UM EXEMPLO DE MATEMATIZAÇÃO
Amanda de Fátima Mello Macedo 1
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
Raquel Toledo Bach 2
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
Samanta Zanela Lenardon 3
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
Andréia Büttner Ciani 4
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
Resumo
Este minicurso destina-se a professores do Ensino Médio e Superior e a estudantes de
Graduação, interessados em conhecer um exemplo de atividades que possibilitem e favoreçam a
matematização para o ensino de Matemática, na perspectiva da reinvenção guiada com vistas a
levar os estudantes a processos de matematização como oportunidade de aprendizagem.
Apresentaremos um problema e solicitaremos que ele seja resolvido com a utilização de um
material manipulável, o qual será entregue aos participantes. Conduziremos a solução,
sugerindo dois caminhos distintos, a fim de efetivar uma organização da resolução, mais
elaborada. Pretendemos que a participação neste minicurso possibilite ao professor, ou futuro
professor, conhecer maneiras de proporcionar aos seus alunos uma situação propícia à
matematização.
Palavras-chave: Reinvenção Guiada. Área da Circunferência. Matematização.
Introdução
Este minicurso insere-se em uma continuidade de estudos a respeito do ensino e
da aprendizagem dos conceitos e ideias que permeiam o Cálculo Diferencial e Integral.
Norteamo-nos pela vertente teórica da Educação Matemática Realística.
1
Estudante do quarto ano do curso de Licenciatura em Matemática, bolsista do Pibid - Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, campus de Cascavel-PR.
2
Estudante do quarto ano do curso de Licenciatura em Matemática, bolsista do Pibic - Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação Científica, campus de Cascavel-PR.
3
Estudante do quarto ano do curso de Licenciatura em Matemática, campus de Cascavel-PR.
4
Integrante do grupo de Formação de Professores de Ciências e Matemática desde 2002, e integrante do
Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática e Avaliação – GEPEMA desde 2007.
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Macedo et al (2013) descreve as linhas gerais de um minicurso cujo objetivo
principal foi introduzir algumas ideias básicas do Cálculo Integral, para isto conduziram
uma investigação para a medida da área de um círculo de raio dado, por meio do cálculo
das áreas de polígonos inscritos e circunscritos a este círculo, se guiando pela ideia
histórica do método da exaustão, obtendo valores aproximados da medida da área
procurada. Ainda neste minicurso, utilizando a ideia da subdivisão da área de uma
região em áreas conhecidas, solicitaram que os participantes calculassem a área sob uma
parábola, apoiados ainda na ideia histórica do método da exaustão. Primeiramente os
participantes calcularam uma aproximação (por falta e por excesso), com um número
fixo de retângulos. Em seguida, foram orientados que realizassem a generalização (por
falta e por excesso) para n retângulos e calculassem o “limite” de uma expressão obtida
por meio desta generalização, obtendo assim, o valor exato da área sob uma parábola
em um intervalo dado. Consideramos que este trabalho seguiu os passos da reinvenção
guiada com vistas a uma matematização crescente dos participantes.
Trevisan e Mendes (2013) relatam uma experiência, sustentada na perspectiva da
Educação Matemática Realística, em turmas de Cálculo Diferencial e Integral I de
Licenciatura e Engenharia da UTFPR. O objetivo dessas aulas era proporcionar aos
estudantes, um ambiente favorável para “re-inventar” a matemática por meio da
“matematização”. Os alunos deveriam resolver uma situação problema envolvendo a
quantidade de água e de água com sal, bombeada em um tanque, por minuto, e a
quantidade de sal, por litro. Eles deveriam mostrar que a relação entre a quantidade de
sal e o tempo, dada no enunciado do problema, era verdadeira. Após resolver o
problema, cada equipe compartilhou com seus colegas, permeados pela intervenção dos
autores. Outra proposta foi construir um gráfico relacionando tempo e concentração de
sal, utilizando uma tabela de valores. Foi apresentado o conceito de função. Após, os
alunos contruíram o gráfico da função no Geogebra e perceberam uma “estabilização” a
partir de certo instante, o que foi uma surpresa, pois achavam que a concentração
aumentaria sempre que aumentasse o tempo. Assim, perceberam que os valores da
função se tornavam tão próximos de um número L quanto se queira e então, foi
apresentado aos estudantes a linguagem de limites e também a definição de assíntota
horizontal. Foi proposto aos alunos explorar no Geogebra, o comportamento de uma
função racional e encontrar uma estratégia para obter o número L sem o auxílio do
software. Foi sugerido aos alunos retomar a situação problema inicial e encontrar o
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tempo mínimo necessário para que a concentração ultrapassasse certo valor. Finalmente,
pode ser apresentada a definição precisa de limite no infinito e os alunos puderam
compreender a frase “tornar-se tão próximo de L quanto queiramos”.
Freudenthal (1973) defende que não é uma boa estratégia iniciar o ensino de um
assunto da Matemática já em seu nível mais formal e que o processo de aprendizagem
deveria se basear em processos de descoberta e construção da Matemática. Freudenthal
(1973, p.109) nomeia um processo de re-invenção guiada, no qual o aluno seria
chamado e guiado a percorrer um caminho de experiências mentais que o
conduziriam ao que se espera que ele aprenda. Os guias desse caminho seriam os
próprios passos originais na descoberta, ou construção do conceito. Em vez de ver a
Matemática como algo a ser transmitido, Freudenthal (1968) enfatizou a ideia da
matemática como uma atividade humana, considera que a melhor maneira de aprender
algo é executando-o.
O que os humanos têm que aprender não é matemática como um
sistema fechado, mas sim como uma atividade - o processo de
matematizar a realidade e, se possível, até mesmo o de matematizar a
matemática (FREUDENTHAL, 1968, p. 7, tradução nossa).
Para ele, a Educação deveria fornecer aos estudantes uma oportunidade “guiada”
para “reinventar” matemática fazendo-a. No ensino e aprendizagem de Matemática, o
foco não deveria estar na Matemática como um produto final, mas na atividade de
produzi-la e de redescobri-la, orientados em um processo ou caminho similar ao que a
gerou. A história da matemática deve ser conhecida para ajudar o professor a criar
atividades e conduzir seus alunos na descoberta e reinvenção.
Desenvolvimento
Neste presente trabalho, como situação desencadeadora, utilizaremos o problema
do cálculo da área do círculo. O minicurso se desenvolverá em três momentos. No
primeiro momento, a fim de que se estabeleçam contextos comuns entre os participantes
e nós, os ministrantes do minicurso, iremos orientar os participantes no
desenvolvimento de uma atividade utilizando um pedaço do material Espuma Vinílica
Acetinada – EVA, a qual será entregue por nós aos participantes. Eles deverão construir
manualmente uma circunferência em material EVA, em seguida, devem traçar alguns
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diâmetros, conforme indicado na primeira parte da figura 1. Tivemos a ideia de elaborar
esta atividade ao assistir a um vídeo de Ramos (2013).
Lima (1991, p. 53-54) sugere como chegar experimentalmente à expressão da
área do círculo de raio r a partir do conhecimento do comprimento 2πr da
circunferência. O autor sugere que se decomponha o círculo em um número par,
bastante grande, de setores circulares, como se fossem fatias de uma pizza, e indica que
estes setores devam ser rearranjados de forma a se obter, aproximadamente, um
paralelogramo e apresenta a Figura 1 como ilustração de sua ideia.
Figura 1 - Circunferência com vários diâmetros
Fonte: Lima (1991, p. 54)
Depois, cada um deve realizar o primeiro corte de um diâmetro, obtendo assim,
dois semicírculos, como indicado na primeira parte da Figura 2. Em seguida, cortar os
raios restantes, de dentro para fora, tomando o cuidado de não atingir o contorno do
círculo, obtendo algo parecido com a segunda parte da Figura 2.
Figura 2 – Semicírculos e Setores Circulares
Fonte: os próprios autores
Neste momento, os estudantes podem ser questionados sobre qual figura
conhecida poderiam obter a partir destes cortes. Deixaremos um tempo para que eles
pensem como fazer. As duas partes podem ser encaixadas a fim de se obter uma figura
parecida com um paralelogramo ou retângulo, conforme mostra a Figura 3.
Figura 3 – Setores Circulares Encaixados
Fonte: os próprios autores
Esperamos que os alunos concluam que quanto mais diâmetros, mais próxima, a
figura estará de um retângulo. E quando isso acontecer, o comprimento de um dos lados
desse retângulo será a metade do comprimento da circunferência, e a medida do outro
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lado será igual à medida do raio da circunferência. Sabemos que o raio mede r e C é o
comprimento da circunferência, assim, como sabemos calcular a área do retângulo, e as
duas figuras possuem a mesma área, teríamos que a área do círculo será
(1)
Por outro lado, se tomarmos dois círculos com comprimentos de circunferência e
diâmetros medindo respectivamente C1, D1,, C2 e D2, temos que
, pois sabemos que
todas as circunferências são semelhantes. Assim, temos que:
.
Ou seja, para qualquer circunferência temos essa proporção. Os matemáticos antigos
realizaram experimentos medindo as razões entre o comprimento de circunferências
pelos seus respectivos diâmetros e encontravam sempre um número muito próximo de
3,1415... Denominaram esse número de π.
.
Portanto,
para uma circunferência de comprimento, C, e diâmetro D, temos que
.
Multiplicando D em ambos os membros da igualdade, teremos
,
sendo r o raio da circunferência
e como
. Voltando na equação (1) e substituindo o
valor de c encontrado, temos que:
.
Num segundo momento, com o mesmo objetivo de obter a área de um círculo,
utilizaremos a definição de circunferências concêntricas, que são regiões circulares que
possuem o mesmo centro. Levaremos as circunferências concêntricas produzidas com
barbante no papel cartão, conforme a primeira parte da figura 4.
Figura 4 – Círculo de Barbantes
Fonte: os próprios autores
Posteriormente, mostraremos o material do mesmo círculo, mas com um corte
do centro até a extremidade da maior circunferência, como mostrado na segunda parte
da figura 4.
Vamos pedir que os alunos imaginem o que aconteceria se esticássemos os
barbantes horizontalmente. Esperamos que eles consigam perceber que a figura formada
se aproxima de um triângulo. Conforme mostra a figura 5.
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Figura 5 – Alinhamento dos barbantes
Fonte: os próprios autores
Perguntaremos aos alunos qual é a medida da base e da altura desse triângulo,
em relação aos elementos do círculo, para que a área seja calculada da seguinte maneira
.
Estas atividades irão orientar na dedução intuitiva da fórmula para o cálculo da
área de um círculo, a fim de conduzir os alunos em uma matematização mais refinada.
Chamaremos a atenção dos alunos para o erro existente nas duas resoluções. Na
primeira atividade ao construir a figura 3 e calcular a sua área consideramos a figura
como sendo um retângulo, no entanto, a base dessa figura não é um segmento de reta,
pois é constituído por setores circulares, logo será um segmento de reta somente quando
a quantidade desses setores tender ao infinito, sendo que em cada setor o ângulo interno
deve tender a zero, mas o raio de todos será mantido. Na segunda atividade, se
imaginássemos uma ampliação da figura 5, perceberíamos que a aparente hipotenusa se
constitui, na verdade, em uma “escada”, e não em um segmento de reta, logo esse
polígono não forma um triângulo. Assim, teremos um segmento de reta, somente
quando a espessura dos barbantes tender a zero, ou seja, somente quando a espessura
dos barbantes for tão pequena quanto se queira.
Manualmente não é possível realizar tais construções, apenas mentalmente,
assim teremos que recorrer à linguagem matemática. No entanto, para as duas é possível
obtermos um refinamento e uma precisão, por meio da linguagem matemática mais
formal. Para isso, vamos aprofundar a primeira atividade por meio da linguagem.
No terceiro momento, orientaremos os alunos a imaginarem um círculo dividido,
similar à primeira parte da figura 1, em n setores circulares, a fim de calcular sua área
A. Perguntaremos se haveria uma maneira mais conveniente de procedermos a essa
divisão. Esperamos que eles percebam a vantagem de tomarmos setores circulares
congruentes. Assim, eles poderão se concentrar em apenas um setor, já que todos
possuem a mesma área.
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Perguntaremos qual o polígono de área conhecida que mais se aproxima da
forma de um setor circular. Esperamos que eles percebam que se traçarmos um
segmento de reta unindo as duas extremidades do arco deste setor, obteremos um
triângulo isósceles, ACD, inscrito à circunferência, sendo dois lados deste triângulo com
medidas iguais à medida do raio da circunferência, conforme segue na primeira parte da
figura 6. Eles terão ferramentas para calcular a área desse triângulo que representa
qualquer um deles,
. A soma das áreas destes n triângulos resulta na área do polígono
, inscrito ao círculo e se aproxima da área A deste círculo.
regular de n lados,
Figura 6 - Triângulo inscrito a um setor circular
A
A
r
r
r
l
D
C
D
r
h
B
A
r
h
C
B
C
Fonte: os próprios autores
Orientaremos os participantes no cálculo da área do triângulo
, mas
.
(1)
Então, eles precisarão encontrar uma expressão para l e para h, Assim,
e
e das relações trigonométricas no triângulo retângulo, temos que

(2)
(3)
Substituindo, (2) e (3) em (1), temos que
Assim,
Orientaremos os participantes a notarem
que quanto maior o valor de n, mais próximos estaremos do valor da área do círculo de
raio r. Se os participantes quiserem, podem prosseguir com a matematização,
procedendo a um refinamento da notação, por meio de uma maior formalização,
lançando mão do conceito de limite, o qual eliminaria o erro encontrado na atividade
construída manualmente. Portanto, se n tender ao infinito, obteremos o valor exato da
área.
(4)
Como
. (5)
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Substituindo (5) em (4), os participantes poderão obter que
aplicando L`Hôspital, terão que
=
Resultados Esperados
Esperamos que a participação neste minicurso possibilite ao professor, ou futuro
professor, conhecer maneiras de proporcionar aos seus alunos uma situação propícia ao
professor guiar seus alunos na efetivação de matematizações cada vez mais elaboradas.
Acreditamos que ao vivenciar a sequência de atividades como exemplo, o professor
possa elaborar outras atividades que possibilitem a utilização das ideias de reinvenção
guiada em sala de aula, conduzindo seus alunos a uma matematização.
Referências
COSTA, Sueli; RODRIGUES, Claudina Izepe. Guia do professor vídeo Roda do
Sonho: Série Matemática na Escola. Matemática Multimídia. Campinas: UNICAMP.
2011.
FREUDENTHAL, Hans. Why to Teach Mathematics so as to Be Useful. Educational
Studies in Mathematics, 1, 1968, 3-8.
______. Mathematics as an educational task. Dordrecht: Reidel. 1973.
LIMA, Elon Lages. Medida e Forma em Geometria. Coleção do Professor de
Matemática. Rio de Janeiro: SBM, 1991.
MACEDO, Amanda de Fátima Mello et al. Ideias Fundamentais do Cálculo Integral. In: XI
Encontro Nacional de Educação Matemática Educação Matemática: retrospectivas e
perspectivas, 2007, Curitiba, PR. Anais ... : Guarapuava-PR, 2013, p 1-8.
RAMOS, Rita Soares. Área do Círculo, 2013. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=CxGErCNmXqA>. Acesso em: 28 out 2013.
TREVISAN, André Luis; MENDES, Marcele Tavares. Possibilidades para matematizar
em aulas de Cálculo. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, v. 6, p.
129-138, 2013.
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