O Papel das SRU na Revitalização das Cidades Portuguesas Alguns tópicos para reflexão Esta reflexão baseia-se na necessidade de promover e dinamizar um mercado imobiliário que ainda não existe, e que teve como primeira experiência no Porto o quarteirão de Carlos Alberto e obras da Porto Vivo, SRU (R. das Flores, por exemplo). Muitas vezes a reabilitação urbana é referida como sendo uma opção ideológica que opõe a recuperação e a revitalização da cidade existente por oposição à especulação imobiliária do crescimento das periferias. Outras vezes é colocada a questão como se se tratasse de uma mera vontade dos responsáveis de fazer ou não fazer a revitalização das cidades antigas. Também é frequente assistirmos a declarações de intenção de recuperação das cidades como se se tratasse de um investimento público em espaço público. É vulgar encontrarmos visões distorcidas que apontam para uma causa parcial como se fosse a única responsável pela situação que, afinal, resulta de muitas décadas de processos complexos de urbanização. É frequente assistir à condenação dos inquilinos, dos senhorios, ou das autarquias, como se cada um deles fosse o único "malfeitor" do sistema. Importa parar as afirmações, acabar com as condenações e sair das soluções "slogan", porque fundamentalmente o que precisamos é de uma nova cultura na geração de oferta urbanística e de uma nova cultura na geração de procura urbanística. É necessário que os investidores, os imobiliários, os proprietários, os construtores e os municípios invistam no centro das cidades, onde, afinal, se concentram as áreas mais ricas e melhor servidas do edificado, e é necessário que os compradores, moradores, comerciantes, hoteleiros invistam na compra e aluguer de habitações, escritórios, lojas, e outros edifícios no centro das nossas cidades. É a inexistência desta oferta e desta procura que gera a paralisia, a desvitalização e o abandono. Quando refiro que se precisa de uma nova cultura, quero abranger a necessidade de mudar mentalidades na administração, na banca, nos promotores e nos compradores. No entanto essa mudança de mentalidades não depende essencialmente de boas vontades, nem de bons discursos, mas, sobretudo e principalmente de boas contas! Ou seja, não há oferta porque não há procura, e assim se instala um círculo vicioso porque não havendo procura a oferta não se dispõe a aparecer! O Papel das Sociedades de Reabilitação Urbana será o de romper com esse círculo vicioso, despoletando iniciativas de oferta e canalizando manifestações de procura. O Desafio Refira-se que não se trata de fazer milagres nem números de circo, mas apenas de fazer aqui o que, já há muitos anos, se faz em outras cidades europeias que passaram por ciclos de problemas muito semelhantes e já demonstraram que a reabilitação urbana tem procura e por isso justifica o investimento. As experiências em curso no Porto, têm mostrado que, para tornar rentável a reabilitação dos edifícios degradados do Centro Histórico e da Baixa, importa racionalizar os métodos e os procedimentos. Baseamos o nosso raciocínio (as nossas contas) numa estrutura de custos que terá, geralmente, de considerar os seguintes parâmetros: • Aquisição ou valor do imóvel • Estudos prévios para definição de programa • Estudo de caracterização histórica e arqueológica • Empreitada de consolidação para contenção do processo de ruína. • Projectos de arquitectura e especialidades • Custos financeiros para realização do investimento • Licenças e taxas • Empreitada de recuperação do edifício • Gestão de empreitada e fiscalização da obra • Promoção e comercialização do empreendimento • Manutenção e conservação de sistemas • Outros No fim da operação pretende-se que o edificado resultante - habitações, escritórios e espaços comerciais - tenha um valor de venda capaz de competir no mercado imobiliário. Trata-se, portanto, de aceitar o desafio de comprar e construir um produto exclusivo, diferenciado e ainda artesanal, contra uma concorrência que, geralmente, compra o terreno e a construção mais baratos. Por outras palavras, a reabilitação terá de rentabilizar, no mercado, habitações e comércios, muitas vezes com dificuldades de estacionamento, em ruas que não são sempre largas, com uma imagem negativa. Esta dificuldade só pode ser vencida pela optimização das intervenções e pela rigorosa montagem das operações. A experimentação que está em curso nas Sociedades de Reabilitação Urbana é essencial para afinar todos os nossos procedimentos, quer no plano técnico, quer no plano da administração quer no plano da economia. • No plano técnico é cada vez mais nítida a percepção da especificidade na reabilitação urbana, da arquitectura, da arqueologia e da engenharia, entre outras artes. • No plano da administração verifica-se que é crucial romper com as práticas arcaicas de relacionamento entre a administração e o público, como se se tratasse de exércitos em campos opostos. • No plano da economia as SRU devem captar investimentos, mobilizar os senhorios, assessorar as autarquias e criar as condições estratégicas para que os geradores da oferta sejam capazes de apostar neste produto "novo", ainda sem procura conhecida, mas indispensável para a viragem funcional e cultural da cidade. Estamos a falar de cidade viva que só será habitada se os moradores encontrarem aqui vantagens comparativas, em qualidade e preço. Se a reabilitação urbana não for viabilizada como um movimento sustentável de produção de espaços atractivos, capazes de competir com a restante oferta urbana, então não haverá reabilitação, e poderemos, desde já dizer adeus aos centros das nossas cidades. De facto, o que está em causa é a procura do equilíbrio entre a salvaguarda do interesse público com o património e os valores tangíveis e intangíveis da cidade, e a defesa do interesse do investidor, do proprietário ou do morador, que só regressará se puder transformar a cidade que temos numa cidade melhor. Só pela salvaguarda activa se poderá encarar novas gerações de vitalidade para as nossas cidades, o que aliás foi sempre feito na transição de épocas anteriores quando as cidades deram os seus saltos em frente, na idade média, no renascimento, no Barroco ou no século XIX. A Gestão da Qualidade Urbana As realizações no plano físico e até nos planos social e económico na reabilitação urbana da Baixa e do Centro Histórico portuenses não são ainda acompanhadas por uma capacidade suficiente para garantir a manutenção do espaço público nas melhores condições de qualidade. Importa por isso reflectir sobre os sistemas que devem ser implantados para conseguir gerir a cidade, mantendo padrões elevados de qualidade do espaço e de qualidade de vida para os moradores e para os visitantes. São preocupações actuais o ruído, o vandalismo, os sem-abrigo, o tráfico e consumo de drogas, a limpeza das ruas, a conservação do mobiliário urbano e dos pavimentos, os excessos da vida nocturna, os “graffiti”, os abusos de trânsito e estacionamento, a presença de "arrumadores" e os roubos. O que a situação exige é uma nova atitude face à gestão da cidade, e meios organizacionais mais eficazes. A questão dos gestores de espaço urbano ganha assim uma importância crucial para o sucesso das operações de reabilitação urbana. Não basta recuperar o pavimento da rua, com todas as suas infra-estruturas. É preciso que ele se mantenha em bom estado de conservação de forma continuada por muito tempo, reagindo com prontidão a qualquer avaria causada por acidente, por vandalismo ou por qualquer outra causa. Para isso é necessária uma equipa de intervenção rápida dotada dos meios mais modernos para repor qualquer dano. Se a intervenção não for pronta, o mais provável é instalar-se a habituação, que leva ao desprezo pela recuperação e ao alastramento do dano. Um buraco num pavimento, que pode ser reparado pela reposição de uma pedra em 24 horas, exigirá uma extensa intervenção se esta ocorrer uma semana depois! A presença de lixo abandonado num local durante dois dias, convida à instalação de uma lixeira selvagem, de dimensões incontroláveis e reincidente. Se um vidro é quebrado e não é imediatamente reposto, vai constituir um convite para que partam os restantes. Se uma parede é coberta de “graffiti”, e não é prontamente repintada, vai transmitir uma imagem de abandono e permissividade que induz a prática, mais intensa ainda, desse género de vandalismo. A qualidade de vida dos moradores e dos visitantes não é compatível com a persistência de sinais de abandono deste tipo. O espaço público tem sido olhado como um complemento da habitação, do comércio, dos serviços. Deveria ser olhado de outra forma como integrando, com a mesma dignidade do construído, o nosso espaço de vida quotidiano. Como há serviços de limpeza, manutenção e segurança no “shopping”, no banco, na empresa... deverá haver também na cidade uma rede de serviços e uma organização de trabalho que permita corrigir com rapidez qualquer disfunção. Claro que nas nossas cidades há serviços de limpeza, polícia de segurança pública e equipas de manutenção dos arruamentos e das infra-estruturas, mas o que se passa é que a sua óptica não é integrada, e a sua perspectiva de qualidade do espaço urbano não está aferida por um objectivo/padrão comum. Por uma Nova Atitude Face à Cidade Já foi tempo em que a cidade, nomeadamente no seu centro histórico, era sítio onde se podia demolir tudo, alterar tudo, substituir edifícios e espaço público, pensando que assim se produziria uma melhor cidade, mais funcional e mais bela. Já foi tempo em que apenas se protegiam os monumentos, em nome da história e da arte, podendo perder-se tudo o resto por ser frágil e obra anónima. Já foi tempo em que se começou a dar atenção à recuperação dos edifícios existentes, encarados como um potencial construtivo, arquitectónico e patrimonial a preservar. Já foi tempo também em que se consideraram úteis e prioritárias as intervenções com grande escala, recuperando espaço público e edificado para dinamizar e dignificar áreas de valor patrimonial afectadas pelo abandono resultante de transformações económicas e históricas. Sem perda de atenção para o que falta fazer na reabilitação física e social e na dinamização económica, será agora o tempo de olhar a cidade como a nossa casa, procurando tê-la arrumada, limpa, segura e bem conservada. 2005-06-08, Rui Ramos Loza, Arq.