“Segurança Nacional, Serviços de Informações e as Forças Armadas” [ Intervenção proferida pelo Dr. Jorge Silva Carvalho, Director do SIED, em 28 de Maio de 2009, na Faculdade de Letras de Lisboa. ] 1. A noção de Segurança Nacional e os conceitos de Defesa Nacional e Segurança Interna Considerada vector fundamental de qualquer sociedade humana coerentemente estruturada, a segurança, mais especificamente a segurança colectiva, constitui hoje tema recorrente, quer internamente, quer no quadro das Relações Internacionais. Em termos conceptuais, a definição de segurança colectiva, enquanto atribuição primária do Estado, evoluiu bastante, admitindo-se mais recentemente que a mesma corresponda a uma espécie de noção compósita – a de Segurança Nacional – entendida como a “condição da Nação que se traduz pela permanente garantia da sua sobrevivência em paz e liberdade; assegurando a soberania, independência e unidade, a integridade do território, a salvaguarda colectiva de pessoas e bens e dos valores espirituais, o desenvolvimento normal das tarefas do Estado, a liberdade de acção política dos órgãos de soberania e o pleno funcionamento das instituições democráticas” 1. Como já referimos noutras ocasiões, preferimos a expressão “Segurança Nacional”, de origem anglo-saxónica, à expressão tradicional portuguesa “Segurança do Estado”, prevista no Código Penal (“Dos crimes contra a segurança do Estado”) devido às conotações históricas negativas associadas a esta, mas também ao facto de considerarmos a expressão tradicional mais formal e menos abrangente do que a expressão “Segurança Nacional”, relativa não só ao que é do Estado mas também ao que é da Nação como um todo: poder, povo (incluindo a diáspora), território e interesse nacional. A tradição doutrinal anglo-saxónica tende a definir National Security de uma forma menos abrangente do que a que aqui se propõe, situando-a num contexto muito semelhante ao do conceito português de Defesa Nacional. Tal prende-se com a inexistência de uma forte 1 Concepção adoptada pelo Instituto de Defesa Nacional (IDN). 1 tradição doutrinal de Segurança Interna, a qual foi desenvolvida, em particular, nos países da Europa continental. Este conceito de Segurança Nacional integra, por conseguinte duas noções fundamentais: a de Segurança Interna e a de Segurança Externa ou Defesa Nacional, conceitos histórica e juridicamente autónomos na lei portuguesa2, reconhecidos enquanto diferentes funções do Estado, aqui fundidos numa perspectiva de salvaguarda mais eficiente do Interesse Nacional. A definição de Interesse Nacional depende, parcialmente, de decisões políticas conjunturais, mas, em geral, corresponde ao que é permanente e distintivo do Estado. O Interesse Nacional varia no tempo e no espaço, assumindo particular complexidade em países como Portugal, cuja História e presença global, acabaram por ditar uma extensa definição desses mesmos interesses particularmente difícil de articular para um Estado de média dimensão, num quadro de limitação de recursos. No plano conceptual, onde estas alterações importam menos, verifica-se que a tónica é cada vez mais colocada sobre esta noção compósita de Segurança Nacional. Particularmente, porque é, actualmente, cada vez mais difícil gerir a separação entre Defesa Nacional e Segurança Interna, em concreto no que concerne à caracterização das ameaças. Assim, e em particular no caso de Portugal, a maioria dos fenómenos que podem afectar a Segurança Interna são cada vez mais de cariz transnacional ou internacional. Mesmo as actividades levadas a cabo por grupos criminosos altamente organizados, em Território Nacional, têm cada vez mais a sua origem, motivação e estrutura organizativa, nomeadamente a sua direcção, no exterior. Caracterizam-se, aliás, por um elevado grau de flexibilidade e mobilidade. 2 A Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto, ou Lei de Segurança Interna, refere no seu artigo 1º, n.º 1, que: “ A segurança interna é a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”. O mesmo diploma define, no seu art. 4 n.º 1, o âmbito territorial da segurança interna referindo que o mesmo se desenvolve “em todo o espaço sujeito a poderes de jurisdição do Estado Português”; Já a Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, ou Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, define no seu artigo 1ª, o conceito Defesa Nacional do seguinte modo “ A defesa nacional é a actividade desenvolvida pelo Estado e pelos cidadãos no sentido de garantir, no respeito das instituições democráticas, a independência nacional, a integridade do território e a liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaça externas”. 2 É certo que muitos países possuem, ainda hoje, organizações criminosas ou de índole terrorista cuja origem, estrutura e propósitos são principalmente nacionais. No entanto, mesmo nesses casos, são cada vez maiores os indícios de ligações internacionais. Esses grupos necessitam de grande apoio logístico pelo que recorrem a outros grupos estrangeiros com especializações sectoriais, nomeadamente no domínio do armamento, da documentação, do financiamento ou do branqueamento. Acresce que, no caso do terrorismo de inspiração islâmica, se assiste a um fenómeno de surgimento, no seio das comunidades islâmicas nacionais, de indivíduos radicais ou extremistas, recrutados ou inspirados por estrangeiros ou não residentes nos países em questão, tal como se assiste a uma crescente interpenetração dessas comunidades com os seus países de origem, mesmo nos casos em que se regista um certo afastamento funcional. Assim, é fácil de perceber que as limitações práticas colocadas pelo conceito e pela legislação de segurança interna, e sobretudo a interpretação que delas é feito pelas próprias autoridades interessadas, não permitem um eficaz combate às principais ameaças que actualmente afectam, de forma tão severa, os bens jurídicos que a própria lei visa proteger. A nova Lei de Segurança Interna (Lei nº. 53/2008, de 29 de Agosto) justificou a reforma do Sistema de Segurança Interna com a desadequação do mesmo face ao novo quadro de ameaças e com a existência de défices de coordenação, nos domínios da prevenção, da ordem pública, da investigação criminal, da informação e da cooperação internacional e preconizou a introdução de uma visão alargada, fundamentada numa perspectiva de utilidade instrumental, de Comunidade de “actores” relevantes para a segurança interna, por oposição ao conceito restrito de Forças e Serviços de Segurança Interna. Temos defendido a posição de que mais do que o rigor conceptual na separação das competências entre instituições, interessa que todos os agentes da Segurança, em sentido lato, que possam desempenhar um papel relevante em matéria de Segurança Nacional, o façam em obediência aos princípios da complementaridade e, principalmente, da subsidiariedade de actuação. Se uma instituição do Estado desempenhar, no âmbito das suas competências nucleares típicas, uma função que permita responder às necessidades, ou possuir meios únicos que sejam pontualmente necessários fora das suas competências, não deveria ser necessário reformular todo o sistema de segurança atribuindo novas competências aos agentes que o integram. 3 Esta situação ocorre, por exemplo, em matéria de segurança interna, - na medida em que esta se desenvolve em obediência ao princípio da territorialidade, ou seja no espaço sujeito a poderes de jurisdição do Estado português e, verificando-se alterações em muitos dos pressupostos dessa definição de Estado – nomeadamente a indefinição do espaço territorial em virtude da partilha do controlo fronteiriço, a cedência de poderes soberanos para organizações supranacionais e o surgimento de outras formas de cidadania –, poder-se-ia recorrer a outros instrumentos do Estado vocacionados para a actuação no exterior para se fazer face a certas ameaças cuja origem é exterior à sua jurisdição. Em suma, os Estados europeus, em geral e Portugal, em particular, têm vindo progressivamente a partilhar a sua soberania, cedendo a favor de instituições supranacionais parte dos seus tradicionais poderes soberanos. Acresce que elementos base do conceito de Estado soberano como o território (fronteiras) e cidadania/população também se encontram em mutação. Esse processo de partilha, nítido em vários sectores, é, no entanto, menos óbvio no que concerne às questões de segurança, particularmente em relação às informações. Mas mesmo em matéria de segurança, entendida lato sensu, as acções dos Estados, em geral, são cada vez menos unilaterais e progressivamente mais cooperativas. Como já tivemos oportunidade de referir, essa atitude dos Estados não é, normalmente, voluntária, antes pelo contrário, é uma autêntica batalha de trincheiras em que os Estados vão cedendo apenas na medida do seu interesse e, sobretudo, da insuficiência dos seus meios. Acordos de cooperação como o que estabeleceu o Espaço Schengen, recentemente alargado, exigem uma cada vez maior integração das estruturas de segurança dos Estados signatários, das polícias aos serviços de informações. Se, na União Europeia, ao nível policial e de justiça essa integração tem sido paulatinamente conseguida, no que respeita aos serviços de informações tal não sucede. O motivo principal prende-se com a concepção da actividade de informações como integrante do núcleo duro dos poderes soberanos do Estado. Não obstante, com o crescente processo de integração europeia e com a evolução dos conceitos de cidadania europeia e de território europeu estamos certamente muito perto de um conceito de segurança interna da Europa. Este processo de resistência parece, por vezes, um contra-senso, posto que de um lado encontramos ameaças de cariz internacional ou transnacional – com elevados padrões de flexibilidade e mobilidade – ao passo que do outro lado nos deparamos com Estados- 4 nação, ou multinacionais, com as suas limitações territoriais, o que se traduz, grosso modo, por posturas deveras rígidas e formais. Combater o terrorismo internacional e a criminalidade altamente organizada com meios estritamente nacionais é, por definição, uma impossibilidade e quase uma contradição. Os atentados de 11 de Setembro de 2001 vieram introduzir uma mudança brusca no conceito de segurança internacional, por força da enorme influência das novas correntes doutrinais norte-americanas, afectando o ordenamento jurídico português, nomeadamente com a aprovação do conceito Estratégico de Defesa Nacional de Portugal (CEDN), de 20 de Janeiro de 2003. O CEDN, na sequência do que já havia sido feito nos EUA e, também, em Espanha, optou por propor um conceito abrangente de Defesa Nacional, integrando fenómenos que, habitualmente, se inscreviam no âmbito das designadas segurança interna e nacional em sentido estrito, tais como a luta contra o terrorismo, ou o crime organizado. Esta integração tem, em nossa opinião, aspectos positivos e negativos. À partida, não nos parece problemático que as Forças Armadas desempenhem um certo papel no âmbito da segurança interna do país, da mesma forma que a Defesa Nacional também é, cada vez mais, assegurada por outros “actores” que não as Forças Armadas, se isso significar a aplicação de princípios como os da racionalidade de utilização de meios e de coordenação, colaboração e integração de esforços. As Forças Armadas, por deterem o quase completo exclusivo de determinados instrumentos de aplicação de força, nomeadamente os meios aéreos, os meios navais, e ainda meios tecnológicos específicos, nomeadamente ao nível das comunicações, das imagens e da electrónica3, terão, num país de escassos recursos, de potenciar a sua utilização em qualquer área onde sejam necessários. No entanto, preconizar um conjunto de possibilidades de intervenção das Forças Armadas em matérias onde não está em causa a Defesa Nacional, de maneira, por vezes, não muito explícita, e deixar por definir os moldes em que essa intervenção se deverá processar, pode criar dificuldades adicionais, particularmente porque algumas dessas matérias exigem um grau de especialização funcional que as Forças Armadas não possuem e talvez não devam possuir. No fundo são as duas áreas que integram a “Signals Intelligence - SIGINT”, a ELINT, ou Electronics Intelligence e a COMINT, ou Communications Intelligence, ao que acresce a IMINT, ou Imagery Intelligence. 3 5 Por outro lado, estas tendências são muitas vezes alimentadas por um espírito de corporativismo que visa apenas o alargamento de competências com o simples objectivo de auto-justificar as instituições. Assim, esta tendência para a “militarização” da segurança poderá constituir uma espécie de fuga em frente sugerida ao legislador ao decisor político, num processo de regressão evolutiva para a especialização, relançando um debate já ultrapassado. Esta situação é, infelizmente, normal, pois na medida em que em momentos de grande convulsão e imprevisibilidade em matéria de ameaças à segurança, a tendência habitual é o refúgio na instituição que é o último garante do poder coercivo do Estado soberano, as Forças Armadas. Esta situação é, também, injusta para as Forças Armadas que se vêem trazidas para campos onde, à excepção de situações de gravidade extrema, a sua actuação será, no mínimo, ineficaz. Será necessário que os responsáveis pelas Forças Armadas possuam a clarividência de entender as limitações à utilização deste instrumento do Estado, a bem da credibilização das próprias Forças Armadas e do sistema democrático. Da mesma forma que as Forças Armadas poderão em situações muito localizadas intervir em matéria de segurança interna e externa do Estado, se entendida em sentido estrito, também as autoridades civis, de segurança ou não, têm um papel crescentemente importante a desempenhar em áreas específicas da Defesa Nacional. Numa perspectiva prática, uma abordagem integrada da segurança nacional, enquanto conceito integrado dos conceitos de segurança interna e de defesa nacional, implica uma estreita coordenação e colaboração entre todas as entidades com competências directas e indirectas para o efeito. Sempre que se atravessam situações de crise grave em matéria de segurança internacional, sobretudo quando determinada ameaça é concretizada em patamares inimagináveis, tudo é posto em causa. Os governos e os decisores, em geral, reagem normalmente sob pressão do choque emocional e das reacções das respectivas populações. 2. A actividade de Informações A actividade de informações desenvolveu-se, na Europa, no sentido da sua autonomização e especialização, nos séculos XVIII e XIX, assente nas doutrinas e nos conceitos de defesa 6 militar e de segurança interna. Na primeira, como instrumento de fazer a guerra e, na segunda vertente, numa lógica repressiva com vista à manutenção de regimes políticos. Essas duas correntes marcaram não apenas a definição jurídica dos sistemas ou dos serviços mas, também, definiram as condições psicológicas em que os serviços de informações iriam desenvolver a sua actividade. Do ponto de vista substantivo, a actividade de informações consiste num processo especializado – através do qual certo tipo de informação é solicitada, recolhida/pesquisada recorrendo a meios específicos, analisada/processada e divulgada – que se traduz no trabalho sistemático desenvolvido no quadro de uma organização específica criada com o objectivo de atingir um produto final – o conhecimento específico necessário à tomada de decisões. Não é, pois, o mero plural de informação. A expressão informações é a tradução comum da expressão inglesa “Intelligence”, significando conhecimento profundo, completo e abrangente e pode ser conceptualizada, de uma forma clássica, como o conjunto de actividades que visam pesquisar e explorar notícias em proveito de um Estado. Em termos técnicos a notícia ou informação consiste na matéria-prima isolada, verdadeira ou não, tratando-se de material não avaliado e não explorado que, previamente, pode apresentar interesse para um serviço de informações, sendo as informações o resultado do processo de integração daquelas. Num mundo profundamente globalizado, onde o conhecimento especializado se tornou o principal bem e a principal riqueza para um país, a actividade de informações é, cada vez mais, uma das actividades centrais de qualquer Estado, intimamente ligada ao núcleo duro dos poderes soberanos do mesmo. Quando exercida no contexto de um Estado de direito democrático assume-se como uma actividade de verdadeiro e nobre serviço público. Constitui a primeira linha da defesa e de segurança num mundo em que as ameaças que afectam os interesses dos Estados assumem contornos indefinidos, de onde o puro poder militar já não é suficiente para as combater com absoluta eficácia. No mundo de hoje para se obter vitórias, para se ter sucesso, para se evitar derrotas definitivas é necessário actuar mais rapidamente que os nossos adversários, decidir de forma mais precisa e adaptarmonos perfeitamente às mudanças. As informações, quando úteis, conferem essas vantagens comparativas. 7 Um serviço de informações desenvolve a sua actividade em defesa dos interesses e na prossecução dos objectivos do Estado. Agindo em antecipação, aborda realidades e fenómenos que, na maioria dos casos, não constituem, ainda, ameaças à segurança nacional dos Estados. Esta actividade define-se, também, pela sua delimitação face a outras de diferente género com as quais está intimamente relacionada, como é o caso das actividades militar, policial de segurança e investigação criminal. É certo que constitui «uma antecipação da tutela do Estado de direito democrático»4 em relação a qualquer das actividades supra referidas, particularmente em relação à investigação criminal. Todavia, essa antecipação é fundamentada pela necessidade de prevenção face à possibilidade de ocorrência de danos graves à segurança nacional, sendo sobretudo um instrumento de prima ratio do Estado, instrumento que permite intervir num primeiro momento, resguardando para um segundo a utilização progressiva dos instrumentos do seu poder coercivo, as Forças de Segurança, em sentido estrito, os órgãos de investigação criminal e as Forças Armadas, ultima ratio da segurança nacional. A actividade de informações é dinâmica e completa podendo ser decomposta, em termos técnicos, num conjunto de fases designadas tecnicamente por Ciclo de Informações. Tradicionalmente são quatro os momentos ou fases identificados. A orientação da pesquisa, fase em que se definem as prioridades; a pesquisa, fase em que se obtêm as notícias através da exploração dos diferentes tipos de fontes (Humanas ou técnicas); o processamento, fase em que se transformam as notícias em informações através de um processo, também ele dinâmico, de registo, de estudo, integração e interpretação analítica de todas as notícias disponíveis; e a exploração, última fase em que se utilizam as informações, procedendo-se à sua difusão, mas também a um processo ulterior de estudo destinado a determinar as possibilidades do adversário, o perigo que representa, as suas vulnerabilidades e estabelecer a possibilidade de concretização da ameaça que representa. Há que salientar que, em situações específicas, quando a urgência ou a gravidade do assunto o determinar, ou mesmo o “valor facial” da notícia – o seu grau de fidedignidade –, pode este ciclo ser interrompido e a notícia assim obtida seguir directamente para o decisor político, não passando previamente pela fase de processamento. A terminologia anglo4 Pereira, Rui Carlos, “A produção de informações de segurança no Estado de direito democrático” in Investigação Criminal e Justiça, Junho de 1999. 8 saxónica define o resultado informacional normal do ciclo de informações como “all sources reporting” e esta última situação como “single source reporting”. 3. O conceito de Informações Tradicionalmente as Informações são classificadas em função da finalidade, do tempo, do objectivo e do método. A finalidade das informações leva a classificá-las como estratégicas, operacionais ou tácticas e de contra-informação. A primeira destas três categorias, as informações estratégicas, por definição holísticas, têm como objectivo contribuir para a condução da política e da estratégia dos Estados, na perspectiva da sua segurança nacional, no quadro internacional. Destinam-se a determinar o poder nacional dos adversários, as suas possibilidades e probabilidades de actuação e as suas vulnerabilidades. Caracterizam-se, também, por se projectarem no futuro numa perspectiva de médio e de longo prazo e abordam todos os factores que permitem definir o poder nacional de um país, da capacidade militar à capacidade energética, do poder económico à estrutura do seu tecido sócio-político. São identificadas a partir do interesse político para o decisor de determinados assuntos considerados sensíveis para os interesses externos do Estado. As informações de contra-informação ou informações negativas têm como objectivo contrariar activamente práticas hostis de espionagem, terrorismo, criminalidade altamente organizada, proliferação de armas de destruição maciça, subversão ou sabotagem. As informações preemptivas definem cenários de antecipação e de neutralização de ameaças, cruzando-se com informações estratégicas de segurança. As informações preventivas analisam as implicações presentes e futuras de uma ameaça à segurança externa e interna. As informações situacionais dão a leitura factual sobre determinadas ameaças. As informações operacionais ou tácticas são aquelas que ajudam a definir e perceber os contornos das ameaças. Estão intimamente ligadas ao planeamento da actividade operacional em sentido estrito; à condução de operações técnicas ou humanas no terreno. São normalmente mais concentradas no espaço e no tempo, visando questões concretas. As informações de segurança militar respeitam à inviolabilidade das instalações e equipamentos militares. 9 As informações também são definidas em função do tempo, normalmente como informações de base, correntes e prospectivas. As informações de base correspondem maioritariamente às de carácter estratégico e são produzidas a partir de fontes abertas ou de informação/notícias não classificadas, referindo-se a elementos estruturantes razoavelmente estáveis e relativos a situações passadas e actuais. As informações correntes projectam-se por períodos mais curtos de tempo, permitindo definir a situação presente, e tratam os acontecimentos que vão ocorrendo continuamente. As informações prospectivas são de muitas maneiras a razão de ser dos serviços de informações, sendo também as importantes para as actividades de governação de um país particularmente no que concerne à tomada de decisões e ao processo decisório (policymaking e decision-taking), pois permitem, através do conhecimento do que se está a passar e do que já aconteceu, projectar acontecimentos futuros eliminando o factor surpresa. Determina-se, assim, o que o adversário pode fazer e não tanto o que vai fazer. Elaboramse, portanto, cenários ou situações hipotéticas e determinam-se as possibilidades e as probabilidades de ocorrência de determinado acontecimento. As informações podem classificar-se, quanto aos seus objectivos, em externas quando se referem à aquisição de conhecimento sobre o poder e as actividades dos Estados ou entidades supra e infra estatais estrangeiras adversas que possam constituir ameaça para a defesa nacional ou aos interesses estratégicos do país, ou em internas quando se destinam a conhecer actividades operacionais adversas com reflexos na segurança interna. As informações podem ainda ser classificadas quanto ao método utilizado na sua obtenção. A pesquisa de informações pode incidir sobre fontes humanas – HUMINT (Human Intelligence), ou sobre meios técnicos normalmente enquadrados na definição de SIGINT (Signals Intelligence), que por sua vez compreende formas específicas como COMINT (Communications Intelligence), ELINT (Electronics Intelligence), MASINT (Measurement and Signature Intelligence) e IMINT (Imagery Intelligence), entre outras. 10 4. Os Serviços de Informações Neste domínio, os serviços de informações representam actualmente, como já referimos noutras ocasiões, a primeira linha de defesa e segurança dos países, em particular para os países de menor dimensão e menos dotados em termos de recursos. A mutabilidade das novas ameaças tornou, para os que defendem uma perspectiva de Guerra ao terrorismo, em grande medida, inadequada a utilização da máquina militar enquanto opção de per se. Os serviços de informações, tendo como missão prever e antecipar ameaças à Segurança Nacional dos Estados, constituem, nesse sentido, a primeira e mais eficaz linha defensiva e ofensiva dos Estados Democráticos de Direito, pela forma “cirúrgica”, preventiva e pré-emptiva, como podem e devem actuar. Semelhante afirmação não pressupõe, todavia, nenhum tipo de conflito positivo de competências entre as referidas entidades, propugnando-se, inversamente, uma estreita coordenação entre todos os organismos nacionais competentes nos domínios da segurança e defesa, bem como a articulação dos mecanismos de cooperação no âmbito internacional. A globalização da segurança internacional supra exposta, implica o desenvolvimento de uma estratégia ao nível das Informações, matéria em que nos propusemos centrar, que tem exigido, por um lado, a reforma paulatina do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e, por outro, o reforço das capacidades da União Europeia (aqui destacada por constituir o domínio ou vector do Interesse Nacional com maiores níveis de interdependência e de integração). Cumpridor desse desígnio, o SIRP tem vindo a desenvolver diversos mecanismos de actuação destinados a aperfeiçoar a actividade de informações em Portugal. Na reforma do SIRP, preconizada pela aprovação da Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro que alterou a Lei-Quadro do SIRP, consagrada na Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, foram avançadas algumas prioridades, fundamentais à mudança que de seguida ilustraremos. 11 5. O Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) – evolução histórica e actualidade Para compreender o Sistema de Informações português é necessário descrever, mesmo que sucintamente a sua evolução histórica; só assim se poderá compreender o legado, tanto em relação aos constrangimentos e limitações, como às potencialidades. Antes do 25 de Abril as informações civis asseguradas pela PIDE/DGS tinham por objectivo proteger e projectar o regime, intérprete único dos interesses do Estado no plano interno e externo. Esta polícia de natureza política era, simultaneamente, agência de informações e, sobretudo, uma arma repressiva do regime. Tratando-se, saliente-se, de uma polícia secreta (acumulando funções de investigação criminal, de fronteira, de estrangeiros, e de polícia política). A coordenação na área militar estava a cargo de uma estrutura especializada do EMGFA. Com o desmantelamento da DGS desapareceu a única experiência de informações civis propriamente ditas. Com o regime democrático estabeleceu-se um corte radical com a experiência, “de informações” anterior, o que é de salientar face a outras experiências semelhantes no pós II Guerra Mundial ou pós revoluções, no designado Bloco de Leste, no final da guerra-fria. Coube às Forças Armadas e, em particular, às informações militares (DINFO) preencher de alguma forma esse vazio, procurando garantir a segurança do Estado no sentido mais lato do termo, muito para além, destaque-se, das suas competências e capacidades. A dimensão e profundidade com que o espectro da PIDE-DGS tem pairado sobre o sistema de informações português, mesmo numa fase de plena consolidação do Estado de direito democrático, é algo que não tem paralelo em outros países que também conheceram regimes totalitários de longa duração. O Sistema de Informações da República surgiu pela dupla via da consolidação do novo quadro constitucional e da necessidade. Recorde-se que, à altura, a conjuntura de segurança de Portugal tinha sido caracterizada por um conjunto de eventos que criaram as condições para o desenvolvimento de um sistema de informações nacional, das quais serão de 12 salientar as seguintes: a 13 de Novembro de 1979, atentado contra o Embaixador de Israel; 07 de Junho de 1982 – atentado bem sucedido contra adido comercial turco e sua mulher; 10 de Abril de 1983 – assassinato, num hotel do Algarve, do líder da OLP, Issam Sartawi; 27 de Julho de 1983 – assalto à Embaixada da Turquia, durante o qual perderam a vida um agente da PSP, a esposa do Encarregado de Negócios e cinco terroristas; e a existência de fenómenos de terrorismo doméstico – FP25 e de extrema-direita. Com a definição do quadro constitucional – fruto da revisão de 1982 - e legislativo, que distinguiu com alguma clareza as matérias de defesa nacional, de segurança interna e de política externa, tornou-se possível aprovar a lei-quadro do SIRP. A Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro atribuiu aos serviços de informações o encargo de assegurar, no respeito da Constituição e da Lei, a produção de informações necessárias à salvaguarda da independência nacional (informações externas) e da segurança interna (informações internas) e procurou acautelar a articulação com as informações militares, estabelecendo três serviços de informações, numa tentativa de definir um sistema de matriz britânica. • O Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), com a missão de produção das informações necessárias a garantir a independência nacional e a segurança externa, directamente dependente do Primeiro-Ministro; • O Serviço de Informações Militares (SIM), incumbido da produção de informações necessárias ao cumprimento de missões próprias das Forças Armadas, incluindo a segurança militar, dependente do Ministro da Defesa, através do CEMGFA, e coordenado pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior. • O Serviço de Informações de Segurança (SIS), cabendo a este a produção de informações destinadas a garantir a segurança interna e necessárias a prevenir a sabotagem, o terrorismo, a espionagem e ameaças ao Estado de Direito, dependente do Ministro da Administração Interna. Destes três serviços apenas o SIS foi efectivamente constituído com a publicação do Decreto-Lei 225/85 de 04 de Julho. Foram necessários quase dez anos para que esta estrutura original do SIRP fosse, de alguma forma, completada. 13 Ate lá, o vazio no campo das informações civis foi, felizmente, preenchido pelo único serviço existente, o SIS, que desenvolveu a primeira verdadeira “escola” de informações existentes em Portugal após a consolidação do regime democrático. Em 1995, são fundidos num serviço único o SIED e o SIM, criando-se o SIEDM, e são introduzidas alterações no quadro legislativo que visaram sobretudo reforçar as competências do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações e agilizar o processo de eleição dos seus titulares. Novamente, quase dez anos depois, o sistema de informações português foi objecto de nova alteração estrutural. Desta vez, foi efectuada uma renovação profunda, em primeiro lugar, por ser amplamente reconhecido o papel decisivo dos serviços de informações no combate ao novo quadro de ameaças e, em segundo lugar, por ser imprescindível acabar com a atrofia que se registava no Sistema e nos Serviços, decorrente em boa parte das dificuldades de desenvolvimento no nosso país de um sistema de informações em regime democrático. Relativamente ao SIEDM, colocavam-se, numa primeira linha, problemas de insipiência organizativa, típicos de um serviço jovem, para além de questões decorrentes da necessidade de projecção externa e aprofundamento da operacionalidade do Serviço; no que concerne ao SIS, as principais dificuldades residiam nas limitações ao nível das infraestruturas e insuficiência de meios operacionais, sendo que em ambos os Serviços se verificava uma ostensiva necessidade em termos de recursos humanos. Neste contexto, a Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, veio estabelecer um marco fundamental na história das informações em Portugal ao alterar profundamente a LeiQuadro do SIRP, operando uma verdadeira refundação do Sistema, nomeadamente no que respeita à sua liderança e coordenação, funções que atribuiu ao Secretário-Geral do SIRP. Tratou-se, como anteriormente se escrevera, de uma solução verdadeiramente inovadora, cujo regime, sem paralelo na Administração Pública, materializou uma direcção unificada ou “fusão de topo” na figura do Secretário-Geral do SIRP por via da condução superior deste, através dos respectivos directores, das actividades do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e do Serviço de Informações de Segurança (SIS). Solução inovadora também porque criou, pela primeira vez, um órgão ou organismo de segurança 14 numa óptica de Segurança Nacional, integrando, ao seu nível, as informações de segurança interna e de segurança externa ou de defesa nacional contribuindo, também, assim para se tornar um melhor parceiro internacional, particularmente no espaço da União Europeia. A opção então tomada permitiu obter maiores níveis de coordenação e colaboração entre SIED e SIS sem que se verificasse, como se temia na altura, uma fusão efectiva entre estes Serviços, excepto no que concerne à previsão de estruturas comuns nas áreas da gestão administrativa, financeira e patrimonial (artigo 35º da Lei Orgânica n.º4/2004, de 6 de Novembro), áreas relativamente às quais não existiam riscos de ofensa à autonomia operacional strictu sensu dos Serviços, em matéria de pesquisa, tratamento e produção de informações. Na verdade, ainda que o legislador tivesse optado por uma fusão integral dos dois Serviços, tal não significaria nunca uma confusão de matérias na medida em que, tal como sucedeu noutros países ocidentais como a Espanha ou os Países Baixos onde existe apenas um único Serviço de Informações, as competências definidas e regulamentadas pela Lei acabariam sempre por consagrar e distinguir as áreas operacionais da segurança interna e de segurança externa ou de defesa nacional, bem como das estruturas de natureza administrativa ou de apoio, instrumentais à actividade dos Serviços. Constituindo as matérias relativas ao regime do Sistema de Informações sempre um tema delicado, é ainda de salientar o facto de, tal como no caso da Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, esta proposta de Lei ter sido aprovada com uma larga maioria de votos na Assembleia da República, recolhendo os votos favoráveis dos grupos parlamentares do PS, do PPD/PSD e do CDS-PP. O modelo de Sistema desenhado pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, não poderia, contudo, vingar sem a necessária adaptação do SIED e do SIS ao novo regime. Deste modo, em 2005, foram definidos cinco vectores fundamentais para a reforma do SIRP, assegurando-se que esta não corresponderia a uma iniciativa radical, ameaçadora da estabilidade e produtividade do Sistema, mas sim a uma reforma estrutural tendente a revelar os seus efeitos no curto/médio prazo. Resumidamente, os referidos vectores passam por: completar o edifício jurídico do SIRP; adaptar a estrutura orgânica dos Serviços e criar instrumentos acessórios essenciais para potenciar a actividade operacional destes, sobretudo ao nível da Human Intelligence (HUMINT); reforçar os recursos humanos 15 pelas vias do reforço quantitativo e da formação conjunta (para o que foi vital a criação da “Escola nacional de informações”); capacitar financeiramente os serviços; desenvolver as infraestruturas dos Serviços, adaptando-as ao necessário crescimento dos mesmos e às novas exigências operacionais; e criar estruturas comuns (departamentos comuns) ao SIED e ao SIS nas áreas previstas na Lei Quadro. Procedeu-se à regulamentação da Lei Quadro do SIRP por via da aprovação da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. Esta Lei por se tratar de um diploma conjunto - que estabelece a orgânica do Secretário-Geral do SIRP, do SIED e do SIS, - pretendeu não apenas contribuir para a melhoria da própria designação de Sistema integrado, como também para uma melhoria efectiva da prestação do SIRP, permitindo não só um maior entrosamento entre os dois Serviços, mas também índices mais expressivos de cooperação, em termos internacionais, com serviços congéneres. Desta forma, podemos mesmo dizer que esta reforma do SIRP abriu um novo rumo para a organização da Administração Pública ao colocar em prática, com sucesso, lógicas de partilha de recursos, de cooperação e de coordenação com ganhos de eficiência e racionalidade na utilização dos mesmos. Este diploma visou dar continuidade, regulamentando, à Lei Quadro n.º 30/84, de 5 de Setembro, com a redacção dada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, a qual alterou radicalmente a estrutura e organização do SIRP, bem como cumprir o Programa do XVII Governo Constitucional. Por outro lado, no programa do XVII Governo Constitucional, no que se refere ao Sistema de Informações da República Portuguesa, no ponto 7 do parágrafo III do capítulo IV, alude-se à necessidade de “alterar as leis orgânicas dos serviços, adaptando-as ao novo regime de direcção unificada e tornando os serviços mais eficazes ante as novas ameaças do terrorismo internacional, no respeito pelo regime constitucional de direitos, liberdades e garantias”. O mesmo programa, no ponto 6 do mesmo parágrafo, a propósito da prevenção do terrorismo, salienta a necessidade de “reforçar a coordenação entre os Serviços de Informações, através da acção do respectivo Secretário-Geral, garantir a colaboração efectiva entre estes serviços e os órgãos de polícia criminal e aprofundar a cooperação com os organismos congéneres estrangeiros”. Deste novo regime jurídico, e para concluir, é de salientar que a actividade de produção de informações no ordenamento jurídico-constitucional português se subordina ao seguinte conjunto de princípios: 16 - Princípio do respeito pela Constituição e pela Lei, ou princípio da legalidade, na medida em que os objectivos do Sistema de Informações da República Portuguesa são os definidos por lei e só podem ser realizados através do exercício das competências previstas na lei e com respeito pela Constituição5; - Princípio do respeito pelos direitos, liberdades e garantias; - Princípio da especificidade funcional – cada Serviço só pode desenvolver as actividades de pesquisa e tratamento das informações respeitantes às suas atribuições específicas6; - Princípio da limitação do âmbito de actuação – apenas é aceitável a actuação dos funcionários e agentes dos Serviços no âmbito das informações e não em funções policiais ou dos tribunais7; - Princípio da exclusividade – consagra a proibição da prossecução por outros serviços de objectivos idênticos aos previstos na Lei-Quadro do SIRP8; - Princípios da cooperação recíproca entre Serviços9, da cooperação dos Serviços com outras entidades10 e, por último, da colaboração de outras entidades com os Serviços de Informações11. 6. A relação do Sistema de Informações (SIRP) com as Forças Armadas Relativamente à actividade de informações importa ter presente que a Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa (Lei 30/84, de 5 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro) regula exaustivamente a actividade de informações em Portugal, em tudo o que concerne à definição da organização do sistema de informações, dos seus princípios fundamentais e das relações com o exterior. É esse o objecto da reserva absoluta de competência da Assembleia da República constante do artigo 164.º (alínea q) da Constituição da República Portuguesa. A lei aprovada ao abrigo dessa reserva de competência condiciona, pois, toda a actividade de informações em Portugal. Artigos 2.º e 3.º da Lei Quadro do SIRP. Artigos 2.º, n.º 1 e 20.º e 21.º da Lei Quadro do SIRP. 7 Artigo 4.º da Lei Quadro do SIRP. 8 Artigo 6.º da Lei Quadro do SIRP. 9 Artigo 3.º, n.º 3 da Lei Quadro do SIRP. 10 Artigo 11.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. 11 Artigo 10.º, da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. 5 6 17 A Lei-Quadro do SIRP, bem como a Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, é bem clara ao estabelecer que o Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e o Serviço de Informações de Segurança (SIS) são os únicos Serviços autónomos com competências para desenvolver a actividade de informações em Portugal (cf. Artigo 2.º/1 e Artigo 6.º da Lei Quadro e artigo 3.º/2 e 3.º/3 da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro). A Lei-Quadro do SIRP, admite, aparentemente, apenas uma excepção a esse princípio autorizando o desenvolvimento, num contexto restrito e perfeitamente delimitado, da actividade de informações militares no seio das Forças Armadas, pelo que pode ser admitida a regulamentação desta actividade mas no estrito respeito do disposto na mesma Lei. Assim, no seu artigo 34.º/2, refere que “O disposto na presente lei não prejudica as actividades de informações levadas a cabo pelas Forças Armadas e necessárias ao cumprimento das suas missões específicas e à garantia da segurança militar”. Apesar desta aparente autonomização definida para as informações militares, estas integram-se no SIRP na medida em que se sujeitam à fiscalização do Conselho de Fiscalização do SIRP e da Comissão de Fiscalização de Dados do SIRP e aos princípios constantes dos artigos 1.º a 6.º da mesma Lei. As informações militares, todavia, não se inserem na linha de comando e direcção traçada pela Lei-Quadro do SIRP, não se sujeitando, naturalmente, por exemplo, à orientação e controlo pelo Secretário-Geral do SIRP. No entanto, é a Lei Quadro do SIRP também a lei fundamental para a disciplina da actividade de informações das Forças Armadas. Qualquer que seja a regulamentação ou dispositivo legal que venha a estabelecer uma organização da actividade de informações das Forças Armadas, terá sempre como enquadramento, nas suas limitações e competências, a Lei Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa. A actividade de informações militares terá a latitude que nesta Lei lhe é dada. Esta autonomização, trata-se, como referido, de uma aparente excepção ao princípio da exclusividade traçado pelo artigo 6.º da mesma Lei-Quadro: “É proibido que outros serviços prossigam objectivos e actividades idênticos aos dos previstos na presente lei”. É verdade que os referidos artigos 34.º/1 e 6.º da Lei-Quadro do SIRP permitem o desenvolvimento da actividade de informações militares no seio das Forças Armadas mas não autorizam a criação de qualquer serviço de informações autónomo. A Reforma da LeiQuadro do SIRP, introduzida pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, tirou o M (e Militares) ao SIEDM mas não implicou um retorno à versão originária da mesma Lei, em 18 que se previa, a par dos dois serviços actualmente existentes, um serviço de informações militares autónomo. Há que apurar, com efeito, aquilo que são, em rigor, as Informações Militares e que tipo de estrutura institucional as pode desenvolver, de modo a não afectar as referidas disposições da Lei Quadro do SIRP e a ratio legis que presidiu às alterações de 2004. Assim, qualquer projecto legislativo que implique a criação de um serviço autónomo para desenvolver a actividade de informações militares não seria compatível com a Lei-Quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa. De toda a República Portuguesa. A Lei-Quadro do SIRP não exige a existência de um regime especial sobre informações militares, muito menos a formalização legal de um Sistema de Informações Militares alternativo. As informações militares inserem-se, no quadro traçado pela Lei-Quadro do SIRP, no Sistema de Informações da República Portuguesa, não admitindo esta Lei qualquer outro Sistema não condicionado por ela. Autoriza, apenas, o desenvolvimento de actividades de informações militares “levadas a cabo” no seio das Forças Armadas “e necessárias ao cumprimento das suas missões específicas e à garantia da segurança militar”. Salientamos a expressão “necessárias”, porque a actividade de informações militares implica como pressuposto o princípio da necessidade efectiva e a noção de “missões específicas” por ser claro que a lei não se refere a todas as missões das Forças Armadas mas somente àquelas que lhe são especificamente atribuídas nos termos da legislação Militar e de Defesa Nacional. A intenção do legislador, na reforma produzida pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, teve apenas em conta que ao atribuir ao SIEDM o M, na sua designação, poderia inibir as missões específicas das Forças Armadas, no seio da sua organização interna. Esta intenção assume particular relevo se recordarmos que o mesmo diploma alterou fundamentalmente a estrutura do SIRP, particularmente, através da implementação de uma diferente estrutura de comando e direcção dos serviços de informações, deixando, o agora SIED, de depender organicamente do Ministério da Defesa Nacional. As informações militares não devem ser desempenhadas por Serviços autónomos mas, sim, devem desenvolver-se no quadro da organização interna das Forças Armadas. Será no âmbito da sua organização interna que se deverão prever, naturalmente, unidades orgânicas ou subunidades, com tais propósitos. 19 Cabe em exclusivo à Lei-Quadro do SIRP, aprovada com base na reserva absoluta de competência da Assembleia da República constante no artigo 164.º (alínea q), regular exaustivamente, o “Regime do Sistema de Informações da República Portuguesa”. Um eventual diploma que regule a actividade de informações específicas das Forças Armadas certamente não pretenderá derrogar, com fundamento nesse preceito constitucional, a Lei-Quadro do SIRP. 7. O Serviço de Informações Estratégicas de Defesa e o Serviço de Informações de Segurança e as Forças Armadas O risco que corremos ao não definir com precisão o âmbito das informações militares é implicar uma duplicação de actividades já desenvolvidas pelo SIED e pelo SIS. No actual quadro de evolução do Sistema de Informações da República Portuguesa tal seria o pior que poderia, nesta fase, ocorrer. Recorde-se que o actual sistema resulta de um amplo consenso político e de longos e difíceis processos negociais. Por outro lado, o estágio actual do sistema é o resultado de um processo constante de sedimentação doutrinal. A duplicação e a sobreposição poderiam colocar em risco a perda dos ganhos de eficiência e a coordenação, obtidos com as recentes reformas introduzidas, que preconizam um modelo de actuação coordenada e direcção unificada do SIED e do SIS, com partilha de serviços comuns. O actual modelo do SIRP não é o único que podemos ter, outros poderiam ser adoptados, com eficiência, à semelhança do que acontece noutros países, mas é o modelo que temos e o mesmo resulta de um período de 25 anos de evolução doutrinal. Ao avaliarmos a relação entre os dois Serviços de Informações (SIED e SIS) e as Forças Armadas, convém ter presente, por um lado, que o SIS deve desenvolver a sua actividade de segurança interna em todo o território nacional, mesmo em matérias que possam confluir com a actividade das Forças Armadas, desde que no âmbito das suas competências. Por outro lado, que o SIED “é o organismo incumbido da produção de informações que contribuam para a salvaguarda da independência nacional, dos interesses nacionais e da segurança externa do Estado Português” sendo, assim, o serviço de informações competente para a produção de informações em matéria de Defesa Nacional. Nestes termos, o SIED tem, também, em matéria de informações, competência concorrencial com a actuação, das Forças Armadas, nos termos da Lei da Defesa Nacional (Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro, na 20 sua redacção em vigor) e do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (Resolução do Conselho de Ministros, de 20 de Janeiro de 2003). As informações de Defesa Nacional são um universo mais amplo, que contém as informações militares. A actuação do SIED e do SIS, em matérias que se intersectam com o âmbito admissível das informações militares e da segurança militar, apesar de certa forma concorrenciais, deve pautar-se pelo princípio da subsidiariedade e da cooperação. Às informações militares, situadas num nicho específico da componente militar de defesa, deveriam caber, fundamentalmente, as informações tácticas e operacionais ou situacionais restritamente relativas às missões específicas das Forças Armadas, bem como as informações de segurança militar, em relação às quais se considera que nem o SIED, nem o SIS poderiam substituir com vantagem a actuação das próprias Forças Armadas, pois essas sim são a actividade de informações necessária ao cumprimento das suas missões específicas. Ao SIED e ao SIS estariam reservadas preferencialmente as informações preventivas, preemptivas e estratégicas, cada qual na sua área de competência, mesmo em áreas de interesse das Forças Armadas e relativas à Defesa Nacional. Aliás, retenha-se o próprio nome do SIED – Serviço de Informações Estratégicas de Defesa. Assim sendo, parece-nos, por exemplo, menos boa legística a redacção do artigo 11º, relativo às competências do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, na sua alínea i), da Proposta de Lei n.º 245/X/4ª ao estabelecer que se deve desenvolver “no EMGFA adequadas capacidades no âmbito das informações e segurança, de modo a optimizar as respectivas actividades de nível estratégico-militar e operacional, em proveito do planeamento e conduta das missões cometidas às Forças Armadas e das acções necessárias à garantia da segurança militar”. De salientar a omissão, certamente por lapso, da expressão “específicas” a caracterizar as missões das Forças Armadas – onde se lê “…das missões cometidas às Forças Armadas…” deveria ler-se “…das missões específicas cometidas às Forças Armadas…”a mesma terminologia adoptada em sede da Lei Quadro do SIRP (Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, na redacção introduzida pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro), no seu artigo 34.º/1. No entanto, apesar de ligeiramente diferente redacção, e em caso de duvida, prevalece obviamente a Lei enquadradora da actividade de informações militares, a Lei Quadro do SIRP. 21 Refira-se, também, neste contexto, o Dever de Colaboração, por um lado, das Forças Armadas e o organismo responsável pelas informações militares em relação ao SIED e SIS, e, por outro lado, o Dever de Cooperação destes dois serviços com outras entidades, onde se incluem as Forças Armadas e o organismo responsável pelas informações militares, consagrados respectivamente nos artigos 10º e 11º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. O facto de as Informações de Defesa serem um universo mais amplo e que contém as Informações Militares implica que, na realidade, os deveres de colaboração não tenham igual intensidade. Existem áreas de actuação do SIED e do SIS que não interessam às informações militares, sendo que tudo o que respeita às informações militares interessa ao SIED e, no que respeita à segurança militar em território nacional, ao SIS. A importância de uma colaboração permanente entre o SIED e a Chefia do Estado-Maior General das Forças Armadas, encontra expressão no facto de o responsável pelo organismo de informações militares, qualquer que ele seja ou a definição que tenha, dela dependente, ter assento permanente no Conselho Consultivo do SIRP, na sua composição no âmbito das atribuições do SIED (cf. artigo 15.º/2/c da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro), para além de as Forças Armadas estarem sujeitas ao dever de colaboração disciplinado pelo artigo 10º/3 da mesma Lei. Finalmente, o “edifício” das informações de Defesa Nacional só estará completo quando estas estiverem representadas directamente em sede do Conselho Superior de Defesa Nacional, através do Secretário-Geral do SIRP, tal como sucede com o principal responsável pelas informações militares, o Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas. 22 Artigos publicados • “Segurança Nacional e Informações”, Revista Segurança e Defesa, Novembro 2006. • “Os limites à produção de Informações no Estado de Direito Democrático”, Revista Segurança e Defesa, Fevereiro 2007. • “O Sistema Integrado de Segurança Interna (SISI) e a sua articulação com o Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP)”, Revista Segurança e Defesa, Maio - Julho 2007. • “Modelos de Sistemas de Informações: Cooperação entre Sistemas de Informações (Apontamentos para Apoio)”, Estudos de Direito e Segurança, Almedina, 2007. • “O Sistema de Informações da República Portuguesa”, Cidadania e Defesa – Boletim Informativo, AACDN, Março – Abril 2007. • “Segurança: Visão Global – A Perspectiva das Informações”, Revista Segurança e Defesa, Dezembro 2007 – Fevereiro 2008. 23