendimento que a educação em seu
contexto primário escolar-familiar é propícia enquanto preparo do terreno a que irá
se plantar.
123
Girassol, Violeta e Sandra apontam em seus discursos a intenção de
submissão desses educandos e do componente educativo vindo da escola e família
como domesticador dos sujeitos quando afirmam que ao estudar possuirão base,
serão formados por alguém, e ao se pensar nas dificuldades de interação
profissional com esse ser, associam a educação vinda da escola e família (a gente
relaciona logo a escola, porque um aluno educado claro que ele vai ser um
bom aluno né; um aluno que é educado em casa) como “pacificadora” para esse
encontro. O constituinte simbólico de suas assertivas ecoa como “argumentos de
autoridade” (FREIRE, 2005, p. 70), e traz a luz o que Bacha (2003, p. 24) nos
convida a pensar:
E, se a educação é adaptação ou normatização, quer dizer, se
educar não é mais que tentar fazer da criança um ser semelhante à
imagem projetada pelo adulto, ainda é preciso esclarecer “qual” é
este ideal em relação ao qual a criança deveria ser formada. E,
fundamentalmente, se os conhecimentos escolares seriam meios
para atingir “este” fim.
Aqui então se inicia uma resposta à projeção dos enfermeiros em relação
ao imaginário que detêm do adolescente: como seres que não sabem e necessitam
ser preenchido. O que aparece silenciado nesse discurso, mas que se compreende
através das pistas discursivas (para gente concluir; tem orientações dos pais) é
uma relação educativa transmissora, disciplinante, onde o educador, seja
representado por qualquer instituição, é o que orienta, prescreve a opção, que
produz adaptações e é sujeito do aprendizado preparando assim o terreno para as
práticas de educação em saúde realizadas pelos enfermeiros (FREIRE, 2005).
A ideologia de uma educação transmissora, onde o educador em saúde
traz as ideias corretas e seus conhecimentos são repassados materializa-se nas
enunciações que emergem durante a discussão nos três grupos sobre a prática de
educação em saúde com adolescentes. Essa transmissão vem sob a proteção do
preparo para o futuro desses adolescentes.
LÍRIO: _Então que a gente, de uma forma bem simples, o que a
gente (os enfermeiros) plantar nessa cabecinha agora, enquanto
adolescente, vai refletir (refletir o que? Como?) no futuro [...]
124
ROSA: _Educação em saúde e enfermagem né, eu coloquei “a arte
de cuidar bem da sua saúde”(apresentado o almanaque), coloquei o
que a gente (enfermeiros) faz, essa arte de cuidar, de se
comprometer com a saúde do outro, e essa interrogação que eu
coloquei, ás vezes pra gente, a gente não tem a dúvida, mas na
cabeça das outras pessoas o que pra gente não é dúvida*... então
muitas interrogações, muitas coisas que a gente com o nosso
conhecimento, praticando realmente a educação em saúde a gente
(enfermeiros) pode está esclarecendo esses fatos né. “A informação
é sua maior aliada” (apresentado o almanaque), né, a gente vai estar
levando uma ajuda pra essa pessoa, ou pras pessoas, os
adolescentes o público em geral.
MARA: [...] _é isso que eu acho que eu procuro tentar sempre tá
fazendo essa educação em saúde com os adolescentes você tem
que tá sempre se atualizando, e se atualizar e passar pra eles o que
é que tá acontecendo.
POCAHONTAS: _Então eles lá (na escola) recebem informações a
respeito que /, da saúde, que próximo à escola tem o posto de
saúde, que tem atendimento pra os filhos se precisarem e outras e
outras informações.
No intento de transmitir para criar, para ajudar, para deliberar algum futuro
ao outro vislumbro a tentativa dos profissionais em conscientizar os adolescentes.
Aqui me permito dizer que tal possibilidade de conscientização aproxima-se do que
Freire apresenta não como conscientização, mas como fundamento da concepção
bancária onde:
[...] a consciência é, em sua relação com o mundo, esta “peça”
passivamente escancarada a ele, à espera de que entre nela,
coerentemente concluída que ao educador não cabe nenhum outro
papel que não o de disciplinar a entrada do mundo no educandos.
Seu trabalho será, também, o de imitar o mundo. O de ordenar o que
já se faz espontaneamente. O de “encher” os educando de
conteúdos. É o de fazer depósitos de “comunicados” – falso saber –
que ele considera como verdadeiro saber (FREIRE, 2005, p.72).
Constitui-se assim o que Orlandi (2009) refere sobre a presença de
conteúdos ideológicos substituindo os referenciais de ensino, aqui reconhecido pelos
profissionais como conhecimento legítimo, que poderá conduzir os adolescentes a
um futuro consciente.
Após a produção artística proposta pelas DCS, a discussão nos grupos
toma o caminho decodificador sobre os pressupostos que constituem os enfermeiros
125
enquanto profissionais educadores em saúde junto aos adolescentes. Reforçando o
caráter de discurso pedagógico como mantenedor dos dizeres, aparece nas falas a
perspectiva de informação, objetivo do DP (ORLANDI, 2009).
O uso da metalinguagem como definidora de conceitos elaborados, que
estabelecem o aspecto científico e desconsidera o senso comum ao fortalecer o
ideal de informar, transmitir, sem perspectivas de reflexões, pois as questões estão
reduzidas ao “é-porque-é” (ORLANDI, 2009, p19). Orlandi (2009) alerta para outra
produção da metalinguagem: a instituição de recortes do objeto, fragmentando para
homogeneizar, determinando de onde o saber legítimo deve ser produzido.
Não há sustos, dúvidas ou questões sem resposta. Assim se constrói
o saber devido, o saber útil (vale perguntar pra quem?) (ORLANDI,
2009, p. 30).
Valendo-se dos artifícios metalinguísticos que o DP autoriza, Lírio Rosa,
Mara e Sandra determinam quem (enfermeiro) e onde (posto de saúde) as
informações educativas que proverão saúde aos adolescentes são encontradas.
Vestem-se da responsabilidade na atualização de informações para passar o que o
adolescente necessita encarcerado essa relação educativa ao território estático do
binômio UBASF-escola.
Distanciam-se assim de uma relação educativa libertadora, que prima
pelo diálogo com o outro, diálogo que promove movimentos críticos e rebeldes na
expressão dos seres. Institui-se sim aqui, relação “quietista”, que engessa os
adolescentes frente ao saber profissional (FREIRE, 2009).
Essa perspectiva educativa de transmitir encontra-se enraizada nos
discursos (paráfrase), onde desconsiderar o diálogo apresenta-se de forma dócil no
enunciado de Mara, sobre a proposição de atualizações que justifiquem o “passar”
dos acontecimentos vigentes aos adolescentes, ou no produzido por Guerreira que
antecipa a necessidade do adolescente para justificar o direcionamento de suas
ações educativas.
GUERREIRA: _E assim a gente tem as dificuldades que eu
encontrei, primeiro foi de trabalhar uma temática (que temática?) que
pra mim não é interessante e muito menos pra eles. É eu por mim,
126
eu enfermeiro eu nem podia tá dizendo que pra mim isso não é
interessante, mas eu não gosto de trabalhar isso, pelo menos com
adolescente não.
PESQUISADOR: _O que é?
GUERREIRA: _Hipertensão,/ medir criança, olhar se tem mancha, eu
acho que isso é muito do pai e da mãe, na puericultura a gente já faz
esse trabalho,/ e assim, eu acho que não é o foco deles, e assim,
não é o que eu gosto de trabalhar com eles.
As formações discursivas de Mara e Guerreira apresentam palavras e
sentidos diferentes às mesmas proposições: eu educo a partir do meu saber, do que
me é interessante e porque não dizer, do que me é seguro. Compreendo o não dito
que salta desse discurso movido pela necessidade do educador proteger-se do que
possivelmente não venha a conhecer, negando a possibilidade de trabalhar
questões que não lhe são confortáveis ou não lhe parecem do seu interesse.
Em seu discurso Guerreira renega a importância para os adolescentes de
trabalhar questões provenientes de adoecimentos, utilizando a antecipação que
produz a projeção do interesse desses adolescentes como subterfúgio para o que a
mesma anuncia: não é o que eu gosto de trabalhar com eles.
Reflito aqui através do pensamento de Freire (2005), que para Guerreira
trabalhar com questões próprias do adoecimento em sua comunidade numa
perspectiva libertadora implicaria trazer o reconhecimento crítico de uma série de
questões possíveis para o processo do adoecimento. A mesma referiu atuar numa
área pobre e com a presença de diversos problemas sociais.
A discussão com adolescentes sobre hipertensão arterial (assunto
rejeitado pela profissional) pode enveredar por caminhos que vão além dos
condicionantes genéticos. Pode trazer a tona fatores como alimentação saudável e
qualidade de vida que podem estar atrelados a conflitos econômicos sobre os quais
a profissional não ousa discutir com os adolescentes. Esse reconhecimento crítico
despontaria uma situação opressora e poderia iniciar movimento transformador na
busca do “ser mais” por esses sujeitos.
O não ousar da profissional repousa na condição do silenciamento que
esse locutor ocupa no contexto social que não lhe permite o “dizer” pela
cientificidade e por sua posição instituída: profissional liberal, em busca de
127
reconhecimento profissional e desejoso na manutenção do seu labor, do seu
sustento, que se encontra sem nenhuma estabilidade profissional sujeita ao olhar
governamental.
Nesse contexto, as proposições metalinguísticas sustentam a separação
do biológico constitutivo (genético) e o biológico social (fatores de risco), amparados
por constructos ideológicos de uma educação que faz do profissional também
oprimido onde “[...] acomodados e adaptados, “imersos” na própria engrenagem da
estrutura dominadora, temem a liberdade, enquanto não se sentem capazes de
correr o risco de assumi-la” (FREIRE, 2005, p. 37).
LÍRIO: _Então eu penso na saúde dentro da educação em saúde não
só naquele momento que a gente faz na palestra né, nas
campanhas que cobram muito da gente, que muitos companheiros
(os gestores municipais), como diz minha mãe deixa só pra cobrança
das campanhas e deixa esse momento de educação pra lá.
Os companheiros ora referidos por Lírio são os gestores municipais que
“cobram” atividades de educação em saúde pontuais e programadas a depender do
momento e perfil epidemiológico municipal. A profissional apresenta movimento
contrário ao engessamento produzido por práticas tradicionais (não é só naquele
momento que a gente faz na palestra), reflete na possibilidade das práticas
educativas estarem vivas em diversos espaços, emergindo assim da uma condição
instalada de educação em saúde campanhista.
Entretanto Lírio transparece resquícios verticalizados
no direcionamento
de suas ações. A visão do gestor e carência de políticas claras em relação ás ações
educativas dos enfermeiros são apresentadas por Roecker, Budó e Marcon (2012)
como fatores dificultantes nas mudanças das práticas educativas da enfermagem.
Na condição de opressores que não se destituem também do papel de
oprimidos, os enfermeiros fazem enunciações polissêmicas que desnudam a
proposição ideológica de uma educação dominadora. Assenta-se nessa situação
existencial o reconhecimento do enfermeiro enquanto oprimido, que tenta se
movimentar dentro dessa realidade assujeitada, mas que é subjugado pela sua
condição de opressor.
128
FLOR: [...] _que a própria educação em saúde acaba sendo uma
propaganda que a gente faz, boa ou ruim, porque se a gente vai
falar daquilo dali, você pode fazer, você pode através..., as vezes o
que você vai tratar na palestra depois a pessoa vem individualmente
tirar as dúvidas perguntar as coisas, se você fala bem, se você
consegue se expressar, consegue fazer uma boa propaganda
daquilo dali, eu acho que os frutos são bem melhores do que quando
você simplesmente joga (esse joga refere-se ao conhecimento
repassado), porque muitas vezes... é acontece de vai e faz porque
tem que fazer, então vai e joga ali e pronto, e eu acho que quando é
assim não rende, não tem > (aqui refere-se as práticas educativas
realizadas no automatismo, depositando, sem possibilidade de
enxergar aproveitamento) >
VIOLETA: _Não tem força né!
FLOR: _Exatamente!
Flor reflete em seu discurso a ideia de uma relação educativa
verticalizada, interposta por tirar dúvidas, onde o sucesso nessa interlocução
projeta a imagem de bom educador. Porém a profissional traz uma produção
polissêmica que prontamente é aceita por Violeta de que apenas jogar, ou seja,
transmitir não apresenta modificações na vida do outro.
A leitura propagandista do educar mostra-se como paráfrase de uma
educação que mantém a dominação e o convencimento como apriori, que se mostra
indiferente ao conteúdo e dúvidas do outro, pois o que está em jogo é o
conhecimento do profissional e sua habilidade de dominar através do conhecer.
Aqui, a pedagogia da propaganda é vívida na pedagogia da resposta, do
convencimento, onde “o que se pretende autoritariamente com o silêncio imposto,
em nome da ordem, é exatamente afogar nele a indagação (FREIRE, FAUNDEZ,
1985, p. 47).
As indagações críticas dos educandos assustam aos educadores
autoritários que prezam pela “castração da curiosidade” do outro por medo, um
medo gerado pelas possibilidades de resposta (FREIRE, FAUNDEZ, 1985). Penso
na ideia que educar em saúde deve proporcionar tais inquietações e ser geradora de
questionamentos. Só assim se inicia o verdadeiro conhecimento, através da
pergunta. Freire e Faundez (1985) defendem a educação que a priori facilita e prima
pela pergunta ao invés de ofertar respostas prontas, e afirmam ser papel do
129
educador ajudar o educando “a melhor perguntar (FREIRE, FAUNDEZ, 1985, p.
48)”.
Lopes e Tocantins (2012) refletem
sobre
educação
em saúde
fundamentada numa concepção que supera a habilidade de memorizar dos
educandos, e sim uma prática que estimule inquietações necessárias para as
críticas sobre suas condições de saúde.
O cerne da pedagogia libertadora transita de forma silenciosa por meio da
discursividades dos enfermeiros, numa trama quase planejada e mesclada pela
interdiscursividade e leve toque polissêmico, que, se não há mergulho no contexto
discursivo pode se manter a impressão de uma segunda ideologia de base:
PLANTA: _Então o meu desenho ele é um muro,(apresenta seu
desenho) onde eu coloquei cada quadradinho como um tijolo, e eu
concebi educação em saúde como a *..., dando continuidade o que
a Guerreira falou, que é uma atividade né, um trabalho de
formiguinha, que é construtiva, então que eu chego lá*... (chega lá
aonde?), e que essa base do muro ela é feita por nós, não é... os, os,
posso dizer o preceptor, não gosto nem de usar essa palavra (porque
a resistência em usar essa palavra?), ah / o profissional, o preceptor
da educação em saúde, e que a construção dessa atividade ela se
dá em cima da reflexões que a gente (os enfermeiros) lança, então
cada indivíduo vai ser dono do saber dele, vai construir o próprio
saber dele, não vai ser eu que vou dizer, fulano você tem que fazer
isso, fulano você tem que fazer aquilo, então ele vai ser o próprio
construtor do saber dele. Então que esse muro, a construção desse
muro, vai depender do que ele acha melhor pra ele, do que é que ele
quer pra ele. Então*..., e nesse trabalho de construção do muro eu
também construo o meu muro, então, é uma via de mão dupla, uma
prática construtiva, que a gente ensina e também aprende.
Planta durante toda a DCS propõe a ruptura dessa prática educativa
tradicional com construções que apontam o educando como protagonista e escritor
de sua história, corroborando com a visão freiriana de que “ninguém educa ninguém”
(FREIRE, 2005, p.78). O profissional entretanto desliza na proposição ideológica
circulante do discurso pedagógico dominante ao determinar que os enfermeiros
lancem as reflexões que direcionam as práticas educativas, sem preterir a realidade
e necessidade do interlocutor.
Freire (1996) defende que o pensar certo, ingrediente do processo
educativo libertador, não pode ser realizado sem entendimento, e que tal
130
entendimento não pode ser transferido e sim coparticipado, destituído de cuidados
alienadores implicados na comunicabilidade. O pensar certo segundo Freire (1996,
p.39) “tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor”.
ROYAL: _A escola diz a necessidade do adolescente, mas será que
é aquilo que ele tá precisando? Eu acho que o adolescente devia
participar, se não todos, selecionar alguns, vê o que, qual é a oficina
que vocês querem, qual é o assunto que vocês tão precisando agora,
né! Muitas vezes eu sento com a diretora (entonação de indignação,
questionamento), a diretora: eu quero isso, isso e isso,/ ou o diretor,
como a gente tem uma escola que é de adolescente que vai na
nossa escola e diz: eu tô precisando disso. Mas será que é o que o
adolescente tá precisando?
Nesse fragmento a profissional se faz sujeito, e propõe também esse
lugar ao adolescente ao reconhecer a necessidade de ouvir e trabalhar sobre de
acordo com o desejo e necessidade do outro. Percebe-se então a soberania da
escola cumprindo o papel de reprodutora das hierarquias sociais fundada nas
relações de força, inclusive sob o enfermeiro (ORLANDI, 2009).
Nesse movimento de reconhecer a necessidade de mudanças nas
práticas de educação em saúde, os enfermeiros enquanto educadores (oprimidos ou
opressores) propõem estratégias para recondução dessas práticas, mas que em seu
devir (re)dimensionam o mesmo, o que regula (segunda situação existencial).
Os artifícios educativos presentes nos discursos acimentam uma prática
tradicional ao mesmo tempo em que propõe rupturas por meio dos dizeres dos
enfermeiros ao reconhecem a necessidade de mudanças nas atividades vigentes
como possibilidade ao rompimento ideológico tradicional.
Uma prática comum e reconhecida no meio profissional é a realização de
palestras educativas. Tal vivência apesar de predominante foi apresentada pelos
profissionais como prática desvalorizada que preza realização narrativa em forma
quase de monólogo.
PAMELA: _Eu coloquei aqui educação em saúde e enfermagem
né.// Eu coloquei aqui, é / a mãe ... / primeiro assim, eu acho que
educação em saúde e enfermagem ainda é um pouco precária né. A
gente não vê assim*,/ porque assim*..., educação em saúde é mais
assim, as palestra que a gente entende o que: ai meu Deus do céu,
131
educação em saúde a gente (a gente quem? O profissional?) vai logo
*: Palestra. Mas assim, é // não é bem assim né (o que não é bem
assim? A prática educativa não se reduzir apenas a palestras?) / não
é só assim, então assim, quando a gente pensa educação em saúde
na enfermagem, é / a gente pensa logo na palestra em si [...]
VIOLETA: _É como a Pamela falou educação em saúde não é feito
só com palestras é feito né...
PALOMA: [...] _tem que ter mudança, porque todo mundo já pensa
mesmo que é aquela questão só de ir, de falar e dar palestra, então a
gente tem que mudar, tem que inovar, e pronto. (10’44’’ – 11’20’’) 36
segundos
A manutenção discursiva sobre a predominância da palestra confere às
práticas do enfermeiro educador características verticalizadas. Porém ao reconhecer
tais práticas como insuficientes e até precárias como proposto por Pamela,
reforçados na incompletude dos pensamentos, o olhar desse profissional é
deslocado para a necessidade de relações aproximadas. Atrevo-me a dizer que
reconhecer a necessidade do diálogo em suas relações educativas é reconhecido
pelo não dito como urgência de mudança, onde o monólogo tange o insuficiente.
Chagas et al. (2009) consideram que
práticas repetitivas e
descontextualizadas, escoradas em saberes verticais desvirtuam e desinteressam
enquanto tecnologia educativa viva para promoção da saúde. Contanto, reconhecer
a participação dos adolescentes como fundamental nas práticas de educação em
saúde assim como a proposição de técnicas que possibilitem a problematização e
integração entre educando e educador não garantem nova perspectiva de atuação.
ROYAL: _E eu acho assim, com o adolescente (aqui a profissional
faz alusão aos adolescentes maiores), o pouco que eu trabalhei com
eles, é que muitas vezes a gente vai na escola, organiza o PSE*, sim
vamos lá qual o seu nome, as palestras que tu quer, as oficinas [...]
porque muitas vezes a gente vai falar de DST Aids: "Isso ai de
novo?"(indagação feita pelos adolescentes) Aí eu já tenho que mudar
minha estratégia porque ele já sabe [...].
Torrezan, Guimarães e Furlanetti (2012) apresentam a oficina como
tecnologia positiva para se ensinar fazendo, onde a interação conteúdo/sujeitos
expandem os sentidos e fomentam o aprendizado e interação coletiva. As autoras
132
propõe a conexão do corpo enquanto ferramenta para o trabalho, voz e ouvidos para
a constituição das narrativas e a alma enquanto dispositivo de memória. Todos
esses constituintes fortalecem a interação e o diálogo participativo.
O recorte discursivo de Royal traz reconhecimento de ferramentas que
estimulem a participação e o diálogo, e fala de um profissional que se reconhece
tradicional e abre-se para novas possibilidades. Esse discurso revive no profissional
a possibilidade de libertar-se da condição opressora, da construção de sujeitos
problematizadores e relações dialógicas que redirecionem as relações ora vigentes.
Há de se atentar que a inovação do método não garante a mudança
episteme educativa. O processo de mudança de mentes, colonizadora –
colonizadas, leva tempo e requer ampliação de perspectivas, pois tais constituições
imaginárias carecem de ser substituídas por mentes críticas (FREIRE, FAUNDEZ,
1985). Parece-me simplista e ao mesmo tempo arriscado eleger uma técnica como
potencialmente transformadora enquanto as subjetivações dos envolvidos transitam
na opressão e tradicionalismo.
A proposição de Royal em saber por quais oficinas o adolescente se
interessa se apresenta em sua discursividade como possibilidade de dispositivo
libertador, mas finda em retratar uma etapa de tarefa instituída na tentativa de obter
sucesso em sua estratégia de ação que não permite discutir o que possivelmente é
sabido pelo outro.
Outro artifício que se fez presente nessa situação existencial foi à
formação de grupos como catalisadores educativos. O grupo constitui-se como
ferramenta e fecundo território de encontros para a educação participativa em
saúde, mas que necessita da coparticipação de todos os envolvidos para ser
definido como tecnologia emancipatória e geradora de relações horizontais
(GONÇALVES, SCHIER, 2005).
POCAHONTAS: _Assim / como eu realizo né as práticas educativas.
No posto de saúde eu sempre tenho apoio da escola, quando eu
quero fazer uma atividade na unidade, porque eu tenho dificuldade
de formar aquele grupo de adolescentes, eu nunca consegui manter
o grupo,/ porque eles faltavam (porque eles faltavam?) muito, então
quando eu quero fazer uma atividade educativa assim na unidade,
então ligo e agendo com a professora, ela manda uma turma ou duas
e agente faz uma roda de conversa. Isso aqui, eu né, falando blá blá
133
blá, e aqui são os, são os adolescentes (mostra seu desenho
representando sua atividade educativa). Também na escola, eu
sempre vou e tenho o apoio de algumas pessoas do NASF. A gente
leva álbum seriado, passa algum vídeo educativo, fala sobre gravidez
na adolescência, vacinação, bullyng, essas coisas que você também
já fazem.
ROSA: _Então eu tenho uma realidade um pouco diferente. Há
pouco tempo a gente terminou um grupo de adolescentes no posto,
foram duas turmas e a gente tinha procurado captar os
adolescentes... é essa captação pra levar pro posto através da
escola, a escola da área, da equipe a gente foi na escola captar
esses adolescente e nós formamos um grupo e eles iam ao posto,
então foram duas turmas [...].
A estratégia de Pocahontas e Rosa em utilizar o grupo como espaço para
educação em saúde reforça a prática de coerção que utiliza da tutela que a escola
exerce sobre o adolescente durante o horário de aula para que sejam “mandados”
para os grupos educativos. Reconheço nessa situação pertinência semântica da
palavra mandado enquanto “enviado”, o que vai, e o que obedece, que é submetido.
Em revisão integrativa da literatura que realizei, os dispositivos educativos
mais utilizados pelas enfermeiras em atividades educativas foram os grupos e
oficinas, presentes em 35,71% e 21,42% respectivamente na amostra estudada.
Acreditar, porém, que práticas educativas se reduzem a formação de
grupos ou realização de oficinas podem esvaziar essas ações quando não se
percebe os pressupostos teóricos que devem fundamentar tais atividades. Em
disposição a tal revisão e mediante enunciações dos enfermeiros apresentadas
anteriormente (Rosa, Pocahontas e Royal) penso que devemos ter cautela ao
apresentar práticas educativas potencialmente transformadoras e vivenciá-las como
transmissoras, ou até mesmo impositores de uma realidade que possivelmente
liberta, porém com movimentos tradicionais como o que vem sendo criticado.
A proposta de artifícios na condução da prática educativa do enfermeiro
ultrapassa proposição de subterfúgios técnicos, trazendo a consciência subterfúgios
relacionais como artifício educativo.
FLOR: _É um desafio mesmo por que ai tem que ser bastante
criativo né, porque se você não for, eu tinha até colocado aqui,
porque se a gente não for criativo... acaba que se você for só lá pra
frente e falar, falar, falar (referência a palestra no modelo tradicional),
134
é capaz deles tomarem de conta da situação e você não conseguir
mais dominar nada, então acho que a gente tem que ser criativo.
MISTERIOSA: _Comigo não acontece isso, os meus são
adolescentes acima de 12 anos, então assim, eles não trazem cartão
de vacina mas com a orientação da gente dada na hora ás vezes a
gente acaba é, convencendo, então eles acabam tomando a vacina,
mesmo sem o cartão de vacina.
Compreender educação como uma forma de “invenção do mundo”
(FREIRE, 1996, p.98), transcende os conteúdos e possibilita a reprodução ou
desmascaramento ideológico predominante. Nos recortes discursivos de Flor e
Misteriosa, elas discutem sobre desdobramentos afetivos constituídos através de
criatividade e convencimento. Tais artifícios podem inicialmente indicar estarem
em pólos opostos por sua constituição de sentidos, mas na realidade são
constituição parafrásticas alusivas a instrumentais dominadores.
Alerto principalmente para a criatividade como estatuto positivo para
educação que por um instante consegue nos cegar para a perspectiva de inovação e
quem sabe rejeição da opressão em detrimento da liberdade. O indivíduo, aqui o
enfermeiro, é interpelado à ideologia e a língua “significando e significando-se pelo
simbólico” (ORLANDI, 2008, p. 100). Ou seja, o sujeito constitutivo é submisso a
língua, a língua inserida na história enquanto produção de sentidos, trazendo nas
formações discursivas “o lugar de constituição do sentido e de identificação do
sujeito” (ORLANDI, 2008, p.103).
Nesse instante, por meio da instituição simbólica presente no dizer de
Flor, criatividade revela-se como artifício dominador, como possibilidade de controle
de uma situação que insinua desestabilidade na força do educador (é capaz deles
tomarem de contam da situação). A criatividade proposta não corrobora com a
prática educacional criativa “que envolve todos os sujeitos para a superação de
limitações, trazendo responsabilidade, autonomia e que, entre outros diversos
fatores, oportuniza ampliar a visão de mundo” (BACKES et al., 2008, p.864).
Permito-me considerar que a criatividade deve transforma-se em
tecnologia inspiradora e atrativa para os que participam da educação em saúde,
tanto em posição de educando como de educador. Pode apresentar-se como prática
estética, complexa de pedagogias educacionais, e potente ferramenta de
transformação quando revestida de consciência, crítica.
135
A instituição de artifícios é atravessada por sentidos metafóricos
constitutivos de uma educação dominadora. Observemos o diálogo de Planta ao
termino da discussão proposta na DCS o sentido de troca atribuído à prática
educativa com adolescentes:
PLANTA: _Então o meu PSE, a forma como eu construo educação
em saúde né, a roda de conversa na escola, então quando eu
comecei a fazer o desenho eu fiz aqui uma forma circular e eu fiquei:
e agora o que é que eu vou fazer, como é que eu vou desenhar cada
aluno desses? Então eu denominei como se fossem cada um um
ponto cardeal né, onde o enfermeiro tá inserido dentro desse
contexto, não existe aquele contexto do enfermeiro lá na frente na
palestra, a minha forma de trabalhar eu gosto de sentar e ficar no
mesmo patamar dos alunos (qual seria esse patamar?), e dentro
dessa roda fica inserido todo o saber e a troca de informação, então
essa é a forma como eu realizo a educação em saúde. E,/ o sentido
pra mim da educação em saúde, hoje no Programa saúde da Escola,
ela se perdeu um pouco, dando continuidade o que a Guerreira falou,
que os alunos reclamam muito, é o que eles dizem: eu gostava mais
quando tinham as palestras e os sorteios de brinde. Então os alunos
ficam muito presos, nessa coisa *... a gente tem que dá um alguma
coisa pra poder chamar atenção [...].
Como apresentei em outro momento, Planta traz ideias aproximadas de
uma prática educativa libertadora, mas que nas tensões polissêmica que escapam
no DP instituído pelo grupo, reconhece aqui a diferença de patamar entre
adolescentes e enfermeiros, diferença essa constituinte das condições discursivas
retratada pela relação de força existente entre eles, o qual renuncia a sua condição
representativa maior e “desce” ao nível dos alunos como requisito educativo
igualitário. Penso no que Freire (2005) discute sobre reconhecer os homens como
pessoas livres e não consolidar ações que objetivem essa condição constitui-se na
realidade uma farsa.
Tal farsa desnuda-se na ideologia educativa tradicional principalmente no
constituinte metafórico apresentado pela troca de informação, troca essa
mediatizada não pelos saberes e possibilidades de críticas e de diálogo, mas em
trocar algo material para chamar a atenção.
Segundo Freire (2005, p. 42):
Este é um dos problemas mais graves que se põem a libertação. É
que a realidade opressora, ao constituir-se como um quase-
136
mecanismo de absorção dos que nela se encontram, funciona como
uma força de imersão das consciências.
A arte de educar não deve se forjar em contentos piedosos e técnicos
como propostos pelos artifícios aqui discutidos, pois reduzem os sujeitos a entes
vazios e abstratos. Atento assim para a possibilidade de desestabilização de nossas
verdades como dispositivo que acolhe as sensibilidades e produz a tomada de
decisões conscientes, não somente a do educando, mas também a do enfermeiro
como educador.
Finalizando a discussão desse capítulo ressalto a constituição dos
processos discursivos que identificaram essa formação discursiva: a metaforização
botânica alusiva às práticas educativas. Inferências ao plantio das ações de
educação em saúde, associação dos educandos a solos férteis e vazios e a
educação enquanto caule que suste o ser nos remete aos primórdios de nossa
educação: o jardim da infância.
Este termofoi criado por Friedrich Frobel, que considerava as crianças
como plantinhas de um jardim, que necessitavam ser regadas, cuidadas e
preparadas para render bons frutos (FERNANDES, 2011). O intento do pedagogo
era, entretanto prover liberdade para o desenvolvimento desses seres. Em algum
momento de nossa história essa diretriz libertadora se desvirtua e nos escapa para a
educação tradicional que enquadra e nos acompanha até a vida adulta.
137
CONSIDERAÇÕES FINAIS
138
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao buscar entender o que fundamenta as práticas de educação em saúde
com adolescentes numa perspectiva que transcende “o que se faz” para a leitura “de
como se constitui esse fazer”, fui desafiada na releitura de cenários e saberes que
me constituíram enquanto profissional.
Nesse compasso confesso que a escolha pela análise do discurso
possibilitou-me compreender que as superfícies reais destoam da exterioridade, do
visível, do seguro. Tal compreensão foi fundamental na leitura do constructo
ideológico que ampara os profissionais de enfermagem em suas ações educativas.
Revisitando os capítulos anteriormente expostos reconheço a Educação
Opressora entranhada nas práticas educativas do enfermeiro. Tal educação
assenta-se no discurso pedagógico que direciona as constituições sociais, culturais
e educacionais que convergem à formação imaginária do processo de educação em
saúde com adolescentes, agregando estruturas e as remodelando.
Permito-me fazer um paralelo da formação imaginária da prática de
educação em saúde com a formação de um ciclone. O ciclone forma-se a partir de
um ponto comum (ar quente), atraí partículas do ambiente para sua constituição,
onde será preenchido até a formação do centro
(ar frio). Percebe-se que o
constituinte inicial é o mesmo do final (ar), modificado apenas em sua temperatura e
pressão.
Apresento assim a prática de educação em saúde realizada pelos
enfermeiros, nascida em uma linhagem tradicional que optei nominá-la por
opressora (como explicado anteriormente), linhagem de cunho político e sócio
cultural que teima em destituir os sujeitos de seus espaços e realidades, agregandolhes o que convêm numa perspectiva macro em detrimento de suas subjetividades.
O movimento mantém-se na circularidade oprimida e conflui para práticas de
educação em saúde também opressoras. Apresento graficamente o modelo de
formação do ciclone para melhor compreensão dos acordes de minhas
considerações.
139
Figura 05. Modelo ciclone representando a constituição da prática de educação em
saúde dos enfermeiros com adolescentes
EDUCAÇÃO OPRESSORA
VIGILÂNCIA AO CORPO (EPISTEME)
PSE
(EPISTEME)
O ADOLESCENTE NÃO SABE
(OUTRO)
O ENFERMEIRO ENSINA
(EU)
Formação de
Enfermeiro
(EU)
Compreensão
do ser
adolescente
(OUTRO)
EDUCAÇÃO
OPRESSORA
Na compreensão da ideologia que rege as práticas educativas dos
enfermeiros junto aos adolescentes, refletirei sobre a formação ciclone das práticas
de educação em saúde a partir das condições de produção do discurso e das
formações discursivas que constituíram esse estudo como produtores desse
movimento contínuo e circular.
Aqui, as condições de produção de discurso são os componentes
externos que se agregam e versam uma prática que aprisiona, modela, reproduz.
Essas condições balizam o processo educativo dos profissionais e constituem-se
como componentes primários da formação ideológica. Tal ideologia transparece por
meio das formações discursivas presentes nos enunciados do grupo pesquisado.
Aqui proponho repensar tais proposições (condições de produção do
discurso e formações discursivas) a partir de três constituintes que considerei no
modelo acima apresentado e que delineiam a formação imaginária abstraída da
prática de educação em saúde dos enfermeiros junto aos adolescentes: o outro
(interlocutor/educando), o eu (locutor/educador), e a episteme (objeto/educação em
saúde).
140
O eu aqui é representado pelo enfermeiro. A formação do enfermeiro
apresenta uma construção tradicional e impositiva. Os conteúdos biológicos
atravessam toda a sua trajetória acadêmica, condicionando as ações de educação
em saúde como prática isenta de fundamentação teórica e constituinte basal para
prática. Essa realidade acompanha o enfermeiro e o faz acreditar que ser educador
é um apriori da profissão. Baseados nessa crença, os profissionais participantes
desse estudo desconhecem os diversos referenciais teóricos que podem amparar
uma prática educativa consubstanciada, repetindo padrões ora aprendidos (ou
apenas reforçados) no universo acadêmico.
Nesse instante, esse eu é uma mescla. Uma parte de si é oprimido por
esse constituinte formador tradicional, que lhe nega a possibilidade de novos olhares
e diversas tonalidades que poderiam tingir sua face profissional, acinzentando um
perfil educativo numa perspectiva prescrita: Eu educo. Assim, enquanto oprimido
também se constitui opressor, que higieniza, que sabe, que conduz. É o enfermeiro
que educa e que traz para o ser adolescente a possibilidade de uma vida saudável
constituída a partir de seus ensinamentos. O enfermeiro sabe.
Há constante tensão entre os papeis de opressor e oprimido na
discursividade dos enfermeiros retratada aqui pelas polissemias e metáforas que por
vezes rompem o que esta instituído (paráfrase) e (re)significam em si, apresentam
lacunas de onde saltam novos sentidos e possibilidades de reinvenção de sua
prática. Nesses espaços vislumbro a possibilidade de um novo eu.
Essa constituição ascende e apresenta mais um constituinte na formação
desse ciclone: o outro. Esse outro figurado pelo adolescente é em sua grande
maioria projetado através da lente a qual o eu foi construído. Daí esse outro deve
ser vazio, destituído, para que o eu educador possa existir, se materializar e
depositar sua pretensão opressora e autodenominar-se educador. Esse adolescente
deve estar apto para receber a educação. Deve estar preparado para constituir-se
do lugar de onde o educador lhe impõe, deve distorcer sua realidade para que esta
caiba nas regras corretas do bom viver.
O adolescente continua a ser sujeito sem voz, sem espaço e sem cor.
Seu retrato é pintado de um lugar social submisso, que não considera seus valores,
suas vivências, suas “tribos”. O adolescente “deve” aprender, e com esse aprender
141
deve responsabilizar-se totalmente por sua saúde independente da possibilidade de
outros fatores afetarem sua existência.
Essa relação educador / educando retalha a episteme constituinte dos
primórdios da Enfermagem: saber pautado no modelo biomédico, com exercício de
um cuidado prescritivo e asséptico. As ações de educação em saúde com os
adolescentes apresentam-se nas discursividades dos enfermeiros em sua grande
maioria direcionadas para a prevenção de doenças (com ênfase para as
sexualmente transmissíveis) e da gravidez na adolescência. O que se pode ou não
fazer é o fio condutor do diálogo entre enfermeiros e adolescentes.
Essa educação castra, paralisa um corpo que se modifica, enrijece
desejos transformando-os em culpa. Ao invés de conhecer para decidir qual
caminho deseja experienciar, o que prevalece é um caminho científico pronto, que
destituí esse adolescente da possibilidade de descobrir e viver seus desejos, calam
e oprimem suas escolhas.
Nessa jornada o enfermeiro certo do esvaziamento dos adolescentes
produzem discursos que reconhecem a família e a escola como instituições
educadoras que se figuram enquanto parceiras nessa obrigação de educar. Tal
parceria é reconhecida como facilitadora na ação de educar em saúde, pois a escola
“manda” os adolescentes ao posto de saúde para atividades educativas, a família
“ensina” as regras da pacificação, assentando assim os comportamentos dos
sujeitos que serão trabalhados pelo enfermeiro.
Na realidade estudada essa prática ainda apresenta uma diretriz
condutora maior, uma orientação ministerial, o PSE, onde se preconiza o olhar
clínico ao corpo adolescente. A opção pelo modelo circuito de saúde com
predomínio da clínica biologicista reforça a prática de vigilância aos corpos
apresentando-se para alguns profissionais como escudo defensor para a
possibilidade de reinvenção de seu cuidado educativo. O enfermeiro destitui-se da
possibilidade da gestão micropolítica de seu trabalho e aconchega-se no caminho
protegido por normatizações. Nega-se então um importante constituinte do trabalho
educativo: a dimensão política. A assunção dessa dimensão possibilita o diálogo,
institui a ética nas relações, propõe esperança e alegria.
142
Nesse instante, descubro como constituinte dessa episteme composições
polissêmicas distorcidas para o que se pensou inicialmente como produtores de
relações harmoniosas, longitudinais e afetivas: vínculo, escuta e autonomia.
Na relação educativa com os adolescentes, os enfermeiros apontam tais
constructos como fundamentais para a prática. No entanto, o que se lê na
discursividade desse profissionais é a distorção das vivências relacionais propostas
por tais conceitos, fundamentando uma prática que teima em manobrar os sujeitos,
que vincula e escuta para moldar, que propõe uma autonomia que na verdade deve
depender do saber de outro. Castra-se a curiosidade, nega-se a possibilidade da
pergunta, pois esta pode não casar com minhas respostas prontas. Perde-se o
constituinte estético de educar.
Compreender a construção ideológica opressora que atravessa o
enfermeiro em sua prática educativa pode inicialmente parecer desanimador. Como
reconstruir tantos fundamentos opressivos em busca de uma educação em saúde
dialógica, que proponha ao adolescente ou qualquer outro interlocutor a
possibilidade de transformação participativa e real? Paulo Freire traz em toda sua
obra a proposição de inédito viável, apresentando o sonho possível, a predição da
Educação Utópica. Utópica não no sentido de impossível, mas sim no sentido de
que virá, de que se há de construir.
Acredito que conhecer os constituintes ideológicos pode nos conduzir a
possibilidades de recriação. Saber a ideologia opressora que nos mantém me
possibilita refletir e pensar possibilidades de enfrentar as situações limites que se
impõem. Mediante o encontro com a discursividade desse grupo de enfermeiros,
permito-me pensar em uma transformação e reinventar possibilidades já
vivenciadas.
Mantenho o tripé que ora considerei vital como constituinte do processo
de formação imaginária e proposição ideológica desse estudo e repenso a prática de
educação em saúde a partir do modelo estelar apresentado abaixo:
143
Figura 06. Dimensão estelar de uma Educação em Saúde possível.
VÍNCULO E ESCUTA:
DIMENSÃO ESTÉTICA
O OUTRO
EU
EPISTEME
AUTONOMIA E CURIOSIDADE;
DIMENSÃO POLÍTICA
RESPEITO E ESPERANÇA:
DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA
O OUTRO
AUTONOMIA E CURIOSIDADE;
DIMENSÃO POLÍTICA
VÍNCULO E ESCUTA: DIMENSÃO
ESTÉTICA
EDUCAÇÃO
EM SAÚDE
EU
EPISTEME
RESPEITO E ESPERANÇA:
DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA
Os componentes apresentados na discursividade dos enfermeiros como
diretrizes das práticas de educação em saúde não necessitam ser desconsideradas.
Se eu assim fizesse, ao eliminar seus constituintes eliminaria também os sujeitos, e
não é o que desejo. Tento com a produção da estrela de cinco pontas instigar
encontros, ligações, aproximações. Considero no eu, no outro e na episteme
possibilidades das dimensões que creio compor uma educação que liberta, que
conscientiza como proposto por Freitas (2004): a dimensão política, que gesta
autonomia, que respeita a curiosidade; a dimensão estética, que traz beleza através
do encontro, da escuta e do vínculo que abrilhanta relações; e a dimensão
epistemológica, que antes de tudo é condensada no respeito e produtora de
144
esperança. Repensar as possibilidades de uma prática educativa nessa perspectiva
multidimensional conduz o enfermeiro a pensar em si, em sua palavra, no que se é e
o que se pretende: promover educação em saúde viva e real, ou continuar como
meros reprodutores de signos vazios de sentido.
145
.
REFERÊNCIAS
146
REFERÊNCIAS
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157
APÊNDICE 1
Ofício nº 01
Maracanaú, 21 de maio de 2012
Assunto: Liberação de profissionais para oficina de coleta de dados
Sras. Gerentes,
Venho mediante autorização prévia da coordenação de saúde,
desenvolver minha dissertação de mestrado nesse município. O trabalho intitulado
“EDUCAÇÃO EM SAÚDE: OS DITOS E NÃO DITOS DA PRÁTICA DE
ENFERMAGEM COM ADOLESCENTES”, que tem como objetivo analisar a
produção das práticas de educação em saúde realizadas por enfermeiros na
atenção ao adolescente.
Solicitamos a liberação das (os) enfermeiras (os) que participam do
Programa Saúde na Escola (PSE) para a contribuição nesse estudo. A participação
desses profissionais se dará através de discussões em grupo, com produções
lúdicas sobre o tema estudado. Suas respostas serão tratadas de forma anônima e
confidencial, isto é, em nenhum momento será divulgado o nome dos profissionais
que participam desse estudo, nem os locais de trabalho ou outra informação que
possibilite a identificação dos participantes. O estudo foi aprovado no Comitê de
ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará, e atende todos os preceitos
éticos exigidos na pesquisa envolvendo seres humanos.
Certa de sua colaboração, desde já agradeço e coloco-me a disposição
para maiores esclarecimentos no telefone 8852-2598.
__________________________________________________________
Manuela de Mendonça Figueirêdo Coelho
Enfermeira, Discente do Programa de Pós Graduação em Cuidados Clínicos e
Enfermagem e Saúde.
Universidade Estadual do Ceará
158
APÊNDICE 2
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Caro (a) participante,
Gostaríamos de convidá-lo(a) a participar como voluntário(a) da pesquisa intitulada
“EDUCAÇÃO EM SAÚDE: OS DITOS E NÃO DITOS DA PRÁTICA DE ENFERMAGEM COM
ADOLESCENTES”. O objetivo desse estudo é analisar a produção das práticas de educação em
saúde realizadas por enfermeiros na atenção ao adolescente.
Sua participação se dará através de discussões em grupo, com produções lúdicas sobre
o tema estudado. Suas respostas serão tratadas de forma anônima e confidencial, isto é, em nenhum
momento será divulgado o nome dos profissionais que participam desse estudo, nem os locais de
trabalho ou outra informação que possibilite a identificação dos participantes. Solicito sua autorização
para utilização de meios digitais como: gravador, máquina fotográfica e filmadora, no intuito de obter
a maior quantidade de dados possíveis. Solicitamos a permissão para se necessário, a utilização das
imagens em apresentações e publicações em eventos e periódicos, sem a identificação dos
participantes.
Informamos que esta pesquisa não trará riscos diretos à sua saúde, mas se houver
algum problema ou desconforto, estes serão acompanhados pela pesquisadora que dará todo o
apoio e encaminhamentos necessários para minimizá-los. Acreditamos nos benefícios que esta
pesquisa trará com suas informações, pois serão repassadas aos gestores e aos profissionais,
trazendo momentos de reflexão, além de aumentar a visão dos pesquisadores e cuidadores, sobre os
pontos importantes a serem melhorados no planejamento e nas ações de cuidados junto aos
adolescentes nessa unidade e outras. Assim, pensamos estar contribuindo também nas sugestões de
políticas que melhorarão a qualidade dos serviços destinados aos adolescentes. As informações
coletadas serão utilizadas nos resultados da pesquisa, os quais serão organizados para
apresentação e publicação em revistas de circulação nacional e internacional e apresentados em
eventos científicos.
Garantimos ainda a liberdade para retirar-se da pesquisa a qualquer momento. Sua
recusa em participar do estudo não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com
a instituição.
No momento em que desejar entender melhor a pesquisa ou se desejar desistir da
participação, retirando o consentimento, poderá fazê-lo entrando em contato com o pesquisador de
campo Manuela de Mendonça Figueirêdo Coelho pelos telefones (85) 88522598 ou e-mail:
[email protected] e, ou com a orientadora Karla Correa Lima Miranda pelo telefone (85)
91712310, e com o Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Ceará pelo telefone
(85) 31019890.
Caso concorde em participar do estudo, assine este documento, que também será
assinado pela pesquisadora de campo, o qual será preenchido em duas vias de igual teor.
Termo de Consentimento Pós- Esclarecido
159
Eu, ____________________________________________, declaro que depois de ser esclarecido
pelo pesquisador e ter entendido o que me foi explicado, concordo em participar da pesquisa.
Maracanaú, ______ de ______________ de 2012.
_______________________________________
Assinatura do Pesquisado
_______________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
160
ANEXO 1
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Educação em Saúde