XIII SIMPEP – Bauru, SP, Brasil, 6 a 8 de Novembro de 2006
Diagnóstico das Propriedades Rurais em Busca da Qualidade na Produção
Leiteira
Ana Claudia Burgermeister Campos (UFSM) [email protected]
Rosane Coradini Noal (UFSM) [email protected]
Leoni Pentiado Godoy (UFSM) [email protected]
Ângela Pellegrini Ansuj (UFSM) [email protected]
Resumo: Este trabalho tem por finalidade realizar um diagnóstico nas propriedades rurais
dos associados da Cooperativa dos Produtores de Leite, de Santa Maria/RS, a fim de
verificar se os mesmos estão atendendo à Instrução Normativa nº 51. A pesquisa foi realizada
com 62 produtores de leite, pertencentes à Cooperativa. A coleta de dados foi realizada
mediante a aplicação de um questionário, envolvendo questões sobre a sala de ordenha,
obtenção da matéria-prima, armazenamento e transporte. Para a análise dos dados, utilizou se a estatística descritiva. Os resultados mostraram que há necessidade de adequações, na
maioria das propriedades pesquisadas, pois essas não atendem às determinações da
Normativa. Verificou-se, também, a necessidade da participação, mais efetiva, das entidades
públicas, na melhoria das estradas e suas sinalizações, manutenção de energia e a
disponibilização de empréstimos para os pequenos produtores.
Palavras-chave: Qualidade na produção do leite; Propriedade rural; Legislação.
1. Introdução
Mundialmente, a indústria leiteira atravessa um período de intensas transformações em sua
estrutura, como: a diminuição dos preços pagos ao produtor; a redução de subsídios; o
aumento do módulo de produção e, principalmente, o aumento nas exigências da qualidade do
leite (SANTOS & FONSECA, 2002). Segundo Portugal (2001), as indústrias procuram, cada
vez mais, aliar preço à qualidade dos produtos que estão fabricando, tendo, muitas vezes,
produtos melhores com custo menor. Portanto, para chegar a esse ponto, a indústria depende,
freqüentemente, de vários aspectos, como: rigorosas regras de higiene pessoal, e limpeza do
local de trabalho; controle de qualidade da matéria prima; controle de qualidade dos insumos
e controle de qualidade do processamento. O processo de busca da melhor qualidade do leite
vai desde a propriedade rural até a mesa do consumidor final. Para garantir a qualidade, e a
conformidade das especificações dos produtos, é fundamental capacitar os produtores e seus
colaboradores.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento instituiu a “Instrução Normativa nº
51/2002” (IN 51), que trata dos regulamentos técnicos, condições e requisitos mínimos de
higiene-sanitária, para a obtenção e coleta da matéria-prima, produção e comercialização, para
o aumento dos níveis da qualidade do leite. A finalidade dessa Normativa é fixar as condições
sob as quais o leite cru, refrigerado, independentemente do seu tipo, deve ser coletado na
propriedade rural e transportado a granel, visando promover a redução geral de custos de
obtenção e, principalmente, a conservação de sua qualidade, até a recepção em
estabelecimento submetido à inspeção sanitária oficial. Descreve, também, o procedimento da
coleta de leite cru, refrigerado, a granel, que consiste em recolher o produto em caminhões
com tanques isotérmicos, construídos internamente de aço inoxidável. A transferência do
produto dá-se através de um mangote flexível e da bomba sanitária, acionada pela energia
elétrica da propriedade rural, pelo sistema de transmissão, ou caixa de câmbio, do próprio
caminhão, diretamente do tanque de refrigeração, por expansão direta, ou dos latões contidos
nos refrigeradores de imersão (BRASIL, 2002). Este trabalho propõe-se realizar um
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XIII SIMPEP – Bauru, SP, Brasil, 6 a 8 de Novembro de 2006
diagnóstico nas propriedades rurais dos associados da Cooperativa dos Produtores de Leite de
Santa Maria/RS, com o intuito de verificar se as propriedades rurais estão atendendo as regras
instituídas pela IN 51/2002.
2. Legislação
A maioria das propriedades rurais não possui infra-estrutura e tecnologia apropriada. Além
disso, há dificuldade de acesso dos meios de transporte às propriedades produtoras, devido à
precariedade das estradas, dificultando o processo logístico para a coleta e o transporte do
leite. Nas propriedades rurais, a sala de ordenha é destinada à coleta do leite, cru, que tem, por
finalidade proteger a saúde do consumidor mediante controle sanitário da produção e da
comercialização (ZYLBERSZTAJN, 2003). Para Chaves, apud Ansuj (2000), a qualidade e
produtividade do leite dependem:
- antes da ordenha - de cuidados com os fatores de produção na seleção genética e manejo do
rebanho;
- após a ordenha - das condições das instalações onde acontece a ordenha; do conhecimento
das técnicas operacionais, e da consciência da qualidade e motivação do pessoal envolvido na
operação;
- na plataforma de recepção - das condições operacionais; do manejo do produto pós-ordenha;
transporte e condições de transporte;
- leite e derivados, após o processamento - das condições da matéria-prima; dos insumos da
produção na indústria, do layout da indústria; dos controles da instalação industrial; da
qualidade da água e das condições dos equipamentos e materiais utilizados;
- na mesa do consumidor - do manejo e controles realizados, pós-processamento; das
condições de conservação do produto; das condições de transporte; dos entrepostos
atacadistas; do mercado varejista e da conservação domiciliar.
De acordo com Pivaro (2005) para melhorar a qualidade da produção leiteira, o Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em 2002, institui a Instrução Normativa nº 51, que
representa um grande avanço nesse setor, e entrando em vigor a partir de 2006. Com as novas
orientações, os produtores, as indústrias de lácteos e, principalmente, os consumidores
obtiveram grandes benefícios. Várias foram as mudanças introduzidas pela Normativa, entre
elas:
2.1. Sala de Ordenha
Conforme Bohrer (2003), para preservar a qualidade do leite, o ambiente da ordenha deve
apresentar cuidados fundamentais. O ordenhador possuir bons hábitos de higiene e manter a
rotina da ordenha, isto é, deve fazer a higiene cuidadosa da sala, eliminando crostas, retirando
detritos, desinfetando o local, usar roupas apropriadas e limpas, não cuspir, não fumar,
conhecer as características de cada animal, evitar a entrada de pessoas estranhas, tornar o
ambiente calmo, organizar e facilitar o trabalho, tendo os utensílios e equipamentos à mão e
funcionando eficazmente, para não causar ferimentos ao animal. Os locais de ordenha devem
ser de fácil acesso para os animais, evitando rampas, lodo, ou caminhos pavimentados com
pedras.
2.2 Obtenção da matéria-prima
O Regulamento Técnico, sobre as Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de
Fabricação de 1997, estabelece preceitos para a obtenção do leite cru, refrigerado, nas
propriedades rurais e nos estabelecimentos Elaboradores/Industrializadores de Alimentos,
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abrangendo a localização e adequação dos currais à finalidade; condições gerais das
edificações (área coberta, piso, paredes ou equivalentes), relativas à prevenção de
contaminações; controle de pragas; água de abastecimento; eliminação de resíduos orgânicos;
rotina de trabalho e procedimentos gerais de manipulação; equipamentos, vasilhame e
utensílios; proteção contra a contaminação da matéria-prima; acondicionamento, refrigeração,
estocagem e transporte (Brasil, 2002).
2.3 Armazenamento
Para o armazenamento do leite, deve haver um local próprio e específico para a instalação do
tanque de refrigeração e armazenagem do produto, mantido sob condições adequadas de
limpeza e higiene. Os equipamentos de refrigeração devem ter capacidade mínima para
armazenar a produção, de acordo com a estratégia de coleta. Para tanques de refrigeração por
expansão direta, o mesmo deve ser dimensionado de forma que permita refrigerar o leite a
uma temperatura igual ou inferior a 4ºC (quatro graus Celsius), por um período de, no
máximo, três (3) horas, logo após o término da ordenha. Para tanques de refrigeração por
imersão, este deve ser dimensionado de forma que permita refrigerar o leite a uma
temperatura igual ou inferior a 7ºC (sete graus Celsius), por um período máximo de três (3)
horas, logo após o término da ordenha. Para tanques comunitários, é permitido o uso coletivo
de refrigeração a granel, desde que baseados no princípio de operação por expansão direta. A
localização do equipamento deve ser estratégica, facilitando a entrega do leite após a ordenha
(BRASIL, 2002).
2.4. Transporte
O processo de coleta de leite cru, refrigerado, a granel, consiste em recolher o produto em
caminhões com tanques isotérmicos, construídos internamente de aço inoxidável, utilizandose de mangote flexível e da bomba sanitária, acionada pela energia elétrica da propriedade
rural, pelo sistema de transmissão ou caixa de câmbio do próprio caminhão, diretamente do
tanque de refrigeração por expansão direta ou dos latões contidos nos refrigeradores de
imersão (BRASIL, 2002).
3. Metodologia
Esta pesquisa caracteriza-se como um estudo de caso, junto aos produtores de leite associados
à Cooperativa dos Produtores de Leite, no município de Santa Maria, região central do Estado
do Rio Grande do Sul. Segundo Gil (2001, ps. 72,73), o estudo de caso é “um estudo
profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira a permitir o seu conhecimento
amplo e detalhado, tarefa praticamente impossível mediante os outros tipos de delineamentos
considerados”. Para Yin (1981, p.22), o “estudo de caso pode, pois, ser utilizado tanto em
pesquisas exploratórias quanto descritivas e explicativas”. A pesquisa envolveu 62 produtores
de leite, pertencentes à Cooperativa. Para a coleta dos dados, utilizou-se um questionário
composto de 16 questões fechadas, envolvendo a caracterização da propriedade rural, infraestrutura externa e interna. O questionário foi aplicado no mês de julho de 2005. Os dados
foram analisados com base na estatística descritiva.
4. Resultados
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4.1. Caracterização da propriedade rural, quanto à infra-estrutura externa
As condições das estradas de acesso entre a propriedade e a cidade, podem ser visualizadas na
Figura 1.
16%
29%
Bom
Razoável
Ruim
55%
Figura 1 – Condições de acesso entre a propriedade e a cidade.
Observa-se que 55% das estradas, que dão acesso às propriedades, apresentam condições
razoáveis, e em apenas 29% são boas. Esses dados mostram que há necessidade de
investimentos neste setor. A Figura 2 mostra a existência de sinalização nestas áreas.
3%
Sim
Não
47%
Não respondeu
50%
Figura 2 – Existência de sinalização nas estradas de acesso entre a propriedade e a cidade.
Em 50% das estradas de acesso não existe sinalização, existindo em 47% das estradas. Esses
dados evidenciam haver falta de segurança. A Figura 3 representa as condições de
conservação dessa sinalização.
4
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Bom
Razoável
18%
26%
Ruim
Não respondeu
30%
26%
Figura 3 – Estado de conservação da sinalização da estrada de acesso entre a propriedade e a
cidade.
Das que possuem sinalização, a maioria dos produtores respondeu que são razoáveis ou ruins.
A Figura 4 mostra o tipo de pavimentação existente na estrada, de acesso, entre a propriedade
e a cidade.
Asfalto
8%
Calçamento
2% 3%
Chão batido
3%
43%
Asfalto/calçamento
Asfalto/chão batido
Chão batido sem condições
Não respondeu
39%
2%
Figura 4 – Tipo de pavimentação da estrada de acesso entre a propriedade e a cidade.
O tipo de pavimentação predominante é o asfalto (43%), porém, em 39% o pavimento é chão
batido.
4.2. Caracterização da propriedade rural quanto à infra-estrutura interna
As características da propriedade de acordo com os produtores de leite pesquisados estão
descritas na Figura 5.
5
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6%
5%
2%
Própria
6%
Arrendada
Outra
Própria/arrendada
Não respondeu
81%
Figura 5 – Características da propriedade rural
A maioria, 81%, é proprietário da área de produção do leite. Dos entrevistados, 100%, possui
energia elétrica. Esse fator é importante para o armazenamento e conservação do leite. Na
Figura 6, pode ser visualizado se a energia elétrica atende às necessidades da propriedade.
6%
Sim
Não
94%
Figura 6– A energia atende as necessidades da propriedade
Em 94% das propriedades a energia elétrica atende às necessidades. A Figura 7 apresenta as
informações sobre a sala de ordenha, quanto à existência de cobertura.
3%
3%
Sim
Não
Não responderam
94%
Figura 7 – Sala de ordenha coberta.
6
XIII SIMPEP – Bauru, SP, Brasil, 6 a 8 de Novembro de 2006
Observe-se que, em 94% das propriedades as salas de ordenha possuem cobertura, o que
atende à Normativa. A Figura 8 mostra o tipo de piso utilizado na sala de ordenha.
Sim
10%
Não
40%
Não responderam
50%
Figura 8 – Sala de ordenha com piso.
Os dados evidenciam que 50% das salas de ordenha não possuem piso. Isso mostra que, as
salas de ordenha devem adequar-se à Normativa. A existência de água, na sala de ordenha,
pode ser visualizada na Figura 9.
Sim
5%
16%
Não
Não responderam
79%
Figura 9 – Sala de ordenha com água encanada.
Pode-se observar que a maioria (79%) das salas de ordenha possui água encanada. A Figura
10 mostra o tipo de ordenha adotado.
Manual
8%
Mecânica
Não responderam
26%
66%
7
XIII SIMPEP – Bauru, SP, Brasil, 6 a 8 de Novembro de 2006
Figura 10 – Tipo de ordenha.
Verifica-se que 66%, dos produtores, utilizam o sistema de ordenha manual. Contudo, a forma
da ordenha não interfere na qualidade do leite, pois Reis et al (2004) afirmam que a obtenção
de boa qualidade pode ser atingida por ordenha manual, ou mecânica, sendo mais importante
a condução do sistema de ordenha como um todo, e não o tipo de ordenha realizado. A Figura
11 apresenta o tipo de equipamento utilizado para armazenar o leite, na propriedade.
5%
Freezer
19%
Resf riador de imersão
Não responderam
76%
Figura 11 – Equipamento utilizado para resfriamento do leite.
Percebe-se que 76% dos respondentes utiliza o freezer como resfriador, e 19,35% o resfriador
de imersão de tarros. Esses dados demonstram dificuldades de adequação à Norma. A Figura
12 apresenta as informações sobre a localização dos equipamentos de frio, nas propriedades.
2%
3%
Sala de ordenha
11%
Galpão
Casa
24%
Sala do leite
Não responderam
60%
Figura 12 – Localização do equipamento de frio.
Observe-se que a maioria dos proprietários possui o equipamento para resfriamento do leite
em suas casas. Apenas uma minoria possui a sala do leite. Isso inviabiliza a coleta a granel do
produto. A Figura 13 mostra a facilidade de acesso do caminhão transportador ao setor de
frio.
8
XIII SIMPEP – Bauru, SP, Brasil, 6 a 8 de Novembro de 2006
Sim
Não
6%
Não responderam
28%
66%
Figura 13 – Facilidade do acesso do caminhão transportador ao leite armazenado.
Em relação à facilidade do acesso do caminhão transportador, ao leite armazenado, na
propriedade, 66,13% informou ser fácil.
6. Conclusão
O estudo mostrou que as propriedades são de difícil acesso para o recolhimento do leite a
granel, no que tange à pavimentação e sinalização. As salas de ordenha não se apresentam
conforme a IN 51, embora várias delas possuam água, não apresentam piso. Quanto ao tipo de
ordenha, a maioria utiliza o sistema manual. Quanto ao resfriamento do leite, a maioria possui
freezer, o que não é a recomendação da IN 51. A localização do equipamento encontra-se na
casa do proprietário, que, na opinião dos mesmos, não dificulta o acesso do caminhão
transportador. Isso contradiz o previsto na Normativa.
Diante disso, para atender às exigências da IN 51, uma vez que a maioria dos produtores são
proprietários, recomenda-se que sejam feitas instalações simples, eficientes e higiênicas, com
piso, cobertura, água encanada e com acesso para o caminhão transportador para recolhimento
do leite. Recomenda-se, ainda, a aquisição de tanques comunitários, ou a adaptação do
freezer, já existente na propriedade, para resfriador de imersão, com a utilização de
revestimento interno em lâminas de aço inoxidável, ou folhas de flandres. Sugere-se, também,
que sejam procuradas autoridades governamentais para melhoria das estradas, sinalizações,
manutenção do fornecimento de energia, disponibilização de recursos para aquisição de
tanques de resfriamento comunitários e adaptações dos locais de ordenha e resfriadores,
conforme a nova legislação.
9. Bibliografia
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