Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.209.792 - RJ (2010/0156876-9)
RECORRENTE
ADVOGADO
RECORRIDO
REPR. POR
ADVOGADO
: SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA - DEPARTAMENTO
REGIONAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - SESI/RJ
: JEAN ALVES PEREIRA ALMEIDA E OUTRO(S)
: MATHEUS CORRÊA LIMA DE AGUIAR DIAS - MENOR
IMPÚBERE E OUTROS
: RUI BERFORD DIAS E OUTRO
: RUI BERFORD DIAS E OUTRO(S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
Cuida-se de recurso especial interposto por SERVIÇO SOCIAL DA
INDÚSTRIA – DEPARTAMENTO REGIONAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
– SESI/RJ com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra
acórdão proferido pelo TJ/RJ.
Ação (e-STJ fls. 02/07): ação de compensação por danos morais ajuizada
por MATHEUS CORRÊA LIMA DE AGUIAR DIAS, DIEGO CORRÊA LIMA DE
AGUIAR DIAS, NATHÁLIA SANTOS CORRÊA LIMA DIAS, RUI BERFORD DIAS,
MARIA ALICE SANTOS LIMA, RITA DE CÁSSIA SANTOS CORRÊA LIMA e
FELIPE THOMÉ E OLIVEIRA em face do SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA –
DEPARTAMENTO REGIONAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – SESI/RJ.
Sustentam que no dia 02/02/2006 foram juntos assistir a uma peça teatral no teatro
pertencente à ré e que, não obstante portarem os ingressos, foram impedidos de ingressar
no teatro em razão do autor MATHEUS, de 9 (nove) anos, não ter idade apropriada para
assistir o espetáculo, qual seja, 10 anos. Alegam que em nenhum momento os demais
autores foram convidados para entrar nas dependências do teatro da ré. Sustentam que a
proibição de acesso foi lesiva, pois estavam com os ingressos em mãos, nos quais,
segundo alegam, não havia nenhuma informação sobre a classificação etária, nem
advertência quanto à proibição de acesso de menor de idade.
A informação disponível não será considerada para fins de contagem de prazos recursais
(Ato nº 135 - Art. 6º e Ato nº 172 - Art. 5º)
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Sentença (e-STJ fls. 139/143): julgou improcedente o pedido.
Acórdão (e-STJ fls. 220/287): o TJ/RJ, por maioria, deu provimento ao
recurso de apelação interposto por MATHEUS CORRÊA LIMA DE AGUIAR DIAS E
OUTROS, nos termos da seguinte ementa:
Apelação cível. Ação indenizatória. Impedimento de ingresso de menor,
acompanhado dos pais, a espetáculo, por não possuir idade compatível com a
Faixa etária recomendada pelo órgão fiscalizador. Poder regulador de caráter
meramente informativo. Decisão dos pais sobre a conveniência da
recomendação. Dano moral configurado. Sentença reformada. Recurso
provido.
Embargos infringentes (e-STJ fls. 250/261): interposto pelo SESI/RJ, foi
desprovido, nos termos do acórdão assim ementado (e-STJ fls. 289/302):
CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL. CLASSIFICAÇÃO.
FAIXA ETÁRIA. ESPETÁCULO PÚBLICO. PORTARIA. CENSURA.
PODE FAMILIAR. DANO MORAL.
Embargos infringentes opostos pela entidade de assistência social com o
escopo de afastar a condenação do dano moral deferida aos Autores por proibir
o ingresso de menor de idade conforme classificação indicativa por faixa
etária.
Ação indenizatória de danos morais devido à frustração e
constrangimentos sofridos pela família que não assistiu ao espetáculo.
A desarrazoada proibição de ingresso no espetáculo teatral do menor
acompanhado de seus pais baseado na classificação por faixa etária, que
constitui mera recomendação, coloca em segundo plano o poder familiar e
desrespeita aos comandos normativos.
De regra, o descumprimento contratual não provoca dano moral, mas
quando o comportamento da parte ultrapassa o limite da licitude e ingressa no
ilícito, resta configurada a lesão moral passível de ressarcimento.
Valor da indenização do dano moral considerando o evento e suas
consequências, além da capacidade das partes, conforme orienta o princípio da
razoabilidade.
Recurso desprovido.
Embargos de declaração: interposto pelo SESI/RJ, foi rejeitado.
Recurso especial (e-STJ fls. 319/333): interposto por SERVIÇO SOCIAL
DA INDÚSTRIA – DEPARTAMENTO REGIONAL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO – SESI/RJ, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo
constitucional, em que alega, além de divergência jurisprudencial, violação dos seguintes
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dispositivos de lei:
(i) art. 188, I, do CC/02 e arts. 75 e 258 da Lei 8.069/90 (ECA), pois teria
agido em estrito cumprimento do dever legal;
(ii) art. 227 da CF, pois não houve ponderação de interesses, fazendo
prevalecer a proteção da criança em detrimento da liberdade de informação;
(iii) art. 14, §4º, do CDC, porquanto “os recorridos já tinham amplo
conhecimento, através do jornal que veiculou a notícia do espetáculo, assim como na
bilheteria, de que a peça teatral era inadequada para a idade do primeiro autor”, razão
pela qual “assumiram o risco de não ingressaram no espetáculo”.
Recurso extraordinário (e-STJ fls. 306/313): interposto pelo SESI/RJ,
não foi admitido na origem (e-STJ fl. 419/422).
Prévio juízo de admissibilidade (e-STJ fl. 419/422): apresentadas as
contrarrazões (e-STJ fls. 398/407), o apelo não foi admitido na origem. Dei, no entanto,
para melhor análise da controvérsia, provimento ao agravo de instrumento (Ag.
1.208.167/RJ).
É o relatório.
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RELATORA
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ADVOGADO
RECORRIDO
REPR. POR
ADVOGADO
: MINISTRA NANCY ANDRIGHI
: SERVIÇO SOCIAL DA INDÚSTRIA - DEPARTAMENTO
REGIONAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - SESI/RJ
: JEAN ALVES PEREIRA ALMEIDA E OUTRO(S)
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VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):
I – Da delimitação da controvérsia
Cinge-se a controvérsia a determinar se: i) a classificação indicativa dos
espetáculos por faixa etária é mera recomendação; ii) se é lícita a proibição de ingresso
de menor em espetáculo de teatro impróprio para sua idade, mesmo quando
acompanhado dos pais e/ou responsáveis.
II – Do prequestionamento
Em primeiro lugar, quanto aos arts. 14, §3º, II, do CDC e 188 do CC/02 o
recurso especial carece de pressuposto específico de admissibilidade, a saber, o
prequestionamento, porquanto esses dispositivos de lei foram analisados apenas no voto
vencido. Aplicável, assim, a Súmula 320/STJ.
Os demais dispositivos legais apontados pelo recorrente como violados (art.
75 e art. 258 do ECA) foram prequestionados pelo acórdão recorrido, autorizando o
exame do especial.
III – Do dissídio jurisprudencial
Entre os acórdãos trazidos à colação, não há o necessário cotejo analítico
nem a comprovação da similitude fática, elementos indispensáveis à demonstração da
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divergência. Assim, a análise da existência do dissídio é inviável, porque foram
descumpridos os arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ.
IV – Da violação de dispositivo constitucional (Art. 227 da CF)
A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre violação de
súmula, de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre
no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88.
V – Do estrito cumprimento do dever legal (Ofensa aos arts. 75 e 258
do ECA)
O recorrente alega que o acórdão recorrido violou os arts. 75 e 258 do
ECA, porquanto “mesmo em espetáculos públicos considerados adequados para menores
de 10 (dez) anos, estes devem estar acompanhados pelos pais ou responsáveis,
vedando-se a entrada destes menores em eventos considerados impróprios, ainda que
estejam acompanhados” (e-STJ fl. 327). Além do aspecto do respeito à lei, o SESI/RJ
sustenta que sua conduta também foi pautada pela preocupação em evitar eventual
punição, conforme regra contida no art. 258 do ECA, o que mitigaria sua função
institucional de promover eventos de relevância social.
O TJ/RJ, por sua vez, consignou que:
A infração administrativa do artigo 258 e a prevenção especial do artigo
75, ambos da Lei nº 8.068/90, objetivam punir o agente que permite o acesso
de crianças e de adolescentes aos locais de diversão em dissonância às normas
legais, que no caso se restringe ao fato de estarem desacompanhados.
Assim, como bem anotou o acórdão, irregular o impedimento de acesso
do menor no espetáculo, na medida em que se encontrava acompanhado dos
pais, a quem cabe decidir pela conveniência em aceitar a recomendação da
classificação indicativa por faixa etária. (e-STJ fl. 292)
V.1 – Liberdade de educar
Sabe-se que o poder familiar é, em regra, inerente à paternidade. Com base
nele, nos termos do art. 1.634 do CC/02, compete aos pais dirigir a criação e educação de
seus filhos menores.
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Esse poder pode ser visto sob dois ângulos no que diz respeito ao
desenvolvimento físico, intelectual, moral e espiritual da criança e do adolescente. Em
primeiro lugar, os genitores têm direito de conduzir a educação de seus filhos segundo os
preceitos morais, religiosos, científicos e sociais que considerem adequados. Mas, para
além de um direito dos pais, a educação dos filhos é um dever que a legislação impõe. O
art. 205 da CF/88 estabelece, nesse sentido, que a educação é dever do Estado e da
família, devendo visar ao pleno desenvolvimento da pessoa.
O que importa, de qualquer forma, é que esse poder-dever insere-se no
contexto pluralista que rege toda a sociedade brasileira e ampara-se, mais
especificamente, nas liberdades de pensamento, de expressão e de culto religioso. O
ensino, diz-nos o art. 206 da CF/88, assenta-se sobre os princípios da “liberdade de
aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber” e do “pluralismo
de ideias e de concepções pedagógicas”, entre outros.
O reconhecimento da liberdade de educação não significa admitir que ela
seja irrestrita ou ilimitada. Conquanto os pais tenham o natural desejo de que seus filhos
superem os mais variados limites e, de certa forma, realizem aquilo que nunca puderam
ou que tiveram dificuldade de realizar, é certo que o filho menor tem suas próprias
preferências e gostos. Os filhos não são meros objetos da educação, mas seus sujeitos
protagonistas e, por isso, o processo de desenvolvimento deve respeitar-lhes a
individualidade, dignificando-os. Assim, de forma genérica, pode-se dizer que o primeiro
limite da liberdade educacional reconhecida aos pais é a dignidade dos filhos.
Descendo dos princípios às regras, pode-se verificar que todo o
ordenamento jurídico está prenhe de hipóteses em que a liberdade educacional dos pais
encontra-se limitada. A título de castigo, por exemplo, os pais jamais poderão submeter
seus filhos a “tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”
(art. 18 do ECA). Os pais ou responsáveis “têm a obrigação de matricular seus filhos ou
pupilos na rede regular de ensino” (art. 55 do ECA), valendo lembrar que configura
crime de abandono intelectual “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de
filho em idade escolar” (art. 246 do CP). Mais especificamente, vale lembrar que também
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é criminosa a conduta dos pais que autorizam seus filhos menores a frequentarem “casa
de jogo ou mal-afamada, ou conviva com pessoa viciosa ou de má vida” ou “espetáculo
capaz de pervertê-lo ou de ofender-lhe o pudor” (art. 247, I e II, do CP).
Para demonstrar que não há poder absoluto, vale lembrar que os arts. 22 e
24 do ECA sujeita os pais à perda ou suspensão do poder familiar caso haja
descumprimento injustificado do “dever de sustento, guarda e educação dos filhos
menores”.
Assim, a primeira premissa de julgamento, extraída dessas considerações, é
que a liberdade de educar encontra-se limitada especialmente pela cláusula geral de
dignidade dos filhos. As fronteiras entre o exercício lícito e abusivo da educação só
poderão ser traçadas quando se tem em conta circunstâncias da realidade vivida pelas
partes ou, ao menos, da comunidade em que se inserem.
Raramente o julgador, chamado a investigar os limites da liberdade de
educação, irá se deparar com pais que querem criar um criminoso ou um adulto
socialmente desviado. Ao contrário, a regra é que os pais queiram o bem para seus filhos
e lhes eduquem no intuito de acertar.
Por isso, o estabelecimento de verdades absolutas e universais sobre o tema
é utopia.
O ECA deixa essa situação absolutamente clara quando em seu art. 149
confere poder disciplinar à autoridade judiciária, que, mediante portaria ou alvará, poderá
regular a entrada e permanência de crianças e adolescentes em certos estabelecimentos,
como as salas de teatro, determinando, ainda, que sejam levadas em consideração, nessa
regulamentação, os princípios que regem o seu microssistema legal, “as peculiaridades
locais”, “a adequação do ambiente a eventual participação ou frequência de crianças e
adolescentes”, entre outros fatores (art. 149, §1º, do ECA). De qualquer forma, é certo
que as medidas adotadas no exercício do poder disciplinar “deverão ser fundamentadas,
caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral” (art. 149, §2º, do ECA).
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V.2 – A Classificação indicativa
Estabelecida essa primeira premissa, passo a analisar uma segunda faceta
do problema que se apresenta nesses autos, tratando da classificação indicativa.
O ECA, como a maior parte da legislação contemporânea, não se satisfaz
com a simples tarefa de indicar os meios legais para que se reparem os danos causados a
este ou aquele bem jurídico. O legislador, antes de qualquer outra coisa, quer prevenir a
ocorrência de lesão aos direitos que assegurou.
Foi com intuito de criar especial prevenção à criança e ao adolescente que o
legislador impôs ao poder público o dever de regular as diversões e espetáculos públicos,
classificando-os por faixas etárias (art. 74 do ECA).
Assim, a classificação é “indicativa” porque “os responsáveis pelas
diversões e espetáculos públicos deverão afixar, em lugar visível e de fácil acesso, à
entrada do local de exibição, informação destacada sobre a natureza do espetáculo e a
faixa etária especificada no certificado de classificação” (art. 74, parágrafo único, do
ECA). De posse dessa informação, os pais e responsáveis podem ajustar-se, frequentando
aqueles espetáculos que melhor contribuirão para a formação que pretendem dar a suas
crianças e adolescentes. A classificação indica previamente o que esperar de determinado
espetáculo, de modo a informar para viabilizar a prevenção a danos.
Com essa sistemática, evita-se que pais, responsáveis e educadores em geral
surpreendam-se ao assistir a espetáculo público, expondo involuntariamente crianças e
adolescentes à programação imprópria. A classificação tem, portanto, nítido caráter
pedagógico e preventivo. À princípio, ela não limita e nem se opõe à liberdade de
educação, mas a auxilia, atuando como seu instrumento.
Ocorre que as funções da classificação indicativa não se esgotam nesse
papel de auxiliar a educação.
Com a entrada em vigor da Portaria 1.100, de 14/07/2006, do Ministério da
Justiça, um segundo papel da classificação ficou sobremaneira mais claro e visível.
Em primeiro lugar, o art. 18 desse ato normativo estabeleceu que “a
informação detalhada sobre o conteúdo da diversão pública e sua respectiva faixa etária é
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meramente indicativa aos pais e responsáveis que, no regular exercício de sua
responsabilidade, podem decidir sobre o acesso de seus filhos, tutelados ou curatelados a
obras ou espetáculos cuja classificação indicativa seja superior a sua faixa etária”.
Ao assim dispor, reforçou-se o papel indicativo da classificação,
esclarecendo que os pais, mediante autorização escrita, podem “autorizar o acesso de
suas crianças e/ou adolescentes a diversão ou espetáculo cuja classificação indicativa seja
superior à faixa etária destes (...) desde que acompanhadas por eles ou terceiros
expressamente autorizados” (art. 19). O estabelecimento empresarial reterá a autorização
expedida pelos pais e, com isso, assegura-se que sua conduta não seja enquadrada em
qualquer infração administrativa.
No entanto, o art. 19 da aludida Portaria também frisou que a autonomia
dos pais não é tão larga a ponto de autorizar entrada de seus filhos menores em
estabelecimento que exponha ao público espetáculo cuja classificação seja proibida para
menores de 18 anos.
Aqui exsurge a segunda função da classificação: delimitar a liberdade de
educação. A classificação é indicativa para as faixas inferiores a 18 anos; para esta é
proibitiva.
V.3 – A solução da controvérsia.
Os fatos que deram ensejo a presente controvérsia ocorreram no dia
02/02/2006, durante a vigência da Portaria nº 796, de 08/09/2000, do Ministério da
Justiça.
A referida portaria apenas enquadrava os espetáculos em 5 faixas distintas,
a saber: “livres” ou “inadequados para menores de 12 anos”, “inadequados para menores
de 14 anos”, “inadequados para menores de 16 anos” e “inadequados para menores de 18
anos”. Ademais, regulava o procedimento de classificação, impondo normas específicas
para a sua divulgação.
Por isso, deve-se reconhecer que a regulamentação estatal era genérica até
então, não estabelecendo solução para a hipótese dos autos. Do texto da Portaria
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796/2000 não se extrai qualquer norma que indicasse a flexibilização da classificação a
pedido dos pais e/ou responsáveis.
Diante desse contexto, havia motivos para crer que a classificação era
impositiva, pois o art. 258 do ECA estabelecia sanções administrativas severas ao
responsável pelo estabelecimento ou o empresário que deixasse “de observar o que
dispõe esta Lei sobre o acesso de criança ou adolescente aos locais de diversão, ou sobre
sua participação no espetáculo”. A sanção poderia variar de 3 a 20 salários mínimos e, na
reincidência, poderia resultar no fechamento do estabelecimento por até quinze dias.
Não se afigura razoável exigir que o recorrente, à época, interpretasse o art.
258 do ECA, sopesando os princípios próprios desse microssistema jurídico, para
concluir que poderia eximir-se de sanção administrativa que crianças e adolescentes
estivessem em exibições impróprias, mas acompanhados de seus pais ou responsáveis.
Se o recorrente tivesse se aventurado em estabelecer conduta menos
rigorosa do que aquela que parecia decorrer do art. 258 do ECA, teria corrido o risco de
admitir em suas salas de espetáculos crianças acompanhadas de pais até mesmo quando a
classificação indicasse restrição para menores de 18 anos.
A superveniência da Portaria 1.100, de 14/07/2006, é realmente
esclarecedora sobre a hipótese. Ela revela que os recorridos estavam errados na sua
avaliação inicial, pois supunham que o pai teria a última palavra sobre o acesso de filhos
menores a espetáculos públicos. Há limites, contudo, para seu poder de flexibilizar a
classificação indicativa .
Por tudo isso, a conduta do recorrente, diante de um cenário de lacuna
regulamentar, revelou prudência e atenção ao princípio da prevenção especial, tomando
as cautelas necessárias para evitar potenciais danos a crianças e adolescentes.
Na pior das hipóteses, deve-se reconhecer que o erro sobre o dever que lhe
era imposto por lei e sobre a interpretação do art. 258 do ECA é absolutamente escusável.
Se o recorrente tinha razões para acreditar que estava sujeito a severas sanções, era justo
que ele impedisse a entrada do recorrido em suas salas de teatro.
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Em vista de todas essas ponderações, o acórdão afastou-se da interpretação
que deveria ser dada, na hipótese, aos arts. 75 e 258 do ECA.
Por fim, há de se consignar que esta c. 3ª Turma, por ocasião do julgamento
do REsp 1.072.035/RJ (minha relatoria, DJe de 04/08/2009), já teve a oportunidade de
enfrentar essa questão, em precedente de contornos fáticos muito semelhantes, tendo sido
adotado o mesmo entendimento acima exarado.
Forte nessas razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para julgar
improcedentes os pedidos formulados na inicial. Os recorridos arcarão com as despesas
processuais e honorários advocatícios, estes que ora fixo em 10% sobre o valor da causa.
É como voto.
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STJ - Recurso Especial nº 1209792-RJ - Acórdão