ISSN: 2236-3173
A EFICÁCIA E APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS
Vitor Condorelli dos Santos1
RESUMO
O presente artigo trata da análise da eficácia e aplicabilidade das normas presentes
na Constituição. Este estudo detalha, em escala evolutiva, o pensamento de
diversos autores acerca do tema sem, contudo, esgotar o tema, notadamente, de
vasta amplitude.
Palavras-chave: Constituição; Normas Constitucionais; Aplicabilidade.
O questionamento acerca dos efeitos jurídicos decorrentes das normas é
intenso. Fato este que inspirou, ao longo dos anos, diversos autores a desenvolver
teorias quanto à produção de efeitos jurídicos entre as normas da Constituição, que
será a seguir analisada.
De modo sistematizado, passamos a expor as principais classificações (em
ordem evolutiva), a saber:
1) A classificação bipartida norte-americana de Thomas Cooley. Surgida
em 1927 e difundida entre nós por Ruy Barbosa2, propõe-se a classificar as normas
constitucionais em:
1
Advogado. Membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-SE. Membro da Asociación
Argentina de Derecho Constitucional [Buenos Aires/Argentina]. Especialista em Direito
Constitucional Aplicado pela Universidade Gama Filho [RJ]. Mestre em Bioética e Direito pela
Universidad Del Museo Social Argentino [UMSA]. Doutorando em Direito Constitucional pela
Pontificia Universidad Católica Argentina - UCA/BsAs. Coordenador Adjunto do Curso de Direito da
Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe [FANESE]. Membro do Conselho Científico da
Revista Eletrônica do Instituto Sergipano de Direito do Estado - REIDESE. Membro do Conselho
Editorial da Revista Eletrônica de Direito Aplicado - REDAP. Professor Adjunto da Faculdade de
Administração e Negócios de Sergipe [FANESE] nas disciplinas Ciência Política e Teoria do Estado,
Direito Constitucional, Direito Processual Constitucional e Hermenêutica Jurídica. Professor de
Cursos Preparatórios para Carreiras Jurídicas. Professor de Cursos de Pós-Graduação na Área Jurídica.
2
COLLEY, Thomas. Treatise on the Constitutional Limitations. Traduzida por Ruy Barbosa em
Comentários à Constituição Federal brasileira. Tomo II. 6. ed. Saraiva: São Paulo, 1933. p. 93.
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a) Normas auto-aplicáveis ou auto-executáveis (mandatory, self-executing
provisions, self-enforcing ou self-acting), isto é, as normas constitucionais de
aplicabilidade imediata, pois independem de qualquer complementação por
legislação infraconstitucional;
b) Normas não auto-aplicáveis ou não auto-executáveis (directory, not selfexecuting provisions, not self-enforcing ou not self-enforcing). Aquelas que somente
indicam princípios, sem que estabeleçam normas que lhes deem eficácia, vale dizer,
são as dependentes de legislação infraconstitucional posterior para ser exequíveis3.
2) A classificação tripartida brasileira de Pontes de Miranda. Influenciado
pela teoria norte-americana, Pontes de Miranda4 sistematizou, em 1946, a
compreensão das regras jurídicas em três categorias: regras jurídicas bastantes em
si, regras jurídicas não-bastantes em si e regras jurídicas programáticas.
a) Regras jurídicas bastantes em si são aquelas que se bastam, por si
mesmas, para a sua incidência;
b) Regras jurídicas não-bastantes em si são aquelas que precisam de
regulamentação, porque “sem a criação de novas regras jurídicas, que as
completem ou suplementem, não poderiam incidir e, pois, ser aplicadas”;
c) Regras jurídicas programáticas são aquelas nas quais "o legislador,
constituinte ou não, em vez de editar regra jurídica de aplicação concreta, apenas
traça linhas diretoras, pelas quais se hão de orientar os poderes públicos. A
legislação, a execução e a própria justiça ficam sujeitas a esses ditames, que são
como programas dados à função legislativa".
3) A classificação tripartida italiana de Gaetano Azzaritti5. Em 1948, o
célebre autor italiano dividiu as normas constitucionais em:
a) Normas diretivas. Correspondem às normas programáticas, isto é,
destituídas de eficácia jurídica6;
3
Relacionam-se com os direitos fundamentais de 2ª geração (ou 2ª dimensão).
MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição Brasileira de 1946. 4. ed. rev. aum. Rio de
Janeiro: Forense, 1993.
5
AZZARITTI, Gaetano. La nuova Constituzione e Le Leggi Anteriori. 1948. p. 81.
6
Classificação criticada por Crisafulli que, descrevendo as normas constitucionais, conclui que toda
norma constitucional tem eficácia jurídica, ou seja, eficácia obrigatória (CRISAFULLI, Vezio. La
Constituzione e Le sua Disposizioni di Principio. 1952, p. 54).
4
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b) Normas preceptivas de aplicação direta e imediata. Capazes de produzir,
com sua simples edição, todos os seus efeitos jurídicos;
c) Normas preceptivas de aplicação direta, mas não imediata. Embora,
possam produzir todos os seus efeitos jurídicos quando editadas, admitem
regulamentação legal posterior por parte do Poder Público como forma de restringir
seu alcance.
4) A classificação tripartida brasileira de José Afonso da Silva. Em 1968,
considerando que não há norma constitucional destituída de eficácia, o eminente
Professor José Afonso da Silva7 as divide em três grupos: normas de eficácia plena,
normas de eficácia contida e normas de eficácia limitada.
As normas de eficácia plena (auto-executáveis ou auto-aplicáveis)89 são
aquelas que já produzem os seus plenos efeitos com a entrada em vigor da
Constituição, independentemente de qualquer regulamentação por lei. São, por isso,
dotadas de aplicabilidade imediata (porque estão aptas para produzir efeitos
imediatamente, com a simples promulgação da Constituição), direta (porque não
dependem de nenhuma norma regulamentadora para a produção de efeitos) e
integral (porque já produzem seus integrais efeitos, sem sofrer quaisquer limitações
ou restrições).
As normas de eficácia contida10 são aquelas que também estão aptas para a
produção de seus plenos efeitos com a promulgação da Constituição (aplicabilidade
7
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo: Malheiros,
2007. p. 262.
8
Conceituadas pela doutrina clássica norte-americana como self-executing provisions, self-enforcing
ou self-acting.
9
De fato, como regra, a Constituição federal estabelece que as normas definidoras de direitos e
garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º). Porém, afirmar que uma norma
constitucional é dotada de aplicabilidade imediata não significa dizer que ela dispensa a atuação
positiva por parte dos poderes públicos. Significa dizer, apenas, que o direito nela previsto poderá ser
exigido pelo seu destinatário de imediato, sem necessidade de regulamentação por lei. Vejamos um
exemplo: o inciso LXXIV do art. 5º estabelece que o Estado prestará assistência jurídica integral e
gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Trata-se, conforme já decidiu o STF, de
norma de aplicabilidade imediata (eficácia plena), isto é, o indivíduo pôde, com a simples
promulgação da CF/88, pleitear essa assistência gratuita, sem necessidade de aguardar qualquer
regulamentação por lei. Por outro lado, é norma que exige uma prestação positiva por parte do poder
público, que deverá, por meio das defensorias públicas (art. 134), concretizar essa determinação
constitucional.
10
Michel Temer as define como normas constitucionais de aplicabilidade plena e eficácia redutível ou
restringível (Elementos de direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 24).
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imediata), mas que podem ser restringidas. O direito nelas previsto é imediatamente
exercitável, com a simples promulgação da Constituição, mas esse exercício poderá
ser restringido no futuro. São, por isso, dotadas de aplicabilidade imediata (porque
estão aptas para produzir efeitos imediatamente, com a simples promulgação da
Constituição), direta (porque não dependem de nenhuma norma regulamentadora
para a produção de efeitos), mas não-integral (porque sujeitas à imposição de
restrições).
As restrições às normas de eficácia contida poderão ser impostas:
a) Por lei (ex.: art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, que prevê
as restrições ao exercício de trabalho, ofício ou profissão, que poderão ser impostas
pela lei que estabelecer as qualificações profissionais);
b) Por outras normas constitucionais (ex.: art. 139 e seus incisos, da
Constituição Federal de 1988, que impõe restrições ao exercício de certos direitos
fundamentais, durante o período de estado de sítio);
c) Por conceitos ético-jurídicos geralmente aceitos (ex.: art. 5º, inciso XXV, da
Constituição Federal de 1988, em que o conceito de “iminente perigo público” atua
como uma restrição imposta ao poder do Estado de requisitar propriedade
particular).
As normas de eficácia limitada11 são aquelas que só produzem seus plenos
efeitos depois da exigida regulamentação. Elas asseguram determinado direito, mas
esse direito não poderá ser exercido enquanto não for regulamentado pelo legislador
ordinário. enquanto não expedida a regulamentação, o exercício do direito
permanece impedido. São, por isso, dotadas de aplicabilidade mediata (só
produzirão seus efeitos essenciais ulteriormente, depois da regulamentação por lei),
indireta (não asseguram, diretamente, o exercício do direito, dependendo de norma
regulamentadora para tal) e reduzida (com a promulgação da Constituição, sua
eficácia é meramente “negativa”).
Por sua vez, as normas de eficácia limitada foram divididas pelo Professor
José Afonso da Silva em dois grupos: as definidoras de princípios institutivos
(organizativos ou orgânicos) e as definidoras de princípios programáticos.
11
Também conceituada por alguns autores como norma de aplicabilidade diferida.
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As normas de eficácia limitada definidoras de princípios institutivos
(organizativos ou orgânicos) são aquelas pelas quais o legislador constituinte traça
esquemas gerais de estruturação e atribuições de órgãos ou entidades, para que o
legislador ordinário os estruture posteriormente, mediante lei. São aquelas que se
propõem a criar organismos ou entidades ou, ainda, definir suas competências. São
exemplos na Constituição Federal de 1988: “a lei disporá sobre a organização
administrativa e judiciária dos territórios” (art. 33); “a lei disporá sobre a criação,
estruturação e atribuições dos ministérios” (art. 88); “a lei regulará a organização e o
funcionamento do conselho de defesa nacional” (art. 91, §2º); “a lei disporá sobre a
constituição, investidura, jurisdição, competência, garantias e condições de exercício
dos órgãos da justiça do trabalho” (art. 113).
As normas de eficácia limitada definidoras de princípios programáticos são
aquelas pelas quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente,
determinados interesses, limitou-se a lhes traçar os princípios para serem cumpridos
pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como
programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do
Estado. Esse grupo de normas corresponde ao que a doutrina denomina,
simplesmente, “normas programáticas”, como são exemplos o art. 7º, inciso XX; o
art. 7º, inciso XXVII; o art. 173, §4º; o art. 216, §3º, todos da Constituição Federal de
1988.
Por fim, destacamos outras classificações, não menos importantes, a serem
consideradas. São exemplos:
1) A classificação de Maria Helena Diniz. Conforme a autora12, as normas
constitucionais, segundo sua eficácia, dividem-se em:
a) Normas com eficácia absoluta (ou supereficazes). São consideradas
imutáveis, não podendo ser emendadas, enfim, os princípios constitucionais
sensíveis13 e as chamadas cláusulas pétreas14.
b) Normas com eficácia plena15.
12
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.
101-115.
13
Art. 34, VII, alíneas a a e da Constituição brasileira de 1988.
14
Art. 60, §4º, incisos I a IV da Constituição brasileira de 1988.
15
Equivalentes às normas de eficácia plena.
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c) Normas com eficácia relativa restringível16.
d) Normas com eficácia relativa complementável ou dependente de
complementação legislativa17. Encontram-se dividas em: normas de princípio
institutivo e normas programáticas.
2) A classificação de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto. Em sua
obra18 os autores classificam as normas constitucionais em:
a) Normas de aplicação regulamentáveis. São aquelas que, embora não
necessitem de regulamentação legal posterior à sua vigência para a produção de
seus efeitos, permitem-na apenas para auxiliar a sua melhor aplicação. Ex.: as
normas que prescrevem as ações constitucionais (habeas corpus, habeas data,
mandado de segurança...);
b) Normas de aplicação irregulamentáveis. São aquelas cuja normatividade
se esgota na própria Constituição e cuja matéria somente poderá ser tratada a nível
constitucional. Ex.: art. 2° da Constituição Federal de 1988;
c) Normas de integração restringíveis19;
d) Normas de integração completáveis20.
3) A classificação de Uadi Lammêgo Bulos21. O autor inova ao instituir as
normas de eficácia exaurida (ou esvaída), isto é, aquelas que já extinguiram a
produção de seus efeitos, tendo, portanto, sua aplicabilidade esgotada. São próprias
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. Como exemplo, temos
os arts. 11, 13, 14 e 15, todos da Constituição Federal de 1988.
4) A classificação de Luís Roberto Barroso22. Modernamente, quanto ao
conteúdo das normas constitucionais, encontramos:
a) Normas definidoras de organização. Disciplinam o funcionamento do
próprio Estado, a competência das entidades federativas, o mandato do Presidente
ou, ainda, o disposto nos arts. 1°, 2° e 18 da Constituição Federal de 1988;
16
Equivalentes às normas de eficácia contida.
Equivalentes às normas de eficácia limitada.
18
BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das normas
constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982. p. 48.
19
Equivalentes às normas de eficácia contida.
20
Equivalentes às normas de eficácia limitada.
21
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 335
22
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2013.
17
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b) Normas definidoras de direitos. Cuidam dos direitos fundamentais, a
exemplo dos arts. 5° e seus incisos, 12 e 14 da Constituição Federal de 1988;
c) Normas programáticas. São as que tratam das finalidades sociais do
Estado, sem um grau de detalhamento suficiente para a produção do todos os seus
efeitos. Ex.: saúde, lazer, moradia, alimentação, educação...
REFERÊNCIAS
AZZARITTI, Gaetano. La nuova Constituzione e Le Leggi Anteriori. 1948.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2013.
BASTOS, Celso Ribeiro; BRITTO, Carlos Ayres. Interpretação e aplicabilidade das
normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 1982.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 10. ed. São Paulo:
Saraiva, 2012.
COLLEY, Thomas. Treatise on the Constitutional Limitations. Traduzida por Ruy
Barbosa em Comentários à Constituição Federal brasileira. Tomo II. 6. ed.
Saraiva: São Paulo, 1933.
CRISAFULLI, Vezio. La Constituzione e Le sua Disposizioni di Principio. 1952.
DINIZ, Maria Helena. Norma constitucional e seus efeitos. 8. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009.
MIRANDA, Pontes. Comentários à Constituição Brasileira de 1946. 4. ed. rev.
aum. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São
Paulo: Malheiros, 2007.
TEMER, Michel. Elementos de direito constitucional. 24. ed. São Paulo:
Malheiros, 2014.
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