Primeira Seção MANDADO DE SEGURANÇA N. 15.334-DF (2010/0096959-0) Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha Impetrante: Célio de Souza Lima Advogado: Manoel Zeferino de Magalhães Neto Impetrado: Comandante do Exército Impetrado: Chefe do Departamento Geral do Pessoal Interessado: União EMENTA Mandado de segurança. Sargento do exército. Movimentação. Interesse da administração. Motivação insatisfatória. Elementos dos autos e informações favoráveis ao deferimento da ordem. – Ao Poder Judiciário, na sua atividade jurisdicional, não cabe ingressar no reexame do juízo de conveniência, oportunidade e discricionariedade da administração pública, aí incluída a administração militar em relação ao controle das movimentações dos servidores públicos militares. – Hipótese em que, entretanto, o ato coator está assentado em motivação genérica – “interesse da administração militar” –, que não satisfaz, no presente caso, o requisito da motivação e que, por isso, não tem força suficiente para se contrapor às informações prestadas pela própria administração militar, nos autos do processo administrativo, as quais convergem no sentido de se anular o ato de movimentação do servidor militar por absoluta necessidade do serviço. Mandado de segurança concedido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Teori Albino Zavascki. Brasília (DF), 22 de junho de 2011 (data do julgamento). Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator DJe 05.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Mandado de segurança impetrado por Célio de Souza Lima, apontando como autoridades coatoras o Comandante do Exército e o Chefe do Departamento-Geral do Pessoal, buscando anular o “ato administrativo que transferiu o autor para a guarnição do Rio de Janeiro-RJ”. A em. Ministra Eliana Calmon, à época relatora, indeferiu a liminar assim: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar inaudita altera parte, impetrado por Célio de Souza Lima, contra ato do Comandante do Exército e do Chefe do Departamento Geral de Pessoal, consubstanciado no indeferimento do pedido de reconsideração da decisão que determinou sua transferência ex officio. Alega o impetrante ter pleiteado a anulação de sua transferência para a Companhia do Comando da 1ª Região Militar do Rio de Janeiro, sendo o pedido de reconsideração indeferido, em 22 de fevereiro de 2010, pelo Chefe do Departamento Geral de Pessoal, ao argumento de não se enquadrar a hipótese em nenhuma das situações autorizadoras do art. 10 das IG 01-02, verbis: Art. 10. A anulação ou a retificação de uma movimentação somente pode ser efetuada caso ocorra uma das situações abaixo, a qual deve constar do ato: I - por ordem do Comandante do Exército; II - por absoluta necessidade do serviço; III - por motivo de saúde do militar ou de seu dependente; e IV - por inconveniência ou incompatibilidade de o militar servir na OM ou na guarnição de destino. Argumenta que o decisum fere direito líquido e certo na medida em que o próprio Comandante do 41º Bl Mtz de Jataí-GO foi claro ao expressar a “absoluta 88 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO necessidade de serviço” para a permanência do militar no Batalhão, fato que autorizaria a retificação ou anulação de sua transferência. Sustenta o autor ter recorrido administrativamente, dirigido-se ao impetrado, Comandante do Exército, pugnando pela anulação do ato de movimentação do autor do 41º Bl Mtz de Jataí-GO, sendo, mais uma vez, indeferido o pedido. Informa ter pedido lhe fosse fornecida cópia integral dos autos administrativos, NUP n. 64103.000003/2001-58 e n. 64103.000007/2010-36, obtendo apenas acesso ao primeiro procedimento, o qual traz a decisão que aponta a absoluta necessidade de serviço para sua permanência do impetrante em Jataí-GO. Entendendo presentes os pressupostos autorizadores da tutela de urgência, o fumus boni iuris, consubstanciado pelo direito exposto, e o periculum in mora, traduzido pela necessidade de retorno do impetrante o mais breve possível para desempenhar suas funções na em Jataí-GO, pede a concessão da medida liminar. Decido: A concessão da medida liminar exige demonstração do periculum in mora, que se traduz na urgência da prestação jurisdicional, bem como a caracterização do fumus boni iuris, ou seja, consistente na plausibilidade do direito alegado, de forma concomitante. Tendo em vista a existência de ato que, por si só, seria suficiente para retificar ou anular a decisão de transferência do autor, tem-se, em tese, o fumus boni iuris. Entretanto, pelo que dos autos consta, o impetrante já se encontra transferido para a Companhia do Comando da 1ª Região Militar do Rio de Janeiro, pois pugnou o seu retorno à cidade de Jataí-GO, inexistindo, neste ponto, o perigo da demora, uma vez ter o ato coator se consumado plenamente. Não demonstrada a existência de periculum in mora, inexistindo a urgência pleiteada, indefiro a liminar requerida. Solicitem-se as informações de estilo às autoridades coatoras. Que as informações sejam instruídas com cópia do Processo Administrativo NUP n. 64103.000007/2010-36, não fornecida ao impetrante. Após, ouça-se o MPF. Intimem-se. As informações foram prestadas (fls. 84-145), e o Dr. Wallace de Oliveira Bastos, Subprocurador-Geral da República, opinou pela concessão da segurança (fls. 155-160). É o relatório. RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 89 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA VOTO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): O impetrante, 1º Sargento do Exército, irresigna-se por ter sido transferido, ex officio, do 41º Batalhão de Infantaria Motorizado (41º BI Mtz), em Jataí-GO, para a Companhia de Comando da 1ª Região Militar (Cia. Cmdo 1º RM), no Rio de Janeiro-RJ. A referida movimentação consta do Aditamento da DCEM 3E ao Boletim do DGP n. 076, de 23.12.2009 (fl. 42). O pedido de reconsideração formulado pelo impetrante foi indeferido pelo Chefe do Departamento-Geral do Pessoal, tendo em vista que o pleito do requerente não se enquadraria em nenhuma das situações autorizadas no art. 10 das IG 10-02 (fl. 39). Nas informações prestadas, afirmam as autoridades apontadas como coatoras, com base na legislação em vigor, (i) que o militar, após cumprir o tempo mínimo de permanência em “GU Esp”, poderá ser movimentado, de acordo com o interesse do serviço e a critério do “O Mov” (fl. 86); (ii) que as movimentações, em geral, visam, “prioritariamente, ao preenchimento de cargos e funções previstos no Quadro de Cargos Previstos (QCP), que estabelece todas as especialidades exigidas para o desempenho do cargo, no intuito de assegurar a existência do efetivo necessário à eficiência operativa e administrativa das Organizações Militares, podendo ser atendidos interesses individuais, quando for possível conciliá-los com as exigências do serviço” (fl. 86); (iii) que “quanto à existência de claros no Quadro de Cargos Previstos (QCP) do 41º BIMtz ( Jatái-GO), saliente-se que a decisão de seu preenchimento, ou não, é da competência exclusiva da Alta Administração de Pessoal do Exército, decorrente, dentre outras razões da eficiência administrativa e operacional e do percentual do efetivo que deva existir em cada OM, considerando-se sempre os interesses maiores da Instituição, com suas reais necessidades, conduzindo-os sem qualquer sentido de particularização, no contexto do cumprimento de uma Política de Pessoal determinada pelo Comandante da Força Terrestre”; (iv) que, “no caso concreto, o interesse público envolve justamente a segurança nacional, haja vista a questão relacionar-se com os serviços prestados pelas Forças Armadas, a quem compete determinar como se dará a distribuição de seu contingente, levandose em conta a necessidade e as condições de cada região” (fl. 90); (v) que, na linha da jurisprudência desta Corte, “mostra-se inviável o controle do juízo de conveniência e oportunidade da Administração na hipóteses de transferência de militares, sob pena de ofensa ao princípio da tripartição dos poderes” (fl. 90). 90 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Cita o RMS n. 13.151-PR, publicado em 10.12.2007, Sexta Turma, da relatoria da em. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. Extraio do Despacho Decisório n. 078/2010, de 06.05.2010, do Comandante do Exército, que, in verbis: 3. No mérito: [...] – segundo o Regulamente de Movimentação para Oficiais e Praças do Exército (R-50), aprovado com o Decreto n. 2.040, de 21 Out 1996, movimentação é a “denominação genérica do ato administrativo realizado para atender às necessidades do serviço, com vista a assegurar a presença do efetivo necessário à eficiência operacional e administrativa das OM”; – por intermédio da movimentação, a Administração Militar busca o equilíbrio na distribuição do efetivo entre as diversas Organizações Militares (OM) da Força Terrestre e, ao mesmo tempo, proporciona ao militar vivência nacional, atributo de suma importância na vida castrense; – portanto, é da própria natureza e especificidades da profissão militar, a sujeição a movimentações para qualquer parte do País e até mesmo para o exterior; tal previsão consta no art. 2º do R-50, aprovado com o Decreto n. 2.040, de 1996, que prevê, ainda, a possibilidade de serem atendidos interesses individuais, quando for possível conciliá-los com as exigências do serviço; – nesse contexto, tendo o recorrente permanecido por mais de 16 (dezesseis) anos na guarnição de jataí, o Órgão Movimentador, observados os requisitos de habilitação militar necessários para o exercício do cargo, o efetivo previsto para a OM e, principalmente, o interesse do serviço, realizou o ato de transferência do militar; – quanto aos problemas de saúde na família, não há no processo inequívoca de que tais problemas sejam impeditivos para a concretização da movimentação; ademais, pelo que se infere da documentação carreada aos autos, o sogro do recorrente nem mesmo é seu dependente, consoante o preconizado na Lei n. 6.880, de 09 Dez 1980 (Estatuto dos Militares); – os argumentos relativos às situações labora do cônjuge do recorrente e discente de sua filha, também não o socorrem, porquanto não configuram situações que impossibilitem a transferência, tampouco afastam a submissão ao regramento militar pertinente, no caso, às normas que regulamentam a movimentação dos militares; (fls. 97-98). Efetivamente, não discordo do entendimento de que ao Poder Judiciário, na sua atividade jurisdicional, descabe ingressar no reexame do juízo de conveniência, oportunidade e discricionariedade da administração pública, aí RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 91 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA incluída a administração militar em relação ao controle das movimentações dos servidores públicos militares. Aqui, entretanto, verifico que a movimentação impugnada esbarra na legalidade. De fato, as Instruções Gerais para Movimentação de Oficiais e Praças do Exército – IG 10-02 (aprovada pela Portaria do Comandante do Exército n. 325, de 06.07.2000), juntadas às fls. 25-37, dispõem: Art. 2º Cabe ao Estado-Maior do Exército (EME) estabelecer as prioridades para completamento de claros das diversas Organizações Militares (OM) do Exército. Art. 3º Cabe ao Departamento-Geral do Pessoal (DGP) fixar os percentuais de efetivos, dentro de cada prioridade, em função das disponibilidades de recursos humanos. [...] Art. 10. A anulação ou a retificação de uma movimentação somente pode ser efetuada caso ocorra uma das situações abaixo, a qual deve constar do ato: I - por ordem do Comandante do Exército; II - por absoluta necessidade do serviço; III - por motivo de saúde do militar ou de seu dependente; e IV - por inconveniência ou incompatibilidade de o militar servir na OM ou na guarnição de destino. Já o Comandante do 41º Batalhão de Infantaria Motorizado, no processo administrativo respectivo, manifestou-se pela permanência do impetrante no referido batalhão por flagrante interesse do serviço e da administração militar, apresentando a seguinte motivação: a. O referido militar foi indicado por esta OM e nomeado pela 11ª Região Militar para frequentar o estágio de Identificador de Corpo de Tropa no corrente ano, a fim de compor a Equipe de Identificação desta Organização Militar, conforme determinação contida na Portaria n. 133-DGP de 10 Jun 2008, tendo concluído-o com aproveitamento e considerado apto para o exercício das funções correspondentes, as quais passou a exercer efetivamente após a designação feita pela 11ª Região Militar, publicada no Boletim Regional n. 37, de 17 de setembro de 2009 e transcrita no Boletim Interno n. 189, de 15 de outubro de 2009, do 41º BI Mtz (documento anexo); [...] e. Tendo em vista a necessidade de composição/manutenção da equipe habilitada para o exercício das funções de Identificação de Corpo de Tropa nesta 92 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO OM, verifica-se que a permanência do referido sargento neste Batalhão atenderá, substancialmente, ao aprimoramento constante da eficiência da Instituição, pois já desempenha a função de Identificador de Corto de Tropa e também, em razão da absoluta necessidade do serviço e da imprescindibilidade e confiabilidade exigidas, pois desenvolve a coleta e lançamento dos dados no EBCorp (Banco de Dados Corporativos do Exército Brasileiro); f. Em que pese a necessidade do serviço demonstrada acima, o referido sargento foi inicialmente movimentado para a 20ª Companhia de Comunicações Paraquedista (Rio de Janeiro-RJ), conforme publicado no Adt da DCEM 3 Q ao Boletim do DGP n. 064, de 11 de novembro de 2009. g. Em face dessa movimentação, foi interposto requerimento de reconsideração de ato ao Senhor Chefe do Departamento-Geral do Pessoal, o qual proferiu decisão revogando a respectiva transferência (Aditamento 3D ao Boletim DGP n. 074, de 16 de dezembro de 2009), com fundamento nos motivos alegados na informação deste Comando, determinando inclusive que o sargento deveria permanecer na sua OM (41ª BI Mtz), “na condição de adido como se efetivo fosse, aguardando abertura de claro/vaga, em caráter excepcional, atendendo aos motivos contidos na Informação n. 27-S1.3, de 18 de novembro de 2009, desta OM”. h. Posteriormente a essa anulação de transferência, o sargento em tela foi novamente movimentado para a Guarnição do Rio de Janeiro (Companhia de Comando da 1ª Região Militar – Rio de Janeiro-RJ), conforme Adt da DCEM 3E ao Boletim do DGP n. 076, de 23 de dezembro de 2009, tendo o Interessado ingressado com requerimento de reconsideração de ato dirigido ao Senhor Chefe do Departamento-Geral do Pessoal. i. Os motivos que levaram ao ingresso de novo requerimento de reconsideração de ato de movimentação de ato de movimentação foram os mesmos que fundamentaram a primeira anulação de movimentação do 41º BI Mtz à 20ª Cia. Com Pqdt (Informação n. 27-S1.3, de 18 de novembro de 2009, desta OM e exposição de motivos), porém, nesse novo requerimento os motivos elencados na informação (reproduzem os mesmos da primeira informação já citada) não foram alvo de apreciação, conforme se verifica na decisão publicada no Adt 5E - DCEM ao Boletim do DGP n. 014, de 22 de fevereiro de 2010, tendo sido analisados apenas os motivos constantes na exposição feita pelo militar, os quais levaram ao indeferimento do pedido de reconsideração de ato. k. Por fim, importa ressaltar que caso seja deferida a revogação da respectiva movimentação, além de atender ao principal motivo deste requerimento (absoluta necessidade do serviço), a permanência do militar nesta OM atenderá aos interesses particulares da família, na medida em que sua esposa, por ser filha única, presta auxílio direto aos pais, os quais possuem idade avançada. 3. Despacho Há coerência entre o requerido e a legislação vigente. Não há inconveniência para o serviço. Encaminhe-se (fls. 126-128). RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 93 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Sem dúvida, diante do texto acima, que acabo de ler, a situação concreta impõe a concessão da ordem, sem que isso implique reexaminar a conveniência, a oportunidade e a discricionariedade. É que as decisões da autoridades apontadas como coatoras estão baseadas na alegação genérica de “interesse da administração militar”, sem mencionar quaisquer argumentos, particularidades, ou situações específicas que justifiquem a efetiva necessidade de movimentação do impetrante para a Companhia de Comando da 1ª Região Militar (Cia. Cmdo 1º RM), no Rio de Janeiro-RJ. Em outras palavras, a tese genérica de “interesse da administração militar” não satisfaz, no presente caso, o requisito da motivação e, por isso, não tem força suficiente para se contrapor à manifestação do Comandante do 41º Batalhão de Infantaria Motorizado, que, diversamente, está assentada em argumentos concretos, em fatos, em informações reveladores da real necessidade de serviço para o retorno do impetrante ao 41º BI Mtz. Com isso, encontra-se presente a hipótese prevista no art. 10, inciso II, das Instruções Gerais para Movimentação de Oficiais e Praças do Exército – IG 10-02, segundo a qual a anulação ou a retificação de uma movimentação pode ser efetuada “por absoluta necessidade do serviço”. Ante o exposto, concedo a ordem para anular a movimentação do impetrante para a Companhia de Comando da 1ª Região Militar (Cia. Cmdo 1º RM), no Rio de Janeiro-RJ. MANDADO DE SEGURANÇA N. 15.434-DF (2010/0112746-3) Relator: Ministro Cesar Asfor Rocha Impetrante: Rosendo Rodrigues Baptista Neto Advogado: Deise Mendroni Menezes e outro(s) Impetrado: Ministro de Estado da Justiça Interessado: União EMENTA Mandado de segurança. Administrativo. Processo Administrativo Disciplinar. Comissão Designada Superintendente Regional. Legalidade. Ausência de prejuízo. 94 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO – É legal a delegação de competência ao Superintendente Regional da Polícia Federal para designar membros de comissão disciplinar. Precedentes. – Só se declara a nulidade do processo administrativo disciplinar por vícios meramente formais quando for evidente o prejuízo à defesa, o que não ocorreu no caso. Segurança denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves votaram com o Sr. Ministro Relator. Impedido o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Brasília (DF), 14 de setembro de 2011 (data do julgamento). Ministro Cesar Asfor Rocha, Relator DJe 23.09.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha: Mandado de Segurança preventivo, com pedido liminar, impetrado por Rosendo Rodrigues Baptista Neto contra ato supostamente ilegal a ser praticado pelo Ministro de Estado da Justiça. Diz o impetrante ocupar o cargo de policial federal e, submetido a processo administrativo disciplinar, apoiado em inquérito policial e ação penal pública, foi indiciado por falta disciplinar grave, consistente no fato de ter supostamente “se afastado do serviço por força de atestados médicos para trabalhar como segurança de pessoa de maus antecedentes criminais e que, anteriormente, havia sido presa por tráfico de drogas, recebido pagamentos periódicos da RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 95 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA referida pessoa, viajado ao exterior às suas expensas e auxiliado no transporte e introdução no país de valores, sem os registros legais, em evidente esquema de lavagem de dinheiro, condutas que, em tese, configuram as transgressões disciplinares tipificadas nos incisos VII, VIII, IX, XXVII, XLVIII e LIII do artigo 43 da Lei n. 4.878, de 03.12.1965” (fl. 02). Esclarece que, “subindo os autos a e. Corregedoria-Geral, em Brasília, sobreveio o Parecer n. 93/2010-CODIS/COGER/DPF, acompanhando o relatório opinativo da Comissão, o Despacho n. 240/2010-CODIS/COGER/ DPF aprovando-o e o Despacho n. 51.079/2010 – COGER-DPF, onde após a aprovação do despacho da CODIS, determinou a remessa dos autos ao Ministro da Justiça para decisão, tendo em vista penalidade punível com demissão (doc. 11-13)” (fl. 03). Alega nulidade absoluta do processo administrativo disciplinar aos argumentos, em síntese, de que a designação da comissão processante teria se dado após o fato, o que seria ilegal, e de que foi feita por agente incompetente. A medida liminar foi indeferida em 23 de julho de 2010 pelo Ministro Hamilton Carvalhido, no exercício da Presidência, por falta do fumus boni iuris e por confundir-se o pedido com o mérito da própria impetração. O Ministro de Estado da Justiça prestou informações em 12.08.2010 (fls. 301-472), defendendo a validade do processo administrativo disciplinar. O Ministério Público Federal, pelo parecer de fls. 475-480, opina pela denegação da ordem. É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Cesar Asfor Rocha (Relator): Tenho que a ordem deve ser denegada. Segundo o impetrante, a nulidade do procedimento administrativo decorreria de vício na designação da comissão processante, que teria sido esta criada com o objetivo específico de apurar o fato e constituída por agente incompetente. Em relação à incompetência do agente, a impetração não tem amparo na jurisprudência firmada pela egrégia Terceira Seção desta Corte, que entende 96 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO ser legal a delegação de competência ao Superintendente Regional da Polícia Federal para designar membros de comissão disciplinar. Confiram-se os seguintes precedentes: Mandado de segurança preventivo. Servidor público civil. Agente de polícia federal. Comissão permanente de disciplina. Designação. Processo Administrativo Disciplinar. Instauração. Competência. Superintendente Regional da Polícia Federal. Legalidade. Delegacia regional. Transformação. Superintendência Regional. Art. 53 da Lei n. 4.878/1965 c.c. art. 5º do Decreto n. 70.665/1972. Reinquirição de testemunha. Indeferimento. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Segurança denegada. I – O Superintendente Regional de Polícia Federal tem competência para designar os membros de comissão permanente de disciplina, bem como determinar a abertura de procedimento administrativo disciplinar, no âmbito da respectiva Superintendência. II – Interpretação do artigo 53 da Lei n. 4.878/1965 em conformidade com as novas denominações atribuídas aos órgãos e cargos que compõem a estrutura do Departamento de Polícia Federal, a partir da edição do Decreto n. 70.665/1972. III - É legal a delegação de competência atribuída ao Superintendente Regional para a designação dos membros integrantes das Comissões de Disciplina, contida no artigo 38, inciso XII, do Regimento Interno do Departamento de Polícia Federal, aprovado pela Portaria n. 1.825/2006, do em. Ministro de Estado da Justiça, por revelar típico ato de desconcentração administrativa. [...] Ordem denegada (MS n. 14.401-DF, Ministro Felix Fischer, DJe de 23.03.2010). Mandado de segurança preventivo. Agentes da polícia federal. Processo Administrativo Disciplinar. Superintendente Regional do Departamento de Polícia Federal. Designação dos membros da comissão processante. Possibilidade. Comissão temporária. Inobservância do art. 53, § 1º, da Lei n. 4.878/1965. Nulidade. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do MS n. 14.401-DF, firmou entendimento no sentido de ser legal a delegação de competência atribuída ao Superintendente Regional para a designação dos membros integrantes das Comissões de Disciplina. [...] 3. Segurança parcialmente concedida (MS n. 14.310-DF, Ministro Og Fernades, DJe de 10.09.2010). Tal orientação, no meu entender, deve ser mantida por esta Primeira Seção. RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 97 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Em relação à designação da comissão processante após o fato, também improsperável a pretensão de reconhecimento de nulidade. O impetrante alega, no ponto, que houve ofensa ao princípio do juiz natural (Constituição Federal, art. 5º, incisos XXXVII e LIII), isso porque, “em que pese a portaria de constituição da Quinta Comissão denominá-la como ‘permanente’, o fato é que veio ela a ser instalada para apuração apenas da referida ‘operação império’, posto que encerrados os trabalhos foi a comissão destituída” (fl. 14). Ocorre que, reconhecida a competência da comissão processante pelos fundamentos já aduzidos, não há violação das garantias constitucionais relativas ao processamento por autoridade competente (CF, art. 5º, inciso LIII) e à proibição de juízos ou Tribunais de exceção (CF, art. 5º, inciso XXXVII). Além disso, as razões deduzidas no writ não apontam nenhum prejuízo efetivo advindo da designação da comissão processante posterior à defesa do servidor indiciado, pelo que se aplica, à espécie, o princípio “pas de nullité sans grief”. Com efeito, na esteira dos precedentes desta Corte, só se declara a nulidade do processo administrativo disciplinar por vícios meramente formais quando for evidente o prejuízo à defesa, o que não ocorreu no caso. Confira-se, entre tantos julgados, recente acórdão da Segunda Turma: Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Servidor público. Nulidades do PAD. Ausência de comprovação de prejuízo à defesa. Corrupção. Comprovação. Pena de demissão. Proporcionalidade com os fatos apurados. Segurança denegada. [...] 3. Ademais, o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento segundo o qual somente se declara nulidade de processo administrativo quando for evidente o prejuízo à defesa, o que não ocorreu no caso. 4. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido (RMS n. 32.536PE, Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 13.04.2011). Faço consignar, por fim, que, em memorial, a União informou que a demissão do impetrante consta da Portaria n. 3.064, de 24.09.2010, DOU de 27.09.2010, do Ministro de Estado da Justiça, o que tornaria sem objeto o presente mandado de segurança preventivo. Prejudicado, contudo, tal argumento, em razão da orientação firmada no REsp n. 817.846-MG, que cito entre outros. Diante disso, voto pela denegação da ordem. 98 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO VOTO O Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: 1. Senhor Presidente, nao vou divergir da maioria desta Seção. Vou só ressaltar meu ponto de vista, acompanhar o voto do eminente Relator e frisar que, em 09 de setembro do ano passado, sob minha relatoria, a douta Quinta Turma decidiu no sentido do meu voto, que agora ressalvo. 2. Acompanho o voto do Senhor Ministro Relator, ressalvando meu ponto de vista quanto a essa orientação. RECURSO ESPECIAL N. 1.213.082-PR (2010/0177630-8) Relator: Ministro Mauro Campbell Marques Recorrente: Fazenda Nacional Advogado: Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional Recorrido: Beneficiamento Santo André Ltda. Advogado: Pedro Henrique Igino Borges e outro(s) EMENTA Processual Civil. Tributário. Recurso Especial Representativo da Controvérsia (art. 543-C, do CPC). Art. 535, do CPC, ausência de violação. Compensação de ofício prevista no art. 73, da Lei n. 9.430/1996 e no art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986. Concordância tácita e retenção de valor a ser restituído ou ressarcido pela Secretaria da Receita Federal. Legalidade do art. 6º e parágrafos do Decreto n. 2.138/1997. Ilegalidade do procedimento apenas quando o crédito tributário a ser liquidado se encontrar com exigibilidade suspensa (art. 151, do CTN). 1. Não macula o art. 535, do CPC, o acórdão da Corte de Origem suficientemente fundamentado. 2. O art. 6º e parágrafos, do Decreto n. 2.138/1997, bem como as instruções normativas da Secretaria da Receita Federal que regulamentam a compensação de ofício no âmbito da Administração RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 99 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Tributária Federal (arts. 6º, 8º e 12, da IN SRF n. 21/1997; art. 24, da IN SRF n. 210/2002; art. 34, da IN SRF n. 460/2004; art. 34, da IN SRF n. 600/2005; e art. 49, da IN SRF n. 900/2008), extrapolaram o art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, tanto em sua redação original quanto na redação atual dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005, somente no que diz respeito à imposição da compensação de ofício aos débitos do sujeito passivo que se encontram com exigibilidade suspensa, na forma do art. 151, do CTN (v.g. débitos inclusos no Refis, PAES, PAEX, etc.). Fora dos casos previstos no art. 151, do CTN, a compensação de ofício é ato vinculado da Fazenda Pública Federal a que deve se submeter o sujeito passivo, inclusive sendo lícitos os procedimentos de concordância tácita e retenção previstos nos §§ 1º e 3º, do art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997. Precedentes: REsp n. 542.938-RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 18.08.2005; REsp n. 665.953RS, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 05.12.2006; REsp n. 1.167.820-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05.08.2010; REsp n. 997.397RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 04.03.2008; REsp n. 873.799-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12.08.2008; REsp n. 491.342-PR, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18.05.2006; REsp n. 1.130.680-RS Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19.10.2010. 3. No caso concreto, trata-se de restituição de valores indevidamente pagos a título de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ com a imputação de ofício em débitos do mesmo sujeito passivo para os quais não há informação de suspensão na forma do art. 151, do CTN. Impõe-se a obediência ao art. 6º e parágrafos do Decreto n. 2.138/1997 e normativos próprios. 4. Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C, do CPC, e da Resolução STJ n. 8/2008. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte 100 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO resultado de julgamento: “A Seção, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.” Os Srs. Ministros Benedito Gonçalves, Cesar Asfor Rocha, Francisco Falcão, Teori Albino Zavascki, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. Licenciado o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Castro Meira. Brasília (DF), 10 de agosto de 2011 (data do julgamento). Ministro Mauro Campbell Marques, Relator DJe 18.08.2011 RELATÓRIO O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques: Trata-se de recurso especial interposto com fulcro no permissivo do art. 105, III, a, da Constituição Federal de 1988, contra acórdão que entendeu ilegal a retenção de valor a ser restituído ou ressarcido quando o contribuinte manifesta a sua discordância em procedimento de compensação de ofício, previsto no art. 73, da Lei n. 9.430/1996 e art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986. O acórdão restou assim ementado (e-STJ fls. 516-520): Tributário. Compensação de ofício. Lei n. 9.430. Art. 73. Decreto n. 2.138. Discordância do contribuinte. Retenção. Ilegalidade. O Decreto n. 2.138, ao dispor sobre a compensação de ofício de tributos e contribuições sob administração da Secretaria da Receita Federal, admitindo a retenção do valor da restituição ou do ressarcimento, até a liquidação do débito apurado pelo Fisco, desbordou dos limites da lei. O artigo 73 da Lei n. 9.430/1996, ao disciplinar a compensação realizada pela Secretaria da Receita Federal em procedimentos internos, não a autoriza a proceder a retenção do crédito a ser restituído ou ressarcido ao contribuinte, ante a discordância deste. Os embargos de declaração interpostos restaram acolhidos apenas para efeito de prequestionamento (e-STJ fls. 536-541). Alega a recorrente que houve violação aos arts. 535, II, do CPC; art. 7º e §§ do Decreto-Lei n. 2.287/1986 (com a redação dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005); art. 73, da Lei n. 9.430/1996 e art. 6º, do Decreto RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 101 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA n. 2.138/1997. Afirma que a compensação de ofício, bem como a retenção dos valores a serem restituídos ou ressarcidos quando há manifestação do contribuinte contrária à compensação, são procedimentos que estão de acordo com a legislação em vigor (e-STJ fls. 551-563). Contra-razões nas e-STJ fls. 570-585. Recurso regularmente admitido na origem (e-STJ fls. 588-589). Ao verificar que o tema do recurso é repetitivo no âmbito da Primeira Seção do STJ, exarei decisão submetendo o feito a julgamento pelo novo procedimento do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, regulamentado pela Resolução STJ n. 8/2008 (e-STJ fls. 597-598). Parecer do Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso especial (e-STJ fls. 604-608). É o relatório. VOTO O Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator): De início, afasto a ocorrência de violação ao art. 535, do CPC. Efetivamente, o acórdão prolatado pela Corte de Origem examinou de forma suficiente a causa e se encontra respaldado em fundamentação adequada. O Poder Judiciário não está obrigado a examinar expressamente todas as teses e artigos de lei invocados pelas partes, bastando proferir julgado suficientemente fundamentado. Em razão de prequestionamento implícito, conheço do recurso especial quanto à alegada violação ao art. 7º e §§ do Decreto-Lei n. 2.287/1986 (com a redação dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005); ao art. 73, da Lei n. 9.430/1996 e ao art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997. Examino o mérito. Diz o Código Tributário Nacional - CTN (Lei n. 5.172/1966) que a lei pode autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo. In litteris: Art. 170. A lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública (Vide Decreto n. 7.212, de 2010). 102 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO Parágrafo único. Sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% (um por cento) ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento. Certa é a obrigação a respeito da qual não paira dúvida sore sua existência. Líquida é a obrigação certa quanto a sua existência e determinada quanto ao seu objeto. Vencida é a obrigação que já pode ser exigida, ou seja, exigível. Regra geral, a compensação somente pode ocorrer entre dívidas certas, líquidas e exigíveis, tal é a disciplina do art. 369, do Código Civil de 2002 (antigo art. 1.010, do CC/1916) ao estabelecer que a compensação se efetua entre dívidas líquidas e vencidas. Veja-se: Art. 369. A compensação efetua-se entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis. No caso da compensação tributária, o CTN dispensou a exigibilidade do crédito do contribuinte ao permitir que ele compensasse crédito vincendo na forma da lei. No entanto, a exigibilidade não foi dispensada para os créditos tributários, que deverão ser sempre certos, líquidos e exigíveis para participarem de uma compensação. Pois bem, rege o Decreto-Lei n. 2.287/1986 que a Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRF, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá compensar de ofício (ato vinculado) o valor a ser ressarcido ou restituído, com eventuais débitos do contribuinte beneficiado pela restituição ou ressarcimento. Transcrevo: Decreto-Lei n. 2.287/1986 (redação original). Art. 7º A Secretaria da Receita Federal, antes de proceder a restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional. § 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito. § 2º O Ministério da Fazenda disciplinará a compensação prevista no parágrafo anterior. A compensação de ofício surgiu, portanto, como uma imposição legal ao Fisco Federal e sem a limitação para a compensação entre tributos de mesma espécie, pois na sua feitura a SRF deve obedecer ao art. 163, do CTN, que RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 103 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA estabelece de forma subsidiária as normas de imputação em pagamento próprias do Direito Tributário, a saber: Art. 163. Existindo simultaneamente dois ou mais débitos vencidos do mesmo sujeito passivo para com a mesma pessoa jurídica de direito público, relativos ao mesmo ou a diferentes tributos ou provenientes de penalidade pecuniária ou juros de mora, a autoridade administrativa competente para receber o pagamento determinará a respectiva imputação, obedecidas as seguintes regras, na ordem em que enumeradas: I - em primeiro lugar, aos débitos por obrigação própria, e em segundo lugar aos decorrentes de responsabilidade tributária; II - primeiramente, às contribuições de melhoria, depois às taxas e por fim aos impostos; III - na ordem crescente dos prazos de prescrição; IV - na ordem decrescente dos montantes. A compensação voluntária somente passou a existir com a publicação do art. 66, da Lei n. 8.383/1991 (alterado pela Lei n. 9.069/1995), que autorizou a realização da compensação tributária diretamente pelo contribuinte, desde que para pagamento de débitos de períodos seguintes de tributos de mesma espécie daqueles que seriam restituídos, excepcionando as regras de imputação do art. 163, do CTN. O artigo de lei permitiu ao contribuinte também optar pelo pedido de restituição, situação na qual permaneceria aplicável o art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986 (compensação de ofício), a impedir a restituição enquanto o contribuinte fosse devedor da Fazenda Nacional por crédito certo, líquido e exigível. Ipsis verbis: Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subseqüente (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199) (Vide Lei n. 9.250, de 1995). § 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199). § 2º É facultado ao contribuinte optar pelo pedido de restituição (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199). § 3º A compensação ou restituição será efetuada pelo valor do tributo ou contribuição ou receita corrigido monetariamente com base na variação da UFIR (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199). 104 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO § 4º As Secretarias da Receita Federal e do Patrimônio da União e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS expedirão as instruções necessárias ao cumprimento do disposto neste artigo (Redação dada pela Lei n. 9.069, de 29.06.199). Desse modo, permaneceu aplicável no período de vigência do art. 66, da Lei n. 8.383/1991, a imposição da compensação de ofício para os casos em que o contribuinte optou por pedido de restituição ou nas situações em que foi constatado crédito seu por restituição ou ressarcimento sem qualquer utilização voluntária por si efetuada. Posteriormente, a sistemática de compensação voluntária recebeu alterações pela Lei n. 9.430/1996, e, para disciplinar internamente a forma como se daria dentro da contabilidade pública a compensação de ofício prevista no Decreto-Lei n. 2.287/1986, entre tributos de espécies diversas, já que possuem destinações constitucionais distintas, foi publicado o art. 73, da Lei n. 9.430/1996. Disse o prefalado artigo de lei: Art. 73. Para efeito do disposto no art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, a utilização dos créditos do contribuinte e a quitação de seus débitos serão efetuadas em procedimentos internos à Secretaria da Receita Federal, observado o seguinte: I - o valor bruto da restituição ou do ressarcimento será debitado à conta do tributo ou da contribuição a que se referir; II - a parcela utilizada para a quitação de débitos do contribuinte ou responsável será creditada à conta do respectivo tributo ou da respectiva contribuição. Dentro da mesma Lei n. 9.430/1996 foi originalmente publicado também o art. 74, que permitiu ao contribuinte efetuar requerimento a fim de excepcionar as regras de imputação em pagamento previstas para a compensação de ofício (art. 163, do CTN) para quitar débitos de seu interesse fora daquela ordem de imputação e agora também de outros tributos que não fossem de mesma espécie. Transcrevo: Art. 74. Observado o disposto no artigo anterior, a Secretaria da Receita Federal, atendendo a requerimento do contribuinte, poderá autorizar a utilização de créditos a serem a ele restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer tributos e contribuições sob sua administração. A sistemática vigorou até o advento da Medida Provisória n. 66/2002 (convertida na Lei n. 10.637/2002) que realizou alterações no art. 74, da Lei RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 105 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA n. 9.430/1996 para criar a Declaração de Compensação, onde foi facultado ao contribuinte escolher os débitos e créditos próprios que pretende compensar. No entanto, em que pesem as sucessivas alterações legislativas, sempre foi preservada de forma subsidiária a compensação de ofício prevista no DecretoLei n. 2.287/1986 quando a SRF identificar valor a ser restituído ou ressarcido ao contribuinte que não houver sido voluntariamente compensado com qualquer débito seu. Sendo assim, dos artigos de lei citados extrai-se que a restituição ou o ressarcimento de tributos, por força do Decreto-Lei n. 2.287/1986, sempre esteve legalmente condicionada à inexistência de débitos certos, líquidos e exigíveis por parte do contribuinte, sendo dever da Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRF efetuar de ofício a compensação sempre que o contribuinte não o fizer voluntariamente. Nessa linha de entendimento, foi publicado o Decreto n. 2.138/1997, que determinou fosse efetuada a notificação ao sujeito passivo antes da feitura da compensação de ofício a fim de que ele exercesse o direito que o art. 74, da Lei n. 9.430/1996, em sua redação original, lhe permitiu. Verbo ad verbum: Decreto n. 2.138/1997. Art. 6° A compensação poderá ser efetuada de ofício, nos termos do art. 7° do Decreto-Lei n. 2.287, de 23 de julho de 1986, sempre que a Secretaria da Receita Federal verificar que o titular do direito à restituição ou ao ressarcimento tem débito vencido relativo a qualquer tributo ou contribuição sob sua administração. § 1° A compensação de ofício será precedida de notificação ao sujeito passivo para que se manifeste sobre o procedimento, no prazo de quinze dias, sendo o seu silêncio considerado como aquiescência. § 2° Havendo concordância do sujeito passivo, expressa ou tácita, a Unidade da Secretaria da Receita Federal efetuará a compensação, com observância do procedimento estabelecido no art. 5°. § 3° No caso de discordância do sujeito passivo, a Unidade da Secretaria da Receita Federal reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado. Com efeito, o Decreto n. 2.138/1997, ao determinar a notificação prévia do contribuinte para se manifestar a respeito do procedimento de compensação de ofício, criou uma verdadeira liberalidade, um benefício ao devedor, já que a legislação em vigor aqui examinada jamais condicionou a compensação de ofício a qualquer notificação prévia, muito menos à concordância do sujeito passivo, pois a compensação de ofício se trata de comando impositivo da lei 106 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO à Administração Tributária Federal sempre que não houver compensação voluntária pelo sujeito passivo. Nessa linha, relevante observar que o objetivo do Decreto n. 2.138/1997, ao estabelecer a obrigatoriedade da notificação prévia, foi o de direcionar situações que ensejariam a compensação de ofício para o caminho da compensação voluntária, oportunizando ao devedor indicar os débitos que tem preferência por liquidar. Outrossim, tal procedimento de notificação é salutar, pois traz o benefício de prevenir litígios administrativos e judiciais que naturalmente adviriam de uma compensação efetuada com o desconhecimento do contribuinte. À toda evidência, podem existir créditos tributários que o contribuinte entende por ilegítimos e que pretende discutir administrativamente ou judicialmente. Nesse contexto, a intenção do ato normativo foi a de que o contribuinte tomasse o rumo proposto pelo art. 74, da Lei n. 9.430/1996, em sua redação original, que lhe permitia efetuar requerimento a fim de escolher os débitos a serem quitados. É por tais motivos que foi possível ao Decreto n. 2.138/1997 prever que o silêncio do contribuinte é considerado como aquiescência ao procedimento de compensação de ofício, pois não fez uso da oportunidade que lhe foi dada (art. 6º, § 1º). Da mesma forma, foi possível prever que a discordância do procedimento permite a retenção do valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado (art. 6º, § 3º). Ora, “Cui licet quod est plus, licet utique quod est minus” - “Quem pode o mais, pode o menos”. Se o Fisco Federal por lei já deveria (ato vinculado) efetuar a compensação de ofício diretamente, à toda evidência também deve reter (ato vinculado) o valor da restituição ou ressarcimento até que todos os débitos certos, líquidos e exigíveis do contribuinte estejam liquidados. O que não é admissível é que o sujeito passivo tenha débitos certos, líquidos e exigíveis e ainda assim receba a restituição ou o ressarcimento em dinheiro. Isto não pode. A lei expressamente veda tal procedimento ao estabelecer a compensação de ofício como ato vinculado quando faz uso das expressões “deverá verificar” e “será compensado” (art. 7º e § 1º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986). Nessa toada, a jurisprudência do STJ admite a legalidade dos procedimentos de compensação de ofício, desde que os créditos tributários em que foi imputada a compensação não estejam com sua exigibilidade suspensa em razão do ingresso em algum programa de parcelamento, ou outra forma de suspensão da exigibilidade prevista no art. 151, do CTN, ressalvando que a penhora não é forma de suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Por RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 107 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA ambas as Turmas que têm por competência julgar temas de Direito Tributário, transcrevo: Tributário. Crédito presumido de IPI na exportação. Ressarcimento de débito. Art. 4º da n. 9.363/1993. Condicionamento à inexistência de débitos. Art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. I - Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996, somente é possível a restituição em dinheiro de créditos prêmio de IPI na exportação, caso esta seja precedida de compensação pelo Fisco de eventuais débitos do contribuinte pelo Fisco. II - Recurso especial improvido (REsp n. 542.938-RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 18.08.2005). Tributário. Impostos federais incidentes sobre a importação de mercadorias. Ressarcimento de crédito. Condicionamento à inexistência de débitos. Art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. Compensação. Certeza e liquidez. Súmula n. 7-STJ. 1. Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996, somente é possível a restituição em dinheiro de impostos federais incidentes sobre a importação, caso esta seja precedida de compensação pelo Fisco de eventuais débitos do contribuinte. 2. Não é possível, em sede de recurso especial, analisar questão relativa a certeza e liquidez de suposto débito do contribuinte a título de IOF se, para tanto, for necessário reexaminar os elementos fáticos-probatórios considerados para o deslinde da controvérsia. Inteligência da Súmula n. 7-STJ. 3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido (REsp n. 665.953-RS, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 05.12.2006). Tributário. Agravo regimental. Recurso especial. Tributário. Ressarcimento e restituição. Não-obrigatoriedade de prévia compensação de ofício com débito parcelado. Ilegalidade do art. 34, § 1º, da Instrução Normativa SRF n. 600/2005. 1. O art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, não diz que os débitos parcelados devem necessariamente ser objeto de compensação de ofício com valores a serem objeto de restituição ou ressarcimento. 2. Na compreensão desta Corte, se há a suspensão da exigibilidade na forma do art. 151, do CTN, não há previsão legal para impor a compensação de ofício ao contribuinte. Essa imposição somente abrange os débitos exigíveis. Sendo assim, o procedimento previsto no art. 34, § 1º, da Instrução Normativa SRF n. 600/2005, que condiciona o ressarcimento à quitação do débito parcelado mediante compensação de ofício, transborda o disposto no artigos 73, da Lei n. 9.430/1996, art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, e art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997, apresentando-se ilegal. 108 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO 3. Recurso especial não-provido (REsp n. 1.167.820-SC, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 05.08.2010). Tributário. Compensação. Parcelamento. 1. Os débitos incluídos em liquidação parcelada não devem ser considerados como vencidos para o fim da inclusão em compensação solicitada pelo contribuinte. 2. A homenagem ao princípio da legalidade não autoriza que, caracterizada a situação acima enfocada, a administração tributária inclua o débito parcelado para ser liquidado por compensação. 3. O débito tributário incluído no Refis sujeita-se, necessariamente, a ter sua exigibilidade suspensa. 4. Impossibilidade de o Fisco reter valores constantes no Refis, não-vencidos, para serem liquidados em regime de compensação. 5. Certidão expedida com base no art. 206 do CTN tem os mesmos efeitos da negativa de débitos. 6. Recurso da Fazenda Nacional não-provido (REsp n. 997.397-RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 04.03.2008). Tributário. Violação ao art. 535, II, do CPC. Não-ocorrência. Prequestionamento implícito. Compensação de ofício pela Secretaria de Receita Federal de valores pagos indevidamente a título de PIS a serem restituídos em repetição de indébito, com valores dos débitos tributários consolidados no programa Refis. Impossibilidade. Opção do contribuinte. Art. 163 do CTN. Não-aplicação. 1. Afasto a alegada violação ao art. 535, II, do Código de Processo Civil, uma vez que o acórdão guerreado se pronunciou de forma clara e suficiente sobre as questões que lhe foram apresentadas, ainda que de forma contrária às pretensões da recorrente. 2. Não é necessária a expressa alusão às normas tidas por violadas, desde que o aresto guerreado tenha se manifestado, ainda que implicitamente, sobre a tese objeto dos dispositivos legais tidos por violados, no caso dos autos, os arts. 7º, caput, e §§ 1º e 2º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e 163 do Código Tribunal Nacional. 3. Esta Corte vem adotando entendimento no sentido de não ser possível que a Secretaria de Receita Federal proceda à compensação de ofício de valor a ser restituído ao contribuinte em repetição de indébito, com o valor do montante de débito tributário consolidado no Programa Refis, visto que os débitos incluídos no referido programa tem sua exigibilidade suspensa. 4. O disposto no art. 163 do CTN, que pressupõem a existência de débito tributário vencido para que se proceda a compensação, não é aplicável ao caso, pois o valor do débito tributário consolidado no Refis, além de ter sua exigibilidade RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 109 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA suspensa, será pago de acordo com o parcelamento estipulado, sendo opção do contribuinte compensar os valores dos créditos tributários a serem restituídos em repetição de indébito, com os débitos tributários consolidados no Programa Refis. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não-provido (REsp n. 873.799-RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 12.08.2008). Tributário. Recurso especial. Créditos de IPI. Débitos inscritos no Refis. Compensação. Faculdade do contribuinte. Inaplicabilidade do art. 163 do CTN. 1. O art. 163 do CTN pressupõe a existência de débito tributário vencido, o que justifica a imputação ao pagamento imposta pela autoridade fiscal. Situação diversa é a que corresponde à compensação de créditos de IPI com débitos do contribuinte que estão sendo pagos no programa de recuperação fiscal - Refis. 2. A legislação de regência não obriga o contribuinte a compensar os valores de créditos escriturais do IPI com débitos consolidados inscritos no Refis. 3. Recurso especial não-provido (REsp n. 491.342-PR, Segunda Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 18.05.2006). Tributário. Compensação de ofício pela Secretaria de Receita Federal de valores pagos indevidamente a título de PIS e Cofins a serem restituídos em repetição de indébito, com valores dos débitos tributários consolidados no programa PAES. Impossibilidade. Art. 151, VI, do CTN. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário. IN’S SRF n. 600/2005 e n. 900/2008. Exorbitância da função regulamentar. 1. Os créditos tributários, objeto de acordo de parcelamento e, por isso, com a exigibilidade suspensa, são insuscetíveis à compensação de ofício, prevista no Decreto-Lei n. 2.287/1986, com redação dada pela Lei n. 11.196/2005. (Precedentes: AgRg no REsp n. 1.136.861-RS, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, julgado em 27.04.2010, DJe 17.05.2010; EDcl no REsp n. 905.071SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 11.05.2010, DJe 27.05.2010; REsp n. 873.799-RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 12.08.2008, DJe 26.08.2008; REsp n. 997.397-RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, julgado em 04.03.2008, DJe 17.03.2008). 2. O art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287/1986, com a redação dada pela A Lei n. 11.196/2005, prescreveu a possibilidade de compensação, pela autoridade fiscal, dos valores a serem restituídos em repetição de indébito com os débitos existentes em nome do contribuinte: Art. 7º A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional. 110 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO § 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito. § 2º Existindo, nos termos da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito em nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito. § 3o Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social estabelecerá as normas e procedimentos necessários à aplicação do disposto neste artigo. 3. A IN SRF n. 600/2005, com arrimo no § 3º, do art. 7º, do referido Decreto-Lei, ampliou o cabimento da compensação de ofício prevista no § 1º, que passou a encartar também os débitos parcelados, verbis: Art. 34. Antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de crédito do sujeito passivo para com a Fazenda Nacional relativo aos tributos e contribuições de competência da União, a autoridade competente para promover a restituição ou o ressarcimento deverá verificar, mediante consulta aos sistemas de informação da SRF, a existência de débito em nome do sujeito passivo no âmbito da SRF e da PGFN. § 1º Verificada a existência de débito, ainda que parcelado, inclusive de débito já encaminhado à PGFN para inscrição em Dívida Ativa da União, de natureza tributária ou não, ou de débito consolidado no âmbito do Refis, do parcelamento alternativo ao Refis ou do parcelamento especial de que trata a Lei n. 10.684, de 2003, o valor da restituição ou do ressarcimento deverá ser utilizado para quitá-lo, mediante compensação em procedimento de ofício. 4. A IN SRF n. 900/2008, por seu turno, revogando a Instrução Normativa anterior, dilargou ainda mais a hipótese de incidência da compensação de ofício, para abranger os débitos fiscais incluídos em qualquer forma de parcelamento, litteris: Art. 49. A autoridade competente da RFB, antes de proceder à restituição e ao ressarcimento de tributo, deverá verificar a existência de débito em nome do sujeito passivo no âmbito da RFB e da PGFN. § 1º Verificada a existência de débito, ainda que consolidado em qualquer modalidade de parcelamento, inclusive de débito já encaminhado para inscrição em Dívida Ativa, de natureza tributária ou não, o valor da RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 111 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA restituição ou do ressarcimento deverá ser utilizado para quitá-lo, mediante compensação em procedimento de ofício. 5. A previsão contida no art. 170 do CTN confere atribuição legal às autoridades administrativas fiscais para regulamentar a matéria relativa à compensação tributária, dês que a norma complementar (consoante art. 100 do CTN) não desborde do previsto na lei regulamentada. 6. Destarte, as normas insculpidas no art. 34, caput e parágrafo primeiro, da IN SRF n. 600/2005, revogadas pelo art. 49 da IN SRF n. 900/2008, encontram-se eivadas de ilegalidade, porquanto exorbitam sua função meramente regulamentar, ao incluírem os débitos objeto de acordo de parcelamento no rol dos débitos tributários passíveis de compensação de ofício, afrontando o art. 151, VI, do CTN, que prevê a suspensão da exigibilidade dos referidos créditos tributários, bem como o princípio da hierarquia das leis. 7. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário impede qualquer ato de cobrança, bem como a oposição desse crédito ao contribuinte. É que a suspensão da exigibilidade conjura a condição de inadimplência, conduzindo o contribuinte à situação regular, tanto que lhe possibilita a obtenção de certidão de regularidade fiscal. 8. Recurso especial desprovido (REsp n. 1.130.680-RS Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 19.10.2010). De forma isolada, no sentido de admitir a legalidade da compensação de ofício mesmo quando o débito a ser compensado se encontra com exigibilidade suspensa, in litteris: Tributário. Crédito presumido de IPI na exportação. Ressarcimento de débito. Art. 4º da Lei n. 9.363/1996. Condicionamento à inexistência de débitos. Art. 7º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996. Parcelamento. Legitimidade da retenção prevista no art. 6º, § 3º, do Decreto n. 2.138/1997. I - Nos termos do art. 1º do Decreto-Lei n. 2.287/1986 e dos arts. 73 e 74 da Lei n. 9.430/1996, somente é possível a restituição em dinheiro de créditos prêmio de IPI na exportação, caso esta seja precedida de compensação pelo Fisco de eventuais débitos do contribuinte pelo Fisco. Precedente: REsp n. 542.938-RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 07.11.2005. II - De acordo com o § 3º do art. 6º do Decreto n. 2.138/1997: “a Unidade da Secretaria da Receita Federal reterá o valor da restituição ou do ressarcimento até que o débito seja liquidado”, sendo legítima a sua aplicação à hipótese em tela, haja vista que o mero parcelamento do débito não constitui forma de extinção do crédito tributário. III - Recurso especial provido (REsp n. 768.689-RN, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 27.02.2007). 112 Jurisprudência da PRIMEIRA SEÇÃO No exame da jurisprudência, observo que o REsp n. 938.097-PR, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 19.02.2008, comumente citado de forma errônea como posicionamento desta Casa em relação ao tema, não apreciou o mérito da questão, pois o recurso não foi conhecido em razão da aplicação da Súmula n. 283-STF, na forma do voto-vista proferido pelo Min. Teori Zavascki. Em razão de o relator ter mantido seus fundamentos apenas corrigindo o dispositivo, aquele julgado acabou por trazer ementa equivocada que não diz respeito efetivamente ao que foi ali apreciado. Transcrevo, in litteris: Tributário. Compensação. Direito do contribuinte. Impossibilidade do Fisco realiza-lá de ofício. Retenção de créditos tributários. Impossibilidade. Princípio da legalidade. 1. Inexiste dispositivo legal autorizando a Fazenda Nacional a proceder compensação tributária de ofício e, em caso de não-concordância do contribuinte com os valores encontrados, proceder a retenção dos respectivos créditos. 2. O Decreto n. 2.138, de 29.01.1997, em seu art. 6º, extrapolou a sua função regulamentadora. 3. A compensação é regida por dispositivos que consagram ser um direito do contribuinte, a quem lhe é outorgado a opção de realizá-la ou não. 4. A homenagem ao princípio da legalidade tributária não autoriza a prática de compensação de ofício pelo Fisco e a retenção de créditos do contribuinte. 5. Recurso especial não-conhecido (REsp n. 938.097-PR, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em 19.02.2008). Voltando à evolução legislativa, atualmente, o mencionado DecretoLei n. 2.287/1986 está em vigor com as alterações recebidas por parte da Lei n. 11.196/2005 somente para sua adequação às novas competências e nova denominação atribuídas à SRF pela Medida Provisória n. 258/2005 que, muito embora tenha perdido a eficácia, foi sucedida pela Lei n. 11.457/2007. Transcrevo a redação do decreto-lei ainda em vigor com as alterações efetuadas, in verbis: Decreto-Lei n. 2.287/1986 (redação dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005). Art. 7º A Receita Federal do Brasil, antes de proceder à restituição ou ao ressarcimento de tributos, deverá verificar se o contribuinte é devedor à Fazenda Nacional (Redação dada pela Lei n. 11.196, de 2005). § 1º Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito (Redação dada pela Lei n. 11.196, de 2005). RSTJ, a. 23, (224): 85-114, outubro/dezembro 2011 113 REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA § 2º Existindo, nos termos da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, débito em nome do contribuinte, em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, ou às contribuições instituídas a título de substituição e em relação à Dívida Ativa do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o valor da restituição ou ressarcimento será compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito (Redação dada pela Lei n. 11.196, de 2005). § 3º Ato conjunto dos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social estabelecerá as normas e procedimentos necessários à aplicação do disposto neste artigo (Incluído pela Lei n. 11.196, de 2005). No âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil - SRF, os procedimentos aqui descritos foram disciplinados pelas seguintes instruções normativas: arts. 6º, 8º e 12, da IN SRF n. 21/1997; art. 24, da IN SRF n. 210/2002; art. 34, da IN SRF n. 460/2004; art. 34, da IN SRF n. 600/2005; art. 49, da IN SRF n. 900/2008. Desta forma, o art. 6º e parágrafos, do Decreto n. 2.138/1997, e instruções normativas da Secretaria da Receita Federal que regulamentam a compensação de ofício no âmbito da Administração Tributária Federal, extrapolaram o art. 7º, do Decreto-Lei n. 2.287/1986, tanto em sua redação original quanto na redação atual dada pelo art. 114, da Lei n. 11.196, de 2005, somente no que diz respeito à imposição da compensação de ofício aos débitos do sujeito passivo que se encontram com exigibilidade suspensa, na forma do art. 151, do CTN (v.g. débitos inclusos no Refis, PAES, PAEX, etc.). Fora dos casos previstos no art. 151, do CTN, a compensação de ofício é ato vinculado da Fazenda Pública Federal a que deve se submeter o sujeito passivo, inclusive sendo lícitos os procedimentos de concordância tácita e retenção previstos nos §§ 1º e 3º, do art. 6º, do Decreto n. 2.138/1997. No caso concreto, trata-se de restituição de valores indevidamente pagos a título de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ com a imputação de ofício em créditos tributários, não havendo informação de suspensão na forma do art. 151, do CTN. Impõe-se a obediência ao art. 6º e parágrafos do Decreto n. 2.138/1997. Ante o exposto, dou parcial provimento ao presente recurso especial para reconhecer, in casu, a legalidade dos procedimentos previstos no art. 6º e parágrafos do Decreto n. 2.138/1997 e normativos próprios. É como voto. 114