Espaço Opinion Leaders Reabilitação urbana da Palmeira: um projeto integrado inovador 30 Carlos Alberto Gomes Gonçalves Presidente dos Investimentos Habitacionais da Madeira, E.P.E. (IHM) Pensar a reabilitação urbana no contexto de sustentabilidade e eficiência energética é, nos tempos hodiernos, uma oportunidade para refundar o edificado numa perspetiva holística e integrada. Mais do que reparar ou recuperar o edificado em fim de ciclo de vida, urge reabilitar, valorizar e requalificar tendo como preocupação central a qualidade, a eficiência energética e a sustentabilidade ambiental dos edifícios. Para além dos ganhos ambientais associados que tal esforço permite, propicia ganhos económicos e sociais reais a médio e longo prazo. A própria União Europeia, no quadro da estratégia de Lisboa e, agora mais recentemente, com a estratégia Europa 2020, surge empenhada no desenvolvimento de estratégias nacionais com o objetivo de criar um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo de cada país. Esta estratégia está, por conseguinte, traduzida na inovação e na sustentabilidade dos projetos de investimento, no aproveitamento das energias renováveis e no aumento da eficiência energética, com o objetivo último de promoção da sustentabilidade ambiental, o crescimento inclusivo e a coesão social das populações. Neste âmbito, o Projeto Integrado de Reabilitação Urbana do Bairro da Palmeira promovido pela IHM, e para o qual temos vindo a preparar uma candidatura junto do Instituto de Desenvolvimento Regional, aos Programas Operacionais disponíveis na Região Autónoma da Madeira, nomeadamente, o Intervir+, tem em atenção estas preocupações estratégicas fundamentais da Comissão Europeia. A Morfologia Urbana e Social do Bairro O Conjunto Habitacional da Palmeira situa-se no sítio da Torre, da freguesia e concelho de Câmara de Lobos, e é atualmente constituído por um total de 281 fogos, distribuído por 35 edifícios, predominantemente de tipologias T3 e T4, num total de 257 fogos, sendo que 6 são tipologia T1 e 18 são de tipologia T2, onde 31 residem cerca de 1.500 pessoas. Construído em 1982, inicialmente com 240 fogos, este conjunto habitacional foi concebido para suprimir uma necessidade imediata e urgente de realojamento de famílias oriundas do Ilhéu de Câmara de Lobos, rochedo sobranceiro ao mar existente na baía daquele concelho, núcleo populacional predominantemente ligado a atividades piscatórias, de famílias numerosas, com parcos recursos financeiros e que sofriam de graves carências habitacionais. Em 1993, fruto das necessidades habitacionais verificadas naquele concelho, foram adicionalmente construídos 29 frações habitacionais, distribuídos por 5 edifícios implantados em espaços sobrantes daquele bairro. A construção deste conjunto total de 35 blocos de habitação, com a repetição de um blocotipo de 4 pisos e 2 fogos por piso, associados em unidades duplas, com uma implantação condicionada pelo declive excessivo do local, originou um conjunto de plataformas independentes, desfasadas e isoladas de um eixo rodoviário central serpenteante que terminava em dois impasses, a par de uma estrutura concebida de forma pouco compatível com o meio envolvente e que cedo provocou um forte impacto paisagístico. A sua localização privilegiada e de forte exposição visual, associada às especificidades socioculturais das famílias realojadas, reforçaram de sobremaneira a estigmatização de um território fortemente associado a condutas desviantes e de exclusão. Neste sentido, apesar de se ter colmatado parte das necessidades habitacionais das décadas de 80/90, propiciando conforto e dignidade a estas famílias, cedo se desenvolveu uma noção de inadequação e estigmatização, urbana e social, vincadamente associada aos guetos que importava intervir. A representação social estigmatizante, muitas vezes, estereotipada e obtusa, que o espaço urbano denunciava, associados à pobreza e Espaço Opinion Leaders 32 exclusão social, violência e marginalidade, entre outros fatores, levou a que a IHM tivesse delineado um plano de intervenção focado na recuperação gradual do edificado e na regeneração do espaço urbano. Assim, iniciou-se em 2008 um processo de reabilitação urbana, com a recuperação e na regeneração do espaço urbano, que consistiu na demolição de um edifício de 12 fogos, na reabilitação profunda de outros 16 e na construção de mais 40 habitações. Paralelamente, foram requalificados os espaços exteriores com que se relacionavam diretamente. Desta intervenção, resultou uma nova identidade arquitetónica com resultados inegavelmente positivos no enquadramento urbano, social e paisagístico do bairro, reconhecido por toda a comunidade local. Uma experiência de sucesso, sem dúvida, coartado pelas condições económico-financeiras que o país atravessa mas que importa estender a fórmula à totalidade do aglomerado urbano ainda degradado. A Reabilitação Urbana Integrada O projeto Integrado da Reabilitação Urbana do Bairro da Palmeira, surge em resultado de uma parceria alargada de diversas entidades públicas e privadas, das quais se destacam: o Instituto Green Lines; a AREAM - Agência Regional de Energia e Ambiente da Região Autónoma da Madeira; a Câmara Municipal de Câmara de Lobos; a Universidade da Madeira; a Junta de Freguesia de Câmara de Lobos; a PSP; o Centro Social e Paroquial de Santa Cecília e o Instituto de Segurança Social da Madeira. Com reflexo nos diversos âmbitos do processo, os parceiros deverão contribuir coordenadamente em ações de pendor conceptual físico, administrativo e formativo de molde a impactar positivamente a matriz urbanística e social do agregado, populacional residente. A intervenção a implementar pretende corrigir diversas situações que obrigam a uma resposta eficaz e coerente: das patologias de cariz construtivo, que decorrem naturalmente da idade dos edifícios; os danos resultantes de uso indevido e comportamentos desviantes de vandalismo; as dificuldades de circulação e as más condições ao nível de acessibilidades e espaços públicos. Em paralelo, pretende-se introduzir um conceito de valorização e atualização da qualidade do parque habitacional existente, com particular incidência na requalificação energética e ambiental e ao nível dos fatores de sustentabilidade. Especificamente e no que concerne aos edifícios de habitação, estes deverão ser alvo de uma transformação profunda no seu casco exterior, e que passará pela alteração da solução de cobertura, com remoção dos telhados de chapa e execuções de terraço plano devidamente isolado. Assim se corrige e previne as patologias resultantes de infiltrações, garantindo também um adequado isolamento térmico, e a correção de usos indevidos da cobertura e se estabelece uma plataforma para instalação de equipamentos, com destaque para painéis solares para aquecimento de águas domésticas. As fachadas deverão sofrer uma intervenção global. Com a substituição de todos os vãos 33 existentes por novas molduras e envidraçados, em conjunto com a aplicação pelo exterior de painéis isolantes. É assim possível recuperar uma dignidade refrescante para a imagem do edificado, assegurando uma concreta maisvalia de uma efetiva requalificação ambiental. Os espaços públicos deverão ser fortemente intervencionados: pela reabilitação dos percursos pedonais, pela eliminação de situações de impasse e pela melhoria das condições de acessibilidade e mobilidade. As áreas verdes deverão ser recuperadas com destaque para a criação de zonas de produção agrícola de cariz familiar e social, direcionadas para usufruto dos moradores, de forma a diminuir as necessidades de manutenção de espaços ornamentais e permitindo benefícios efetivos ao nível social, económico e ambiental. Um projeto participado A par de todos os benefícios resultantes desta inovação construtiva, fortemente focalizada nos conceitos de qualidade, eficiência energética e sustentabilidade do edificado pretende-se, sobretudo, envolver os moradores no seu próprio processo de inclusão social. Ou seja, pretende-se um projeto mobilizador e participado por toda a população. Através de ações de informação, sensibilização e consciencialização ambiental e para a cidadania ativa, com ações formativas e de reeducação, orientadas para a melhoria das suas capacidades de gestão doméstica e de empreendedorismo social, pretende-se um projeto verdadeiramente inclusivo. Um projeto que seja integrador e que reformule a identidade do bairro. Que refunde as suas bases socioculturais. Que valorize e reforce os aspetos positivos. Alimente oportunidades e crie uma nova identidade social e arquitetónica, de base qualificante, numa interação criativa, participativa e dinâmica na relação entre os moradores e o seu espaço.