Quarta-feira _9 de abril de 2014. Diário de Notícias GLOBO 25 ENTREVISTA: BENITA FERRERO-WALDNER Maduro e oposição discutem base de diálogo Presidente da Fundação União Europeia-América Latina e Caribe (UE-ALC) VENEZUELA Dois meses após início dos protestos e da violência, Governo e opositores reuniram-se para preparar processo de negociações VITOR RIOS/GLOBAL IMAGENS Crises A ex-comissária para as Relações Externas esteve em Lisboa para participar numa conferência do Instituto para a Promoção e Desenvolvimento da América Latina. Ao DN, comentou situação política venezuelana, a importância da “segurança legal” na América do Sul e defendeu que as eleições europeias se devem inspirar no modelo das presidenciais nos EUA “ Para haver diálogo na Venezuela, o país tem de viver em democracia” ABEL COELHO DE MORAIS Vive-se uma escalada na crise política da Venezuela. No quadro da cooperação UE-ALC que pode ser feito para reduzir as tensões? Neste momento, a UE pode oferecer-se para um papel de bons ofícios, de facilitador do diálogo entre o Governo e a oposição para se chegar a um acordo, mas a iniciativa tem de vir de ambos os lados. Para isso, é fundamental o fim da violência, condição prévia ao início do diálogo. Mas nenhuma das partes parece inclinada a transigir, a chegar ao diálogo. Outra condição básica: o país tem de viver em democracia, o resultado das eleições tem de ser respeitado, mas também os direitos da oposição, existir uma real separação de poderes e o respeito pelos direitos humanos. Há outros países em que a situação deve ser alvo de atenção? É fundamental que existam garantias de segurança legal. Isto é, a existência de um Estado de direito em todos os aspetos, que legislação está em vigor e se é cumprida. Que espera das eleições para o Parlamento Europeu (PE).Há a possibilidade de um grande crescimento dos eurocéticos e dos extremos... Ainda não ultrapassámos a crise. Isso torna o momento perigoso. Momentos difíceis propiciam movimentos populistas e radicais. Acredito que as duas grandes famílias no PE, populares e socialistas, vão ter um bom resultado e manterão a importância que têm tido. Nos extremos deve ver-se o crescimento de radicais de direita e de esquerda. Mas o elemento mais importante nestas eleições é que pela primeira vez os eleitores conhecem o nome de dois potenciais candidatos à presidência da Comissão Europeia (CE) – Martin Schulz e Jean-Claude PERFIL BENITA FERRERO-WALDNER › Nasceu em setembro de 1948 › Licenciada em Direito › MNE da Áustria (2000-2004) e comissária europeia (2004-2010). › Responsável pelas Relações Externas e Política de Vizinhança da UE, Benita Ferrero-Waldner desempenhara funções em sucessivos governos austríacos desde 1995. Foi diplomata na ONU, onde trabalhou com Boutros-Ghali nos anos 1990. Após concluir os estudos, esteve ligada ao sector privado. Preside à Fundação UE-LAC. É casada e não tem filhos. Juncker. Pela primeira vez está-se a votar, de certa forma, num nome e num rosto e defendo que no futuro se deve avançar para uma campanha eleitoral mais longa e que os candidatos à CE devem visitar todos os países, como nas presidenciais dos Estados Unidos.... Visitar os 28 Estados membros? Nos EUA, os candidatos vão a 50 estados. Deve haver também debates diretos entre os candidatos, por exemplo, nas televisões. Fazer uma verdadeira campanha. Assiste-se a nova escalada de tensões na Ucrânia e parece repetir-se o modelo visto na Crimeia. O que pode fazer a União Europeia? A Rússia foi demasiado longe, mas não se deve perder de vista a importância do diálogo com Moscovo, que leve a um compromisso de que há limites que não serão ultrapassados por Moscovo. Há uma interdependência económica muito grande e se passarmos a sanções mais importantes isso não deixará de afetar a economia russa, muito dependente do petróleo e do gás, mas terá igualmente repercussões na economia europeia. Mas o Kremlin sabe que, e isso está já a acontecer, a economia russa será a mais afetada. No final, a Rússia não é assim tão forte que consiga passar incólume pelo efeito das sanções [da UE e dos EUA]. O Presidente venezuelano, Nicolás Maduro, e os representantes da coligação que reúne todos os partidos da oposição, a Mesa de Unidade Democrática (MUD), estiveram ontem reunidos num encontro exploratório para definir os moldes em que vai decorrer o diálogo que visa encontrar uma solução para a crise que vive o país. As negociações decorrem com o apoio dos chefes da diplomacia da União das Nações Sul-Americanas (Unasur). “Aceitamos a proposta dos chefes da diplomacia de realizar uma reunião exploratória de forma a negociar as condições para um encontro público de diálogo”, afirmou o secretário-geral da MUD, Ramón Guillermo Aveledo. Em representação da oposição estiveram ainda Henri Falcón, governador do estado de Lara, e Omar Barboza, líder do partido Um Novo Tempo. Horas antes, a oposição tinha feito uma série de exigências defendendo, como condições prévias à reunião, a existência da garantia de um “diálogo verdadeiro, com uma agenda clara, em igualdade de condições, e com um primeiro encontro a ser transmitido ao vivo na estação pública de rádio e televisão”. Segundo Guillermo Aveledo, os chefes da diplomacia sul-americanos informaram a oposição, após uma reunião com Maduro, de que este estava aberto aos seus “pontos de agenda” e tornaria públicos quais eram os seus. O Governo, segundo o secretário-geral da MUD, aceita “a presença de um terceiro ou terceiros de boa fé, escolhidos de mútuo acordo”, acrescentou. Essa terceira parte poderá ser o Vaticano. O chefe da diplomacia do Equador, Ricardo Patiño, disse que a eventual presença de um representante da Santa Sé nas negociações era um dos temas a discutir na reunião preparatória. “Sentimos que há avanços, condições para empreender em breve um diálogo entre o Governo e os representantes da MUD, o que é muito positivo, porque vai gerar um ambiente de tranquilidade e paz na Venezuela”, afirmou Patiño à Telesur. O ministro equatoriano recordou que há oito semanas que o Governo de Maduro está a apelar ao diálogo e que agora a MUD aceitou participar nesse diálogo. A oposição recusava fazê-lo até agora, alegando que não havia condições por causa da “forte repressão” dos protestos que levam diariamente milhares de venezuelanos para as ruas. As manifestações contra a insegurança, a inflação e a escassez começaram no início de fevereiro e a violência que por vezes as rodeia já causou a morte a pelo menos 39 pessoas. Há ainda 192 detidas. S.S. REUTERS/CARLOS GARCIA RAWLINS Polícia dispara gás lacrimogéneo contra manifestante em Caracas ENTREVISTA AO ‘THE GUARDIAN’ EUA querem “pôr as mãos no petróleo” › O Presidente Nicolás Maduro acusou os EUA de incentivarem os protestos na Venezuela para desencadear um “golpe suave” como aconteceu na Ucrânia e “pôr as mãos no petróleo venezuelano”. A acusação foi feita em entrevista ao jornal britânico The Guardian. Maduro disse ainda que na Venezuela “não há problemas de liberdades civis, liberdades políticas, liberdades públicas”. Há sim “um plano para derrubar o Governo”. Segundo o Presidente, “foi montada uma espécie de cenário para vender ao mundo que há um suposto movimento estudantil, reprimido por um Governo autoritário”. Maduro diz que a Venezuela é o país “onde os ricos protestam e os pobres celebram a sua felicidade social”.