A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DO
PRAZO PARA IMPETRAÇÃO DO
MANDADO DE SEGURANÇA
Daniel Roberto Hertel1
RESUMO
Trata da inconstitucionalidade do prazo decadencial para impetração
do mandado de segurança e da Súmula nº 632 do STF. Aborda, primeiramente, o efeito do tempo em relação aos direitos, diferenciando os prazos de prescrição e decadência e sua respectiva relevância.
Em seguida, trata do prazo para impetração do mandamus. Primeiramente, destaca a sua previsão legal para, após, analisar a sua natureza jurídica. Todas as correntes sobre a natureza jurídica do prazo para impetração são analisadas, inclinando-se pela orientação
que o considera como decadencial. Analisa, em seguida, de modo
meticuloso, a (in)constitucionalidade do prazo para impetração, concluindo, ao final, de maneira circunstanciada.
PALAVRAS-CHAVE: Mandado de segurança. Prazo. Inconstitucionalidade.
ABSTRACT
Treats of the inconstitutionality of the period decadencial for
impetration the injunction and of the decision 632-STF. Approaches,
firstly, the effect of the time in relation to the rights, differentiating
1
Mestre em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais pela FDV; pós-graduado em
Direito Público e Direito Processual Civil pela Faculdade Cândido Mendes; professor universitário; professor da Escola advocacia do Estado do Espírito Santo e advogado militante.
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the prescription periods and decadence and her respective relevance.
Soon afterwards, treats of the period for impetration of the
mandamus. Firstly, it detaches her legal forecast for, after, to analyze
her juridical nature. All the currents on the juridical nature of the
period for impetration are analyzed, leaning for the orientation that
considers as decadencial. Analyzes, soon afterwards, in a meticulous
way, the constitutionality (in) of the period for impetration.
KEYWORDS: Writ of mandamus.Term. Unconstitutional.
1
INTRODUÇÃO
O
Direito é um instrumento de controle social. Na verdade, a
relação entre a sociedade e o fenômeno jurídico é de mútua
dependência: onde há sociedade, há Direito e vice-versa – ubi societas
ibi jus, nisi societas nec jus. Direito e sociedade, portanto, são fenômenos indissociáveis e interconexos. Isso decorre, quiçá, da função reguladora que o Direito exerce na sociedade.
Se analisado sob o prisma ontológico, o Direito constitui-se em
um instrumento social. Como tal, não poderia deixar de absorver as
aspirações e anseios daqueles para os quais ele foi estabelecido. Como
fenômeno cultural, não é regido por leis naturais, mas sim por leis
criadas pelo próprio homem de acordo com as suas necessidades. E
ao homem, ou melhor, à sociedade não interessa que os conflitos
entre as pessoas sejam eternizados. Muito pelo contrário: o que se
busca é exatamente a rápida solução dos estorvos para que a paz
social seja restabelecida da maneira mais simples e célere possível.
O decurso dos anos, assim, por não interessar à sociedade, não
pode ser desprezado pelo Direito. Como dito, este é um instrumento
que está a serviço daquela. Como fenômeno conexo às relações sociais, o Direito encampa essas diretrizes por meio de dois institutos: a
prescrição e a decadência. Regra geral, portanto, os direitos e as
ações2 apresentam prazos extintivos.
2
Não se ignora que a ação é um direito. De qualquer forma, a ação não se confunde com
o direito material. Na verdade, a ação é o direito de provocar a manifestação da atividade jurisdicional para que esta se pronuncie acerca da lide deduzida; é, portanto, um
direito que instrumentaliza a realização de um outro direito.
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O mandado de segurança, garantia constitucional prevista no
art. 5º, LXIX, da CF/88, também possui um prazo para o seu exercício. Esse prazo, contudo, não está previsto no texto constitucional,
mas sim na legislação infraconstitucional. A Lei nº. 1.533/51 estabelece
que o prazo para impetração do mandado de segurança é de 120 dias.
O que se pretende neste estudo é analisar e problematizar algumas questões que decorrem do prazo para impetração do mandado
de segurança. Para tanto, destacou-se, num primeiro momento, o
efeito do tempo em relação aos direitos, abordando-se os institutos
da prescrição e da decadência. Em seguida, o prazo para impetração
do mandado de segurança foi analisado, destacando-se a sua natureza jurídica, assim como a (in)constitucionalidade da sua previsão.
Concedeu-se, outrossim, especial enfoque para a recente Súmula do
STF: a de número 632, que reafirmou a orientação dominante daquele Tribunal, estabelecendo que é “[...] constitucional lei que fixa o
prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança”.
2
EFEITO DO TEMPO EM RELAÇÃO AOS DIREITOS
O tempo exerce notável influência na composição dos conflitos
sociais. O passar dos anos pode mesmo sedimentar determinado
desfecho para um estorvo. À sociedade não interessa que os conflitos sejam eternizados, pois eles criam instabilidades. Por isso, a solução de um conflito deve ser buscada em tempo razoável, sob pena de
o próprio tempo apresentá-la.
Assim, se ao direito material compete a criação dos direitos objetivos, que
se investem da pretensão e da ação na medida em que são subjetivados,
ao direito material compete igualmente enumerar as causas da respectiva
extinção, dentre elas as que decorrem da inatividade do titular durante
um certo lapso de tempo [...] (CAHALI, 1979, p. 5).
A extinção de um direito pelo decurso de um prazo justifica-se
tanto pelo critério da segurança jurídica como pela necessidade de
pacificação social. Ademais, a inexistência de prazos extintivos, tanto
do direito material como da ação, implicaria a submissão eterna de
um dos envolvidos no conflito de interesses em relação ao outro. Os
males da perpetuidade são ressaltados pela doutrina: “Em decorrên131
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cia dessa perpetuidade, a parte adversa, contra a qual prevaleceria a
ação imprescritível, teria de ficar à disposição daquele titular, para
sempre, o que seria a implantação do caos” (ZENUN, 1993, p. 3).
Outro aspecto que destaca a importância do tempo para a solução dos conflitos está relacionado com as provas. É de extrema dificuldade a manutenção de provas por lapsos temporais longos. A
extinção do direito ou da ação pelo decurso de um prazo (pela da
prescrição ou da decadência) afasta o encargo dos interessados quanto à guarda das provas por períodos indefinidos.
Sendo reconhecida por todas as legislações a impossibilidade de se conservarem provas indefinidamente, há um limite de tempo, além do qual
desaparece a obrigatoriedade de se resguardarem até mesmo as provas
por escrito - e não podem ter outra sorte as provas testemunhais, facilmente perecíveis diante dos mais variados fatores, as quais se apagam
facilmente da memória (ZENUN, 1993, p. 3).
2.1 A prescrição e a decadência
O vocábulo prescrição significa literalmente um escrito posto
antes (prae-scriptio) (MONTEIRO, 1997, p. 292). Prescrição pode
ser conceituada como a perda da ação3 atribuída a um direito e de
toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso dela,
durante um determinado prazo (BEVILAQUA apud RODRIGUES
1998, p. 318). A prescrição, assim, extingue o direito de ação e não
o direito material subjacente.4
De outro lado, pode-se conceituar a decadência como a perda
do direito material. Na decadência, o direito é outorgado para ser
exercido dentro de determinado prazo; não o sendo, extinguir-se-á.
3
4
É bem verdade que, tecnicamente, não é possível que o direito de ação seja perdido. A
ação, como direito público, subjetivo, abstrato e autônomo, constitui-se em meio de
provocação do Judiciário. Será sempre procedente, uma vez que o seu fim é retirar da
inércia a atividade jurisdicional. Ainda que haja prescrição ou decadência, o direito de
ação não restará perdido. Por outras palavras: ainda que exista a possibilidade de reconhecimento da prescrição ou da decadência, será possível que o jurisdicionado se utilize do
direito de provocar a atividade jurisdicional, mediante propositura de uma ação.
Pereira (2002, p. 435), contudo, entende que a prescrição é o modo pelo qual se extingue
um direito (não apenas a ação) pela inércia do titular durante certo lapso de tempo.
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O direito de ação, assim, apenas indiretamente é perdido. Na doutrina, pode-se encontrar a seguinte conceituação da decadência: “Instituto de direito material que supõe a extinção do direito potestativo
e por via indireta também da ação judicial tendente à modificação
de um estado jurídico contrário ao direito, pelo seu não exercício no
prazo constante da lei ou do contrato” (VALÉRIO, 1999, p. 73).
2.1.1 Critérios distintivos
A dificuldade em se encontrar critérios seguros para diferenciar
a prescrição da decadência é ressaltada por quase toda a doutrina.
Na verdade, há inúmeras teorias que procuraram estabelecer as distinções entre a prescrição e a decadência. Até mesmo hoje, não se
pode dizer que há uma teoria, ou um critério seguro para distinguir
os dois institutos. Como lembra Guimarães (1980, p. 1): “O problema da fundamentação dogmática da diferença entre prescrição e
decadência continua em aberto, não tendo a maioria da doutrina
chegado a um acordo a respeito da solução a lhe ser dada”.
De qualquer sorte, há alguns critérios que são clássicos quanto à
diferenciação entre prescrição e decadência. O critério que foi dominante durante muito tempo é aquele que sustenta que a prescrição
ocorre em relação à ação, enquanto a decadência se dá em relação ao
direito. Nesse sentido, podem-se trazer à ribalta os seguintes escólios:
Segundo a doutrina dominante no Brasil, o elemento diferenciador reside
no campo de incidência de cada um dos institutos: a prescrição atinge
diretamente a ação e por via oblíqua faz desaparecer o direito por ela
tutelado; a decadência, ao inverso, atinge diretamente o direito e por via
oblíqua, ou reflexa, extingue a ação.(CAHALI, 1979, p. 12) 5
Câmara Leal, que influenciou a doutrina majoritária no Brasil, diz que
segue o critério da escola alemã, a qual firma o entendimento de que a
prescrição extingue diretamente as ações e indiretamente o direito e a deca5
Deve-se ressaltar que esse critério é admitido no Direito Civil. No Direito Penal, a
orientação prevalecente é diametralmente contrária. Com efeito, nessa seara do Direito,
decadência é a perda do direito de ação, enquanto a prescrição é a perda do direito
material. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte: “Conceito de decadência - é a perda
do direito de ação do ofendido em face do decurso do tempo”; “Conceito de prescrição
- é a perda da pretensão punitiva ou executória do Estado pelo decurso do tempo sem
o seu exercício” (JESUS, 1999, p. 292 e 313).
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dência extingue diretamente o direito e indiretamente a ação. Seria a decadência a causa imediata da extinção de direitos e a prescrição ao contrário,
opera neles tão só de forma mediata e indireta (VALÉRIO, 1999, p. 54).
Essa teoria, contudo, não resistiu às críticas que lhe foram
endereçadas por parte daqueles que defendem a teoria autonomista
da ação. Com efeito, ainda que haja decorrido o prazo de prescrição,
será possível a utilização da ação, já que esta representa um meio de
provocação da atividade jurisdicional. Assim, mesmo estando prescrita a ação, será possível que o jurisdicionado a utilize, tendo em vista
que, modernamente, a ação é considerada como um instrumento por
meio do qual se retira da inércia o órgão jurisdicional. Nesse sentido:
Demais disso colocam erroneamente a ação como objeto da prescrição e
não especificam quais os direitos atingidos pela decadência. A concepção de que o direito de ação fenece juntamente com o direito material, não
se coaduna com o moderno direito processual. Depois dos estudos de
Wach e Degenkolb, a ação não pode mais ser considerada como um mero
tegumento protetor do direito privado, ou simples reação deste, quando
violado. Segundo a doutrina hoje dominante, a ação é o direito de movimentar a máquina jurisdicional do Estado, em face de um caso concreto
(ERTHAL, apud CAHALI, 1979, p. 13).
Para evitar essa incongruência, o legislador do novo código civil
adotou conceituação diversa para a prescrição.6 Esta, na verdade,
deixou de ser conceituada como a perda do direito de ação,7 para
ser considerada como a perda da pretensão. Com efeito, o art. 189
do CC/02 reza o seguinte: “Violado o direito, nasce para o titular a
pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que alu-
6
7
O legislador do CC/16 não adotou expressamente nenhuma distinção entre prescrição e
decadência. No texto da lei revogada, havia menção apenas à prescrição. Os prazos de
decadência, contudo, eram identificados a partir de critérios dogmáticos e jurisprudenciais.
Nesse sentido: “O Código Civil não fala em decadência ou caducidade de direitos, só se
referindo à prescrição; mas, é unânime a doutrina e torrencial a jurisprudência, no admitir que vários dos casos disciplinados no Código Civil sob aquela rubrica são de caducidade” (RODRIGUES, 1998, p. 323).
Registre-se que o direito de ação poderá ser perdido somente pela perempção, prevista
no art. 268, parágrafo único do CPC. De qualquer forma, mesmo nesse caso, tecnicamente será possível que o direito de ação, isto é, o direito de provocação da atividade
jurisdicional, seja exercido, embora com o reconhecimento posterior da perempção.
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dem os arts. 205 e 206”. Nesse mesmo sentido, inclusive, pode-se
colacionar o seguinte: “[...] Para evitar a discussão sobre se ação prescreve, ou não, adotou-se a tese da prescrição da pretensão, por ser
considerada a mais condizente com o Direito Processual contemporâneo” (GONÇALVES, 2003, p. 464). 8
Outro critério distintivo da prescrição e da decadência é o legal.
Na verdade, por esse critério, a própria lei definirá se o prazo é de
prescrição ou de decadência. Esse, inclusive, foi o critério adotado
pelo legislador do novo código civil, que optou por esclarecer qual a
natureza do respectivo prazo extintivo.
Para distinguir prescrição de decadência, o atual Código Civil optou por
uma fórmula que espanca qualquer dúvida. Prazos de prescrição são, apenas e exclusivamente, os taxativamente discriminados na Parte Geral, nos
arts. 205 (regra geral) e 206 (regras especiais), sendo de decadência todos os
demais, estabelecidos como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral como na especial [...] (GONÇALVES, 2003, p. 464).
Por fim, cabe fazer menção ao chamado critério científico de
distinção entre prescrição e decadência de Agnelo Amorim Filho
(1997, p. 736), também relativamente difundido na doutrina. Tal
teoria parte da distinção entre direitos subjetivos e potestativos, assim como da classificação das ações em condenatórias, constitutivas
e declaratórias. Para o mencionado autor, são sujeitas à prescrição
somente as ações condenatórias, por meio das quais se pretende o
cumprimento por parte do requerido de uma determinada prestação. A ação condenatória é uma forma de exercício de uma pretensão.9 E o instituto da prescrição refere-se exatamente à extinção de
uma determinada pretensão; 10 por outras palavras: refere-se à
extinção do direito de exigir uma determinada prestação.
8
9
10
Essa orientação do legislador do CC/02, inclusive, justifica a natureza decadencial do
prazo do mandado de segurança, previsto no art. 18 da Lei nº. 1.533/51. Com efeito,
escoado o prazo para a impetração do mandamus, não se perde a pretensão, a qual poderá
ser exercida em outra via processual. Perde-se apenas o direito de impetração do mandado
de segurança, mas não a pretensão. Tal prazo, portanto, é de natureza decadencial.
Pretensão é a exigência de subordinação de um interesse de outrem ao próprio (SANTOS, 1998, p. 9)
O legislador do CC/02 encampou esse entendimento ao estabelecer no art. 189 que “[...]
violado o direito, nasce par ao titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição [...]”.
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De outro lado, a decadência está relacionada com o exercício
dos chamados direitos potestativos. Nessa classe de direitos, não há
uma prestação a ser exigida de outra pessoa, ou seja, não há uma
pretensão a ser deduzida. Quando há um prazo fixado em lei para o
exercício do direito potestativo, esse será de decadência; quando não
houver, o direito será imprescritível. Os direitos potestativos são exercidos por de ações de natureza constitutiva (positiva ou negativa).
Logo, essa classe de ações pode apresentar ou não prazo de decadência, dependendo de expressa previsão legal. Destaque-se, ainda,
que as ações de natureza declaratória são imprescritíveis, pois visam
à obtenção de certeza, não estando sujeitas a quaisquer tipos de prazos. Sobre o exposto, pode-se colacionar o seguinte:
A afirmação de que a prescrição extingue a ação e a decadência extingue
o direito é insuficiente para distinguir os dois institutos. A demonstração
feita por Agnelo Amorim Filho deve ser acolhida para o sistema do CPC,
como o foi, expressamente, pelo CDC 26 e 27 e pelo novo CC (L 10406/02)
(arts. 189 a 211). Por esse critério, somente as pretensões exercitáveis por
meio de ação condenatória é que estariam sujeitas, sempre, à prescrição,
porque somente os direitos à prestação é que podem ser violados [...]. Os
direitos potestativos, isto é, aqueles que podem ser exercidos independentemente de haverem sido lesados, são exercitáveis em juízo por meio
de ação constitutiva (positiva ou negativa). Quando a lei estabelecer prazo expresso para o exercício da pretensão constitutiva, esse prazo é de
decadência. Quanto as pretensões constitutivas sem prazo de exercício
previsto em lei, bem como quanto às pretensões declaratórias, não existe
possibilidade de se extinguirem, razão pela qual se fala que são
imprescritíveis [...] (NERY JÚNIOR, 2003, p. 640).
Consigne-se, por fim, que o prazo decadencial, quando existente,
inicia o seu curso juntamente com o nascimento do direito potestativo.
De outro lado, o prazo prescricional somente inicia o seu curso com a
violação do direito subjetivo, quando, então, nasce a pretensão.
2.1.2 Relevância da distinção
A relevância da distinção entre a prescrição e a decadência é digna
de nota. Na verdade, embora prescrição e decadência sejam manifestações do tempo em relação aos direitos, os seus regimes são, de certa
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forma, diferenciados. Isso destaca a importância em se distinguir, com
precisão, os prazos que são de decadência dos que são de prescrição.
Na verdade, os prazos de prescrição não podem ser alterados
pelas partes, consoante o disposto no art. 192 do CC/02, enquanto os
de decadência podem ser convencionados pelas partes, como se
dessume do art. 211 do citado codex. Assim, a decadência pode ser
legal ou convencional, enquanto a prescrição somente pode ser legal.
Os prazos de prescrição apresentam causas de impedimento, suspensão e interrupção.11 A decadência, por outro lado, salvo expressa disposição legal em contrário, não se suspende e nem se interrompe. A
existência de prescrição não poderá ser reconhecida ex officio, salvo se
favorecer a absolutamente incapaz, nos termos do art. 19412 do CC/
02. A decadência, a seu turno, poderá ser reconhecida de ofício pelo
magistrado de acordo com o disposto no art. 210 do citado codex.
Nota-se, assim, a relevância do exato reconhecimento da natureza do prazo de extinção de um determinado direito. Nesse particular, desponta a importância da caracterização ontológica do prazo de extinção do mandado de segurança previsto no art. 18 da LMS.
3
O PRAZO PARA IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE
SEGURANÇA
3.1 A regra do Art. 18 da Lei nº. 1.533/51
A Lei nº. 1.533/51 preceitua, em seu art. 18, o seguinte: “O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos
120 dias, contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”.
Assim, a lei, encampando os efeitos do tempo sobre os direitos, estabelece um prazo-limite para impetração do mandamus. Esse prazo
de 120 dias para impetração do mandado de segurança, embora
não previsto no texto da Constituição Federal de 1988, já constava
11
12
As causas de impedimento do prazo prescricional obstam o início deste; as de suspensão
implicam a paralisação do prazo e, quando reiniciado, implicam o respectivo cômputo do
lapso temporal já transcorrido. De acordo com o novo código civil, art. 202, a suspensão da
prescrição somente poderá ocorrer uma única vez; por fim, as causas de interrupção do prazo
prescricional resultam no reinício do prazo por inteiro (art. 202, parágrafo único do CC/02).
A Lei 1.280, revogou o art. 194 do Código Civil.
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do art. 3º da Lei nº. 191, de 16 de janeiro de 1936,13 assim como do
art. 331, do CPC de 1939.14 Dessa Forma, a Lei nº. 1.533/51 apenas
repetiu um prazo que estava previsto nas leis anteriores que trataram do mandado de segurança.
3.2 Natureza jurídica do prazo
A primeira questão a ser indagada sobre o prazo para impetração do mandado de segurança refere-se à sua natureza jurídica.
Na verdade, a compreensão ontológica desse prazo apresenta profusa relevância, tendo em vista que os regimes da decadência e
prescrição são diferenciados.
A adequada identificação da natureza desse prazo, contudo, é relevante,
na medida em que, se concluir que se trata de prazo de natureza
decadencial, aplicar-se-ão ao mesmo as regras próprias desse instituto,
entre as quais a não-possibilidade de suspensão ou de interrupção, uma
vez deflagrado (ALVIM, 1998, p. 111).
A lei de mandado de segurança, no art. 18, faz menção à
“extinção” do direito de requerer mandado de segurança. Na doutrina, encontram-se diversas orientações sobre a natureza jurídica
desse prazo. Daí a relevância das considerações desenvolvidas na
primeira parte deste estudo.
Pontes de Miranda (apud BUZAID, 1989, p. 155), por exemplo,
considera que o prazo para impetração do mandado de segurança é
de preclusão.15 O prazo estaria relacionado não com a perda do
direito de exercício da pretensão, mas sim com a perda do exercício
dessa pretensão por uma ação especial.
13
14
15
O citado preceito tinha o seguinte texto: “O direito de requerer mandado de segurança
extingue-se depois de cento e vinte dias contados da ciência do ato impugnado”.
Era o seguinte o texto da lei revogada: “O direito de requerer mandado de segurança
extinguir-se-á depois de cento e vinte dias contados da ciência do ato impugnado”.
No mesmo sentido, considerando, pelo menos em parte, que o prazo para propositura
do mandamus é preclusão, pode-se citar o seguinte: “O prazo preclusivo para impetração
do mandado de segurança foi sempre, e continua sendo, o de cento e vinte dias [...]”
(CRETELLA JUNIOR, 1999. p. 286).
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Autores há, como Pontes de Miranda, que falam em prazo preclusivo,
denominação que nos parece inadequada, dado que a preclusão não diz
respeito à ‘existência ou inexistência de um direito subjetivo, mas sim, às
faculdades e aos poderes processuais, embutidos nos ônus que lhes sejam respectivos’ (ALVIM, 1998, p. 112).
O equívoco da orientação de Pontes de Miranda é evidente. Na
verdade, os prazos preclusivos estão relacionados com o procedimento e a relação processual. Por outras palavras: só se deve falar em
preclusão quando houver um processo inaugurado. No caso do mandado de segurança, não há ainda um processo inaugurado, o que
permite concluir que o prazo para sua impetração não é preclusivo.
A preclusão, como bem salienta Arruda Alvim, é verdadeiramente imanente
à teoria dos prazos, porque é ela que permite a superação contínua dos diversos estágios procedimentais. Ora, se o transcurso do prazo de 120 (cento e
vinte) dias inibe a utilização do mandado de segurança, é anterior ao processo, não tem sentido qualificá-lo de prazo preclusivo (ALVIM, 1998, p. 112).
Outra orientação encontrada na doutrina é no sentido de que o
prazo para impetração do mandado de segurança é simplesmente
um prazo extintivo. Essa orientação pugna pela existência de um
direito à propositura do mandamus, o qual estaria sujeito a um prazo
extintivo. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
O prazo para impetrar mandado de segurança não é prazo preclusivo, porque ele não se verifica no curso do processo, tampouco é de prescrição ou de
decadência, porque não fere mortalmente o direito material, que remanesce
imprejudicado, podendo ser pleiteado por via ordinária. O prazo é extintivo
de uma faculdade pelo seu não exercício dentro de cento e vinte dias, contados da ciência do ato a ser impugnado. Não se justifica, pois, recorrer aos
conceitos de prescrição, de decadência e de preclusão, para explicar a natureza
do prazo, quando a própria lei subministra a idéia correta, que é a de extinção
do direito de requerer mandado de segurança (BUZAID, 1989, p. 159-160).
[...] A doutrina, em geral, atribui ao prazo em referência o caráter de prazo
decadencial. Mais adequado se nos afigura, no entanto, a classificação
que lhe dá o Prof. ALFREDO BUZAID, ao concebê-lo como simples prazo
extintivo, atento à circunstância de que o decurso desse lapso de tempo
não impede o interessado de deduzir a pretensão pelas vias ordinárias
(MEDIDA, 2003, p. 152).
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Essa orientação é minoritária na doutrina. Na verdade, não se
justifica recorrer a uma terceira categoria jurídica – tertium genus –
para analisar a natureza jurídica do prazo para impetração do mandado de segurança. A expressão prazo extintivo é vaga e imprecisa;
além disso, a prescrição, a decadência e a preclusão,16 por si sós, já
correspondem a prazos extintivos. Registre-se, ademais, que considerar o prazo para impetração do mandamus como extintivo não
elucida qual o regime que deverá ser aplicado – se de decadência ou
de prescrição. E tal reconhecimento, como já visto, é por demais relevante, tendo em vista a diversidade de regimes dos institutos.
Há que se analisar, por fim, a possibilidade de o prazo para
impetração do mandado de segurança ser de natureza prescricional
ou decadencial. A rigor, a verificação da natureza jurídica desse prazo dependerá do conceito que for adotado para os institutos da prescrição e da decadência. Se se considerar que a prescrição é a perda
do direito de ação e a decadência a perda do direito material, o prazo do art. 18 da LMS deverá ser considerado de prescrição, tendo
em vista que, com o decurso do prazo, não se perde o direito material,17 mas sim a ação de mandado de segurança.
Contudo, esse último critério não se afina com a moderna concepção de prescrição e decadência e nem mesmo com os preceptivos
do novo Código Civil. Os prazos de prescrição, na verdade, implicam
a perda da pretensão e não da ação. Nesse sentido, inclusive, pode-se
destacar novamente o texto do 189 do CC/02 que reza o seguinte:
“Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue,
pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206”.
Assim, não havendo perda da pretensão com o decurso do prazo do mandado de segurança, não há que se falar em prazo
16
17
Refiro-me, aqui, especificamente, à preclusão temporal. A preclusão, contudo, pode ser
temporal, lógica ou consumativa. A primeira ocorre pelo decurso de um prazo para a
prática de determinado ato; a segunda decorre da prática de um ato incompatível com
outro; e, por fim, a terceira relaciona-se com a prática em si do ato.
Tal se dá em virtude do disposto no art. 15 da LMS, in verbis: “A decisão do mandado
de segurança não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos
e os respectivos efeitos patrimoniais. Há quem recorra, inclusive, à classificação do
prazo do mandado de segurança como extintivo para justificar a possibilidade de
utilização das vias ordinárias no caso de decurso do prazo de impetração”. Nesse
sentido: MEDINA, 2003, p. 152.
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A (in) constitucionalidade do prazo para impetração do mandado de segurança
prescricional, mas sim em prazo decadencial. Ressalte-se, ainda, que
o que se perde com o decurso do prazo é o direito de impetrar o
mandado de segurança; e não o direito de ação, já que a via ordinária estará aberta para eventual análise da pretensão.18 Nesse sentido, inclusive, pode-se colacionar o seguinte:
Doutrina e jurisprudência não hesitam em reconhecer neste um prazo
decadencial e não meramente prescricional. Trata-se de prazo cuja consumação acarreta a perda de um direito. Aqui se trata da perda do direito
de impetrar o mandado de segurança (BUENO, 2002, p. 144).
O prazo para impetrar mandado de segurança é de cento e vinte dias, a
contar da data em que o interessado tiver conhecimento oficial do ato a
ser impugnado. Este prazo é de decadência do direito à impetração, e,
como tal, não se suspende nem se interrompe desde que iniciado
(MEIRELLES, 2000, p. 50).
prazo assentou-se, na doutrina e na jurisprudência, como de decadência. Há opiniões no sentido de que é de prescrição. Sendo de decadência,
iniciado não se interrompe, nem se suspende (VELLOSO, 1986, p. 62).
3.3 Termo inicial
O prazo para impetração do mandado de segurança, como visto, é de 120 dias, por força do art. 18 da LMS. Trata-se de prazo de
natureza decadencial, não havendo, portanto, possibilidade de suspensão ou interrupção no seu curso. Conta-se, de acordo com a regra prevista no art. 184 do CPC, excluindo-se o dia do começo e
incluindo-se o do final (BARBI, 2000, p. 136). Cumpre, agora, analisar o termo inicial de fluência do citado prazo. É necessário, nesse
passo, distinguir-se três situações possíveis: a) mandados de segurança impetrados contra atos positivos; b) mandados de segurança
impetrados contra atos omissivos; c) por fim, mandados de segurança preventivos (BUENO, 2002, p. 146).
18
O que se perde, na verdade, com o decurso do prazo de 120 dias da LMS, é o interesse
adequação para propositura do mandado de segurança. Isso não significa dizer que a
pretensão não possa ser analisada em outras vias processuais, em sede de ação de rito
comum, por exemplo. A via estreita do mandamus, contudo, uma vez decorrido o prazo
legal, deixa de ser adequada para análise da pretensão.
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DANIEL ROBERTO HERTEL
No primeiro caso, o prazo para impetração do mandado de segurança passa a fluir desde o dia em que o impetrante tenha ciência
do ato com sua força executiva. Deve-se ressaltar que a lei de mandado de segurança, em seu art. 18, exige a ciência do ato.19 Não
basta considerar-se, apenas, a sua executoriedade. Nesse sentido,
pode-se trazer à baila o seguinte escólio:
[...] Não basta, embora haja julgados nesse sentido, que o ato tenha força
executória (o que, de resto, é ínsito a qualquer ato regido pelo direito público) para que tenha início a contagem do prazo decadencial. Necessário - e
fundamental - que o impetrante tenha ciência da força executória do ato, o
que se impõe, até mesmo, por força do princípio da publicidade a que se
refere o caput do art. 37 da Constituição Federal. Caso contrário, o prazo
referido no art. 18 da Lei 1533/51 estaria sendo reduzido, o que é inadmissível, até porque se trata de norma restritiva de direito (BUENO, 2002, p. 146).
No segundo caso, isto é, nas hipóteses de omissão do agente
público, não há prazo para impetração do mandamus. Na verdade,
não sendo perpetrado o ato ilegal, não se pode iniciar o cômputo do
prazo para a sua impugnação. É bem verdade que, havendo um
prazo legal para realização do ato, decorrido este, o prazo para a
propositura do writ se iniciará. Nesse sentido, pode-se citar o seguinte:
Quando a lei fixar prazo para a autoridade praticar o ato e a realização
deste não depender de pedido do interessado, devendo ser praticado ex
officio, o prazo para o requerimento do mandado começará a correr do
dia em que terminar aquele prazo fixado na lei, pois aí começará o ato
lesivo (BARBI, 2000, p. 137).
Por fim, a terceira hipótese refere-se ao mandado de segurança preventivo. Nesses casos, também não há possibilidade de fluência de prazo decadencial. Como o writ será impetrado antes da
realização de um determinado ato, não há como haver transcurso
do prazo decadencial.
19
Registre-se que essa ciência poderá ser obtida até mesmo por consulta aos autos, com a
respectiva aposição do ciente. Nesse sentido: ALVIM, 1998, p. 119.
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A (in) constitucionalidade do prazo para impetração do mandado de segurança
3.4 A (in)constitucionalidade do prazo
O mandado de segurança, como visto, apresenta prazo
decadencial de 120 dias, por força do art. 18 da Lei nº. 1.533/51.
Contudo, essa previsão quanto ao prazo inexiste no texto da Constituição Federal que ao dispor sobre o mandado de segurança no art.
5º, LXIX, assim o fez:
Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável
pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Nota-se que, embora inexistindo qualquer restrição quanto ao
prazo para sua impetração, o legislador ordinário optou por restringir o exercício da garantia constitucional do mandamus ao prazo de
120 dias. Indaga-se, então, sobre a constitucionalidade,20 isto é, sobre a recepção dessa limitação ao exercício do writ pelo texto constitucional vigente. Na doutrina, realmente, encontram-se orientações
tanto no sentido da inconstitucionalidade do preceptivo, como no
sentido da sua constitucionalidade.
Defendem, por exemplo, a inconstitucionalidade do prazo de 120
dias para impetração do mandado de segurança: Alfredo Guimarães
Chaves, Cândido de Oliveira Neto, João Oliveira Filho e Sampaio Dória,
como lembra o professor Sérgio Ferraz (1993, p. 98-99). O argumento
central dessa orientação oscila em torno do fato de que a Constituição
Federal, ao prever o mandado de segurança, não restringiu o seu exer-
20
Desde já, registre-se que não se trata, tecnicamente, de investigar a constitucionalidade
ou não do dispositivo. Na verdade, sendo a Lei nº. 1.533/51 anterior à Constituição
Federal de 1988 não há sentido em perquirir-se a sua compatibilidade com esta. Com
efeito, à época de sua edição, inexistia o texto constitucional vigente, pelo que não há que
se falar em inconstitucionalidade. Deveras, o fenômeno que está sendo investigado é o da
recepção ou não da norma. Nesse sentido, inclusive, pode-se citar o seguinte: “Como
ensinado por Paulo Brossard, ´é por esta singelíssima razão que as leis anteriores à
Constituição não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio a ter existência
mais tarde. Se entre ambas houver inconciliabilidade, ocorrerá revogação, dado que a lei
posterior revoga a lei anterior com ela incompatível, e a lei constitucional, como lei que é,
revoga as leis anteriores que se lhe oponham” (MORAES, 2002. p. 612).
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cício ao decurso de qualquer prazo. Assim, não poderia o legislador
ordinário fazê-lo, tendo em vista, inclusive, que o mandado de segurança é uma garantia constitucional, robustecida pela condição de
cláusula pétrea.21 Nesse sentido, pode-se colacionar o seguinte:
Tais autores, em síntese muito apertada, entendem que o mandado de
segurança, enquanto garantia constitucional, não pode ser empecido por
lei infraconstitucional, como é o caso do art. 18 da Lei 1533/51. No caso,
a fixação de prazo, para a utilização dessa garantia constitucional, levaria a um atrofiamento do instituto, desnaturando o que concebera o legislador constituinte (ALVIM, 1998, p. 114).
A previsão de um prazo para exercício da garantia constitucional do mandado de segurança, portanto, para esses autores, estaria
em dissonância em relação ao texto da Constituição Federal, não
sendo recepcionada por esta. Na doutrina, essa orientação não é
isolada, havendo considerável número de autores que se inclinam
por ela. É o que se dessume dos seguintes escólios:
Esse writ foi encartado na Lei Magna com pressupostos estritos e claros,
com vistas à realização de objetivos também claros e estritos. Como admitir, cientificamente, que uma garantia dessa magnitude possa ser ignorada pelo decurso de um prazo criado em lei ordinária, sem qualquer indicação constitucional a ele conducente? (FERRAZ, 1993, p. 99).
A LMS 18 é inconstitucional. O MS, sendo ação constitucional, tem seus
requisitos e limites estabelecidos apenas no texto constitucional (CF 5º,
LXIX e LXX), que não remeteu seu regime jurídico à lei federal. Ao legislador ordinário é reservado somente o poder regulamentar, fixando contornos procedimentais para seu exercício. Não pode cria requisitos e limites
não previstos na CF. A norma sob comentário, porque restringe o exercício de direito fundamental previsto na CF, é inconstitucional. O impetrante
pode impetrar MS mesmo depois de passado o prazo mencionado na
LMS 18 (NERY JÚNIOR, 2003, p. 1605).
A questão que se põe, no entanto, é que a Constituição Federal
não limitou temporalmente a possibilidade de exercício do mandado
21
As cláusulas pétreas constituem um núcleo imutável da Constituição Federal, estando
previstas no art. 60, § 4º.
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A (in) constitucionalidade do prazo para impetração do mandado de segurança
de segurança. Muito pelo contrário. Embora tenha fixado uns tantos
pressupostos e requisitos para sua impetração, quedou-se silente
quanto a seu exercício vincular-se ou poder vincular-se a um prazo
certo. Para o sistema de 1988, o prazo de 120 dias limita, minimiza,
impõe condição que o texto constitucional não prevê e não autoriza.
Daí sua inconstitucionalidade patente (BUENO, 2002, p. 143).
James Marins, ao aludir ao prazo do art. 18 da Lei nº. 1.533/
51, afirma peremptoriamente: “Aqui, claramente, a lei extrapola
os muros técnicos de sua competência em face da Constituição”
(ALVIM, 1998, p. 114).
Creio que chegou o tempo de se rever essa questão, que parece
que ficou pacífica na jurisprudência, quando o Supremo anunciou a
Súmula nº. 430, a respeito da decadência. Hoje nós, os juízes, temos
reconhecido a decadência com tranqüilidade, mas acho que é em
momentos como este que devemos suscitar as discussões. Acho que
devíamos voltar a discutir o tema. Realmente, não sei por que se
entendeu de fixar esse prazo.
No que me toca, nunca suscitei o problema da inconstitucionalidade, apesar de ter dúvidas a respeito dele. Mas quem sabe, reexaminando esse tema, juristas de porte poderiam sensibilizar os Tribunais, prestar obséquio à Constituição e tornar inócua essa disposição
que, na verdade, tem, no segundo plano, uma ação que não deve ser
encarada tão-só sob o ponto de vista processual. É muito mais do
que isso. É remédio de Direito Constitucional. É garantia constitucional (VELLOSO, 1986, p. 64).
Registre-se que, como garantia constitucional, isto é, como um
instrumento constitucional de defesa do cidadão em frente às arbitrariedades do Estado, o mandado de segurança, de fato, não poderia ter o seu exercício limitado no tempo. Na verdade, a interpretação do texto constitucional deve ser no sentido de maximizar as garantias constitucionais. Ora, não havendo previsão no texto constitucional quanto à existência de prazo decadencial, não poderia, efetivamente, o legislador infraconstitucional estabelecê-la.
Estranhamente, em relação ao habeas corpus, também garantia
constitucional, não há qualquer limitação de prazo. Dir-se-á que tal
se dá em decorrência do fato de que o habeas corpus tutela o direito
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de liberdade. Mas tal argumento não deve prosperar, tendo em vista
que o mandado de segurança, de uma forma ou de outra, também
tutela o direito de liberdade; não se trata, contudo, do direito de
liberdade de locomoção, mas sim daquilo que se pode considerar
como uma liberdade pública, ou seja, um direito de liberdade em
frente às arbitrariedades do Estado.
Admitir-se a possibilidade de prazo decadencial para o mandado de segurança e não admiti-lo para o habeas corpus é contra-senso demasiado. Na verdade, como ambos os writs são garantias constitucionais, isto é, são ações com assento na Constituição Federal,
não podem ser limitados pelo legislador infraconstitucional. Nesse
sentido, pode-se citar o seguinte: nada há de estranhável em que o
mandado de segurança não esteja sujeito a prazos de impetração:
tal é o que sempre aconteceu com o habeas corpus e, já agora, também com o habeas data, sem falar na ação direta de inconstitucionalidade (FERRAZ, 1993, p. 101).
Há forte orientação em sentido contrário,22 pugnando pela constitucionalidade da limitação do prazo para impetração do mandamus.
Nesse sentido, pode-se colacionar o seguinte:
[...] temos que o legislador infraconstitucional, ao editar a regra insculpida
no art. 18 da Lei 1533/51, não fez senão disciplinar o instituto, dentro dos
contornos da regra constitucional, não ofendendo o Texto Maior. [...] Contudo ninguém nega, em nome desse direito fundamental, ao legislador
ordinário o direito de ação. Não se vê, com o devido respeito àqueles que
ao contrário pensam, diferença ontológica entre a fixação de prazo
prescricional pelo legislador ordinário e a fixação de prazo extintivo de
120 (cento e vinte) dias, pelo art. 18 da Lei 1533/51 (ALVIM, 1998, p. 117).
Data venia em relação àqueles que defendem essa tese, mas
há diferença sim entre a fixação de prazo para exercício da ação
de mandado de segurança e de outras ações. Na verdade, o
mandamus tem previsão constitucional específica, o que o difere
22
A tese da constitucionalidade do prazo decadencial do mandado de segurança é a
dominante no Supremo Tribunal Federal, como se dessume da recente Súmula nº 632,
que será analisada adiante.
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A (in) constitucionalidade do prazo para impetração do mandado de segurança
das demais ações. Ademais, há ações não previstas expressamente23 na Constituição Federal que são imprescritíveis,24 ou seja, que
não têm prazo estabelecido para sua propositura. Considerar-se,
portanto, que o mandamus não pode ser imprescritível seria verdadeiro contra-senso. Nesse sentido:
[...] Dir-se-á que ao Congresso é permitido, mediante leis processuais,
estabelecer prazos de decadência e prazos de prescrição. Em linha de
princípio, concordo com a objeção. Tenho minhas dúvidas, entretanto,
quando se trata de uma ação constitucional, como é o caso do mandado
de segurança, remédio constitucional, garantia constitucional [...] O prazo mencionado é, na verdade, arbitrário. Fixado, na doutrina e na jurisprudência, o conceito de direito líquido e certo que autoriza o ajuizamento
do writ - incontroversos os fatos ou provados estes documentalmente, é
possível o aforamento da segurança - o prazo de 120 dias não se justifica.
Figuremos um exemplo que demonstra que esse prazo é arbitrário: o indivíduo pode comprovar, de plano, os fatores que dariam nascimento ao
seu direito. Impetra, então, o mandado de segurança, fazendo-o no 125º
dia. Reconhecendo a decadência, o juiz vai mandá-lo para as vias ordinárias. Na via ordinária, entretanto, vai-se repetir tudo o que se fez, já que
nem haveria necessidade de audiência, pois seria caso de julgamento
antecipado da lide (CPC, art. 330, I). O absurdo desmerece o princípio da
economia processual, que domina todo processo.25
Ademais, não se deve olvidar que, sendo encartado no texto constitucional, o mandado de segurança tem objetivos claros e específicos.
Não é admissível, pois, que uma garantia constitucional dessa magnitude possa ser ignorada pelo decurso de um prazo criado em lei ordinária, sem qualquer indicação constitucional (FERRAZ, 1993, p. 100).
Por fim, nem se argumente que o mandado de segurança, uma
vez decorrido o seu prazo decadencial, não impede a utilização da
via ordinária para defesa do direito subjetivo. Na verdade, a
celeridade insita do mandamus, assim como a ausência de qualquer
limitação constitucional temporal quanto ao seu exercício obstam
23
24
25
Diz-se “especificamente”, pois, na verdade, todas as ações têm previsão constitucional
no art. 5º, XXXV, da CF/88.
Basta citar a ação reivindicatória, o habeas corpus, a ação de investigação de paternidade etc.
Voto do Exmo. Sr. Dr. Ministro do STF Carlos Velloso em agravo regimental interposto
no mandado de segurança n.º 21356-6-RJ.
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o argumento legitimador da constitucionalidade do prazo
decadencial estabelecido pelo legislador infraconstitucional. É oportuno, ainda, colacionar o que segue:
Doutra parte (e ainda com Sidou), que o prazo legal seja, in casu, apenas
simples disciplina do ‘modo, o processo, a forma de defender esse direito,
que tanto pode ser a via privilegiada, como outros caminhos judiciais
mais lentos’, nada mais inexato. E assim não é: I - a uma, porque ser
apenas simples disciplina processual não se compatibiliza com a natureza extintiva do prazo sob exame, como consagrado no prefalado art. 18;
II - a duas, porque o mandado de segurança não é apenas uma via judicial
privilegiada de defender direitos. Ele é em si um direito fundamental,
uma garantia tutelar básica (FERRAZ, 1993, p. 100).
3.4.1 A nova Súmula nº 632 do STF
A despeito de respeitável setor da doutrina sustentar a inconstitucionalidade do prazo para impetração do mandado de segurança, o STF, acolhendo o entendimento dominante,26 editou recentemente a Súmula nº 632, para consignar que “[...] é constitucional lei
que fixa o prazo de decadência para impetração de mandado de
segurança”. Considerou-se, assim, que o prazo previsto no art. 18,
da Lei nº. 1.533/51, foi recepcionado pelo texto constitucional.
A Súmula, da forma como foi redigida, permite que o legislador
ordinário estabeleça qualquer prazo para impetração do mandado
de segurança. Na verdade, ela não fez qualquer menção específica
ao prazo de 120 dias. Apenas destacou que é constitucional a lei que
fixa prazo para a impetração do mandado de segurança. Assim, à
luz da Súmula, poderá o prazo ser alterado pelo legislador
infraconstitucional, até mesmo para ser reduzido.
26
É bem verdade que a corrente doutrinária que sustenta a inconstitucionalidade do prazo
vem recebendo grande número de adeptos. Nesse sentido, é oportuno colacionar o seguinte: “E, não obstante afirmar-se sempre majoritária a linha doutrinária pela validade
da limitação temporal, bem como não obstante o predominante silêncio dos tribunais
quanto ao assunto (silêncio esse que, objetivamente, importa em acatamento ao prazo),
a realidade é que se vêm acumulando, ano a ano, as vozes doutorais irresignadas com
o cerceamento, no tempo, do ajuizamento da ação de segurança” (FERRAZ, 1993, p. 98).
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A (in) constitucionalidade do prazo para impetração do mandado de segurança
4
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tempo exerce notável influência no Direito. Na verdade, constitui-se em um meio de solidificação de soluções de conflitos sociais. A
prescrição e a decadência são institutos que refletem a manifestação do
tempo no Direito. A diferença entre prescrição e decadência é de suma
importância, uma vez que os regimes dos institutos são diferenciados.
Há ações e direitos, contudo, que não apresentam qualquer espécie de
prazo para exercício. De qualquer forma, a exceção não infirma a regra.
O mandado de segurança, nesse contexto, apresenta prazo decadencial para sua impetração de 120 dias, por forca da legislação
infraconstitucional. Contudo, o constituinte não estabeleceu qualquer restrição temporal quanto ao seu exercício. Daí alguns autores,
como visto, sustentarem a inconstitucionalidade, ou seja, a não recepção dessa limitação estabelecida pelo legislador ordinário.
Não resta dúvidas de que a interpretação de dispositivos constitucionais que estabelecem garantias deve ser maximizada. O mandado de segurança, nesse contexto, não deve ter o seu exercício limitado no tempo, uma vez que se destina, mormente, à tutela do cidadão em frente às arbitrariedades do Estado. Mecanismos de limitação do poder, efetivamente, não podem ser limitados, restringidos,
até mesmo pela sua previsão constitucional.
De qualquer sorte, o Supremo Tribunal Federal entendeu por
bem sumular que a lei que estabelece prazo de decadência para
impetração do mandado de segurança não é inconstitucional. Nesse
particular, a Excelsa Corte, a quem compete dar a última palavra
sobre o texto constitucional, minimizou um instrumento de defesa e
de limitação de poder da mais alta relevância.
Em tempos de abuso quanto à edição de medidas provisórias; de
reiteradas ilegalidades e atos de improbidade por parte de agentes
públicos, de crise da Jurisdição, quanto à sua efetividade, eficacidade
e celeridade, não parece ser razoável e oportuno limitar o exercício, no
tempo, de um instrumento da envergadura e preeminência do mandado de segurança. Como lembra Amir José Sarti (FERRAZ, 1993, p.
101), de nada valeria erigir um instrumento jurídico à magnitude de
garantia constitucional se uma simples lei ordinária tivesse o poder de
fulminá-lo, literalmente, pelo decurso de um lapso temporal.
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DANIEL ROBERTO HERTEL
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(in) constitucionalidade do prazo para impetração do mandado de