CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS TRABALHISTAS E
EFETIVIDADE DAS NORMAS DE DIREITO DO TRABALHO
Gustavo Filipe Barbosa Garcia
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Alcance e Repercussões da Certidão
Negativa de Débitos Trabalhistas. 3 Regulamentação da Certidão
Negativa de Débitos Trabalhistas. 4 Constitucionalidade da Certidão
Negativa de Débitos Trabalhistas. 5 Conclusão. 6 Bibliografia.
1 Introdução
A Lei nº 12.440, de 7 de julho de 2011, acrescentou o Título VII-A à
CLT, instituindo a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, e alterou a
Lei nº 8.666/93.
O mencionado diploma legal foi publicado no Diário Oficial da União
de 08.07.2011, com entrada em vigor 180 dias após a data de sua
publicação.
O Título VII-A da CLT, com isso, passou a tratar da "prova de
inexistência de débitos trabalhistas".
O
tema,
entretanto,
é
objeto
de
controvérsia,
havendo
questionamentos, inclusive, quanto à constitucionalidade dessa previsão
legal 1.
1
Cf. ADI 4.716/DF, ajuizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em 02 de
fevereiro de 2012, ainda em andamento. "Sustenta a autora, em síntese, que a Lei nº
12.440/2011 viola o art. 5º, caput, e o seu inciso LV (princípios da isonomia, do
contraditório e da ampla defesa e o devido processo legal adjetivo e substantivo), o
inciso XXI do art. 37 (princípio da licitação pública), bem como o art. 170, inciso IV e
seu parágrafo único (princípios da concorrência e da livre-iniciativa), todos da
Constituição Federal" (STF, Despacho, Min. Dias Toffoli, DJE 10.02.2012).
1
Neste estudo, procura-se examinar as suas principais consequências
quanto ao cumprimento das normas de Direito do Trabalho e, no plano
processual, para a execução dos títulos judiciais e extrajudiciais na Justiça
do Trabalho.
2
Alcance
e
Repercussões
da
Certidão
Negativa
de
Débitos
Trabalhistas
A Lei nº 8.666/93 regulamenta o art. 37, XXI, da CF/88 (sobre
processo de licitação pública), institui normas para licitações e contratos
da Administração Pública e dá outras providências.
Em razão da Lei nº 12.440/2011, o art. 27, IV, da Lei nº 8.666/93
passou a estabelecer que para a habilitação nas licitações, deve-se exigir
dos interessados documentação relativa, entre outros, à "regularidade
fiscal e trabalhista".
O art. 29, V, da Lei nº 8.666/93, acrescentado pela Lei nº
12.440/2011, por seu turno, passou a prever que a documentação relativa
à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em "prova
de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho,
mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A
da CLT, aprovada pelo DL nº 5.452, de 1º de maio de 1943".
Embora a Lei nº 12.440/2011 exija a Certidão Negativa de Débitos
Trabalhistas (CNDT) para a habilitação em processos de licitação com o
poder público (Lei nº 8.666/93), a consequência que também se busca é no
2
sentido da efetividade e celeridade na execução trabalhista, no sentido da
justa satisfação do direito do credor 2.
Nesse contexto, cabe ressaltar que a efetividade e a razoável
duração do processo são garantias constitucionais (art. 5º, XXXV, LIV e
LXXVIII, da CR), que não podem ser compreendidas como meras
promessas formais ou simbólicas, mas, sim, decorrentes de comandos
cogentes, a serem legitimamente concretizados 3.
A Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), por ser
expedida de forma gratuita (e eletrônica), e servir "para comprovar a
inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho", pode
ser requerida, em tese, por quaisquer interessados, em negociações
privadas, inclusive, por exemplo, em compras e vendas de imóveis e de
veículos, financiamentos, empréstimos, e outros contratos privados, para
se certificar quanto à idoneidade econômico-financeira da outra parte com
quem pretende contratar 4.
Nesse sentido, a CR, no art. 5º, XXXIV, b, determina que são a todos
assegurados, independentemente do pagamento de taxas, "a obtenção de
2
Cf. FELICIANO, Guilherme Guimarães. Cumprimento de sentença, embargos e
execução. In: FELICIANO, Guilherme Guimarães (Coord.). Fênix: por um novo Processo
do Trabalho. Colaboradores: Gerson Lacerda Pistori; Jorge Luiz Souto Maior; Manoel
Carlos Toledo Filho. São Paulo: LTr, 2011. p. 79: "Eis o caminho a seguir: a construção
da ação (e da execução) conforme as necessidades do caso conflitivo, sempre com foco
na tutela jurisdicional efetiva, que é a garantia maior de uma ordem jurídica justa.
Construção que, ademais, faz-se na lei, mas também no processo" (destaques do
original).
3
Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 11. ed. São
Paulo: Malheiros, 2003. p. 326: "O endereçamento positivo do raciocínio instrumental
conduz à ideia de efetividade do processo, entendida como capacidade de exaurir os
objetivos que o legitimam no contexto jurídico-social e político. O empenho em
operacionalizar o sistema, buscando extrair dele todo o proveito que ele seja
potencialmente apto a proporcionar, sem deixar resíduos de insatisfação por eliminar e
sem se satisfazer com soluções que não sejam jurídica e socialmente legítimas,
constitui o motivo central dos estudos mais avançados, na ciência processual da
atualidade. Essa é a postura metodológica preconizada de início e caracterizada pela
tônica na instrumentalidade do sistema processual" (destaques do original).
4
A Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST, no art. 10, § 2º, assim prevê: "A
CNDT pode ser exigida para fins de transação imobiliária, mas não exclui a emissão,
pelos Tribunais e Varas do Trabalho, de certidão específica para esse fim".
3
certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento
de situações de interesse pessoal".
Com isso, o efeito da inovação legal também passa a ser o de
impulsionar o devedor de crédito trabalhista, no sentido do pronto
pagamento dos débitos em execução (ou mesmo antes de se iniciar a
execução), para que não perca clientes e oportunidades nas suas
contratações e negociações privadas.
Trata-se, assim, de importante mecanismo de execução indireta 5.
O novo instrumento, portanto, tem o aspecto positivo de poder
colaborar para a maior afetividade e respeito dos direitos trabalhistas, em
nosso Estado Democrático de Direito.
A Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas procura impulsionar e
elevar o grau de efetividade das normas de Direito do Trabalho, no sentido
do seu necessário cumprimento pela sociedade 6, em especial pelos
empregadores e tomadores de serviços.
Como bem destaca Mario Garmendia Arigón, "las normas laborales
que
determinan
obligaciones
para
el
empleador
tendrían
un
lugar
reservado entre aquellas que más requieren de un sistema de coercibilidad
y controlador adecuado" 7.
5
Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.
p. 100-101: "também fala-se em execução, num sentido bastante amplo, para designar a
realização das obrigações. (...) O sentido latíssimo aqui examinado conduz a tratar
como execução, ainda, as medidas de pressão psicológica exercidas sobre o obrigado,
para que cumpra. (...) Na realidade, tais medidas não dão efetividade aos preceitos
jurídicos, mas somente põem o obrigado em verdadeiros dilemas. Não se integram no
conceito técnico-processual de execução, ou execução forçada. Melhor designá-las
como execução indireta" (destaques do original).
6
Cf. REALE, Miguel. Lições preliminares de Direito. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p.
114.
7
GARMENDIA ARIGÓN, Mario. Eficacia práctica de las normas laborales: entre el
derecho y la realidad. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 2005. p. 36.
4
Isso porque, como explica o autor, "se trata de normas cuya eficacia
práctica depende en gran medida del elemento coercibilidad y respecto de
las que muy poco puede esperarse de su cumplimiento espontáneo (o
inspirado en consideraciones extrajurídicas)" 8.
Nesse contexto, pode-se dizer que a Lei nº 12.440/2011 se
consubstancia em relevante mecanismo indireto de cumprimento das
normas trabalhistas imperativas, cogentes e de ordem pública.
3 Regulamentação da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas
Observados os aspectos acima, cabe analisar as principais previsões
legais a respeito da matéria.
Nos termos do art. 642-A, caput, da CLT, acrescentado pela Lei nº
12.440/2011, é instituída a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas
(CNDT), expedida gratuita e eletronicamente para comprovar a inexistência
de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho.
O interessado não obterá a certidão quando em seu nome constar
(art. 642-A, § 1º, da CLT):
I
-
o
inadimplemento
de
obrigações
estabelecidas
em
sentença
condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou
em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente a recolhimentos
previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos
determinados em lei; ou
8
GARMENDIA ARIGÓN, Mario. Eficacia práctica de las normas laborales: entre el
derecho y la realidad, cit., p. 36.
5
II - o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos
firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de
Conciliação Prévia.
Verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente,
ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos
Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da CNDT
(art. 642-A, § 2º, da CLT).
A Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) certificará a
empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais
(art. 642-A, § 3º, da CLT).
O prazo de validade da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas
(CNDT) é de 180 dias, contados da data de sua emissão (art. 642-A, § 4º,
da CLT).
A Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST regulamenta a
expedição da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) e dá
outras providências, uma vez que a expedição da CNDT, eletrônica e
gratuita, pressupõe a existência de base de dados integrada, de âmbito
nacional,
com
informações
sobre
as
pessoas
físicas
e
jurídicas
inadimplentes perante a Justiça do Trabalho.
É instituído, assim, o Banco Nacional de Devedores Trabalhistas BNDT, composto dos dados necessários à identificação das pessoas
naturais e jurídicas, de direito público e privado, inadimplentes perante a
Justiça do Trabalho quanto às obrigações:
I - estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado ou em
acordos judiciais trabalhistas; ou
6
II - decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério
Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia (art. 1º da
Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST).
Nos termos do art. 1º, § 1º, da Resolução Administrativa nº
1.470/2011 do TST, é obrigatória a inclusão no BNDT do devedor que,
devidamente cientificado, não pagar o débito ou descumprir obrigação de
fazer ou não fazer, no prazo previsto em lei.
Nota-se que o dispositivo acima não menciona, ao menos de forma
expressa, o descumprimento de obrigação de entrega de coisa, certamente
por não ser tão frequente na Justiça do Trabalho, mas que também pode
ser objeto de sentença condenatória transitada em julgado, acordo judicial
trabalhista, execução de Termo de Ajuste de Conduta firmado perante o
Ministério Público do Trabalho e acordo firmado perante a Comissão de
Conciliação Prévia.
Antes de efetivar a ordem de inclusão do devedor no BNDT, em caso
de execução por quantia certa, o Juízo da execução deve determinar o
bloqueio eletrônico de numerário por meio do sistema Bacen Jud (art. 655,
inciso I, CPC), e também registrar no sistema, quando for o caso, a
informação sobre a existência de garantia total da execução (art. 1º, § 1ºA, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST).
A medida acima decorre do fato de a garantia total da execução por
depósito,
bloqueio
de
numerário,
ou
penhora
de
bens
suficientes,
devidamente formalizada, ensejar a expedição de Certidão Positiva de
Débitos Trabalhistas, com os mesmos efeitos da CNDT (art. 1º, § 2º, da
Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST).
7
Não será inscrito no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas o
devedor cujo débito é objeto de execução provisória (art. 1º, § 3º, da RA nº
1.470/2011 do TST).
Uma vez inscrito, o devedor passa a compor pré-cadastro para a
emissão da CNDT, dispondo do prazo improrrogável de 30 dias para
cumprir a obrigação, ou regularizar a situação, a fim de evitar a positivação
de seus registros junto ao BNDT (art. 1º, §§ 4º e 5º, da Resolução
Administrativa nº 1.470/2011 do TST). Transcorrido esse prazo de 30 dias,
a inclusão do devedor inadimplente acarretará, conforme o caso, a emissão
de Certidão Positiva ou de Certidão Positiva com efeito de negativa (art.
1º, §§ 4º e 5º, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST).
4 Constitucionalidade da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas
Cabe fazer menção ao entendimento de que a previsão quanto à
impossibilidade de obtenção da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas
(CNDT)
pelo
interessado,
nos
casos
acima
mencionados,
seria
inconstitucional.
Argumenta-se haver situações em que, embora a condenação tenha
transitado em julgado, o valor cobrado na execução não está de acordo
com a coisa julgada material, tendo o executado direito constitucional à
ampla defesa também na execução. Além disso, em conformidade com o
art. 37, XXI, da CF/88, no processo de licitação, apenas são admitidas as
exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia
do cumprimento das obrigações. Portanto, não seria possível a lei
(infraconstitucional) exigir certidão negativa de débitos trabalhistas 9.
9
Cf. MACIEL, José Alberto Couto. Inconstitucionalidade da Certidão Negativa de Débito
Trabalhista. Trabalho em Revista: doutrina, O Trabalho, Curitiba, Decisório Trabalhista,
Fascículo n. 178, p. 6.435-6.439, dez. 2011.
8
Não obstante, em sentido divergente, pode-se dizer que a execução
é necessariamente fundada em título executivo, no qual se consubstancia a
obrigação certa, líquida e exigível (art. 580 do CPC)
10
.
A fase de liquidação, na execução de título judicial, a rigor, é anterior
à execução propriamente
11
. Nessa fase antecedente, de liquidação, em se
tratando de execução definitiva, os limites da coisa julgada material devem
ser observados (art. 879, § 1º, da CLT). Portanto, somente havendo
obrigação líquida, certa e exigível, consubstanciada em título executivo, é
que se autoriza o início da execução.
De todo modo, deve-se reconhecer que podem surgir situações mais
complexas, decorrentes de certas peculiaridades do procedimento de
liquidação trabalhista.
Especialmente quando os cálculos são apresentados pelo contador
ou perito nomeado pelo juízo, faculta-se ao juiz abrir vista às partes, para
que se manifestem de forma fundamentada e específica, no prazo
sucessivo de 10 dias, sob pena de preclusão (art. 879, § 2º, da CLT)
12
.
Desse modo, o juiz também pode homologar de forma imediata a conta
apresentada, proferindo decisão de liquidação. Com isso, a execução já se
inicia (art. 880 da CLT). Nesse caso, somente nos embargos à execução é
que a decisão de liquidação pode ser objeto de impugnação, no caso, pelo
executado (art. 884, § 3º, da CLT).
10
Cf. GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro. 20. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. v. 3. p. 23: "Para se realizar o cumprimento da sentença ou qualquer
execução é preciso verificar o inadimplemento do devedor, que se caracteriza caso este
não satisfaça a obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada em título executivo
(art. 580)".
11
Cf. OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Manual de Processo do Trabalho. 2. ed. São
Paulo: RT, 1999. p. 154: "A liquidação de sentença caracteriza-se como incidente
processual de natureza declaratória e integrativa da execução".
12
Cf. MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 30. ed. São Paulo: Atlas,
2010. p. 727: "Liquidação de sentença é uma fase de execução, que irá preparar a
execução, quantificando o valor devido".
9
Mesmo quando o juiz intima as partes para se manifestarem sobre os
cálculos de liquidação, proferindo, em seguida, a decisão de liquidação,
não há cabível recurso de imediato, por se entender que se trata de
decisão interlocutória (art. 893, § 1º, da CLT), cabendo às partes
interessadas, no momento dos embargos à execução, reiterar a matéria
relativa à liquidação, caso não tenha havido preclusão. Da sentença que
julga os embargos à execução e as impugnações à decisão de liquidação
(art. 884, § 4º, da CLT) é cabível o agravo de petição (art. 897, a, da CLT).
Os embargos à execução, portanto, constituem-se no meio específico
e adequado, previsto no ordenamento jurídico, para o executado se
defender na execução trabalhista, em consonância com a ampla defesa, o
contraditório e o devido processo legal (art. 5º, LIV e LV, da CR/88).
Nas hipóteses acima, mesmo se o executado alegar que ainda não
teve como discutir, de forma efetiva ou por meio de recurso à instância
superior, a respeito dos cálculos ou da decisão de liquidação, mas a fase
de execução já se iniciou, ao garantir a execução, ou obter efeito
suspensivo nos embargos do devedor, aplica-se o art. 642-A, § 2º, ao
determinar que "verificada a existência de débitos garantidos por penhora
suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva
de Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos
da CNDT" (destaquei).
Como acima mencionado, não deve ser inscrito no Banco Nacional
de Devedores Trabalhistas o devedor cujo débito é objeto de execução
provisória (art. 1º, § 3º, da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do
TST).
Ademais, a comprovação da inexistência de débitos inadimplidos
perante a Justiça do Trabalho está abrangida, sim, na exigência de
qualificação técnica e econômica, prevista pela norma constitucional.
10
Nos
termos
do
art.
37,
XXI,
da CR,
"ressalvados os
casos
especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações
serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure
igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que
estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da
proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de
qualificação
técnica
e
econômica
indispensáveis
à
garantia
do
cumprimento das obrigações" (destaquei).
Efetivamente, se a pessoa física ou jurídica é inadimplente quanto
aos créditos trabalhistas (os quais são dotados de privilégio até mesmo
superior do que os créditos fiscais)
execução
definitiva,
econômicas
efetivas
resulta
para
13
, que já são objeto até mesmo de
evidente
dar
que
ela
cumprimento
não
tem
adequado
condições
ao
contrato
administrativo, objeto do processo de licitação.
Portanto, se nem sequer as obrigações decorrentes de execução
definitiva na Justiça do Trabalho são cumpridas pela pessoa física ou
jurídica, torna-se nítida a ausência de sua idoneidade econômica quanto ao
contrato administrativo objeto de licitação pública.
Assim, para a habilitação nas licitações, o art. 29 da Lei nº 8.666/93,
com redação dada pela Lei nº 12.440/2011, passa a dispor que a
documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, exigida dos
interessados, conforme o caso, consistirá em:
I - prova de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou no
Cadastro Geral de Contribuintes;
13
Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2011. p. 465-471.
11
II - prova de inscrição no cadastro de contribuintes estadual ou municipal,
se houver, relativo ao domicílio ou sede do licitante, pertinente ao seu
ramo de atividade e compatível com o objeto contratual;
III - prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e
Municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma
da lei;
IV - prova de regularidade relativa à Seguridade Social e ao Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), demonstrando situação regular no
cumprimento dos encargos sociais instituídos por lei. (redação dada pela
Lei nº 8.883/94);
V - prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do
Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do
Título VII-A da CLT, aprovada pelo DL nº 5.452/1943. (incluído pela Lei nº
12.440/2011).
Como se pode notar, a demonstração da regularidade quanto ao
FGTS, o qual é direito trabalhista (art. 7º, III, da CF/88), já era até mesmo
exigida anteriormente.
Além disso, se até mesmo as comprovações de regularidade quanto
à Fazenda Pública e à Seguridade Social são exigidas, com muito mais
razão, é imperiosa a prova de inexistência de débitos inadimplidos perante
a Justiça do Trabalho (no caso, em execução definitiva), pois estes últimos
decorrem, em essência, do trabalho humano prestado, o que remonta à
própria necessidade de proteção e promoção da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III, da CR).
Ainda
segundo
o
mencionado
posicionamento
que
defende
a
inconstitucionalidade da Lei nº 12.440/2011, os acordos firmados perante o
12
Ministério Público do Trabalho (Termo de Ajuste de Conduta) e as
Comissões de Conciliação Prévia não são processos judiciais, não fazendo
coisa julgada. Além disso, o TAC e o acordo firmado perante a CCP, por
serem de natureza extrajudicial, não são objeto de descumprimento
perante
a
Justiça
do
Trabalho.
Com
isso,
argumenta-se
que
o
inadimplemento dessas obrigações não tem como ser abrangido por
Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), a qual tem como
objetivo comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça
do Trabalho
14
.
Também aqui é possível defender posição divergente.
Na realidade, o art. 642-A, § 1º, II, da CLT, acrescentado pela Lei nº
12.440/2011, é expresso ao mencionar "o inadimplemento de obrigações
decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público
do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia" (destaquei).
Portanto, apenas nos casos de descumprimento de Termo de Ajuste
de Conduta firmado perante o Ministério Público do Trabalho, ou de termo
de conciliação firmado perante a Comissão de Conciliação Prévia, que
tiverem sido objeto de execução ajuizada na Justiça do Trabalho, é que o
interessado não obterá a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas
(CNDT).
Nesse sentido, autorizam a execução, perante a Justiça do Trabalho,
não apenas as decisões e acordos judiciais não cumpridos (títulos
executivos judiciais), mas também os Termos de Ajuste de Conduta
firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de
conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia (art. 876,
parágrafo único, da CLT).
14
Cf. MACIEL, José Alberto Couto. Inconstitucionalidade da Certidão Negativa de Débito
Trabalhista. Trabalho em Revista: doutrina, O Trabalho, Curitiba, Decisório Trabalhista,
Fascículo n. 178, p. 6.439-6.441, dez. 2011.
13
Seja na hipótese do inciso I, seja no caso do inciso II do art. 642-A, §
1º, da CLT, também não se observa, em tese, violação às garantias
constitucionais do contraditório, da ampla defesa, da inafastabilidade do
controle jurisdicional, pois cabe ao executado, no processo (fase) de
execução, exercer o direito de se defender, essencialmente por meio de
embargos à execução, conforme prevê o ordenamento jurídico. Respeitase, assim, o devido processo legal e as demais garantias processuais
decorrentes (art. 5º, LIV e LV, da CR).
Conforme indicado acima, a execução pressupõe título executivo
(judicial ou extrajudicial), o qual se caracteriza pela liquidez, certeza e
exigibilidade. Logo, antes do início da execução fundada em título judicial é
que
se
observa
a
fase
de
liquidação,
sabendo-se
que
os
títulos
extrajudiciais já se caracterizam por consubstanciar obrigação líquida,
certa e exigível.
Como se não bastasse, o já mencionado art. 642-A, § 2º, da CLT é
expresso ao estabelecer que, uma vez verificada a existência de débitos
garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, "será
expedida
Certidão
Positiva
de
Débitos
Trabalhistas
em
nome
do
interessado com os mesmos efeitos da CNDT" (destaquei).
Com isso, afasta-se a alegação de violação ao contraditório e à
ampla defesa, os quais, de acordo com o devido processo legal,
especificamente
quanto
à
execução
trabalhista,
são
exercidos
principalmente por meio dos embargos, os quais pressupõem, em regra, a
garantia do juízo (art. 884, caput, da CLT).
Saliente-se que, no caso de execução fundada em título extrajudicial,
as matérias que podem ser alegadas em embargos à execução não sofrem
14
a mesma limitação da execução decorrente de título judicial, por não se
tratar de fase seguinte no processo de conhecimento.
Deve-se aplicar, assim, o art. 745 do CPC
15
, ao prever que nos
embargos pode o executado alegar: I - nulidade da execução, por não ser
executivo o título apresentado; II - penhora incorreta ou avaliação errônea;
III - excesso de execução ou cumulação indevida de execuções; IV retenção por benfeitorias necessárias ou úteis, nos casos de título para
entrega de coisa certa (art. 621 do CPC); V - qualquer matéria que lhe
seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento.
O sistema jurídico também disciplina a forma de se obter efeito
suspensivo aos embargos à execução, consoante o art. 739-A, § 1º, do
CPC. Há hipóteses em que se admite até mesmo a chamada exceção de
pré-executividade, envolvendo questões de ordem pública (como prevê o
art. 618 do CPC). Caso seja acolhida, e a execução seja extinta, também
deixa de existir o inadimplemento de obrigação estabelecida em sentença
condenatória transitada em julgado.
Ademais, a questão em análise também pode ser examinada sob o
enfoque da colisão de princípios, relativos a direitos fundamentais (por
exemplo, direito à efetividade da tutela jurisdicional versus direito à livreiniciativa ou à participação nas licitações públicas), com a incidência do
princípio
(ou
máxima)
da
proporcionalidade,
em
seus
três
níveis
(adequação, necessidade, proporcionalidade em sentido estrito), para que
se possa aferir se a restrição estabelecida em lei, a um dos direitos
fundamentais envolvidos, é (ou não) constitucional
16
.
15
Cf. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9. ed.
São Paulo: LTr, 2011. p. 1.084-1.085.
16
Cf. CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Considerações acerca das máximas da
razoabilidade e da proporcionalidade. Soluções Jurídicas, Rio de Janeiro, COAD, p. 319, jan. 2012.
15
Pode-se dizer que a Lei nº 12.440/2011, ao estabelecer certa
restrição a um dos possíveis direitos fundamentais envolvidos (à livreiniciativa ou à participação nas licitações), é adequada quanto ao meio
utilizado, levando em conta o objetivo que se busca atingir (seja nos
aspectos da regularidade e higidez das licitações públicas e da execução
dos contratos administrativos, seja quanto à efetividade das normas
trabalhistas e da execução na Justiça do Trabalho); é medida necessária
para se alcançar os fins pretendidos (tanto que os mecanismos existentes
até o momento não têm sido suficientes para a efetividade e a celeridade
no cumprimento das normas e o adimplemento das obrigações trabalhistas
objeto de execução); e não acarreta restrição excessiva ao direito
fundamental
(proporcionalidade
em
sentido
estrito),
em
exame
de
ponderação entre os valores e direitos em discussão, mesmo porque
apenas no caso de inadimplemento em execução definitiva é que há a
inscrição no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas e, assim, o não
fornecimento da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, com a
correspondente emissão da Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas (art.
6º da Resolução Administrativa nº 1.470/2011 do TST).
Não se observa, por outro lado, violação ao princípio da igualdade,
uma vez que este deve ser interpretado em seu enfoque substancial, por
ser vedado tratar de forma igual os que estão em situação desigual
17
.
Nesse sentido, aquele que cumpre todas as obrigações trabalhistas, em
especial aquelas objeto de execução definitiva, não pode receber o mesmo
tratamento daquele que descumpre esses mesmos deveres, sob pena, até
mesmo, de manifesta concorrência desleal. Portanto, se a lei admitisse que
ambos pudessem participar das licitações públicas, em igualdade de
condições, é que haveria afronta ao princípio da isonomia (art. 5º, caput,
da CR).
17
Cf. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p.
40: "o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é
exigência tradicional do próprio conceito de Justiça".
16
5 Conclusão
A Lei nº 12.440/2011, embora voltada às licitações públicas, gera
reflexos importantes para a efetividade das normas de Direito do Trabalho,
bem como, no plano processual, para a celeridade da execução trabalhista,
pois a expedição da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas acaba
sendo uma forma legítima de fazer com o que o devedor cumpra as
obrigações devidas.
A livre-iniciativa, como garantia constitucional, deve ser exercida com
o devido respeito aos direitos fundamentais, nos quais estão inseridos os
de natureza social e trabalhista (arts. 1º, 3º, 6º, 7º, 170 e 193 da CR). Se a
Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) não for fornecida, e o
interessado
entender
que
existe
ilegalidade
ou
inconstitucionalidade
quanto a esse não fornecimento, poderá questionar o ato na esfera
jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF/88), inclusive, se presentes os requisitos
próprios, por meio de mandado de segurança (art. 5º, LXIX, da CF/88).
De todo modo, por ser o tema recente e controvertido, cabe
acompanhar o posicionamento da jurisprudência, em especial do Supremo
Tribunal Federal.
6 Bibliografia
CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Considerações acerca das máximas da
razoabilidade e da proporcionalidade. In: Soluções jurídicas. Rio de
Janeiro: COAD, jan. 2012. p. 3-19.
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17
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OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Manual de Processo do Trabalho. 2. ed.
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18
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